1 UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO CAMPUS UNIVERSITÁRIO DO ARAGUAIA INSTITUTO DE CIENCIAS HUMANAS E SOCIAIS CURSO DE LETRAS HALAN COELHO DA SILVA GUNTHER A LINGUAGEM ORAL UTILIZADA EM UM ESTABELECIMENTO PRISIONAL DE BARRA DO GARÇAS-MT: algumas perspectivas sócio-linguísticas BARRA DO GARÇAS-MT 2010 2 08 HALAN COELHO DA SILVA GUNTHER A LINGUAGEM ORAL UTILIZADA EM UM ESTABELECIMENTO PRISIONAL DE BARRA DO GARÇAS-MT: algumas perspectivas sócio-linguísticas Monografia apresentada ao Departamento de Letras, como requisito parcial para obtenção do Grau de Licenciado em Letras- Português e Literatura da Língua Portuguesa pela Universidade Federal de Mato Grosso, sob a orientação da Profª Me.Maria Claudino da Silva Brito. Orientadora: Profª Me. Maria Claudino da Silva Brito. BARRA DO GARÇAS-MT 2010 3 08 GUNTHER, Halan Coelho da Silva. A LINGUAGEM ORAL UTILIZADA EM UM ESTABELECIMENTO PRISIONAL DE BARRA DO GARÇAS-MT: uma perspectiva sócio-linguística. UFMT/CUA/ICHS, 2010. 71 f. Monografia apresentada ao Departamento de Letras, como requisito parcial para obtenção do Grau de Licenciado em Letras-Português e Literatura da Língua Portuguesa pela Universidade do Estado de Mato Grosso, sob a orientação da Profª Me. Maria Claudino da Silva Brito. 1. Educação 2. Linguagem 3. Cadeia Pública 4. Reeducandos. 4 08 UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO CAMPUS UNIVERSITÁRIO DO ARAGUAIA INSTITUTO DE CIENCIAS HUMANAS E SOCIAIS CURSO DE LETRAS HALAN COELHO DA SILVA GUNTHER A LINGUAGEM ORAL UTILIZADA EM UM ESTABELECIMENTO PRISIONAL DE BARRA DO GARÇAS-MT: algumas perspectivas sócio-linguísticas Aprovado pela Banca Examinadora em _____/_____/_____Nota________ ______________________________________ Profª. Me. Maria Claudino da Silva Brito Orientadora ______________________________________ Profª. Me. Ana Maria Penalva Mancini Examinadora ______________________________________ Prof. Me. Eliel Ferreira da Silva Examinador Barra do Garças-MT,______de_____________________de 2010. 5 08 DEDICATÓRIA À minha querida mãe, pelo exemplo que representa para mim, pela perseverança, amor à vida e coragem para seguir em frente, sempre. À minha esposa Adline, minha companheira, pessoa que me faz crescer cada dia mais, parte integrante nessa conquista. Aos filhos, fontes de inspiração. À Profª Me. Maria Claudino da Silva Brito, minha orientadora, pela atenção e agradável companhia nessa busca pelo conhecimento. Aos meus colegas de curso, pela colaboração para o meu conhecimento. Aos companheiros de labuta, colegas de trabalho, verdadeiros irmãos, símbolos de fé, entusiasmo e perseverança para conquistar vitórias. 6 08 AGRADECIMENTOS À Deus, pela oportunidade de usufruir do amargo e do doce da vida. À minha mãe, por todo o esforço em proporcionar-me o que de melhor estivesse a seu alcance, principalmente a educação familiar, a moral e ao respeito as pessoas. À minha esposa, que ensina-me a viver com responsabilidade, respeito e alegria. Aos educadores que contribuíram não só para o meu crescimento acadêmico, mas para a vida, mostrando-me a diferença entre indivíduo e pessoa, homem de humano. Aos amigos e aos inimigos, pois todos estão inseridos em meu processo de crescimento. 7 08 “O que é persuasivo é o caráter de quem fala e não a sua linguagem” (Menandro) 8 08 RESUMO O ambiente prisional no qual os reeducandos de cadeias públicas e presídios são inseridos favorece o desenvolvimento de novos significados das palavras, uma nova forma se comunicar que difere daquelas utilizadas no ambiente externo ao cárcere. Neste sentido, esta pesquisa teve como fito estudar a linguagem oral utilizada como meio de comunicação em uma Cadeia Publica de Barra do Garças-MT, verificando alguns fatores que motivam os reeducandos a usarem tal dialeto. Para tanto, realizou-se uma pesquisa por meio de entrevistas, com os detentos que cumprem a sua pena em regime fechado na cadeia pública, assim como com os agentes prisionais que mantém contato direto com os presos. Com essa pesquisa foi possível observar o quão forte é a variação lingüística praticada pelos apenados para se comunicarem assim como, poderem elaborar planos e estratégias para conseguirem vantagens dentro da cadeia. No meio prisional, forma-se uma sociedade organizada, com normas específicas, códigos secretos, linguagens próprias. Aqueles que não pretendem ter problemas com os colegas de cárcere, procuram aprender o mais rápido possível seu modo de vida, mesmo que isso sirva apenas como um mecanismo de defesa. Palavras-chave: Educação. Linguagem. Cadeia Pública, Reeducandos. 9 08 SUMÁRIO INTRODUÇÃO..........................................................................................................09 1 EDUCAÇÃO E LINGUAGEM – ALGUNS CONCEITOS...............................11 1.1 Conceitos e Pareceres de Teóricos acerca da Educação........................11 1.2 Linguagem................................................................................................15 1.2.1 O nascimento ou origem da Linguagem...........................................15 1.2.2 Funções de Linguagem.....................................................................17 1.3 Variações Lingüísticas..............................................................................19 1.3.1 Variação Sociocultural.....................................................................20 1.3.2 Variação Geográfica........................................................................20 1.3.3 Variação Histórica............................................................................20 2 METODOLOGIA.............................................................................................23 2.1 Objeto de Pesquisa..................................................................................23 2.2 A escolha do Tema...................................................................................23 2.3 Uma breve contextualização de uma Cadeia Pública em Barra do GarçasMT.............................................................................................................24 2.4 Atores da pesquisa...................................................................................26 2.5 Coleta de dados .......................................................................................29 2.6 O que pretendo responder com esta pesquisa.........................................29 3 APRESENTAÇÃO DOS DADOS...................................................................31 3.1 Análise das respostas dos sujeitos da pesquisa.......................................31 3.2 Questionário aplicado aos reeducandos..................................................31 3.3 Questionário aplicado aos Agentes Prisionais..........................................36 CONSIDERAÇÕES FINAIS.......................................................................................41 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...........................................................................43 ANEXO.......................................................................................................................45 APÊNDICE.................................................................................................................48 10 08 INTRODUÇÃO Esse estudo tem por objetivo compreender a linguagem oral praticada pelos reeducandos de uma cadeia pública em Barra do Garças-MT. Essas pessoas, as quais são submetidas ao cárcere, desenvolvem-se enquanto sociedade, organizam-se de forma a buscar uma identidade, seja por meio de regras de conduta específicas, comportamentos próprios e de forma bem marcante, usando uma linguagem específica bem característica. É sob esse aspecto – a linguagem – que o estudo se desenvolve, abrangendo ainda, alguns conceitos de educação, pois para que haja entendimento, interação, os atores sociais necessitam de aprender o dialeto utilizado no local onde vivem. As instituições prisionais encarceram pessoas acusadas ou condenadas por agirem em desacordo com as leis. Alguns não conseguem mais se adequar as normas de conduta externas as das cadeias, tornando-se reincidentes e sempre retornando ao ambiente prisional. Teoricamente as cadeias e penitenciárias, servem para punir os infratores da lei, além de trabalharem para o retorno daqueles criminosos ao meio social, contudo, isso não ocorre, pois o Estado não consegue fornecer os subsídios necessários para que o delinqüente se pague por seu crime e retorne a sociedade, pronto para ser um cidadão. Essa ausência estrutural, fortalece ainda mais, a cultura prisional, que vai desde as regras sociais da prisão, passando por rituais, e incluindo