Por que a legalização da maconha é
uma questão de direitos humanos?
Ivan Moraes Filho*
O mês de maio chegou e com ele multiplicam-se os eventos relativos
à Marcha da Maconha,
mobilização internacional que visa a discutir as causas e efeitos da
proibição à produção, venda e uso medicinal ou recreativo da planta
cannabis sativa, em vigor no Brasil desde o final da década de 30. A
cada ano, este movimento se fortalece e agrega parceiros nas mais
diversas esferas da sociedade. Tal crescimento, observado em
diversos países, não surpreende, dado a diversidade de visões e a
multiplicidade de aspectos - vários deles de interesse na luta por
direitos humanos - que podem ser abordados nesse debate.
Antes de mais nada, é preciso uma reflexão acerca da permanente
polêmica sobre o que faz mais mal à sociedade: a droga e si ou a sua
proibição? É verdade que, em nosso país, são praticamente
inexistentes as pesquisas sérias sobre as propriedades
farmacológicas da erva.
Mundialmente, porém, diversos cientistas, de várias especialidades já
debruçaram-se sobre a maconha, descobrindo cada vez mais usos da
planta - seja de sua fibra ou de seus componentes químicos. Hoje em
dia sabe-se que a maconha pode ser usada com eficácia tanto no
fabrico de tecidos, sabonetes e shampoos quanto para estimular o
apetite de pessoas que vivem com o HIV, reduzir as náuseas da
quimioterapia ou ainda como tratamento auxiliar para o glaucoma e
outras doenças.
É inegável que uma parcela dos usuários recreativos de maconha
possa ter problemas relativo à possibilidade de dependência. O grau
de dependência é, porém, considerado 'leve' de acordo com a
Organização Mundial de Saúde, sendo de menor potencial ofensivo
se comparado, por exemplo, a drogas lícitas como o álcool e o
tabaco.
Por outro lado, a proibição tem um custo social e financeiro que
precisa urgentemente ser avaliado com sobriedade. Enquanto
praticamente não há relatos científicos sobre mortes causadas por
overdose de maconha, por exemplo, não são raras notícias sobre
episódios de violência - e morte - causados pela proibição. A partir do
momento que o controle e regulamentação do comércio desta planta
está nas mãos de criminosos (organizados ou não), é de se esperar
que a cadeia produtiva (que vai desde o plantio até o uso pelo
consumidor final) seja marcada pela violência. É comum ouvirmos
representantes do poder policial posicionarem-se dizendo que parte
significante da violência no país é advinda "das drogas". A pergunta
é: "quem causa a violência são as drogas em si ou a marginalização
de seu comércio"?
Pior: a proibição não funciona nem para o que se pretende. Ao longo
das décadas em que seu plantio e comércio são proibidos em
território nacional, o consumo de maconha só tem aumentado. Ou
seja, se realmente considera-se nocivo o uso desta substância, está
provado que a solução proibicionista está longe de ser a ideal.
Em todo o país, defensores e defensoras de direitos humanos têm
acompanhado um aumento cada vez maior na população carcerária.
De acordo com estatístias do Departamento Penitenciário Nacional
(Depen), o tráfico de entorpecentes é o principal responsável por
esta superpopulação. Em 2009, 86 mil pessoas ocupavam as prisões
brasileiras por conta deste crime. Em segundo lugar, vinha o roubo,
com 74 mil. Para prender toda essa gente foi necessário mobilizar
policiais, armas, veículos, equipamentos de inteligência.
No Brasil, não há estatísticas sobre o valor empreendido pelo estado
na chamada "guerra às drogas". Nos Estados Unidos, porém, estimase que cerca de 15 bilhões de dólares foram utilizados com este fim
somente em 2010. Ou seja: nada menos que 500 dólares por
segundo. Gastos estaduais e locais, somados, ultrapassam os 25
bilhões.
Será que este recurso não poderia ser melhor empregado em
campanhas educativas, controle de qualidade e tratamento para
pessoas que sofrem com a dependência?
Será que, sob a regulamentação do estado, a cadeia produtiva da
cannabis não poderia representar divisas e alternativas de emprego e
renda para a população brasileira?
Será que o aumento de estudos sobre as propriedades
farmacoquímicas da maconha não poderiam fazer com que fossem
descobertos novos - possivelmente mais baratos - tratamentos para
algumas doenças como câncer a aids?
Será que a sociedade não lucraria com a redução da população
carcerária, fazendo com que o aparelho coercitivo do estado
estivesse mais disponível para combater os chamados 'crimes com
vítima'?
É verdade que houve avanços nesta discussão, que desembocaram
na Lei Antidrogas nº 11.343 (2006), que prevê penas mais leves para
usuários. Mas ainda existe um longo caminho a ser percorrido. A
própria definição de 'usuário' é vaga. Não são poucos os casos de
pessoas que cultivam a erva para consumo próprio (para não
financiarem o crime), presos como se fossem traficantes. Diferenças
de raça e condição social também têm sido 'determinantes' na
distinção entre usuário e traficante.
Por tudo isso é fundamental que entidades de direitos humanos de
todo o país possam participar dos espaços de diálogo sobre este
tema, apropriando-se da temática e discutindo com os sujeitos que
estão levando a questão mais adiante. Não podemos mais nos
esquivar desta luta, tão intimamente ligada a direitos como saúde,
educação, cultura, trabalho e acesso à justiça.
*Jornalista, integrante do Centro de Cultura Luiz Freire e conselheiro
do MNDH
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