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POR QUE A PSICANÁLISE?
ELISABETH ROUDINESCO
Jorge Zahar Editor: Rio de Janeiro, 2000. Trad. Vera Ribeiro,
163p., R$ 23,00 ISBN 85-7110-540-5
Título original: Pourquoi la Psychanalyse?
(Libraire Arthème Fayard, Paris, 1999)
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or meio desta obra, que figurou em diversas listas de bestsellers na França e representa uma defesa apaixonada da
psicanálise, a autora, historiadora e psicanalista, procura
responder a três questões que considera básicas na atualidade: 1. por que consagrar tanto tempo ao tratamento
da fala, se remédios apresentam efeitos mais imediatos?;
2. as construções freudianas não estariam reduzidas a cinzas pelos teóricos do cérebro-máquina?; e 3. nessas condições, a psicanálise teria futuro?
Autora de diversos livros e professora da Universidade Paris VII, Roudinesco apresenta este trabalho como fruto de uma pergunta dirigida a si
mesma: por que, após cem anos de existência e de resultados clínicos incontestáveis, a psicanálise é tão violentamente atacada por aqueles que pretendem
substituí-la por tratamentos químicos, tidos como mais eficazes?
Na primeira parte, aponta para a depressão como epidemia psíquica
que domina a subjetividade contemporânea como uma forma atenuada da
antiga melancolia e critica as práticas paralelas, que têm como denominador
comum o oferecimento de uma crença – e portanto, de uma ilusão – de cura,
receitando ao paciente a mesma gama de medicamentos, seja qual for o seu
sintoma. Assim, a sociedade moderna buscaria banir a realidade do infortúnio, da morte e da violência, procurando integrar num único sistema as diferenças e as resistências. Mas a infelicidade tem retornado, fulminante, ao
campo das relações afetivas e sociais.
Para Roudinesco, “a concepção freudiana de um sujeito do inconsciente, consciente de sua liberdade mas atormentado pelo sexo, pela morte e
pela proibição, foi substituída pela concepção mais psicológica de um indivíduo depressivo, que foge de seu inconsciente e está preocupado em retirar de
si a essência de todo o conflito”, concluindo que “o deprimido deste fim de
século é herdeiro de uma dependência viciada do mundo, (...) busca na droga
ou na religiosidade, no higienismo ou no culto do corpo perfeito, o ideal de
uma felicidade impossível” (p. 19).
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PAULO SÉRGIO EMERIQUE
Professor assistente
da Unesp-Rio Claro.
Doutor em Psicologia pela USP
[email protected]
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Desse modo, a psicofarmacologia encerrou o
sujeito numa nova alienação ao pretender curá-lo de
sua própria essência humana. Questiona-se, então:
que medicamentos será necessário inventar, no futuro, para tratar dos que se houverem “curado”,
substituindo um abuso por outro?
Historiadora de inegável competência, a autora lembra que a histeria representava uma contestação da ordem burguesa, uma revolta que, mesmo
impotente, foi significativa por seus conteúdos sexuais (tanto que Freud lhe atribuiu um valor emancipatório, do qual todas as mulheres se beneficiariam). No entanto, cem anos depois, assiste-se a uma
regressão, daí o paradigma da depressão, que parece
atingir também a psicanálise, contestada por uma
sociedade que parece preferir a psicologia clínica e a
farmacologia, a exigir que os sintomas psíquicos tenham uma causalidade orgânica. Assim, os clínicos
parecem não ter outra alternativa senão atender a
essa demanda maciça de psicotrópicos.
Nessa situação, a psicanálise é permanentemente violentada por um discurso tecnicista que
não pára de criticar sua pretensa “ineficácia experimental” e seu reconhecimento da singularidade de
uma experiência subjetiva que coloca o inconsciente, a morte e a sexualidade no cerne da alma humana. Ao invés disso, o remédio orienta o paciente
para uma posição “remediada”, cada vez menos
conflituosa e, portanto, cada vez mais depressiva,
atendendo, seja qual for a duração da receita, a uma
situação de crise, a um estado sintomático.
A meu ver, Roudinesco sintetiza sua constatação de forma contundente: “Em lugar das paixões,
a calmaria, em lugar do desejo, a ausência do desejo,
em lugar do sujeito, o nada, e em lugar da história,
o fim da história. O modelo profissional de saúde –
psicólogo, psiquiatra, enfermeiro ou médico – já
não tem tempo para se ocupar da longa duração do
psiquismo porque, na sociedade liberal depressiva,
seu tempo é contado” (p. 41).
Falando do psiquismo, afirma que sintomas
não remetem a uma única doença, e esta é, mais exatamente, um estado. Então, a cura não seria outra
coisa senão uma transformação existencial do sujeito. No entanto, a autora lembra que mesmo Freud,
nos últimos anos de sua vida, considerava que, um
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dia, os avanços da farmacologia poderiam impor limites à técnica do tratamento pela fala.