nesse rol, as 11 08 mais diferentes formas de linguagem, sejam elas: as tatuagens, os gestos, as gírias, os dialetos, as posturas etc. Foi desenvolvido um estudo sobre a linguagem oral, o dialeto específico, a variação lingüística particular dos detentos. Uma forma de se comunicar, por meio de palavras novas, bem como com a substituição de significados as palavras utilizadas no cotidiano. Existe uma interação entre as variações lingüísticas praticadas no meio social de modo geral, com as variações utilizadas nas prisões. Há um dialogismo, uma vez que tais variantes interagem entre si, transpondo os muros das penitenciárias e chegando ao conhecimento dos detentos, assim como, das pessoas, principalmente da juventude, que está pronta para absorver tudo o que é novo. É comum em determinados meios sociais, o uso de gírias, inclusive aquelas usadas em instituições prisionais, até mesmo porque um ex-detento, sai da cadeia e traz consigo um pouco de suas experiências de cárcere. Transmitindo-as voluntária ou involuntariamente as demais pessoas. A estrutura do trabalho acontece da seguinte forma: no Capítulo I, apresento algumas teorias referentes ao tema, a partir da visão de alguns autores. No Capítulo II, falo sobre a metodologia da pesquisa, focalizando, também, os instrumentos de coleta de dados e a minha questão-problema. Por fim, no Capítulo III, exponho os dados coletados e procuro analisá-los, a partir do balizamento teórico exposto no Capítulo I. Para enriquecimento da pesquisa, foram elaboradas questões para que parte dos envolvidos no ambiente prisional contribuíssem, com suas opiniões a respeito do tema abordado. Esta pesquisa foi desenvolvida com o auxilio de um grupo de agentes prisionais e alguns detentos que se voluntariaram a responder alguns questionamentos. 12 08 1 EDUCAÇÃO E LINGUAGEM – ALGUNS CONCEITOS 1.1 Conceitos e Pareceres de Teóricos acerca da Educação Assevera Haidt (1999) que a palavra educação apresenta-se com dois sentidos: o social e o individual. É social, quando os mais antigos, ou as gerações adultas impõem-se sobre as mais jovens, norteando o comportamento destes. Isso ocorre por meio da transmissão do conjunto de conhecimentos, normas, valores, crenças, usos e costumes aceitos pelo grupo social. Nesse sentido, o termo educação tem sua origem no verbo latino educare, que significa alimentar, criar. Expressando portanto, a idéia de que a educação é algo externo, concedido a alguém (HAIDT, 1999). Assim concebida, a educação é uma manifestação da cultura e depende do contexto histórico e social em que está inserida. Haidt (1999) afirma ainda, que seus fins variam, portanto, com as épocas e as sociedades. Do ponto de vista social, a educação, é a transferência, por meio das gerações adultas, dos valores, normas, usos, costumes, conhecimentos aos mais jovens. Assim sendo, a educação se dá de forma assistemática - isso nas sociedades mais simples e primitivas. As crianças e os jovens começam a integrarse nas atividades dos adultos e pela experiência direta, conhecem as lendas, mitos, normas de conduta, técnicas de trabalho, formas de convívio etc. Em sociedades mais complexas, é imperativa a necessidade de se buscar técnicas e priorizar 13 08 certos conhecimentos necessários a perpetuação daquela cultura, assim surge a escola, instituída e regulamentada pelo grupo (HAIDT, 1999). Do ponto de vista individual, a educação refere-se ao desenvolvimento das aptidões e potencialidades de cada indivíduo, tendo em vista o aprimoramento de sua personalidade. Nesse sentido, o termo educação se refere ao verbo latino educare, que significa fazer sair, conduzir para fora. O verbo latino expressa, nesse caso, a idéia de estimulação e liberação de forças latentes (HAIDT, 1999). Ambos os conceitos são de cunho formativo. Afirma James in Brandão (1985) que educação nada mais é que “a organização dos recursos biológicos individuais, e das capacidades de comportamento que tornam o indivíduo adaptável ao seu meio físico ou social”. A respeito da educação Durkheim in Brandão (1985, p. 71) cita que: A educação é a ação exercida pelas gerações adultas sobre as gerações que não se encontram ainda preparadas para a vida social; tem por objeto suscitar e desenvolver na criança certo número de estados físicos intelectuais e morais renomados pela sociedade política no seu conjunto e pelo meio especial a que a criança particularmente, se destina. (DURKHEIM). Este observa que aqueles mais idosos ou que têm maior tempo de convívio em determinado meio social, político, econômico etc. exercem ações que agem como estímulos educativos ante aqueles que estão a menos tempo inseridos nos mesmos ambientes que eles. Assim, pode-se considerar que os mais experientes, valendo-se de sua vivência, praticam ações educacionais nos menos experientes, massificando e estampando os preceitos morais e intelectuais de forma a possibilitar a vivência e convivência na sociedade em que se encontram. Brandão (1995) afirma, ainda, que a Educação é, como outros, uma fração do modo de vida dos grupos sociais que a criam e recriam, entre tantas outras invenções de sua cultura, em sua sociedade. 14 08 Tais pensamentos remetem a idéia de que a Educação propicia ao ser humano, a oportunidade de pelo simples fato de existir - mesmo que pelo exemplo, por suas ações, idéias, pensamentos, posturas – ensinar algo. Melhor seria dizer que este, torna seu ato individual, como pessoa, em um ato social, afetando aqueles à sua volta. Seguindo essa lógica, o contrário também ocorre, ou seja, aquilo que é tido como coletivo exerce influência no indivíduo. Brandão (1995) segue essa lógica quando expõe que a educação: [...] pode existir livre, e, entre todas, pode ser uma das maneiras que as pessoas criam para tornar comum, como saber, idéia, como crença, aquilo que é comunitário como bem, como trabalho, ou como idéia. Pode existir também, imposta por um sistema centralizado de poder, que usa o saber e o controle sobre o saber, como armas que reforçam a desigualdade entre os homens, na divisão dos bens, do trabalho, dos direitos e dos símbolos. Sobre a Educação Informal, no site do INEP (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira) podemos citar que é um processo de ensino-aprendizagem que vai além do ensinado nas escolas, academias, etc. e que é discutido pelos educadores, os quais acreditam no empenho das pessoas em ensinar também com ações, práticas construtivas e salutares para a sociedade. Esse tipo de educação, a informal, transcende o ambiente acadêmico, ou seja, o processo de aprendizagem contínuo e fortuito que se dá fora do esquema formal e não-formal de ensino, durante toda vida - ao adotar atitudes, aceitar valores e adquirir conhecimentos e habilidades assim como as influências do meio social, como: a família, a vizinhança, o trabalho, os esportes, a biblioteca, os jornais, a rua, o rádio, entre outros. Tal educação, abrange todas as possibilidades educativas, no andamento da vida da pessoa. Assim confirma Brandão (p. 20) dizendo: Os que não sabem espiam, na vida que há no cotidiano, o saber que ali existe, vêem fazer e imitam, são instruídos com o exemplo, incentivados, treinados, corrigidos, punidos, premiados e, enfim, aos poucos aceitos entre os que sabem fazer e ensinar com o próprio exercício vivo do fazer.” Kerschesteiner in Brandão (1995 p. 65) diz que a Educação é uma forma de valorização individual e organizada, sendo variável em extensão e profundidade para cada pessoa e absorvida pela sociedade e por sua cultura. 15 08 Cohn in Brandão (1995 p. 66) fala em Educação como sendo uma influência determinada e consciente exercida sobre o ser humano - que está sempre suscetível a mudanças – objetivando sua formação como pessoa. Werner Jaeger in Brandão (1995 p.74) dá ênfase à educação, como pertencente ao grupo. Um bem social e não apenas individual, solitário. Tal bem, deve servir a todos os indivíduos, de forma coletiva, por meio da oralidade, da fala. Primeiro que tudo, a educação não é uma propriedade individual, mas pertence por essência à comunidade. O caráter da comunidade imprimese em cada um dos seus membros e é no homem... muito mais que nos animais, fonte de toda a ação e de todo o comportamento. Em nem uma parte o influxo da comunidade nos seus membros tem maior força que é no esforço constante de educar, em conformidade com o seu próprio sentir, cada nova geração. Brandão (1995) em seus estudos, forma seu próprio conceito de Educação, o que na verdade é a junção de tantos outros já elaborados por diversos pensadores. Ele conclui que: A educação é uma prática social (como a saúde pública, a comunicação social, o serviço militar) cujo fim é o desenvolvimento do que na pessoa humana pode ser aprendido entre os tipos de saberes existentes em uma cultura, para a formação de tipos de sujeitos, de acordo com as necessidades e exigências de sua sociedade, em um momento da história de seu próprio desenvolvimento. Reitera seu pensamento quando diz acreditar em uma educação que possua várias formas e modelos. Comenta ainda que não há um único local para se aprender, não é só na ambiente acadêmico, com a educação formal que se aprende e duvida ainda que aquele ambiente seja realmente o melhor para se ensinar (BRANDÃO, 1995 p.09). Os conceitos de Educação aqui citados, fazem menção a ela, como algo que auxilia na melhoria da sociedade – do espaço de convivência de pessoas. 