Artigo - Paternidade socioafetiva - Por Luiz Fernando Valladão
Luiz Fernando Valladão: Advogado, diretor do Instituto Brasileiro de Direito de
Família de Minas Gerais (IBDFAM/MG)
A notória revolução ocorrida no âmbito da família brasileira revela mudanças
conceituais, sendo uma delas a criação das relações socioafetivas. Essas são as que
envolvem pessoas sem qualquer parentesco sanguíneo, como a relação entre filhos
e pais de criação ou, de maneira figurada, de coração. Trata-se da relação baseada
no afeto e não apenas na origem biológica, a chamada paternidade socioafetiva.
Apesar de a paternidade socioafetiva não estar expressamente prevista em nossa
legislação atual, não existem dúvidas de que ela está assegurada
constitucionalmente na Carta Magna. Nela, está registrado que “os filhos, havidos
ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e
qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação”.
Além disso, segundo o Código Civil, “o parentesco é natural ou civil, conforme
resulte de consanguinidade ou outra origem”.
A expressão “outra origem”, entre outras hipóteses, significa o parentesco derivado
do carinho, do respeito, da afeição e da dedicação, mesmo que a relação existente
entre seus sujeitos não seja de cunho biológico. Portanto, afere-se do dispositivo
legal mencionado que o parentesco biológico não é o único que gera efeitos
jurídicos e sociais. Pelo contrário, em determinados casos, a verdade biológica,
ainda que provada pelo quase infalível exame de DNA, cede espaço para a verdade
socioafetiva, construída com base nas situações de afeto mútuo entre pais e filhos.
Essa afirmativa traz à baila a importância primordial do pai social, cuja ligação com
o filho não foi gerada a partir de uma relação sexual, muitas vezes sem a menor
importância para os seus protagonistas, mas sim derivada do amor, da dedicação e
do carinho constantes durante toda uma vida.
Destaque-se que a tese defendida, depois de ter sido amplamente discutida pelos
operadores do direito, encontra total amparo na jurisprudência brasileira, inclusive
nos tribunais superiores, onde já se decidiu que “o reconhecimento de paternidade
é válido e se reflete na existência duradoura do vínculo socioafetivo entre pais e
filhos. A relação socioafetiva é fato que não pode ser, e não é, desconhecido pelo
direito” (relatora, ministra Nancy Andrighi, do Superior Tribunal de Justiça). Diante
disso, não obstante o indispensável estudo dos casos, com todas as suas
particularidades e especificidades, é possível concluir que a paternidade
socioafetiva pode muitas vezes se sobrepor à paternidade biológica. E, quando tal
fato ocorrer, obviamente haverá consequências em outros setores, como no direito
a alimentos e no direito sucessório.
Fonte: Jornal Estado de Minas
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