Na segunda parte do livro, Elisabeth Roudinesco aborda o que denomina “a grande querela do
inconsciente” e revê o desenvolvimento da psicanálise na França e na América, onde se crê que “Freud
está morto”. Nesses capítulos, critica o cientificismo como uma ilusão da ciência (no sentido com
que Freud define a religião como ilusão), ao pretender preencher as incertezas indispensáveis ao desdobramento de uma investigação científica com delírios de conhecimento e onipotência. Nesse ponto,
insere o pensamento de G. Edelman (Prêmio Nobel de Medicina), para quem a hostilidade para com
o modelo freudiano decorre menos da discussão científica do que da resistência dos cientistas a seus
próprios inconscientes.
Portanto, o que os adeptos do cientificismo e
da redução do psíquico ao neurológico têm em comum seria um ateísmo que consiste numa espécie
de religião da ciência, negando tudo que possa decorrer do espiritual, do imaginário e da fantasia, de
onde advém a cegueira para os desvios irracionais do
discurso científico.
Constatando a tragédia de uma visão que jamais percebe a diferença entre as ciências da natureza e as ciências do homem, e a força de uma operação que buscou limpar da clínica e da reflexão universitária e médica o conjunto das teorias da subjetividade, a autora desejaria que a psicanálise pudesse
“ser capaz de dar uma resposta humanista à selvageria surda e mortífera de uma sociedade depressiva
que tende a reduzir o homem a uma máquina desprovida de pensamento e de afeto” (p. 70).
Na última parte do livro, Roudinesco discute
o futuro da psicanálise, lembrando que Freud não
cessou de reformular seus próprios conceitos. Esse
futuro dependeria (como o de qualquer outra teoria) de sua aptidão para inventar novos modelos explicativos e de sua permanente capacidade de reinterpretar os modelos antigos em função da experiência adquirida.
Mesmo evoluindo em função da sociedade
em que se manifestam, os modelos elaborados pela
psicanálise podem se mostrar defasados em relação
a ela, que, desde a origem, pretendeu tornar-se um
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grande movimento de libertação. A autora aponta,
então, para novos clínicos que, não mais acreditando na estrutura e no valor das escolas psicanalíticas
(que, a despeito de sua utilidade, ainda padecem de
um grande descrédito em razão de sua propensão
ao dogmatismo), buscaram conceber novas formas
de presença e de atuação, mais adaptadas ao mundo
moderno, numa vanguarda de renascimento do
freudismo.
Desta maneira, rastreando a história da psicanálise e falando de suas principais figuras depois de
Freud, chega a Lacan – considerando-o, sem sombra de dúvida, o maior teórico do freudismo da segunda metade do século XX, por ter efetivado um
ato de subversão com o qual o próprio Freud não
teria sonhado, saindo do modelo biológico para o
discurso filosófico, e apoiando-se numa visão que
não se contenta com a repetição dos postulados do
fundador da psicanálise, mas deles propõe uma releitura crítica. Comenta, a seguir, a relação conflituosa com as sociedades freudianas, decorrente da
obra lacaniana e de seus seguidores, mais acessíveis
a transformações do tratamento padrão, em especial
as divergências quanto à formação do analista, que,
segundo Lacan, “só se autoriza por si mesmo”.
Por fim, caracteriza os pacientes da atualidade
como conformes à imagem da sociedade depressiva
em que vivem, resistindo a tratamentos mais longos
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e tendendo a utilizar a psicanálise como outro medicamento e o analista, como receptáculo de seus
sofrimentos.
Assim como os pacientes, os psicanalistas das
novas gerações também se diferenciam dos mais antigos, apesar de todas as dificuldades com que se
confrontam, aspirando a uma renovação do freudismo, mostrando-se mais próximos da miséria social,
mais humanistas, mais sensíveis a todas as formas de
exclusão e mais exigentes quanto às escolhas éticas.
Abertos a outras formas de terapia, mesmo tendo a
psicanálise como modelo de referência, correm o
risco, segundo a autora, de um ecletismo que pode
levar a uma “pasteurização do rigor teórico – e, mais
ainda, a um esquecimento do universalismo freudiano”.
Conclui que a fragmentação do campo psicanalítico pode desembocar numa recomposição positiva da clínica e da teoria e numa consideração das
diferenças que caracterizam a subjetividade moderna.
Por seu questionamento constante, proposto
desde o título, vejo neste livro um posicionamento
compromissado com a atitude freudiana, fundamentalmente indagadora e autocrítica, constituindo-se em leitura indispensável para aqueles que consideram que tudo o que é humano lhes fala e lhes
apela, de perto e de dentro.
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