16 08 1.2 LINGUAGEM 1.2.1 O nascimento ou origem da Linguagem A filósofa Marilena Chauí (2002) em sua obra “Convite a Filosofia” versa sobre a origem da linguagem. De acordo com seus estudos, a linguagem começou a ser questionada quanto ao seu nascimento e causas na Grécia, ocasião em que concluíram que: [...] “a linguagem como capacidade de expressão dos seres humanos é natural, isto é, os humanos nascem com uma aparelhagem física, anatômica, nervosa e cerebral que lhes permite expressarem-se pela palavra [...]” Os questionamentos acerca da linguagem e seu surgimento, tiveram como resultados iniciais, quatro soluções: a primeira tratava a linguagem como nascida por imitação, ou seja, os homens imitavam os sons da natureza, utilizando a voz; a segunda, via a linguagem como nascida da imitação dos gestos, ou encenação que gradativamente foi acompanhada por sons, os quais paulatinamente foram transformando-se em palavras; a terceira via a linguagem como resultado das necessidades humanas como: a fome, a sede, assim como as necessidades sociais do homem de unirem-se como meio de defesa contra animais, por exemplo. Formando assim um vocabulário básico que, aos poucos, foi tornando-se mais complexo; a quarta explicação afirmava que a linguagem surgiu das emoções, principalmente do “grito” que expressava o medo, a alegria etc, assim como o choro (dor, medo, compaixão) e do riso. (CHAUÍ, 2002 p.140) O pensador Rousseau em Chauí (2002, p. 140) afirma acerca da origem das línguas: Não é a fome ou a sede, mas o amor ou o ódio, a piedade, a cólera, que aos primeiros homens lhes arrancaram as primeiras vozes...Eis porque as primeiras línguas foram cantantes e apaixonadas antes de serem simples e metódicas. Seguindo essa idéia, a linguagem é concebida em principio pelos sentimentos, pela paixão, portanto, traz um sentido figurativo surgindo como canto e 17 08 poesia. Somente depois existindo a prosa. As vogais vieram antes que as consoantes, bem como a pintura antes que a escrita. Desse modo, os homens cantaram seus sentimentos e apenas bem depois manifestaram seus pensamentos. Uma linguagem se estabelece ao passo que os meios de expressão se tornam de significação. Gesto, grito, pode demonstrar o medo ou alegria, por exemplo. Já as palavras, enunciados, do que se tratam a alegria ou o medo, dando substância a eles, esclarecendo que esses não são apenas expressões, mas sentimentos. (CHAUÍ, 2002 p.140). Rousseau in Chauí (2002 p. 137) trata a linguagem como companheira do homem em toda sua vida, e não apenas acompanhante do pensamento. É, na verdade, segundo ele, “um fio profundamente tecido na trama do pensamento”, “o tesouro da memória e a consciência vigilante transmitida de geração a geração”. Esse pensamento remete a idéia de que a linguagem é uma peculiaridade comunicativa exclusiva do homem, de sua relação com o mundo, da vida social e política, de sua interação com os outros, do pensamento e das artes. (ROUSSEAU in CHAUÍ 2002 p. 137). Platão in Chauí, (2002 p. 137) afirmava que a linguagem é um “pharmakon”, palavra de origem grega que significa poção com três sentidos principais: remédio, veneno e cosmético. O filósofo dizia que a linguagem poderia ser “um medicamento ou um remédio para o conhecimento”, já que através da interação comunicativa, temos a oportunidade de conhecer nossa ignorância e ainda, acrescentar novos conhecimentos com o outro. Todavia, poderia ser considerada “um veneno”, pois, pelo poder de sedução das palavras, nos impor sorrateiramente, fascinados, aquilo que é visto ou lido, sem ao menos questionarmos quanto à veracidade de tais palavras. Por fim, a linguagem poderia ser “um cosmético”, uma maquiagem ou máscara usada para obscurecer ou mesmo esconder o verdadeiro sentido de tais palavras. (PLATÃO in CHAUÍ, 2002 p. 137). 18 08 1.2.2 Funções de Linguagem Para que se possa entender as funções de linguagem, primeiro deve se conhecer as etapas de comunicação. A comunicação está presente em quase todos os momentos da vida, não só quando se fala ou redige um texto. A comunicação confunde-se com a própria vida. Temos tanta consciência de que comunicamos como de que respiramos ou andamos. Somente percebemos a sua essencial importância quando por acidente ou uma doença, perdemos a capacidade de nos comunicar. (BORDENAVE, 1982. p. 17-19). No ato comunicativo percebe-se a existência de alguns fatores que nortearam todo o processo lingüístico os quais são: emissor: aquele que envia a mensagem (pode ser um ato individual ou coletivo), receptor: a quem a mensagem é endereçada (pode ser uma única pessoa ou grupo), canal de comunicação: é o meio pelo qual a mensagem é transmitida, código: um conjunto de signos que possuem regras as quais podem ser combinadas para a elaboração da mensagem e que devem ser conhecidas pelo emissor e receptor para uma plausível compreensão do ato e por fim, tem se o contexto: é o objeto ou a situação a que a mensagem se refere. (CHALHUB in PEREIRA, 2003. p. 5) Chalhub in Pereira (2003) em sua pesquisa sobre a Linguagem na Internet: Uma perspectiva funcional cita que: Diferentes mensagens veiculam significações as mais diversificadas, mostrando na sua marca e traço, no seu efeito, o seu modo de funcionar. O funcionamento da mensagem ocorre tendo em vista a finalidade de transmitir – uma vez que participam do processo comunicacional: um emissor que envia a mensagem a um receptor, usando do código para efetuá-la; esta, por sua vez, refere-se a um contexto. A passagem da emissão para a recepção faz-se através do suporte físico que é o canal. Assim, ficaram estabelecidos, por meio dessas visões, os fatores que embasam o ato comunicativo: emissor, receptor, canal, código, referente, mensagem. 19 08 Com base nessas concepções Roman Jakobson, lingüista russo, desenvolveu estudos sobre as funções de linguagem, cada uma com características próprias e guiadas a partir de seus elementos característicos. Destarte, tem-se: a) função referencial: busca transmitir informações objetivas sobre o referente (objeto ou situação de que a mensagem trata) com predominância em textos científicos e é privilegiada, nos jornalísticos; b) função expressiva ou emotiva: centrada no remetente, o qual imprime no texto marcas de atitudes pessoais, principalmente as emoções. Assim, de acordo com Jakobson “tende a suscitar a impressão de uma certa emoção, verdadeira ou simulada”. Faz uso de interjeições; c) função conativa: centrada no destinatário, tende a organizar o texto de forma que se imponha sobre o receptor da mensagem, persuadindo-o. É constante o uso do vocativo e do imperativo; d) função fática: tem por objetivo iniciar, prolongar ou mesmo encerrar o contato entre o emissor e o receptor. Testa o canal. Diz Jakobson: “o empenho em iniciar e manter a comunicação é típico das aves falantes; assim, a função fática da linguagem é a única que compartilha com os seres humanos.”; e) função metalingüística: o discurso focaliza o código, ou seja, o código é o tema da mensagem ou é utilizado para explicar o próprio código; f) função poética: a mensagem é elaborada de forma inovadora, com uso de combinações sonoras, jogos de imagens ou idéias; Possui a característica de despertar no leitor prazer estético e surpresa. Em uma mesma mensagem verbal, podemos reconhecer quase sempre mais de uma função, embora uma delas prevaleça. 