CENTRO EDUCACIONAL CHARLES DARWIN
POR QUE LEVAR EM CONTA OS ASPECTOS AFETIVOS NA EDUCAÇÃO
O problema é o fato de se tratar o que é não cognitivo com o objetivo de obter maior rendimento quando
a razão deveria ser a melhoria das relações humanas.
Não é ao acaso que temos visto figurarem no cenário mundial as palavras “afeto”, “emoções”,
“emocional” quando se trata da educação. Da mesma forma, chega-nos como a regulamentação de um
novo trabalho em educação o que tem sido anunciado pelo Relatório Delors e pela Organização para a
Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), quando esta sinaliza que o Programa
Internacional de Avaliação de Estudantes (PISA) avaliará, nos próximos anos, conteúdos como a
responsabilidade, o trabalho em grupo e a resolução de conflitos. Imagina-se que esses conteúdos
novos sejam importantes, já que serão avaliados. O fato é que são tão importantes que serão avaliados,
e não o contrário. Ainda que pareça um tema novo, a questão dos afetos ou das emoções tem sido
evidenciada há muito tempo pela psicologia e, antes disso, pela filosofia.
Pois bem, todas essas reflexões são traduzidas para o contexto de formação do ser humano – a
educação. Por isso, não é estranho o fato de que a educação tenha de pensar nesse ser humano
completo, dotado, por um lado, de razão, que o instrumentaliza para agir e, por outro, de emoção, que o
faz investir na busca por seus objetivos. O que soa estranho é acreditar que este seja um conteúdo
novo para uma velha escola, a qual não aprendeu a utilizar o que a ciência já produziu e comprovou.
Contudo, o mais produtivo nesse momento seja reiterar a necessidade de a escola poder ver seu
aluno como um ser humano que não se despe de sua natureza ao passar pela porta da instituição. É,
por tanto alguém que sente medo, alegria, admiração, vergonha, preocupação e que almeja, como
qualquer outro ser humano, progredir – para lembrar Aristóteles, buscando ser feliz; ou, para lembrar
Freud, cumprindo sua sina de querer satisfazer os próprios desejos. É alguém para quem a convivência
é essencial, visto que o homem é um ser social.
Diante dessas discussões, é no mínimo promissor o cenário que vemos hoje, quando pensamos
nas diversas pesquisas e ações tanto governamentais quanto não governamentais tentando mostrar em
que medida tais aspectos da natureza humana devem ser considerado pela escola. Entretanto, o
próprio avanço com que o tema tem sido tratado pede-nos cautela.
De fato, não restam dúvidas de que, para contemplar a formação de um cidadão consciente de seu
papel, responsável, com valores éticos – objetivos assegurados tanto nos desejos de professores
quanto nas leis em nosso país e internacionalmente -, é preciso levar em conta os aspectos afetivos. A
ciência já nos deu mostras disso, embora a mesma ciência peça-nos um olhar criterioso: primeiro, para
não “reinventarmos a roda”, como se descobríssemos algo inteiramente novo, o que não é o caso.
Segundo, esse mesmo olhar criterioso exige atenção para entendermos o que está por trás das
traduções que se fazem do tema para a educação. Há algo extremamente importante quando tratamos
da afetividade na escola: o limite da intimidade das pessoas. A escola não é lugar de terapia de grupo
como alertaria Sennet (1998), nossas crianças precisam aprender a construir uma fronteira natural da
intimidade, o que não é possível quando se promovem trabalhos coletivos para se falar de si, expondose em busca, por exemplo, de superar a timidez. Não é exatamente o que falta a nossos jovens quando
se expõe nas redes sociais ou se expõem aos outros – o limite da intimidade? Como aprendê-lo se na
própria escola exige-se que se exponham?
