EMPRESA INDIVIDUAL E PERSONALIDADE JURÍDICA João Paulo de Oliveira Procurador da Fazenda Nacional 1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS Encontra-se disseminada, no meio jurídico, uma errônea compreensão acerca do conceito de empresa individual e personalidade jur ídica. O equívoco consiste na crença de que a empresa individual tem uma personalidade jurídica própria e distinta da de seu titular (a pessoa natural que empresaria). Por conta disso, infindáveis transtornos burocráticos têm surgido, atrasando processos e gerando dissabores aos cidadãos. Notadamente no âmbito da administração tributária federal, a desacertada segmentação de identidades tem prejudicado a arrecadação. Nem toda em empresa é pessoa jurídica. Nem toda empresa é exercida por sociedades. Há empresas desenvolvidas por pessoas físicas, e tais pessoas não têm sua personalidade cindida por conta disso. O presente texto tem por objetivo lançar luzes sobre os elementos caracterizadores da empresa individual, permitindo uma melhor solução das questões em que ela se envolve, seja no âmbito da administração tributária, seja nos demais aspectos da vida civil. 2 PERSONALIDADE Pessoa é o ente físico ou coletivo suscetível de direitos e obrigações. É sujeito de direito por que assim o permite a legislação. O Código Civil, em seu livro I, divide as pessoas em dois grandes grupos, o das pessoas naturais e o das pessoas jurídicas. Pessoa natural é o ser humano. Para adquirir capacidade civil, basta que nasça com vida, sendo certo que a legislação já resguarda seus direitos desde sua concepção. Pessoa jurídica é um complexo de direitos e obrigações dotado de individualidade reconhecida pela legislação e que, por definição, não se confunde com a pessoa natural. Pode ser de direito público, externo e interno, e de direito privado. As pessoas jurídicas de direito privado são agregados de pessoas ou bens organizados para determinado fim. No direito brasileiro atual, são elas: fundações, associações, sociedades (simples e empresárias), cooperativas, sindicatos e partidos. 3 O EMPRESÁRIO O Código Civil de 2002 traz um apanhado de normas que tem por objeto a atividade de empresário. Ela tanto pode ser exercida por uma pessoa natural quanto uma pessoa jurídica (sociedade empresária). Neste sentido, o Código Civil estipula que podem exercêla todos que estejam em pleno gozo da capacidade civil e não estejam sob impedimento legal. A pessoa natural que exerça atividade de empresário é correntemente tratada por empresário individual, empresa individual ou firma individual. O exercício da atividade de empresário implica na submissão a um regime jurídico especial, ou seja, ele passa a submeter-se a normas especiais reguladoras da empresa, que são as normas de direito comercial (ou empresarial, como preferem alguns). Esse regime jurídico especial cria diversos direitos e deveres a que não estão submetidos os não-empresários como, entre outros, direito ao uso de nome comercial, dever de escrituração comercial específica, proteção ao estabelecimento, possibilidade de acesso à concordata e ao regime de execução concursal da falência etc. O exercício da atividade de empresário, é importante que fique claro, não cria uma nova personalidade jurídica. Assim, se uma sociedade não personificada empresariar, ela não ganhará personalidade jurídica por conta disto. O mesmo se diga em relação à pessoa física que passe a exercer empresa: não haverá um desdobramento de personalidade, nem surgirá uma pessoa nova por conta disso. 4 4.1 REGIME JURÍDICO DA PESSOA NATURAL EMPRESÁRIA DO NOME EMPRESARIAL A pessoa natural que exerça a empresa tem direito ao uso de um nome empresarial que, segundo o Código Civil, é a denominação adotada para o exercício da empresa. O nome empresarial da pessoa natural é constituído por seu nome, completo ou abreviado, facultando-se a adição de um designação mais específica da pessoa natural ou do ramo de atividade1. Assim, uma só pessoa terá direito, simultaneamente, ao uso de dois nomes: o nome registrado no Cartório de Registro Civil de Pessoas Naturais e o nome empresarial, para exercício da empresa. 