ISSN 1982-3541 Campinas-SP 2010, Vol. XII, nº 1/2, 176-196 Uma leitura de algumas dimensões das políticas educacionais atuais sob a ótica da análise do comportamento An interpretation of some current educational policies from a behavioral analysis perspective Silvia Sztamfater1 Fundação Carlos Chagas - São Paulo Ceac - Centro de Análise do Comportamento - São Paulo Resumo Muitas são as questões que vêm sendo estudadas, quando nos referimos à educação básica brasileira. Independente da abordagem que embasa as discussões, um dos temas recorrentes é a qualidade do ensino, desigual entre as regiões do Brasil. A garantia de uma educação de qualidade só ocorrerá a partir do momento em que sejam adotadas políticas públicas que assegurem a igualdade de condições de acesso e permanência dos alunos na escola. À luz destas constatações, o objetivo deste artigo é fazer uma análise, fundamentada no behaviorismo radical, de algumas dimensões das políticas educacionais da atualidade contidas no Plano de Desenvolvimento da Educação, que estejam ligadas à qualidade da educação e às formas de avaliação propostas para a sua medição. As dimensões elencadas para análise são: progressão continuada, avaliação, responsabilização e pagamento por desempenho. Percebemos que todas as problemáticas discutidas têm um ponto central: o poder de controle, fato que comprova a complexidade do tema em questão e a necessidade de compreender a educação, enquanto instituição. Palavras-chave: Qualidade de ensino; Políticas educacionais; Sistemas de avaliação; Plano de desenvolvimento da educação; Análise do comportamento. Abstract When it comes to basic education in Brazil, many questions have already been studied. Regardless of the approach that underlies the discussions, one of the recurring themes is the quality of education, disproportionate across regions of Brazil. High quality education will only be possible from the moment that public policies are adopted that guarantee equality of access and the permanence of students at school. The aim of this paper is to analyze, based on radical 1 Doutora em Ciências da Saúde. Fundação Carlos Chagas, São Paulo, SP. Ceac - Centro de Análise do Comportamento - São Paulo, SP. Endereço para correspondência: Av. Brigadeiro Faria Lima, 2081 cj 31, 01452-001,São Paulo, SP, Brasil. E-mail: [email protected] Rev. Bras. de Ter. Comp. Cogn., Campinas-SP, 2010, Vol. XII, nº 1/2, 176-196 Silvia Sztamfater behaviorism, some of the dimensions of today’s educational policies included in the current Educational Development Plan, which are linked to the quality of education and the forms of assessment proposed for its measurement. The dimensions listed for analysis are: continuous progression, assessment, accountability and performance pay. It can be seen that all the issues discussed have a central theme: the power of control, a fact that proves the complexity of the subject matter and the need to understand education as an institution. Keywords: Quality of education; Educational policies; Evaluation systems; Educational development plan; Behavior analysis. A política educacional é, afinal, uma questão de planejar o homem. (...) Uma política educacional eficiente não pode ficar satisfeita com a réplica das grandes realizações históricas. Não é fácil antever o que serão os artistas, estadistas e cientistas do futuro, mas, com o auxílio da análise experimental do comportamento, as potencialidades do organismo humano podem ser cabalmente exploradas (Skinner, 1972, p.226). Introdução Parece consenso que a educação debatida e geram controvérsias em deva ser tratada como assunto prioritário relação ao fracasso escolar - caracterizado em nosso país. A busca por uma pela evasão, repetência e distorção idade- compreensão cada vez mais aprofundada série – desvalorização social e baixas sobre qual educação queremos e o espaço perspectivas de futuro profissional para que as reflexões em torno do tema vêm os menos favorecidos. ocupando, Partindo caracterizam este cenário. desta concepção, uma Neste sentido, a garantia de uma das educação de qualidade só ocorrerá a temáticas recorrentes neste campo de partir do momento que sejam adotadas estudos é a qualidade do ensino. Trata-se políticas de uma polêmica bastante complexa, pelo enfrentamento desta questão, políticas fato de envolver várias dimensões e estas que assegurem a igualdade de múltiplos atores: o Estado, o sistema educacional, a escola, os professores, os públicas voltadas ao condições de acesso e permanência dos alunos na escola. alunos e seus familiares. Não obstante, devemos considerar econômico, social e influenciam diretamente os cultural a Diante destas considerações, o cenários que temática objetivo deste artigo é analisar algumas políticas educacionais da atualidade, que Rev. Bras. de Ter. Comp. Cogn., Campinas-SP, 2010, Vol. XII, nº 1/2, 176-196 177 Uma leitura de algumas dimensões das políticas educacionais atuais sob a ótica da análise do comportamento estejam ligadas à qualidade da educação e no Sul e Sudeste configuravam-se em às formas de avaliação propostas para a 97,4% e 97,7% respectivamente. sua medição. Utilizaremos, como referencial de análise, o behaviorismo radical. Em 2003, a PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios), desenvolvida pelo IBGE (Instituto Para tanto, é importante fazer uma Brasileiro de Geografia e Estatística), breve descrição do panorama educacional mostrou que, com a quase universalização ao qual estamos nos referindo, de forma