Terceiro, é preciso pensar que se levam em conta os aspectos afetivos. Além de estar comprovada
a sua participação na formação da natureza humana, há algo que não podemos esquecer:
autoconhecer-se, autoafirmar-se, participar em grupo, resolver conflitos… para que? É ótimo que seja
para se situar melhor em um novo paradigma do mercado de trabalho, pois a pós-modernidade exige
um jovem articulado e bem resolvido. É ótimo que seja para se realizar como pessoa. Entretanto, há um
critério do qual não se pode abrir mão – e Piaget já sabia disso quando reiterou a necessidade de
pensar o binômio razão como estrutura e afeto como energia que move o homem: é para evoluir como
ser humano. E, como ser humano evoluído, há um adjetivo: ser ético.
Isso muda o pressuposto que fazemos das intervenções em sala de aula e a maneira como
entendemos o que se tem chamado de “habilidades não cognitivas”. Do ponto de vista da psicologia
genética piagetiana, a inteligência é uma estrutura que nos permite adaptarmos ao mundo. Ela nos
fornece os instrumentos para isso. Piaget (1920/1994) chamaria de afetividade o investimento que se
faz nas próprias ações e nos objetos, ou seja, a energia que nos move a agir, o que nos confere
sentido, o que nos interessa. São, portanto, mais do que emoções, visto que estas últimas podem ser
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primárias (não primitivas) e também sentidas por outros animais (quem nunca viu um cachorro alegre
porque o dono chegou, ou um gato com raiva de encontrar outro no quintal?).
Há, nesse conjunto, categorias mais evoluídas de afetividade: sentimentos como a vergonha, a
honra, o respeito. Esses são exatamente mais evoluídos porque se distinguem como resultados da
inter-relação entre cognição (que é a estrutura) e a afetividade (que é a energia que move e orienta as
escolhas ou os fins), porque vão hierarquizar valores como a justiça, a solidariedade, a convivência
democrática como “escolhas” para a vida ou o que lhe dá sentido. O que eu admiro: quem conseguiu
vencer na vida a qualquer custo, ou quem se esforçou para fazê-lo honestamente? Do que sinto
vergonha: de não ter um carro novo ou de maltratar um colega?
Por um lado, não há como pensar em “não cognitivo” porque a escolha, ainda que seja afetiva,
elege e hierarquia o que é valor (trabalho da cognição). Quando damos escolhas às crianças, quando
lhes permitimos tomar decisões, quando organizamos as regras que regulam a convivência em sala de
aula conjuntamente, estamos trabalhando conjuntamente, estamos trabalhando com o binômio razão e
afeto. Por outro lado, é preciso lembrar que as chamadas habilidades não cognitivas são derivadas dos
estudos da economia. Certamente, também na psicologia existe a noção de que o ensino de
habilidades pressupõe uma aprendizagem. Porém, o problema maior não é esse, e sim o fato de a
premissa ser tratar o que é “não cognitivo” com o objetivo de obter maior rendimento quando, na
verdade, a razão para a escolha por tratar esse tema deveria ser melhoria das relações humanas e,
assim o exercício de conviver.
Em uma palavra, se queremos que a escola esteja alerta a essas (não tão) novas discussões, é
preciso vencer os desafios de transformá-la em um lugar em que as crianças não façam tudo o que
querem, mas que queiram tudo o que fazem, como diria Claparède (1959). Um lugar em que se possa
dizer o que se sente num conflito entre pares, em que se possa ouvir do outro o que pensa e confrontar
as próprias ideias. Um lugar em que se possa avaliar a própria convivência - quando nos faltam o
respeito, a justiça, a solidariedade… Um lugar, enfim, em que as crianças sejam, no mínimo, candidatas
à humanidade, como diria Hannah Arendt (1999). E, dotadas dessas condições, possam ser
protagonistas de sua história.
Luciene Regina Paulino Togneta.
É mestre em educação, doutora em Psicologia Escolar e professora do Departamento de Psicologia da
Educação da Faculdade de Ciências e Letras da Unesp – Campus Araraquara.
Revista Pátio- Maio/Junho - 2015
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