4.2 DO ESTABELECIMENTO O empresário pessoa natural está submetido, ainda, às regras relativas ao estabelecimento empresarial, que é o complexo de bens organizado racionalmente para o desempenho da atividade empresarial. É uma universalidade de fato que alberga bens corpóreos e incorpóreos dedicados à empresa. Também é conhecido como fundo de comércio. A organização dada pelo empresário a este conjunto de bens agrega-lhe um valor extra que faz com que o conjunto supere em montante o valor do somatório de bens individualmente considerados. A legislação dá proteção extra ao empresário que consiste na indenização deste plus na hipótese de vir a perder indevidamente seu estabelecimento. Cria, ainda, uma proteção ao ponto comercial, como componente do estabelecimento, garantindo a renovação de locação, sob determinadas condições, e coibindo a concorrência desleal. O Código Civil, por outro lado, impõe restrições a venda do estabelecimento (trespasse), prevendo a necessidade de comunicação e anuência dos credores e averbação na Junta Comercial para validade perante terceiros2. O estabelecimento não tem personalidade jurídica, não sendo sujeito de direitos. É ente despersonificado (característica das universalidades de direito), integra o patrimônio do empresário e não se confunde com a empresa 3 O patrimônio do empresário não guarda identificação com o estabelecimento. São coisas distintas, mas o estabelecimento sempre fará parte do patrimônio do empresário. Em outras palavras, o patrimônio do empresário (pessoa natural ou jurídica) sempre terá, entre os seus componentes, o estabelecimento. O Conselho Superior da Magistratura do TJ SP, em julgamento de dúvida registral, textualmente assinala que a firma individual 1 2 3 Código Civil, artigo 1.156 Código Civil, artigo 1.145 MORAES, Maria Antonieta Lynch de Moraes, O Trespasse, RT 792/117 não pode ter um imóve l registrado em seu nome, justamente por não ter personalidade jurídica 4. Ainda sobre o tema, cabe dizer que o Código Civil de 2002 possibilita ao empresário casado vender, sem anuência conjugal, “patrimônio da empresa” 5. Cabe ressaltar que o dispositivo refere-se, por razões óbvias, ao empresário pessoa natural (o titular da empresa individual), e não à pessoa jurídica empresária. Esta previsão do artigo 978 do Código Civil discrepa de todo o resto ordenamento no que atine à não personificação da empresa individual. O legislador empregou mal a expressão “patrimônio da empresa”, uma vez que a empresa, por si só, não é titular de direitos. A empresa é objeto de direito, é atividade organizada. A expressão “patrimônio da empresa” deve ser entendida sob o aspecto da afetação, ou seja, é o conjunto de bens, ainda que imóveis, afetados à empresa, ou, em outras palavras, que fazem parte do estabelecimento, mas cuja propriedade é do empresário pessoa natural. 4.3 INSCRIÇÃO NO REGISTRO COMERCIAL E NO CNPJ A pessoa natural que exerça atividade empresarial está obrigada à inscrição no Registro Comercial6 e no Cadastro Nacional das Pessoas Jurídicas (CNPJ). A imposição da inscrição no CNPJ, e a própria denominação deste cadastro, constituem algumas das geradoras dos equívocos relativos à personificação da empresa individual. O artigo 12 da Instrução Normativa da Secretaria da Receita Federal 200/2002 diz textualmente que “todas as pessoas jurídicas, inclusive as equiparadas” estão obrigadas a se inscrever no CNPJ. Ora, as “equiparadas” não são pessoas jurídicas, mas sim pessoas naturais equiparadas a pessoas jurídicas. Quem é equiparado não é igual. Logo, não há “pessoas jurídicas equiparadas”, e sim “pessoas físicas equiparadas a jurídicas”. Assim como o exercício da empresa não cria personalidade, a inscrição do CNPJ também não o faz. A aquisição da personalidade das pessoas jurídicas de direito privado se dá com base no Código Civil e este dá personalidade jurídica às sociedades empresariais, mas não permite o surgimento de nova personalidade como decorrência do exercício de empresa pela pessoa natural, tampouco pelo registro da pessoa natural na Junta Comercial ou no CNPJ. Ainda a corroborar a afirmação de que ser inscrito no CNPJ não dá personalidade jurídica a ninguém está o fato de que outros entes também obrigados à inscrição notoriamente não possuem personalidade própria, como é o caso de condomínios que aufiram ou paguem rendimentos sujeitos à incidência do imposto de renda na fonte, os consórcios constituídos na forma dos arts. 278 e 279 da Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976, os clubes de investimento registrados em Bolsa de Valores, segundo as normas fixadas pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e pelo Banco Central do Brasil (Bacen), os fundos mútuos de investimento, as missões diplomáticas e repartições consulares de caráter permanente, as representações permanentes de órgãos internacionais e serviços notariais e registrais. Já o decreto 3000/99 (RIR), com melhor redação, textualmente explica que a firma individual não é pessoa jurídica, mas apenas a ela se equipara 7, e, no mesmo sentido, copiosa é a jurisprudência8 que repele a personificação da firma individual. 