da educação formal para educandos de 7 a que o leitor possa identificar a partir de 14 anos, houve um aumento na taxa de quais contingências as políticas públicas freqüência observada: de 80,9% em 1980, foram formuladas. passou a 97,2%. Atualmente, Um retrato da educação básica brasileira Inicialmente, é importante uma das preocupações do PDE3 é combater as desigualdades, uma vez que é evidente a variação do IDEB4, entre as escolas e ressaltar a desigualdade que existe entre redes as regiões do Brasil. Já em 2000, os palavras do Plano “... foram encontrados dados publicados pelo censo demográfico nas redes, índices de 1 a 6,8. Nas escolas, comprovavam em a variação é ainda maior, de 0,7 a 8,5. região Tornou-se evidente, uma vez mais, a Sudeste possuia 8,1% de analfabetos com imperiosa necessidade de promover o 15 anos de idade em contraste com o enlace entre educação, ordenação de Nordeste, que apresentava 26,2%. Neste território e desenvolvimento econômico e mesmo ano, os dados obtidos pelo social” (Brasil, 2007, p.23). relação ao esta desigualdade analfabetismo2: a de ensino. Fazendo uso das Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas 3 Plano de Desenvolvimento de Educação, lançado pelo Governo Federal no 1º semestre de 2007, que foi desenvolvido para substituir o Plano Nacional de Educação (PNE). 4 O IDEB foi criado pelo INEP em 2007 e representa a iniciativa de reunir num só indicador dois conceitos igualmente importantes para a qualidade da educação: fluxo escolar e média de desempenho nas avaliações. O indicador é calculado a partir dos dados sobre aprovação escolar, obtidos no Censo Escolar, e médias de desempenho nas avaliações do INEP, o Saeb – para as unidades da federação e para o país, e a Prova Brasil – para os municípios. Estabelece um índice expresso em valores que vão de 0 a 10, semelhante aos índices usados internacionalmente e afere de maneira equânime a qualidade da educação ofertada (informações obtidas no portal do INEP – www.inep.gov.br). Considerações mais detalhadas sobre este indicador serão feitas posteriormente nesse artigo. Educacionais Anísio Teixeira (INEP), referentes à taxa de atendimento escolar no ensino demonstravam fundamental, diferenças também entre as regiões: enquanto no Norte e Nordeste eram de 93,4% e 95,2% respectivamente, 2 Estamos considerando como analfabetos, pessoas que são incapazes de ler e escrever enunciados simples. 178 Rev. Bras. de Ter. Comp. Cogn., Campinas-SP, 2010, Vol. XII, nº 1/2, 176-196 Silvia Sztamfater Outra informação interessante, que menores do país, abaixo também da taxa contrasta as desigualdades educacionais nacional. As taxas de reprovação, por sua entre as regiões do Brasil, pode ser vista a vez, são as maiores da federação, estando partir que acima da taxa Brasil. No que diz respeito mostra a adequação entre a série e a idade às taxas de abandono, notamos a mesma do aluno. tendência, caracterizada pelas maiores da distorção idade-série, taxas nas regiões Norte e Nordeste, taxas Tabela 1. Distorção idade-série no ensino fundamental por região em 2006. Região Distorção Idade-Série (%) Norte 41,4 Nordeste 41,2 estas acima da taxa do país. Tabela 2. Taxas de rendimento do ensino fundamental por região em 2005. Taxa de Aprovação (%) Taxa de Reprovação (%) Taxa de Abandono (%) Sudeste 17,8 Região Sul 18,3 Norte 73,1 15,8 11,1 Centro Oeste 26,6 Nordeste 71,4 16,3 12,3 Brasil 28,6 Sudeste 87,2 9,2 3,6 Sul 83,4 13,9 2,7 Centro-Oeste 79,7 11,9 8,4 Brasil 79,5 130 7,5 Fonte: MEC/INEP. A Tabela 1 revela que as maiores taxas de distorção idade-série encontram- Fonte: MEC/INEP se nas regiões Norte e Nordeste, estando Os dados apresentados neste breve acima da taxa média no país. Vale a pena, ainda, observar a diferença marcante entre as taxas destas regiões, quando comparadas com as verificadas nas panorama da educação básica mostram que há muito o que investir, para que o ensino seja de qualidade e que problemas relativos regiões Sudeste e Sul. à equidade possam ser superados. A falta de equidade na educação brasileira também aparece nos indicadores de fluxo escolar5. De acordo com a Tabela 2, podemos perceber que as Afinal, o que é Educação na concepção Behaviorista Radical? Skinner regiões Norte e Nordeste apresentam os média Brasil. Fazendo uso de outras comportamento que seja vantajoso para palavras, observamos que as taxas de o indivíduo e para outros em um tempo aprovação destas duas regiões são as futuro” Entendemos fluxo escolar como a progressão (aprovação, reprovação e abandono) dos alunos pelo sistema de ensino. estabelecimento que “Educação 5 o afirma piores dados, não condizentes com a pressupõe é (1969) (p.402). que, Esta ao se de afirmação educar um indivíduo, estamos ampliando o seu Rev. Bras. de Ter. Comp. Cogn., Campinas-SP, 2010, Vol. XII, nº 1/2, 176-196 179 Uma leitura de algumas dimensões das políticas educacionais atuais sob a ótica da análise do comportamento repertório, isto comportamentos é, novos ensinando-o ou mudando diretamente. Ainda, de acordo com o pesquisador: antigos, de forma que possa responder adequadamente às contingências “... o “amadurecimento” envolve a aquisição dos comportamentos precursores da aprendizagem de um novo repertório. Esta aquisição é (...) multideterminada: aspectos internos podem ter um papel importante, mas procedimentos de ensino também podem ter um papel fundamental” (p.31). em vigor e adaptar-se ao ambiente. Nesta concepção, Moroz (1993) aponta que “... o ensino terá ou não sido