20 08 Apesar de percebermos seis aspectos básicos da linguagem, seria difícil encontrar mensagens verbais com características de apenas uma função. A diversidade reside não no privilégio exclusivo de alguma dessas funções, mas, sim, numa diferente ordem hierárquica de funções. O que deve ser levado em consideração são as características da função que mais se destaca e que imponha seu predomínio. (JAKOBSON in PEREIRA, 1997. p. 123) 1.3 VARIAÇÕES LINGUÍSTICAS Toda falante de uma língua conhece suas regras gerais de funcionamento. O falante conhece a estrutura do idioma, mas isso não quer dizer que todos o utilizem rigorosamente da mesma forma. Muitos são os fatores - idade, grupo social, sexo, grau de escolaridade etc. - que interferem de forma singular que o falante tem de se expressar. Afirmamos, assim, que um idioma está suscetível a mudanças, ou como são chamadas - variações lingüísticas. (AMARAL et al, 2000 p. 323). Amaral (2000) et al. enumera, de forma simples e genérica, as variações lingüísticas: • Variação sociocultural = grupo social ao qual o falante pertence; • Variação geográfica = região em que o falante vive durante um certo tempo; • Variação histórica = tempo (época) em que o falante vive. Para Travaglia (1996 p. 41): Todos sabem que existe um grande número de variedades lingüísticas, mas ao mesmo que se reconhece a variação lingüística como um fato, observase que a nossa sociedade tem uma longa tradição em considerar a variação numa escala valorativa, às vezes até moral, que leva a tachar os usos característicos de cada variedade como certos ou errados, aceitáveis ou inaceitáveis, pitorescos, cômicos etc. 21 08 1.3.1 Variação Sociocultural São aquelas variações motivadas pela influência das condições sociais das pessoas (falantes). Dentro do que Amaral (2000) chama de variação sociocultural, Travaglia (1996) fala sobre os dialetos na dimensão social. (TRAVAGLIA, 1996, p. 45). Para esse autor, esses dialetos representam as variações que ocorrem de acordo com a classe social a que pertencem os usuários da língua. Para ele, há uma tendência para maior semelhança entre os atos verbais dos membros de um mesmo setor sócio-cultural da comunidade. Dessa forma, consideram-se como variedades dialetais de categoria social os jargões profissionais ou de determinadas classes sociais como artistas, professores, médicos, policiais, marginais, favelados etc. Travaglia ainda afirma: A gíria, definida como forma própria de utilização da língua por um grupo social o qual se identifica por esse uso da língua e se protege do entendimento por outros grupos, pode também ser considerada como forma de dialeto social. 1.3.2 Variação Geográfica Essas variações se devem ao fato de ocorrer falas diferentes, de acordo com a região do falante. Tais variações são observadas no aspecto sonoro ou pronúncia, no vocabulário, bem como em certas estruturas frasais e ainda, nos sentidos particulares conferidos a determinados vocábulos e expressões. 1.3.3 Variação Histórica As línguas são suscetíveis a mudanças decorrentes do fator tempo. As alterações ocorrem tanto na escrita quanto no sentido de muitas palavras. Surgem 22 08 também, novos vocábulos, ao mesmo tempo em que outros, são menos utilizados até serem esquecidos. Conforme Ferreira (1999) em sua pesquisa: As Variações da Língua, dialeto, são as variações de pronúncia, vocabulário e gramática de uma língua. Os dialetos não ocorrem somente em regiões diferentes, até porque em uma certa região podem existir as variações dialetais etárias, sociais e regionais referentes ao sexo masculino e feminino e estilísticas concomitantemente. Alguns dialetos servem como um identificador que aponta o nível social ao qual pertence um indivíduo. Os dialetos mais prestigiados são os das classes em melhor situação econômica e o da elite, os quais são tomados não mais como dialeto e sim como sendo a própria “língua”. O dialeto usado pelas classes populares é discriminado geralmente, por estar associado ao conceito de que tal classe, por não dominar a norma padrão de prestígio e utilizar seus próprios meios para a utilização da linguagem, “corrompem” a língua com esses “erros”. Contudo, a elite também influencia nas mudanças que ocorrem na língua, pois a interação com as classes mais baixas fazem com que a elite aprenda e use alguns termos de dialetos de classes menos favorecidas, e a partir desse momento, o “erro” já não é mais visto como tal. O grupo mais jovem da população utiliza um dialeto que se contrasta bastante com aquele praticado pelas pessoas mais velhas. Os jovens estão mais inclinados a sorverem novidades e adotam e seguem o uso de uma linguagem informal, ao passo que os idosos tendem a ser mais resistentes. Essa falta de conservadorismo peculiar no dialeto dos jovens geralmente modifica a língua. Na década de 70 algumas gírias usadas pela juventude da época foram esquecidas, como por exemplo “pisante” para sapato ou “cremilda” para dentadura. No entanto, “legal” é usada até hoje na linguagem informal por todas as faixas etárias. Nem tudo que é novo e diferente se efetivará em uma língua, podendo algumas palavras simplesmente irem se perdendo pelo tempo, assim como outros podem continuar a serem usados. 23 08 As mulheres têm algumas características específicas quanto ao uso da língua ao passo que os homens possuem outras. Podemos perceber essas variações com relação ao sexo observando os diminutivos como “bonitinho”, “gracinha”, “menininha”, usados mais pelas mulheres e aumentativos de nomes próprios como “Carlão” e “Marcão” sendo mais usados por homens. 24 08 2 METODOLOGIA 2.1 Objeto de Pesquisa A pesquisa trata da linguagem. Aquela utilizada por meio da fala, dentro da informalidade, sem a preocupação com normas ou regras. Um dialeto específico que chega ao conhecimento de todos que estão inseridos naquele ambiente. Um local insólito que agrupa várias pessoas de diversos lugares, culturas, classes sociais etc. pessoas que estão ali – teoricamente – por ter agido de maneira antisocial, ou seja, desobedeceu alguma norma legal e por isso é obrigada a permanecer em um ambiente de caráter punitivo de renovação de conduta. Este local é um ambiente prisional, uma Cadeia Pública Estadual situada em Barra do Garças-MT. O objeto da pesquisa busca conhecer argumentos que expliquem aquela linguagem peculiar dos ambientes prisionais que muitas vezes chega até as ruas e à sociedade em geral. Contudo sob outro contexto. Essa linguagem é considerada por muitos, ou pelos desinformados, algo proveniente simplesmente da imaginação e sem fins específicos alheios ao ato de se comunicar. Chama-nos a atenção, o fato de algumas palavras terem seu significado alterado para buscar alguns objetivos (status, interação, mascarar ações ou intenções, entre outros). Dessa forma, o foco principal é a linguagem oral usada pelos reeducandos de uma cadeia pública, para conhecermos um pouco mais da cultura criada no Sistema Prisional. 25 08 2.2 A escolha do Tema Essa pesquisa procura conhecer a linguagem utilizada com predominância em uma instituição prisional estadual em Barra do Garças-MT. O dialeto usado pelos reeducandos podem ter objetivos específicos ou não, podem ser apenas uma nova maneira de se expressar verbalmente, simplesmente uma variação lingüística sem maiores objetivos. Para melhor entender, temos que conhecer e esse é meu objetivo. A partir de então respeitar e continuar a pesquisar essa forma de comunicação e a cultura desses ambientes. Afinal, apesar de serem presos, estarem reclusos e isolados da sociedade, ainda assim, eles formam sua própria sociedade, interagindo entre si, e formando mecanismos para o funcionamento de uma sociedade, mesmo com as respectivas limitações. 2.3 Uma breve contextualização de uma Cadeia Pública em Barra do GarçasMT. A pesquisa foi realizada no ano de 2010 em uma Cadeia Pública em Barra do Garças-MT. Tal instituição é de responsabilidade do Estado de Mato Grosso e se destina – teoricamente – a reclusão de presos que ainda não foram condenados. A Cadeia é parte integrante do sistema de Segurança Pública, ocupando o papel institucional de proteger a comunidade contra pessoas que possam provocar perigos intencionais a sociedade e, o bem-estar das pessoas encarceradas, isoladas, não constitui prioridade. Esse estabelecimento penitenciário destina-se ao recolhimento de presos provisórios, e cada comarca conterá pelo menos uma, cadeia a fim de resguardar o interesse da administração da justiça criminal e a permanência do preso em local próximo ao seu meio social e familiar. Nesse meio, barreiras que comumente separam as esferas da vida, como: alimentação, sono, trabalho e lazer são regras punitivas. Todas as 26 08 necessidades individuais de vida são desempenhadas em um mesmo local e sob as mesmas ordens emanadas pelos agentes públicos. Além das atividades diárias serem realizadas em grupo, sendo todas elas tratadas igualitariamente e obrigadas a desempenhar as mesmas atividades. Vale ressaltar que tais atividades são rigorosamente estabelecidas em horários que são impostos pelo serviço público. As diversas atividades obrigatórias são relacionadas em um plano estratégico que, supostamente atenda aos anseios da instituição. A