4 Ementa nº 441 Relator Desembargador LUIZ ELIAS TÂMBARA, Ementa do Período de 2002/2003DJ93.875-0/8 - PIRASSUNUNGA - Registro de Imóveis - Espólio - Partilha - Carta de adjudicação - Firma Individual Registro - Inadmissibilidade - Ausência de personalidade jurídica - Necessidade de recolhimento do ITBI Concordância - Dúvida prejudicada - Recurso não conhecido. 5 Art. 978. O empresário casado pode, sem necessidade de outorga conjugal, qualquer que seja o regime de bens, alienar os imóveis que integrem patrimônio da empresa ou gravá-los de ônus real. 6 Código Civil, artigo 1.150 4.4 A FIRMA INDIVIDUAL E SEU TITULAR De tudo quanto acima se viu, pode-se concluir que a firma individual não tem personalidade diversa e separada da de seu titular. Ambos, firma individual e seu titular, são uma única pessoa, com um único patrimônio, e uma única responsabilidade patrimonial perante a administração fazendária. Conceder um CNPJ (antigo CGC) ao empresário individual é consectário de uma política tributária de tratá-lo em regime equiparado ao das pessoas jurídicas, não significando que a firma individual seja uma pessoa jurídica, ou que tenha um regime especial de responsabilidade para fins tributários. Não sendo um sujeito de direitos com individualidade própria, não tem legitimação ad processum, ou seja, capacidade processual, não podendo figurar em qualquer dos pólos do processo. Este entendimento já foi causa de indeferimento de inicial de execução movida pela Caixa Econômica Federal contra firma individual9. As petições iniciais de execução devem, ainda que supletivamente, fazer menção ao nome da pessoa natural, e não apenas ao nome comercial da firma individual. Se a legislação exige a qualificação da parte, esta deve ser a mais completa possível, não devendo se restringir ao nome empresarial em detrimento do nome civil. Ainda quando a ação tenha sido ajuizada somente com a menção do nome comercial do réu, desnecessária, inclusão e “re-citação” da pessoa natural sob o nome civil. O fato de o Oficial de Justiça fazer menção ao nome comercial no termo de citação não significa que ele não tenha citado a pessoa natural titular da firma individual. Quando se cita a firma individual já está sendo citada a pessoa natural, e vice-versa, pois são a mesma pessoa. A demanda movida como menção do nome comercial já atinge a pessoa natural do titular da firma individual, sendo dispensável a inclusão no pólo passivo e mesmo a nova citação. Além disso, o empresário responde ilimitadamente com todos 10 seus bens pelas obrigações contraídas “pela firma individual”. 7 Art. 150. As empresas individuais, para os efeitos do imposto de renda, são equiparadas às pessoas jurídicas (Decreto-Lei nº 1.706, de 23 de outubro de 1979, artigo 2º). 8 Acordão-Origem: TRIBUNAL - QUARTA REGIÃO Classe: AG - AGRAVO DE INSTRUMENTO Processo: 200304010255115 UF: RS Órgão Julgador: PRIMEIRA TURMA Data da decisão: 06/08/2003 Documento: TRF400089932 Fonte-DJU DATA:17/09/2003 PÁGINA: 659 DJU DATA:17/09/2003 Relator(a) -JUIZA MARIA LÚCIA LUZ LEIRIA Decisão -A TURMA, POR UNANIMIDADE, DEU PROVIMENTO AO AGRAVO, NOS TERMOS DO VOTO DO RELATOR Ementa-AGRAVO DE INSTRUMENTO. REDIRECIONAMENTO DA EXECUÇÃO. FIRMA INDIVIDUAL. - O empresário ou comerciante individual responde ilimitadamente com seus bens por todos os atos praticados no exercício de sua atividade, não se constituindo, desta forma, pessoa jurídica com personalidade diversa da pessoa física, que titulariza a firma individual. Data Publicação-17/09/2003 9 Acordão-origem: trf - primeira região classe: ag - agravo de instrumento – 01114857 processo: 9001114857 uf: mg órgão julgador: primeira turma data da decisão: 11/06/1991 dj data: 12/08/1991 página: 18393 relator(a) -Juiz Catão Alves descrição -a unanimidade, negar provimento ao recurso de agravo de instrumento. Ementa- processo civil - firma individual - capacidade para estar em juízo - inexistência. 