eficiente em função daquilo que o aluno faz fora da Percebemos, então, que a educação escola, em outra ocasião e sem a está presença de agentes educativos” (p.34). Indo mais além, a autora cita que o objetivo das agências educativas é formar o aluno para o auto-governo intelectual, ou seja, atuar por si próprio. Nas palavras ligada à aquisição de comportamentos que preparem a pessoa para lidar com experiências futuras. Neste sentido, as instituições educacionais têm como objetivo ensinar repertórios que ajudem na adaptação de Skinner (1972): futura do aprendiz ao meio. Assim, as “... o estudante que pode fazer as coisas por si próprio é independente dos outros; quanto maior e mais eficiente for o seu repertório, tanto mais livre será. (...) A autoconfiança fica também em questão quando a educação é concebida de modo que o aluno seja capaz de usar o que aprendeu quando passe a se mover em ambientes não educacionais” (p.163). práticas educativas não devem estar somente voltadas para o que será ensinado, mas também para o processo de ensino, isto é, como ocorrerá esta aprendizagem. Adicionalmente, De Rose (2005) comportamento, qualquer indivíduo é Está a concepção behaviorista radical de educação presente nas políticas educacionais atuais? capaz de aprender, mesmo aqueles que O PDE, atual Plano que gerencia a apresentam limitações ou dificuldades. educação do Brasil, dispõe que o objetivo Para é da educação pública é desenvolver a necessário que o professor identifique no autonomia do educando, entendendo repertório quais como autonomia “... a emergência de estão subjetividades críticas sobre o pano de faltando de forma que, ao invés de fundo de uma tradição cultural (...) o que esperar que o estudante amadureça, só é possível pelo desenvolvimento de ensine competências para se apropriar de ressalta que na perspectiva da análise do tanto, acrescenta do comportamentos estes 180 o autor, aluno pré-requisitos comportamentos Rev. Bras. de Ter. Comp. Cogn., Campinas-SP, 2010, Vol. XII, nº 1/2, 176-196 Silvia Sztamfater conteúdos e da capacidade de tomar ambiente e na qual o comportamento postura crítica frente a eles” (Brasil, emitido pelo sujeito opera sobre o 2007, p. 41). ambiente e gera conseqüências, que por Dito de outra forma e tendo como referencial o behaviorismo radical, o indivíduo autônomo, ou apto para o autogoverno intelectual, é aquele que apresenta um repertório extenso, capaz de enfrentar o mundo. É por este motivo, que a principal função do professor é sua vez retroagem sobre o organismo. Esta explicação supõe a noção de causalidade enquanto relações funcionais entre o organismo e o ambiente, o que implica dizer que o comportamento é multideterminado. Igualmente, o behaviorismo radical propõe um modelo ensinar o aluno a pensar, isto é, “... de seleção por consequências, a partir do resolver os problemas apresentados por qual analisa três níveis de variação e um novo ambiente” (Skinner, 1972, seleção responsáveis pelo comportamento humano: filogenético, p.164). ontogenético e cultural. De acordo com Carrara (2004): Outro aspecto bastante ressaltado no PDE, é que está ancorado numa visão “Quando falamos em relações funcionais, ao invés de causas estamos reconhecendo implicitamente a existência de um contexto ambiental em que se dá o comportamento. (...) Em outras palavras, analisa-se o estar fazendo, o estar realizando, o estar agindo, o que representa uma característica dinâmica em contrapartida a um ato dado como pronto e estático” (pág.45). sistêmica de educação, o que implica em “... reconhecer as conexões intrínsecas entre educação superior, básica, educação educação profissional e alfabetização e, a partir dessas conexões, potencializar as políticas de educação de forma que se reforcem reciprocamente” (Brasil, 2007, p.10). Não precisamos dizer que a estas considerações estão atreladas as noções Entender esta concepção à luz do apresentadas na visão sistêmica do PDE: behaviorismo radical é partir da própria uma relação funcional já implica na proposta de Skinner (1998) de uma interdependência ciência qual interdependência esta que caracteriza o afirma ser o comportamento complexo, “estar fazendo” ressaltado por Carrara e de natureza processual, mutável e fluido. que Diante disto, depreendemos o caráter comportamento ser multideterminado. relacional do comportamento, relação Com isto, estamos afirmando que nos esta que se dá entre o indivíduo e o pressupostos do behaviorismo radical, o do comportamento, na Rev. Bras. de Ter. Comp. Cogn., Campinas-SP, 2010, Vol. XII, nº 1/2, 176-196 explica entre o as porquê partes, de o 181 Uma leitura de algumas dimensões das políticas educacionais atuais sob a ótica da análise do comportamento processo, o dinamismo, as relações entre para os estudantes entre 7 e 14 anos, as o indivíduo e o seu ambiente estão temáticas implícitos, não podendo aquele que parte educacional foram alargadas, havendo desta filosofia, para entender o fenômeno especial interesse pela qualidade do educacional, ensino, além da preocupação em torno desconsiderar tais enfocadas no campo do problema da equidade, conforme formulações. Percebemos o quanto a verificamos no início do artigo. Entretanto, autonomia, ou melhor, o auto-governo no passado, a uma problematização sobre a qualidade da educação de qualidade. Para o analista do educação já era tema recorrente de comportamento, é possível compreender pesquisas e debates na área educacional. como os contextos político, econômico e A cultural atuam