Cadeia Pública de Barra do Garças-MT, conforme informações fornecidos por alguns profissionais da Segurança Pública da região, foi fundada em l977. Nessa época, continha apenas duas celas com capacidade para 10 presos cada. Naquela época ela abrangia toda a Região do Araguaia, e devido a esse fato, a cadeia chegou a acolher cerca de 90 a 100 presos (FRANÇA, 2010 p. 29). Atualmente a cadeia de Barra do Garças-MT, tem capacidade para abrigar 70 presos, mas na realidade, 157 reeducandos estão encarcerados, amontoados naquela cadeia. Os reeducandos estão distribuídos em 12 celas das quais apenas uma delas é destinada para presos do sexo feminino – hoje são 14 mulheres. É plausível comentar que de acordo com pesquisa realizada em 03 de novembro de 2.010, dos 154 presos que ali estão, 45 já estão condenados, sendo alguns deles a penas superiores a 20 (vinte) anos de reclusão. Dentre eles, Além desses há uma população de 26 presos em regime semi-aberto, dentre eles seis são do sexo feminino. Há 28 (vinte e oito) funcionários entre agentes administrativos, agentes prisionais e diretoria, sendo 20 (vinte) do sexo masculino e 8 (oito) do sexo feminino. Existem alguns reeducandos, que exercem funções dentro da cadeia, são chamados de cela livres ou como eles dizem “ correria “. Eles tem a função de auxiliar no interior da cadeia, seja na limpeza, na entrega da comida, prestar serviços ao próprios presos, como entregar bilhetes, recados aos colegas ou aos agentes e diretoria etc. 27 08 Alguns presos não são aceitos pelos demais, tais como: os estupradores, os ladrões que roubam outros presos na cadeia, os delatores, e aqueles que devem a outros presos. Esses detentos ficam em uma cela denominada “seguro”, para preservar sua integridade física. Antigamente havia a cela dos evangélicos, hoje não existe mais esta distinção. Possui também o RDD (regime disciplinar diferenciado) aplicado aqueles que desobedecem as normas estabelecidas pelo sistema prisional, tal regime consiste em proibição de visitas, banhos de sol, além de o detento poder ficar isolado dos demais em uma cela específica. Mas isso só ocorre em situações bem drásticas. A referida instituição prisional, está localizada na região central de Barra do Garças-MT, mais precisamente à rua Goiás nº 794, fundos com a Delegacia Municipal de Polícia de Barra do Garças. É considerada um local com péssimas condições estruturais. Alguns situações já tiraram o sossego da vizinhança, pois a cadeia já foi cenário de rebeliões e cenas de horror em tempos não muito distantes, deixando não só os moradores que residem nas proximidades mas também os funcionários que ali trabalham, em risco. 2.4 Atores da pesquisa Na referida Cadeia, estão aproximadamente 45 (quarenta e cinco) reeducandos condenados, alguns com pena superior a de 20 (vinte) anos de reclusão. E dentre os detentos há maior incidência em traficantes e praticantes de roubos e furtos. A tabela 01 demonstra o perfil dos reeducandos entrevistados. 28 08 Tabela 1 – Perfil dos Reeducandos Perfil dos Reeducandos Total de participantes Nº % 10 100 Sexo Feminino Masculino 04 06 40 60 Idade De 18 a 25 anos De 26 à 40 anos Acima de 40 anos 03 05 02 30 50 20 Solteiro Estado Civil Convivente Outros Ensino Fundamental Ensino Médio Grau de Escolaridade Ensino Superior Pós-graduação 06 02 02 01 06 02 01 60 20 20 10 60 20 10 Não Julgado Tempo de De 01 a 05 anos Condenação De 06 a 10 anos De 11 a 20 anos 02 03 02 03 20 30 20 30 A identificação dos sujeitos da pesquisa foi opcional, não sendo, portanto, objeto de análise. Sessenta por cento dos entrevistados são do sexo masculino. E a maioria deles tem idade entre 26 e 40 anos, ou seja, 50% (cinqüenta por cento). Os reeducandos com idade entre 18 e 25 anos correspondem a 30% (trinta por cento) e os com idade acima de 40 anos somam 20% (vinte por cento). Os detentos solteiros são a maioria e representam 60% (sessenta por cento) da amostragem, há os conviventes e outros tipos de relacionamentos com 20% (vinte por cento) cada. No universo de aproximadamente 160 reeducandos encarcerados na cadeia pública em estudo, aproximadamente 08% (oito por cento) dos detentos participaram da entrevista por meio de questionário escrito e cerca de 30% (trinta por cento) dos Agentes Prisionais, participaram da pesquisa. 29 08 A maioria dos detentos são brancos e pardos e tem pouca escolaridade, mas algo que chamou a atenção, foi que dentre os poucos com nível superior, há um pós-graduado – condenado a 16 anos pelo crime de homicídio – o qual é professor. Foram entrevistados 10 (dez) reeducandos, uma pequena mostra do total de encarcerados. Isso se deve ao fato de não haver interesse por parte deles em participar da pesquisa. Ao que se refere aos funcionários do sistema prisional, foram entrevistados a mesma quantidade, 10 (dez) agentes ligados diretamente com os detentos. Tabela 2 – Perfil dos Agentes Prisionais Perfil dos Agentes Prisionais Total de participantes Nº % 10 100 Sexo Feminino Masculino 02 08 20 80 Idade De 18 a 30 anos De 31 à 40 anos 06 04 60 40 03 03 04 02 07 01 30 30 40 20 70 10 04 06 40 60 Solteiro Estado Civil Convivente Casado Ensino Médio Grau de Ensino Superior Incompleto Escolaridade Ensino Superior Completo Tempo de Serviço na Instituição Até 05 anos Acima de 05 anos Trabalham na Cadeia Pública, 28 (vinte e oito) agentes públicos do Sistema Prisional, sendo 08 (oito) mulheres. Os funcionários com idade de 18 a 30 anos são 60% (sessenta por cento) dos entrevistados, sendo os 40% (quarenta por cento) restantes pertencentes a faixa etária entre 31 e 40 anos. Em partes iguais 30 08 estão divididos os agentes solteiros e conviventes, formando a soma de 60% (sessenta por cento) os 40% (quarenta por cento) restantes correspondem aos casados. A respeito da escolaridade, os de nível superior incompleto representam 70% (setenta por cento) dos entrevistados, ao passo que os de nível médio são 20% (vinte por cento) e apenas 10% (dez por cento) tem o nível superior concluído. Quanto ao tempo de serviço, 40% (quarenta por cento) têm até 05 anos de serviço e 60% (sessenta por cento) acima de 05 anos. 2.5 Coleta de dados As informações foram conseguidas por meio de entrevistas com os agentes, além de questionário aplicado a eles e aos presos. Foi utilizada também a observação para dar melhor suporte para a pesquisa. O questionário aplicado foi efetivado com respostas dadas pelos atores sociais, orientados a preencher tais questionamentos a cerca da linguagem, primando pela transcrição de seus reais pensamentos, com o fito de tornar esta pesquisa a mais próxima possível da realidade. 2.6 O que pretendo responder com esta pesquisa Com esse estudo tem-se o objetivo de aprimorar o conhecimento acerca da linguagem, mais especificamente aquela utilizada no sistema prisional em Barra do Garças-MT, uma pequena unidade que abriga detentos de todo o estado de Mato Grosso, mas que interagem por meio de seu dialeto com as demais prisões em nível nacional. Existe ainda, a pretensão de conhecer um pouco mais dessa cultura comunicacional e porque não dizer social, daqueles que transformam seu próprio ambiente de acordo com suas necessidades. 31 08 Isso considerando o fato de que a Cadeia também constitui-se numa sociedade, como afirma Tompsom in Santos (2003) em sua pesquisa sobre “O FENÔMENO DA PRISONIZAÇÃO”: “O significado da vida carcerária não se resume aos muros e grades, celas e trancas: ele deve ser buscado na consideração de que a penitenciária é uma sociedade dentro de uma sociedade, uma vez que numerosas feições do mundo livre foram alteradas drasticamente no interior da sociedade prisional”.(THOMPSON, Augusto. A Questão Penitenciária, 1980.) Os reclusos, mesmo isolados, procuram alguma forma de inter-relação de socialização, não se esquecendo jamais dessa peculiaridade do ser humano que é viver em sociedade, mesmo que essa seja radicalmente cruel e desumana. 32 08 3 APRESENTAÇÃO DOS DADOS Em nosso primeiro capítulo, expomos à luz da epistemologia da linguagem alguns referenciais a respeito de questões sócio-linguísticas. O homem – ser social – é capaz de se expressar satisfatoriamente, podendo, além de dizer o que pensa, sente ou pretende, manipular a linguagem para conseguir alcançar certos objetivos, sejam eles interacionais ou não. A linguagem oral no sistema prisional se dá por dialetos específicos com objetivos definidos, não apenas um, mas vários. Alguns usam o dialeto prisional para esquivar-se do sistema e assim conseguirem vantagens ilicitamente; outros, a usam para, enquanto estiverem naquele degradante ambiente, interagirem com os demais sem sofrer represálias e perseguições, simplesmente ser mais um como os outros e passarem despercebidos; há ainda, os que praticam tais linguagens para demonstrar poder, força, enfim, para se destacar em meio aos colegas de cárcere. A partir de entrevistas e questionários aplicados tanto aos agentes, quanto aos detentos, serão expostas as opiniões dos sujeitos da pesquisa acerca da linguagem oral utilizada no ambiente prisional. 