1. A distinção entre firma individual e pessoa física só e considerada para efeito de imposto de renda já que a responsabilidade patrimonial perante credores una, que se concentra na pessoa física que atua, necessariamente, no próprio nome. Por conseguinte, como firma individual não tem personalidade juridica, a pessoa fisica que lhe empresta o nome, age, pessoalmente em juizo, em seu nome individual e e devedora ou credor de terceiros. 2. Decisão confirmada. 3. Agravo de instrumento rejeitado. Data Publicação-12/08/1991 10 AGRAVO DE INSTRUMENTO – EXECUÇÃO FISCAL – FIRMA INDIVIDUAL – COMERCIANTE – PEN HORA – CITAÇÃO – RECURSO PROVIDO – "Para os efeitos da responsabilidade civil ou comercial, tratandose de empresa individual, o comerciante responderá ilimitadamente, com todos os seus bens, pelos atos que praticar, atinentes ao comércio, inexistindo distinção entre dívida contraída pelo comerciante singular e aquela a que está obrigada a pessoa física, de modo que os seus bens respondem pelas obrigações assumidas, qualquer que seja sua natureza" (AI nº 3.014, Des. Xavier Vieira, JC 49/288). Citado o comerciante, tem-se também como citada a pessoa física, sendo dispensável que se repita o ato para viabilizar a penhora de seus bens particulares. (TJSC – AI 97.0047657 – 2ª C.C. – Rel. Des. Newton Trisotto – J. 21.08.1997) e O termo “firma” vem do latim firmare, que significa assegurar, e passou ao português com sentido de assinatura. No âmbito comercial, é o nome pelo qual o comerciante se faz conhecer, seu nome de guerra, que pode ser diferente do seu nome civil (exemplo: José Silva, que adota a firma J. Silva) não significando que o comerciante tenha adotado outra personalidade 11. Rubens Requião, elucidando a confusão, distingue: a sociedade é sujeito de direito, a empresa, objeto 12. 5 ESTABELECIMENTO INDIVIDUAL DE RESPONSABILIDADE LIMITADA O reconhecimento, pelo Direito, da personalidade jurídica tem como principal vantagem estimular as atividades empresariais, limitando o risco do empreendedor. Com a figura da personalidade jurídica, o empreendedor consegue separar, de seu patrimônio pessoal, o capital que pretende arriscar na atividade empresarial, dado este que será de conhecimento de todos quantos lidem com o ente empresarial em questão. “Por meio da limitação da responsabilidade, o sujeito da empresa individual encontrará, na integralização do capital, a afetação máxima que pode sofrer, fator que se mostra preponderante para o desenvolvimento econômico e social” 13 Perseguindo o desenvolvimento econômico, a XII Diretiva Comunitária da Europa, de 21 de dezembro de 1989, acolheu o instituto sociedade unipessoal de responsabilidade limitada14. A norma européia permite que tal instituto seja estendido a todos os países que integram a União Européia. Em Portugal e na França é possível o desdobramento da personalidade da pessoa natural empresária, segregando-se responsabilidade e patrimônio para atividades empresariais e civis. Em Portugal este instituto recebe o nome de Estabelecimento Individual de Responsabilidade Limitada (E.I.R.L). Na França, o nome de "sociedade unipessoal de responsabilidade limitada"15. O propósito é permitir que a pessoa natural exerça atividade empresária pondo a salvo seus bens pessoais, tornando mais claros os limites da garantia oferecida a terceiros. Também os Estados Unidos adota a figura a empresa individual de responsabilidade limitada ou sociedade unipessoal16. A despeito das vantagens econômicas representada pela personificação da empresa, o fato é que tal figura, no que toca à empresa individual, não vigora no Brasil. DIREITO PROCESSUAL CIVIL – Embargos à execução. Ilegitimidade ativa ad causam e ilegitimidade na representação afastadas. Distinção do comerciante individual da pessoa física. Inadmissibilidade. A distinção entre comerciante individual e pessoal física interessa às sociedades, assim mesmo quando pela sua constituição a responsabilidade do sócio está dissociada da responsabilidade da sociedade. Na empresa individual, os patrimônios se confundem, fazendo de uma só pessoa o sujeito de direitos e obrigações. (TJDF – AC 3247994 – (Reg. 9.480) – 3ª T.Cív. – Rel. Des. Nívio Gonçalves – DJU 17.08.1994) 11 RESP 102539 / SP ; RECURSO ESPECIAL 1996/0047799-0 RELATOR(A) MIN. HUMBERTO GOMES DE BARROS 12 REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial. Vol. 1. Saraiva: São Paulo, 1991 citado em RESP 102539 / SP ; RECURSO ESPECIAL 1996/0047799-0 RELATOR(A) MIN. HUMBERTO GOMES DE BARROS 13 CAMOSSI, Érika. Mundo de faz-de-conta Exigência de duas pessoas para formar sociedade é prejudicial. Disponível em http://conjur.estadao.com.br/static/text/45731,1. Acesso