diretamente na produção caracterizado pela repetência e evasão de um cenário com tantas desigualdades dos educacionais, como visto no início deste discussões, indicando a dificuldade de artigo, e também conceber a educação enfrentamento do problema. Visando como um fenômeno complexo, que conta combatê-lo, já em 1996, com a criação da com múltiplos sujeitos e é na relação nova Lei de Diretrizes e Bases da entre Educação intelectual, é importante eles que, para contingências expressão alunos, fracasso persistiu (LDB), em foi escolar, todas as proposta a reforçadoras para o estabelecimento de modificação na organização escolar e nas uma práticas avaliativas adotadas nas escolas educação de qualidade, são brasileiras, através do ensino em ciclos e produzidas. O PDE conta com uma série de programas de vinculados com ações, que outras estão iniciativas do regime de progressão continuada. No Estado de São Paulo, este regime foi implantado nas escolas públicas em públicas já existentes. Iremos expor 19986, com a proposta de eliminar a alguns destes programas e/ou iniciativas repetência, a seguir: permanência do aluno na escola e garantir o acesso e a oportunizar a aprendizagem baseada no respeito às diferenças. 1. Progressão Continuada Atualmente, com Portanto, enquanto no sistema a quase seriado o aluno podia ser aprovado ou universalização do acesso à educação formal no país, especialmente observável 182 6 Deliberação No 09/97 do Conselho Estadual de Educação (CEE). Rev. Bras. de Ter. Comp. Cogn., Campinas-SP, 2010, Vol. XII, nº 1/2, 176-196 Silvia Sztamfater reprovado ao final de cada série, com a permitindo a progressão de cada aluno adoção da progressão continuada e o no seu próprio ritmo de aprendizagem, sistema de ciclos, ele pode ser reprovado através somente ao final de cada ciclo (4ª série contingências de reforçamento. Nesta ou proposta, o aluno é tido como ativo no 8ª série), favorecendo uma do processo de forma que a avaliação não seja mais sendo reforçado de forma contingente e vista como um instrumento de medida, diferencialmente classificação e repetência. Percebemos, comportamento alvo. As interage de aprendizagem progressiva e continuada, então, que a avaliação passa a ser e planejamento constantemente, na concepções direção do de ensino considerada como um processo contínuo individualizado e respeito ao ritmo do de verificação da aprendizagem do aluno aluno e do próprio ensino, perdendo o seu (Personalized System of Instruction), um caráter punitivo e ganhando uma função sistema diagnóstica. criado por Fred Keller nos anos 60. Conceitos progressão que embasam continuada, a também fundamentam personalizado de o PSI instrução, Fazendo uso das palavras do autor: “... Neste Plano, estudantes individuais passam por sucessivas unidades de um curso de estudos na sua própria velocidade, mas é requerido o domínio de cada passo, antes que o próximo possa ser dado. (...) Um PSI seqüencial seria sugerido, no qual um curso levasse diretamente a outro, na medida em que os prérequisitos fossem preenchidos, sem nenhuma interrupção arbitrária do programa. (...) Posso alucinar o dia em que não existirão primeira, segunda e terceira séries, e assim por diante, e quando os alunos forem avaliados só nos termos das habilidades específicas que tenham adquirido” (Keller, 1983, pág.188). como: aprendizagem diferencial, aceleração do estudo, respeito às diferenças e ao ritmo do aluno, já estavam presentes nos estudos de Skinner, na década de 50. Nesta época, o autor afirmava que a educação era “... o mais importante ramo da tecnologia científica” (Skinner, 1972, p.18), por afetar profundamente a vida de todos os seres humanos. Baseado neste fato, declara a importância da aplicação da análise do comportamento à A citação mostra que Keller já educação, propondo uma tecnologia de fazia menção a uma outra forma de ensino. organização É a partir deste cenário que Skinner desenvolve a instrução do ensino, que não a seriação, conforme prevê a progressão continuada7, bem como respeito ao ritmo programada e as máquinas de ensinar, 7 Muito embora isso não signifique que a progressão continuada, tal como se aplica, é uma proposta behaviorista. Rev. Bras. de Ter. Comp. Cogn., Campinas-SP, 2010, Vol. XII, nº 1/2, 176-196 183 Uma leitura de algumas dimensões das políticas educacionais atuais sob a ótica da análise do comportamento do aluno. Nesta perspectiva, a repetência Indo mais além, o próprio Skinner perde sentido, assim como a avaliação afirma que se continuarmos procurando enquanto respostas instrumento de controle baseado na punição. Utilizando uma deveria ser fracassos a problemática discussão da sobre quem responsabilizado pelos obtidos no ensino/aprendizagem: processo de aluno, os o comportamento da punição, “... dê a estudantes e a professores boas razões para aprender e para ensinar. É aí que uma ciência do comportamento pode dar a sua contribuição. Uma ciência do comportamento pode desenvolver práticas de instrução tão efetivas e tão atrativas que estudantes, professores ou administradores estarão livres do uso de técnicas aversivas de controle do comportamento” (Skinner, 1987, p.129). na solução a tal discussão, pontua que uma revisão é necessária em cada etapa implicados. Assim, o autor comenta que podemos: julgamos propõe: comportamento ou a cultura. Pensando do processo, envolvendo cada um dos que inapropriado. Portanto, o pesquisador professores, as escolas, os cientistas do 1. Punir uso tenderemos a repetir o mesmo padrão de