3.1 Análise das respostas dos sujeitos da pesquisa 3.2 Questionário aplicado aos reeducandos 33 08 Que tipo de linguagem você usa na Cadeia? Trinta por cento dos entrevistados, responderam que utilizam“ o português correto “. Entre as explicações sobre a resposta, temos: “para manter o respeito com minha pessoa.” “a mesma que usava lá fora. Nada de gíria.” Dez por cento afirma usar a mesma linguagem de que praticava quando estava em liberdade, contudo, também aprendeu a linguagem do “sistema”. Alguns - trinta por cento – afirmam não utilizar a linguagem peculiar da cadeia pois não vêem beleza, nem vantagem alguma em praticar esse tipo de linguagem, além do que dizem tentar manter o respeito por meio de uma linguagem mais formal. Abaixo a resposta de um entrevistado: “Português correto para manter o respeito com minha pessoa.” A maioria, ou seja, os sessenta por cento, diz empregar no cotidiano, “gírias e códigos específicos do cárcere”. Dizem ainda que oitenta por cento são gírias aprendidas na cadeia. Por que você usa esse tipo de linguagem? A maioria dos presos, afirmam, entre outros motivos, valerem-se do dialeto local para maior interação no ambiente carcerário, para uma comunicação mais clara. A seguir algumas das respostas: “por vários motivos, entre eles o de se nivelar ao meio, para me proteger e para melhor entendimento com os demais detentos.” 34 08 “são a maioria aqui.” “é devido o local e as pessoas que estamos convivendo no dia dia” (sic) “convivência da cadeia.” “essa linguagem é conseqüência do lugar que estamos” (sic) Os quarenta por cento restantes, não concordam, como já respondido na questão anterior com o uso de gírias, e reiteram suas convicções de que as linguagens de cadeia não chamam a atenção de ninguém, é feia e discriminada. Segue uma resposta contrária as da maioria: “não uso, mais se usace (sic), seria para fazer com que os outros presos me entendece (sic) melhor.” Você acredita que poderá usar a linguagem aprendida na cadeia no meio social sem ser discriminado? Trinta por cento dos questionados afirma que aprendeu tal linguagem nas ruas e não na cadeia e nunca foi discriminado por isso, portanto acredita sim, poder usar essa linguagem em outros ambientes sociais. Segue resposta de um dos encarcerados: “penso que sim, em alguns lugares. Que ocasiões não seja (sic) formal.” A maioria – setenta por cento – pensa que a linguagem da cadeia deve ser praticada apenas naquele meio social, pois seu uso em outras situações acarretariam com certeza em discriminação. Em seguida, algumas respostas: 35 08 “não, pois preso sem linguagem já é descriminado (sic), imagina com modos feio (sic). Falo sempre como meus pais me ensinaram.” “não, não acredito porque será sim discriminado essas palavras que eles falam e muuito(sic) feio eu mesmo descrimino (sic).” “eu, nessa opinião não usaria esse palavriados (sic) no convívio social pois cada lugar tem seu jeito de se falar” Você consegue expressar as suas vontades, idéias e opiniões usando a linguagem da cadeia? Uma resposta chamou a atenção, pois diz: “fora do cárcere com certeza encontrarei dificuldades.” Este que fez tal afirmação é um dos praticantes do dialeto da cadeia, contudo o usa como recurso de interação e defesa. Sessenta por cento das respostas avaliam que sim, conseguem expressar suas vontades usando a linguagem da cadeia. Vejamos os comentários: “sim pois aqui todos sabem o que significa” “sim. Porque só muda a forma das palavras, mais com o mesmo sentido da palavra no original. Como em um bate-papo pela internet que altera as forma(sic) mais a essência é mesma.” Os quarenta por cento restantes, afiançam que não, não conseguem se expressar satisfatoriamente, uma vez que se recusam a utilizar tal linguagem. Você poderia ser discriminado na cadeia por não usar a linguagem deles? 36 08 A resposta – “as vezes mas não me encomoda (sic) de verdade. Coisas feias não podia se pronunciada(sic) então não me encomoda (sic) nem um minuto.” – compõe dez por cento das respostas. Sim. Seria discriminado pelos presos por não usar sua linguagem, abrange vinte por cento das afirmações. Em uma delas o reeducando afirma: “a linguagem social não é bem aceita na prisão.” A maioria – setenta por cento - diz que não. Não seriam discriminados por usarem uma linguagem diferente da local. Dizem alguns: “ não cada um tem sua opinião e se expressa do jeito (sic) que acha certo.” “ De modo algum, somos respeitados pelo que cada um é (sic), ou seja, presos igual aos outros. Não pelo tipo de(sic) linguagem que usamos.” “não aqui cada qual vivi (sic) da sua maneira e jeito que é...” Em que essa linguagem lhe ajuda? A metade da população questionada responderam de forma análoga, dizendo que tal linguagem não auxilia em nada, não passa de mais uma forma de se expressar. Uma das respostas afirma que tal linguagem é mais uma falha no processo de ressocialização. Os outros cinqüenta por cento acreditam que auxiliam no convívio daquela sociedade, é uma língua necessária a eles. Para melhor ilustrar, seguem algumas opiniões dos detentos: “ na prisão facilita o entendimento, dá proteção e nivela a pessoa.” 37 08 “a nos impor no meio dos ladrão (sic) ou seja no meio dos outros presos” “na sociedade eu não sei mais (sic) no sistema, ajuda a comunicação entre nós.” Ao questionar se haveria algo mais a comentar sobre o assunto, ressalto três deles: “Existem varias forma de linguagem, e nos adaptamos ao meio em que vivemos, não que seja uma regra porque você ta(sic) na cadeia, tenha que se comunicar através de gírias. É como o nome da nossa língua, descordo em chamar de português, um nome mais correto seria brasileiro, por essa flexibilidade de adaptar a linguagem de acordo ao modo que se vive.” “a vida por detrás da grades e muito sofrida, e vale ressaltar que sistema carcerário não consegue mudar a maneira de viver, muito pelo contrario só prejudica.” “que tem preso (a) que usa linguagem feia para se aparecer porque não a nescecidade(sic) de gíria para ser bandido.” [...] [...] E pouco beneficio para o preso ocupar a mente para não pensar besteira.” Tais respostas levam a reflexão sobre o dinamismo da língua portuguesa e as diversas variedades lingüísticas. A necessidade de o homem se adaptar, e nesse caso, a comunicação, a linguagem é fator preponderante para que ocorra essa interação. A mesma necessária a quaisquer sociedade, em seus mesmos níveis e sofrendo também preconceitos decorrentes do tipo de linguagem utilizada. 38 08 3.3 Questionário aplicado aos Agentes Prisionais Você acredita que os reeducandos utilizam uma linguagem diferenciada (gírias) para tentar ludibriar os agentes? De que forma? As respostas negativas correspondem a vinte por cento, sendo que em uma delas vem o seguinte comentário: “na verdade as linguagens utilizadas na maioria das unidades prisionais são um reflexo da familiaridade com pessoas de perfil semelhante, sendo assim, estas formas de expressão verbal(sic) não vem acompanhada de fatores de natureza persuasiva ou ameaçadora, até mesmo porque Agentes Penitenciários estão acostumados a lidar com estas pessoas.” Outro agente respondeu que sim e que não - “sim. Utilizam de gestos e códigos para tentar ludibriar ou ocultar atos ilícitos. Não. Os reeducandos possuem uma linguagem própria que é utilizada nas ruas e unidades prisionais.” A maioria acredita que sim, que tal linguagem é para ludibriar o sistema. Afirmam que os presos mantêm diálogos aparentemente normais, usando termos supostamente rotineiros, mas com outros significados agregados (códigos) convencionados entre eles, em que apenas eles sabem o real sentido. Eles dão diferentes nomes aos objetos, com o fito de confundir os agentes. Alguns comentaram ainda, que além da linguagem oral, eles usam gestos, assovios, entre outros. Permitem que os agentes conheçam apenas aquilo que for conveniente saber. 