em 14/9/2006 14 CAMOSSI, Érika. Mundo de faz-de-conta Exigência de duas pessoas para formar sociedade é prejudicial. Disponível em http://conjur.estadao.com.br/static/text/45731,1. Acesso em 14/9/2006 15 MORAES, Guilherme Duque Estrada de, A Empresa Individual de Responsabilidade Limitada, http://www.desburocratizar.org.br/down/bibl_aempresa.pdf, em 23/8/2004 16 CAMOSSI, Érika. Mundo de faz-de-conta Exigência de duas pessoas para formar sociedade é prejudicial. Disponível em <http://conjur.estadao.com.br/static/text/45731,1>. Acesso em 14/9/2006 6 RESPONSABILIDADE PATRIMONIAL A pessoa natural titular da firma individual responde com todos seus bens pelos débitos contraídos na atividade empresarial, não havendo qualquer preferência quanto a penhorabilidade daqueles afetados ao estabelecimento. O exercício de atividade empresarial não restringe a responsabilidade patrimonial dos titulares das firmas individuais pelas dívidas tributárias. “Se o imóvel estiver em nome da pessoa física qualificada com seu RG e CIC, estado civil de casado e sendo apresentado para registro mandado de penhora expedido em execução contra firma individual, qualificada com CGC, tendo como titular aquela pessoa natural, não deve o registrador deixar de cumprir a ordem, sob alegação de imprescindível e prévia desconsideração da personalidade jurídica, de pessoa jurídica inexistente. O juízo da execução, sim, deverá precaver o feito, determinando a intimação do cônjuge do titular da firma individual, nos termos do artigo 669, par. 1 º do CPC, sob pena de nulidade da penhora.”17 Hoje é bastante comum que as administrações fazendárias estaduais, municipais e federais segreguem e tratem diferentemente os débitos das firmas individuais e de seus titulares. Os débitos são separados por CNPJs e CPFs, como se a firma e seu titular não fossem uma única e só pessoa (que responde com todos seus bens tanto pelos “débitos dos CNPJs” quanto pelo “débito do CPF”). Uma pessoa pode ser titular de uma empresa individual que seja devedora de milhões à Fazenda Federal e ainda assim consegue obter certidão negativa de tributos se pedi-la com seu CPF (e não com o CNPJ da empresa individual). Ocorre que, se existe uma só pessoa, não há razão jurídica para que os débitos do CNPJ da empresa individual não estejam atrelados ao CPF do empresário. Trata-se de equivocado tratamento dado pelos sistemas fazendários aos débitos das empresas individuais, e cuja correção poderia ensejar significativo incremento da arrecadação federal. O mesmo ocorre em outros segmentos da vida jurídica (cadastros de inadimplentes, etc.), estabelecendo-se imensa desorientação cadastral: “....tabelião de protesto não pode fornecer certidão negativa em nome de uma pessoa física, quando no pedido estiver qualificada com o seu CIC, tendo protesto contra a mesma como firma individual qualificada com seu CGC. Tampouco ao contrário, da mesma forma, porque se trata da mesma pessoa, com patrimônio único. O que se protesta é o título de crédito (e não CGC ou CIC), envolvendo a pessoa responsável pelo seu pagamento. Fácil aferir que a desatenção em expedir uma certidão negativa, quando deveria ser positiva, sob a alegação de que a mesma foi pedida com o "CIC" e não com o "CGC" ou vice versa, poderá acarretar irreparável prejuízo para o interessado que estiver negociando com a pessoa responsável pelo pagamento do título protestado 18 A responsabilidade perante credores é uma só e incide sobre a pessoa natural que empresta o nome à “firma individual”. É o patrimônio da pessoa natural que é atingido pelos atos de constrição, nada atingindo o patrimônio da firma individual simplesmente porque, não sendo esta sujeito de direito, não pode ter patrimônio próprio. 17 GALHARDO, João Baptista. A Firma Individual e o Registro de Imóveis. Disponível em <http://www.irib.org.br/biblio/galhardo.asp> Acesso em 14/9/2006 18 GALHARDO, João Baptista. A Firma Individual e o Registro de Imóveis. Disponível em <http://www.irib.org.br/biblio/galhardo.asp> Acesso em 14/9/2006 7 CONCLUSÕES A obtenção do número de CNPJ pela pessoa natural que exerça a empresa não tem reflexos na sua personalidade, ou seja, não lhe dá uma personalidade jurídica suplementar. O direito brasileiro não personifica o exercício de atividade empresarial pela pessoa natural, razão pela qual esta responde com todo seu patrimônio pelas obrigações tributárias ou não tributárias contraídas no exercício da empresa individual.