punição como referência, Skinner (1987) propõe fazendo Nesta mesma perspectiva, Sidman (1995) faz ressalvas quanto ao uso da punição como forma de promover a os estudantes que não aprendem, ignorando-os? desde a escola primária e durante todo o 2. Punir os professores que não ensinam 3. Punir as escolas de educação que não bem caminho, passando pelo colegial, professores se preocupam mais com bem, descartando-os? ensinam aprendizagem dos alunos. Afirma que “... os professores, técnicas coercitivas para manter a disciplina do que com métodos efetivos de instrução” (pág.41). Segundo o autor, fechando-as? além de suprimir o comportamento 4. Punir a ciência do comportamento, por se recusar a dar suporte ao ensino? uma ciência do comportamento? (p.128) Ela tem afirmações com as quais o behaviorismo poderia concordar, mas seriam necessárias outras contingências. 184 outras mudanças, os efeitos colaterais, que a torna um método sem sentido, 5. Ou punir a cultura que se recusa a desenvolver indesejado, a punição também gera destrutivo e indesejável. Acrescenta que: “... estudantes que são reforçados por notas altas, respeito de seus professores e admiração de seus colegas provavelmente freqüentam regularmente a escola. Estudantes que são punidos com notas baixas, desaprovação e humilhação por parte de seus professores e falta de Rev. Bras. de Ter. Comp. Cogn., Campinas-SP, 2010, Vol. XII, nº 1/2, 176-196 Silvia Sztamfater reconhecimento e até mesmo desprezo de seus colegas provavelmente se mantêm fora da escola tanto quanto possível. A confiança na punição coloca o selo “coercitivo” em todo o sistema. (...) Para alunos que são punidos em classe, a escola torna-se um punidor. Em vez de fazer com que eles aprendam, a punição os leva a se evadir do ambiente onde a aprendizagem supostamente ocorre e talvez, até mesmo, a se esquivar de todo o processo de aprendizagem formal” (Sidman, 1995, pág.102). e formuladores das políticas educacionais da atualidade. 2. Avaliação e Responsabilização Até 2005, o ensino básico era avaliado através do Saeb8 (Sistema de avaliação da educação básica), quando passou a contar com um novo exame: a Prova Brasil9. A punição, como observa Sidman, controla momentaneamente comportamento do aluno, mas num longo prazo, pode levar à sua evasão definitiva da escola. Utilizar, então, a repetência como forma de punição aos alunos que não apresentaram o desempenho mínimo necessário para seguir adiante os estudos, está longe de ser uma estratégia Em linhas gerais, o Saeb é uma o pedagógica “saudável”. Sabemos que estes alunos acabam desistindo da escola, não porque não se interessam por ela, mas pelo fato avaliação para diagnóstico desenvolvida pelo INEP/MEC, em larga escala, aplicada de dois em dois anos, a alunos de 4ª e 8ª séries do ensino fundamental e estudantes do 3º ano do ensino médio das redes pública e privada e das zonas urbana e rural, que objetiva avaliar a qualidade do ensino oferecido pelo sistema educacional brasileiro, a partir de questionários testes, de tentar evitar frustrações constantes. amostral os testes padronizados sócio-econômicos. estudantes e Nos respondem a questões de Língua Portuguesa (foco em Percebemos que a preocupação com a educação é bastante antiga na análise do iniciativas comportamento para um ensino/aprendizagem e processo eficaz que de sempre leitura) e Matemática (foco na resolução de problemas). No questionário sócioeconômico, os alunos fornecem dados sobre fatores de contexto que podem estar associados ao desempenho. estiveram em pauta entre os autores da A Prova Brasil também é uma área nas diferentes épocas. É nítida, também, fazendo a evolução desta dos conceitos, abordagem uma ferramenta essencial para os educadores avaliação para diagnóstico desenvolvida pelo 8, INEP/MEC, em larga escala, Outras informações podem ser obtidas no portal do INEP www.inep.gov.br. Rev. Bras. de Ter. Comp. Cogn., Campinas-SP, 2010, Vol. XII, nº 1/2, 176-196 185 Uma leitura de algumas dimensões das políticas educacionais atuais sob a ótica da análise do comportamento aplicada de dois em dois anos, mas só significativa a responsabilização10 da para alunos de 4ª e 8ª séries do ensino comunidade fundamental da rede pública urbana. dirigentes e políticos, com o aprendizado. Assim como o Saeb, visa avaliar as habilidades em Língua Portuguesa (foco em leitura) e Matemática (foco na resolução de problemas) através de testes padronizados, com uma diferença: é quase universal, isto é, engloba todos os estudantes das séries avaliadas, de todas as escolas públicas de pais, professores, Vale destacar que, com a nova sistemática de avaliação, foi necessária a alteração na forma de realizar o censo escolar, que ao invés de ser feito por escola, passou a ser por aluno. Esta mudança permitiu que os dados do fluxo fossem embasados em dados individualizados de cada estudante. Foi urbanas do Brasil, com mais de 20 desenvolvido o programa Educacenso11, alunos que juntamente com a Prova Brasil, na expande série. os fornecendo Sendo universal, resultados médias de do Saeb, deram condições para a criação do IDEB. desempenho Portanto, se antes os dados obtidos com para o Brasil, regiões e unidades da Federação, escola para cada município participante. Os e o Saeb forneciam um diagnóstico representativo da educação básica de mesmos cada Estado, com a Prova Brasil este questionários respondidos no Saeb, diagnóstico também passou a ser feito também são utilizados na Prova Brasil. Com esta modificação, foi possível a realização, em 2005, da primeira avaliação universal da educação básica pública, avaliação esta que contou com mais de três milhões de alunos de 4ª e 8ª séries das escolas públicas (estaduais e por município e escola. municipais) urbanas. Em 2007, com a criação do PDE e a adoção do IDEB como indicador de qualidade, frente, 186 de maneira sobre a que pelo os dados MEC/INEP abrangeram um período desde 2005 até oportunizando uma projeção 10 O PDE promoveu alterações na avaliação da educação básica, estabelecendo conexões, antes inexistentes, entre avaliação, financiamento e gestão, que serviram de suporte para o aparecimento da responsabilização e, em decorrência, a mobilização social. 