39 08 Para você porque os presos usam esse dialeto para se comunicarem? Alguns disseram que os presos praticam essa linguagem para fortalecêla, pois é exclusiva deles essa forma de comunicação. A maioria afirma que esses códigos específicos são para manterem sigilo de seus assuntos. Para que os agentes não conheçam o conteúdo de seus diálogos. Um verdadeiro código secreto. Alguns acrescentaram que é uma forma de “status”, como uma identidade. Outros crêem na hipótese de ser conseqüência do baixo grau de escolaridade, além de servir como uma nova forma de comunicação, criada por eles, uma cultura própria . Você conhece amplamente a linguagem utilizada pelos detentos? Dos agentes entrevistados, trinta por cento deles alegam não compreenderem o dialeto utilizado pelos reeducandos. Os setenta por cento restantes acreditam entender boa parte do código dos presos, mas são convictos de que só sabem aquilo que aqueles consentem saber. Muitas vezes, os agentes sabem que os detentos estão tramando algo, tratando de assuntos referentes a ilícitos, contudo, não conseguem saber do que realmente estão falando. Isso se deve a substituição de significados. Exemplo: arroz = pasta base. Usam a palavra em um contexto totalmente avesso ao normalmente utilizado. 40 08 Os detentos recém chegados já conhecem a linguagem usada pelos presos daquele local? Demoram muito tempo para aprender? A respeito da internalização da linguagem da cadeia, Aristóteles in Chauí (2000) afirma que: “O saber prático é o conhecimento daquilo que só existe como conseqüência de nossa ação e, portanto, depende de nós”. Os agentes quase que unanimemente concordam que muitos detentos recém chegados não conhecem as gírias de cadeia, entretanto, aprendem em um curto intervalo de tempo. Afirmam ainda, que apenas os reincidentes ou aqueles que estão no seio da criminalidade a algum tempo que já tem conhecimento da linguagem usada na cadeia. Concordam que aqueles que já fazem parte do sistema, conhecem amplamente a linguagem, mas há a distinção de crimes, a exemplo disso seriam os receptadores ou vendedores de produtos pirateados, ou ainda aqueles que cometeram crimes de menor potencial ofensivo. Estes geralmente não conhecem as gírias de cadeia, ao passo que os traficantes e ladrões (praticantes de roubos e furtos) têm maior conhecimento de tal linguagem. Palavras novas surgem com freqüência? A maior parte dos agentes entrevistados acredita que sim, palavras novas mudam com freqüência, todavia, ressaltam que, além disso, eles usam as mesmas palavras com sentidos diferentes. Então surgem novas palavras e expressões com exemplifica um dos atores da pesquisa: “pode crer” ou seja, com certeza, é verdade, enfim, é uma afirmação positiva, confirmação de algo que está certo. Na atualidade eles usam “possas crer” com o mesmo significado. De onde vem as influências para a utilização da linguagem no sistema prisional pelos detentos? 41 08 As opiniões são quase que unânimes quando afirma que são várias as influências para o uso da linguagem da cadeia, entre elas estão: a baixa escolarização, os ambientes freqüentados, o próprio universo da criminalidade, da vida reclusa na cadeia, os criminosos reincidentes, do grupo social marginalizado, da cultura dentro da cadeia etc. Gostaria de acrescentar algo a mais sobre esse assunto? Alguns comentários são válidos para esta pesquisa, tais como o de um agente ao salientar que os adolescentes reclusos em ambientes prisionais, ou melhor, sócio-educativos também praticam a mesma linguagem da mesma forma e com os mesmos objetivos. Dizem ainda, que as gírias usadas aqui em Barra do Garças-MT, são entendidas em qualquer lugar do Brasil. É de se considerar o comentário a seguir: “esses comportamentos, ações e forma de comunicação são na verdade uma espécie de portal de entrada com o objetivo de obter aceitação e respeito dentre os colegas de cela, e a falta de instrução e cultura agravam ainda mais o problema, pois estes comportamentos podem funcionar no convívio dentro da unidade, mas em um convívio social esses comportamentos são repudiados e dificultam a reinserção de ex-detentos no mercado de trabalho,(sic) retornando assim, para a marginalidade. Que conseqüentemente os levam a cometerem novos delitos e acabam voltando pra cadeia.” O exposto na citação acima foi exposto por um Agente Prisional, responsável pela disciplina da referida Cadeia. 42 08 CONSIDERAÇÕES FINAIS Esse estudo permitiu um conhecimento a mais sobre a cultura prisional e a linguagem oral praticada pelos reeducandos. Alguns fatores como a desestruturação da família, a pobreza, a falta de escolarização, o local, influenciam muito na linguagem de um modo geral e, na cadeia não é diferente, é apenas agravada a situação por conta do inóspito ambiente e péssimas condições de vida. Isso forma um círculo vicioso. Tanto no sentido da prática de uma única forma de linguagem, ou de variação lingüística para todas as ocasiões, o que gera preconceito. Além do que grande parte daqueles que entram na cadeia pela primeira vez, retornam a ela, mas com crimes cada vez mais graves. Na cadeia não se aprende somente diferentes formas de comunicação, aprende-se também como cometer novos crimes, mantém-se novas relações, com diversas pessoas. Como um dos entrevistados afirmou: “o crime é organizado”. Vejo a necessidade de em conhecer mais da cultura da sociedade carcerária, assim como suas diversas formas de expressão. Afinal a língua falada nas alas e celas, é a nossa Língua Portuguesa e, portanto, é digna de estudos. Aliado a esse fator, há a questão que precisamos considerar que é o fato de a língua ser viva. Ela evolui e se transforma a todo momento porque ela é praticada por homens dentro da sociedade, que também se modifica constantemente. A população carcerária do país também contribui para que a língua se transforme. 43 08 Percebemos isso quando os autores como Amaral, Travaglia e outros chamam a nossa atenção para as variações lingüísticas. Fatores alheios a essa pesquisa, tais como a precariedade do ambiente, a dificuldade em encontrar presos voluntários a participar da pesquisa, violência das mais diversas formas, verbal, física, moral etc. impediram um maior aprofundamento nas questões específicas do estudo. Contudo foi muito proveitoso esse estudo e necessárias foram as experiências para melhor entendimento e elaboração desta pesquisa. As raízes do crime são muitas, especialmente a questão sócio-econômica. Enquanto isto não ocorre, conclui-se que para se chegar o mais próximo possível dos objetivos da pena o sistema penitenciário deve adotar políticas que valorizem o trabalho prisional, a assistência educacional formal e profissionalizante, o esporte, o lazer, o contato com o mundo exterior, além de assegurar os direitos humanos de cada cidadão e o individualizar. Infelizmente, embora haja suporte legal para garantir àqueles que cumprem pena em instituições carcerárias, um tratamento mais humano que respeite suas particularidades, com o intento de devolver o apenado a sociedade por meio da educação, da profissionalização e da formação de um sujeito mais humano, o Estado aparenta ainda não conseguir cumprir seus próprios preceitos. 44 08 REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS AMARAL, Emília. FERREIRA, Mauro. LEITE, Ricardo. ANTÔNIO, Severino. Português: Novas Palavras: literatura, gramática, redação, 2000. São Paulo. Ed. FTD. BRANDÃO, Carlos Rodrigues. O que é educação, 16ª Edição, 1985. Ed. Brasiliense CHAUÍ, Marilena. Filosofia-Série Novo Ensino Médio (Volume Único), 2002. Ed. Ática. Educação Informal-Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira.Disponível em: http://www.inep.gov.br/pesquisa/thesaurus/thesaurus.asp? te1=122175&te2=122350&te3=37527. Acesso em 02-10-2010 FERREIRA. Ana Cláudia Fernandes. As Variações da Língua. Disponível em: http://www.unicamp.br/iel/site/alunos/publicacoes/textos/v00003.htm. Acesso em 05-10-2010. FRANÇA, Abel Cesar Silva. A Lei 7.210/84 em face da ressocialização na Cadeia Pública de Barra do Garças. 2010 HAIDT, Regina Célia Cazaux. Curso de Didática Geral-Série Educação. 6ª edição, 1999. Ed. Ática. INFANTE, Ulisses. Do texto ao contexto: Curso prático de leitura e redação. 1991. Ed. Scipione. PEREIRA, Alessandra-Marques. Linguagem Na Internet Uma Perspectiva Funcional. Disponível em: http://www.scribd.com/doc/11945256/Linguagem-NaInternet-Uma-Perspectiva-Funcional-Alessandra-Marques-Pereira. acesso em 0210-2010. SANTOS, Edna Teresinha dos. O Fenômeno da Prisionização: Uma experiência no Complexo Médico-Penal do Paraná. 2003. 45 08 TRAVAGLIA, Luiz Carlos. Gramática e Interação: uma proposta para o ensino de gramática no 1º e 2º graus. 1996. Ed Cortez. 46 08 ANEXO 47 08 ANEXO A – Cópia dos Questionários aplicados aos Agentes Prisionais com suas respectivas respostas Nome (não é necessário):_____________________________________________________ Idade:___________ Sexo: ( )Masculino ( )Feminino Naturalidade:____________________________ Estado civil: ( )Solteiro ( )Casado ( )Convivente ( )Outros Escolaridade: ( )Fund. ( )Médio ( )Sup. Inc. ( )Sup. Compl. ( )Pós-graduação Cargo e função:________________________________________________ Tempo de serviço:__________________ Você acredita que os reeducandos utilizam uma linguagem diferenciada (gírias) para tentar ludibriar os agentes? ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ Para você porque os presos usam esse dialeto para se comunicarem? ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ Você conhece amplamente a linguagem utilizada pelos detentos? ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ Os detentos recém chegados já conhecem a linguagem usada pelos presos daquele local? Demoram muito tempo para aprender? ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ Palavras novas surgem com freqüência? ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ De onde vem as influencias para a utilização da linguagem no sistema prisional pelos detentos? ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ Gostaria de acrescentar algo a mais sobre esse assunto? ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ 48 08 ANEXO B – Cópia dos Questionários aplicados aos Reeducandos de uma Cadeia Pública de Barra do Garças-MT com suas respectivas respostas. Nome (não é necessário):____________________________________________________ Idade:_______ Sexo: ( )Masculino ( )Feminino Cor: ( )Branca ( )Parda ( )Negra Naturalidade:____________________________ Estado civil: ( )Solteiro ( )Casado ( )Convivente ( )Outros Escolaridade: ( )Fund. ( )Médio ( )Sup. Inc. ( )Sup. Compl. ( )Pós-graduação Profissão:__________________ A quanto tempo está preso?____________________________________________ Foi condenado a quanto tempo de prisão?_________________________________ Qual o crime?________________________________________________________ Já foi preso outras vezes?______________________________________________ Que tipo de linguagem você usa na Cadeia? ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ Por que você usa esse tipo de linguagem? ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ Você acredita que poderá usar a linguagem aprendida na cadeia no meio social sem ser discriminado? ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ Você consegue expressar as suas vontades, idéias e opiniões usando a linguagem usada na cadeia? ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ Você poderia ser discriminado na cadeia por não usar a linguagem deles? ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ Em que essa linguagem lhe ajuda? ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ Algo mais que gostaria de comentar sobre esse assunto? ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ ___________________________________________________________________ 49 08 ANEXO C – GÍRIAS E CÓDIGOS UTILIZADAS POR DETENTOS* Ajudazinha alcagüetar Alcagüete Agá Arregaçar Arroz Avião Bagulho Balançar a cadeia Balinha Barca Bereu Barulho ou fazer um barulho Berro Bico de Pato ou mergulhão Bicuda Bigorna Boi Boiar Bomba, birico, macaquinho ou papagaio Bonde Botar ferro pra dentro Bota fora Botinha Braço (ou shock) Brinca demais Brinquedo Bronca Cabrito Cabuloso Propina, suborno Dedurar, passar informação ou acusar alguém Aquele que alcagüeta, delata Simular, dar cobertura “Botar pra quebrar”, espancar, se dar bem. Ex. : vamos arregaçar a fita; vamos arregaçar o Giba Pasta base Indivíduo que repassa drogas, vende drogas, ou apenas transporta para alguém. Ex.: fazer um avião, aviãozinho, etc. (Ver também mula) Maconha, também são assim chamadas as mercadorias resultantes de furtos e roubos Revolta /gritaria Porção destinada a fazer cigarro de maconha Viatura policial que realiza escoltas, significa apenas as viaturas maiores, tipo Blaser ou F-1000, eventualmente refere-se a ROTAM Bilhete Revelar-se, promover gritarias Revólver Instrumento usado para esquentar água Estoque / faca Porta da cela Buraco dentro do coletivo, destinado à satisfação das necessidades fisiológicas Ser preso, transitar, não ficar escondido, “Dar trela”. Aparelho celular habilitado e utilizado pelos presos no interior de cadeias ou estabelecimentos penais diiversos Transferência de uma cadeia (ou presídio) para outro; também utilizado como evasão, fuga (fazer um bonde) O mesmo que passar o cano Advogado Cigarro com filtro Pessoa de confiança, pode ser homem, mulher ou criança Expressão exageradamente empregada e que significa facilitar muito, dar muita bobeira, dar muita trela Arma ou armas em geral Assalto Veiculo adulterado, roubado ou furtado; detento homossexual ou que é obrigado a ter relações sexuais com outros presos Incerto, arriscado, perigoso, ameaçador. Ex.: fita é cabulosa; Dim é um cara Cabuloso 50 08 Caído Cair Canelar Cano Capa – preta Careta Cascuda, Casinha Cavala Cavalo doido Cento e setenta e Um (171) Chepa ou Julia Chica ou Tereza Chico ou trator choca cofre Coisa, feijão Colar o brinco Come – quieto Corneta Correria, corre ou manobra Coruja Cria Dichavar Desesseis Doze ou trinta e três Draga Enquadrar Esculacho Estar de cara Limpa Farinha, cimento ou poeira Ferrari Fita Geral (GG) Graneleira Jacaré Jega Latrô Maria doida (ou Maria Louca) Melzinho Mal vestido Ser preso. Ex.: o “China” caiu (o “China” foi preso) Correr, fugir Arma , revólver Juiz Cigarro comum Vasilha utilizada nas refeições, marmita Emboscada, armadilha Mulher bonita e grande Fuga sem planejar Faroleiro, malandro, pessoa que argumenta bem, mentiroso Comida Corda que liga uma cela a outra Bater em outro preso Bebida fermentada feita dentro da cadeia Pessoa que carrega objeto no ânus Maconha Tapa na cara / orelha Homossexual que mantém relacionamento sexual Pequeno canudo para aspirar cocaína Perseguir, correr atrás, realização de tráfico de drogas, cela livre. Cueca Pessoa nascida e criada na favela, geralmente recrutada pelo tráfico Ato de desmanchar o torrão de maconha Viciado Traficante Arma de fogo Tirar satisfação, acuar, ameaçar [Policial – emprego diverso: o assaltante está enquadrado (incurso) no artigo 157 Desmoralização na frente de outros (normalmente é realizada pelos policiais), tapas na cara, etc. Pessoas que não estão sob o efeito das drogas Cocaína Cachimbo para uso de pasta base ou craque Fato qualquer, podendo ser criminoso ou não, dependendo do teor da conversa. Ex.: estou na fita (estou participando de...) Revista completa nas celas Mulher que traz drogas na vagina Serra Cama Pessoa que mata para roubar Aguardente produzido clandestinamente pelos próprios detentos no interior da cadeia Aparelho celular produto de furto ou roubo que é repassado 51 08 Moçar Moita Mula Mulher firmeza Na tora Não dá nada Nóia Olheiros Pagar pau Passar o cano Patrão Pela ordem (pronúncia “pela ordi”) Pé – preto; 18; porco Perereca Praia Preto Quebrar a perna Rato de Xadrez ou jacaré Remédio Rita Sapo Seguro Talarico Tatu Tchôla Teresa Tijolo Tocar o foda-se Tranca Truta Vai cair, Vai rodar Vazar Xis nove para os detentos Esconder algum objeto ou esconder-se, homiziar-se. Ex.: estou mocado; mocar a bomba (esconder o telefone celular). Qualidade de quem não aparece, não se expõe, “fica na moita” Pessoa que realiza o tráfico de drogas ou simplesmente o transporte. Ex.: O mula, estava fazendo uma mula. Companheira que não falta às visitas semanais Na marra, à força, de qualquer jeito, na frente de todos, na cara-de-pau Não tem problema, está tudo certo Usuário ou dependente de drogas, fissura. Noiado significa doidão, drogado, alucinado. Pode também significar qualquer tipo de droga que se tem à mão. Ex.: eu tenho a nóia etc O mesmo que vigias Ter medo, titubear, não enfrentar; pode também significar discussão, reprimenda, repreensão Introduzir arma para o interior de estabelecimento prisional Chefe de quadrilha Tudo bem, tudo certo. Expressão muito empregada nos diálogos, como saudação inicial e despedida Policial militar Fogão artesanal, feito por presos, para esquentar comida Dormir no chão Maconha Prometer algo e não cumprir Preso que rouba as celas dos colegas Droga. Colher afiada que serve como faca de cozinha Cadeado Cela separada , privada do convívio com os outros internos Homem que paquera mulher de outro Buracos, escavados nas paredes e devidamente camuflados para esconder drogas e celulares , túnel para fuga Mulher de bandido, amante, namorada, prostituta. Nunca utilizado para referir-se à esposa Corda feita de lençol Tablete de maconha Voluntarismo, arriscar, ir para cima, fazer algo com inconseqüência. Ex.: estamos cercados, vamos tocar o foda-se Castigo / isolamento Membro de quadrilha, parceiro de confiança para prática de crimes diversos, homem de confiança pessoal, pessoal leal Vai ser executado, morto Fugir Interno informante