11 O Educacenso é um sistema on-line que visa manter um cadastro único em uma base de dados centralizada no Inep de: escolas, docentes / auxiliares de educação infantil e alunos, possibilitando maior agilidade na atualização das informações, por utilizar diretamente a Internet (informações obtidas no portal do INEP - www.inep.gov.br). ser divulgados também por rede e por aumentando visto disponibilizados que antes eram amostrais, passaram a escola, polêmica desigualdade pode ser debatida mais de 2021, Desta forma, os dados do Saeb, a Rev. Bras. de Ter. Comp. Cogn., Campinas-SP, 2010, Vol. XII, nº 1/2, 176-196 Silvia Sztamfater futura da educação, para cada região do em busca da qualidade do ensino. Neste país. Nesta oportunidade, foi constatada sentido, o governo adotou uma concepção novamente a falta de equidade na gerencial de atuação, “responsabilizando” educação brasileira, uma vez que as principalmente os professores e as escolas regiões Nordeste e Norte tiveram os pelo menores IDEB´s, abaixo do IDEB Brasil avaliações tanto em 2005, como em 2007, bem algum tipo de compromisso com os como houve uma significativa diferença resultados apresentados. De acordo com do indicador entre as próprias escolas Afonso (2005) “... a imputação de (rede estadual em contraste com a responsabilidade aos professores tem privada), de cada uma das regiões. sido (...) a estratégia mais freqüente Estes pressupostos, que embasaram a reforma do sistema de avaliação da educação básica, estão sendo alvo de algumas críticas, por parte dos estudiosos da área. Algumas delas serão elencadas a seguir, acompanhadas de uma leitura da análise do escala (por exemplo Saeb e Prova Brasil) ou avaliações externas, como também são chamados, foram criados com o intuito de diagnosticar a situação do ensino e guiar e implementação de políticas públicas. Entretanto, em seu desenho atual, estão servindo como instrumentos que legitimam a regulação (atuação, intervenção) do Estado, já que o rendimento dos alunos está sendo usado pelo Estado sociedade, para isto externas, alunos não nas assumindo má situação do ensino e das escolas” (p.43), o que leva os professores e alunos a concentrarem-se apenas nas competências e conhecimentos, que serão necessários para alcançarem bons resultados nos exames. Nesta perspectiva, a concepção Os sistemas de avaliação em larga formulação dos para justificar o que se considera ser a comportamento. a rendimento prestar é, contas introduzir à gerencial adotada pelo Estado na educação está ligada à ideologia de mercado, ideologia esta que tem na competição e na comparação os seus valores fundamentais. Assim, através do uso da avaliação para medir o domínio cognitivo e instrucional, os resultados quantificáveis importantes resultado tornam-se do que que mais qualquer referencia outro diferentes aprendizagens. Utilizando as palavras de Afonso (2005): a transparência e comprometer as pessoas, Rev. Bras. de Ter. Comp. Cogn., Campinas-SP, 2010, Vol. XII, nº 1/2, 176-196 “... a complexidade do processo educativo é tendencialmente reduzida a alguns produtos visíveis que acabam assim por induzir a 187 Uma leitura de algumas dimensões das políticas educacionais atuais sob a ótica da análise do comportamento utilização de testes estandardizados e estes, por sua vez, passam a ter um papel central ao fornecer resultados que são úteis indicadores de mercado” (p.34). O papel do Estado na educação ficou reduzido, então, a avaliador, havendo uma maior preocupação com o produto, do que com o processo e a predominância da racionalidade instrumental e mercantil (Freitas, 2007). Neste contexto, o IDEB tornou-se “... mais um instrumento regulatório do que um definidor de critérios para uma melhor aplicação dos recursos da União visando alterar controle como um fato da natureza, a ser investigado e descrito, mas o público vê os analistas do comportamento como defensores do controle e, portanto da coerção” (p.45). Percebemos que o termo controle é sinônimo para leigos de coerção, discussão, explorando a inicialmente a sentido, o controle comportamental faz parte da nossa vida. Utilizando os dizeres de Sidman, “... os analistas do comportamento vêem o 188 como conceito análise a do ciência da não precisa ser coercitivo. Quanto a este assunto, Sidman (1995) afirma que: “se ignorarmos a realidade, o controle comportamental simplesmente acontecerá; os controladores exercerão o controle à sua maneira. Se reconhecermos a existência do controle comportamental e o estudarmos, podemos fazê-lo trabalhar em nosso benefício. Quando métodos de controle existentes forem coercitivos, descobriremos que frequentemente podemos substituí-los por métodos não coercitivos. Naturalmente, é aí, na realidade, que a ciência da análise do comportamento entra em cena” (p.47). acordo com Sidman (1995): Neste a o que o público desconhece que o controle noção de controle comportamental. De “... controle comportamental não é uma questão de filosofia ou de sistemas pessoais de valor a serem aceitos ou rejeitados de acordo com a nossa preferência. É uma questão de fato. Não faz sentido, portanto, rejeitar ou defender o controle comportamental. Pelo contrário, as leis do controle exigem investigação. A noção pode nos desagradar e mesmo amedrontar, mas as leis do comportamento são uma característica do mundo em que vivemos; não podemos repelilas” (p.46). torna coerção. Entretanto, o autor acrescenta indicadores enriquecer e comportamento Diante deste cenário, a análise do pode que indesejável educacionais” (Araújo, 2007, p.4). comportamento o Neste ponto, vale a pena voltar para a discussão apresentada pelos estudiosos. Fica nítida a presença do controle coercitivo exercido pelo Estado, principalmente quando caracterizado como avaliador. O que percebemos é a avaliação sendo utilizada como uma forma de coerção, que leva os professores a terem de ensinar os alunos somente conteúdos exigidos nos testes padronizados. Assim, as conseqüências Rev. Bras. de Ter. Comp. Cogn., Campinas-SP, 2010, Vol. XII, nº 1/2, 176-196 Silvia Sztamfater do uso do controle aversivo podem gerar ou seja, partir do pressuposto que a não só subprodutos indesejáveis nos educação é uma agência social de alunos, próprios controle do comportamento humano que professores, o que num longo prazo, têm atua em contingências, nas quais estão a possibilidade de causar a fuga/esquiva presentes da situação aversiva, que no caso pode características ser ilustrada pela desistência da função contemporânea. Este é o referencial, de professor e a total ausência do aluno portanto, da escola (Skinner, 1972). comportamento deve partir ao lidar com mas A também crítica nos apresentada pelos estudiosos refere-se à forma de utilização da avaliação externa pelo Estado como instrumento de pressão certas práticas culturais nossa sociedade da que o analista do as questões educacionais, isto é, “... analisar o comportamento do professor para além das contingências instrucionais” (Zanotto, 2000, p.155). Skinner (1972) faz observações (responsabilização) e não de diagnóstico para o monitoramento de tendências na interessantes educação do país. Nesta perspectiva, cabe comportamento do sistema educacional. uma observação de Zanotto (2000): Ressalta que: “... muitas vezes, o professor não parece ficar sob controle do comportamento do aluno concreto, com o qual está interagindo. O comportamento do professor parece ocorrer em função de outras contingências, que não aquelas específicas que constituem as relações pedagógicas que ele estabelece com seus alunos em sala de aula” (p.135). quando se refere ao educação só gera efeitos indesejáveis à “... embora uma tecnologia do ensino se ocupe principalmente com o comportamento do aluno, existem outras figuras no mundo da educação às quais se aplica uma análise experimental. Precisamos ter melhor compreensão não só dos que aprendem como também: 1) dos que ensinam; 2) dos que se empenham na pesquisa educacional; 3) dos que administram escolas e faculdades; 4) dos que estabelecem a política educacional e 5) dos que mantêm a educação. Todas estas pessoas estão sujeitas a contingências de reforço que podem precisar ser alteradas para melhorar a educação como instituição” (p.217). atuação docente, não trazendo nenhum Com relação à manutenção e tipo de benefício para o país. É neste política, foco da análise em questão, o “... autor destaca que a manutenção do Esta citação mostra o valor aversivo que as políticas educacionais assumem no trabalho do professor e como a sua responsabilização pela má sentido que Zanotto destaca a importância de identificar contingências sistema quase sociais mais amplas, que expliquem o política adotada, comportamento do professor” (p.135), conseqüências Rev. Bras. de Ter. Comp. Cogn., Campinas-SP, 2010, Vol. XII, nº 1/2, 176-196 sempre determina assim determinam como a as tanto a 189 Uma leitura de algumas dimensões das políticas educacionais atuais sob a ótica da análise do comportamento política quanto a manutenção. que propiciem a novidade e a Acrescenta que a palavra liberal expressa diversidade, como formas de aumentar a uma educação em termos de suas força de uma cultura, quando submetida conseqüências, educação esta que torna o à variação e seleção. Complementa ao homem mais valioso para o seu grupo, afirmar que: pois permite que tenha um desempenho “... a diversidade não é (...) um dos pontos fortes na política educacional corrente. A arregimentação parece ser uma conseqüência mais provável dos currículos, programas, prérequisitos e padrões impostos aos sistemas educacionais pelos governos, pais empregadores e outras instituições mantenedoras. (...) A diversidade (...) tem, sem dúvida, valor de sobrevivência, mas deve-se planejar, a longo prazo, uma diversidade mais efetiva” (Skinner, 1972, p.225). mais significativo na ética, religião ou no governo democrático. Desta forma, Skinner amplia o horizonte de discussão ao mostrar o benefício que uma educação liberal pode gerar em termos de adaptabilidade do homem ao ambiente, uma vez que prepara o indivíduo para contingências imprevisíveis. Sua posição vai além das críticas apresentadas pelos demais estudiosos, quando afirmam ser a ideologia de mercado ou liberal prejudicial à educação pelo fato de só se preocupar com os resultados; tratar a educação como uma mercadoria. A grande contribuição de Skinner, ao campo das políticas educacionais, está no fato de embasar as suas explicações no valor adaptativo que tais políticas propiciam ao homem em relação ao seu ambiente; isto é, na contribuição que Entretanto, indo ao encontro da posição dos pesquisadores com relação uma prática educacional traz à sobrevivência da cultura. ao Estado “avaliador”, Skinner (1972) pontua que “... o que é ensinado tende simplesmente muitas vezes a ser o que 2.1. Um outro olhar sobre avaliação pode ser medido por testes e exames. O Na literatura sobre avaliação, é comportamento facilmente que submetido não pode ser a medidas é negligenciado, porque não impressiona as agências de inspeção ou outros que julgam a instituição” (p.224). Desta forma, ao mesmo tempo em que critica um ensino voltado para testes, reforça a importância de políticas educacionais 190 comum nos modalidades, depararmos entre elas com algumas a avaliação formativa. Segundo Afonso (2005): “... quando os professores praticam a avaliação formativa, a recolha de informação sobre a aprendizagem dos alunos pode ser realizada por uma pluralidade de métodos e técnicas que incluem desde o recurso à memória que o professor guarda das características dos Rev. Bras. de Ter. Comp. Cogn., Campinas-SP, 2010, Vol. XII, nº 1/2, 176-196 Silvia Sztamfater alunos até às mais diversificadas e conhecidas estratégias como a observação livre, a observação sistemática, a auto-avaliação (...) e outras diferentes formas de interação pedagógica” (pág.39). quantos aprenderam, mas não nos Esta forma de avaliação, também nós perdemos quais alunos” (pág.154). É denominada de avaliação qualitativa por devido a este fato que existe uma forte alguns autores, surge em contraposição à polêmica quanto ao uso de indicadores, modalidade como por exemplo o IDEB, para avaliar a somativa ou avaliação quantitativa, focada no desempenho, capacita a lidar melhor com os que não aprendem, especialmente porque não informam em que momento do processo qualidade da educação. como é o caso das avaliações externas, que mensuram a qualidade do ensino, a 3. Pagamento por Desempenho12,13 partir de indicadores embasados no resultado da aprendizagem dos alunos. A incluem a transferência de mecanismos ensino pressupõe que a avaliação “tem de de gestão do setor privado para a área ser contínua, permanente e, sobretudo, pública, conforme citado anteriormente. individual” (Luna, 2000, pág.154), o que Também significa considerá-la como um processo. educacionais que embasam esta lógica Neste sentido, “... o interesse em avaliar estão centradas na busca pela qualidade, os efeitos do ensino – no caso da responsabilizando os professores pelos Educação – levou Skinner a rejeitar a resultados dos seus alunos, como forma prática de analisar resultados ao final de aumentar as cobranças para que da intervenção” (Luna, 2000, pág.154). desempenhem as suas funções com Portanto, neste aspecto, a avaliação maior eficiência e produtividade. É neste segundo a proposta da análise do sentido comportamento, aproxima-se do modelo performance formativo, ao priorizar o aluno, avaliá-lo idealizado, como maneira de tornar esta continuamente, cobrança concreta. e skinneriana as reformas educacionais da atualidade de avaliação concepção Partindo de uma lógica mercantil, promover feedbacks a auto- redirecionamento das o ou as políticas pagamento por desempenho foi (Luna, 2000). Este autor acrescenta que análises gerais podem 12 Os planos de carreira do magistério precisam cumprir as determinações da legislação vigente, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) – Lei 9394/96. 13 Para maiores detalhes sobre o assunto, consultar: Harris, D. C. (2007). The Promises and Pitfalls of Alternative Teacher Compensation Approaches. Education Policy Research Unit & Education and the Public Interest Center; Harvey-Beavis, O. (2003). Performance-based rewards for teachers: a literature review.OECD; Peterson, B. (2000). Merit: To Pay or Not to Pay. condições facilitadoras para a sua aprendizagem “... que que constantes, aumentando a probabilidade de sucesso no vimos mostrar Rev. Bras. de Ter. Comp. Cogn., Campinas-SP, 2010, Vol. XII, nº 1/2, 176-196 191 Uma leitura de algumas dimensões das políticas educacionais atuais sob a ótica da análise do comportamento No Brasil, estudos sobre o tema ainda são incipientes, dado que a adoção turmas aferido em exames como o Saeb, Prova Brasil e Saresp16. desta proposta é recente. Entretanto, a mídia aponta que há uma crescente polêmica sobre o assunto, que também vem ganhando governantes, espaço entre os responsáveis pela formulação das políticas educacionais. Esta qual é a mais adequada à realidade brasileira, visto que é complicado cobrar uma educação de qualidade dos professores sem que sejam garantidas as condições mínimas de infra-estrutura das salarial escolas e formação docente. Países como tradicional, que tem como base o tempo Estados Unidos e Inglaterra, adeptos do de serviço e a formação adicional para pagamento por desempenho, apresentam progressão na carreira do magistério, realidades bem diferentes do Brasil, o além de vigorar na maioria dos estados que significa que resultados lá obtidos brasileiros (Dutra, Abreu, Martins & com esta iniciativa não necessariamente Balzano, 1999)14. serão alcançados no nosso país. à surge salarial adotada, é necessário examinar como alternativa iniciativa Independente do tipo de estrutura estrutura Exemplo de adoção do pagamento Explorar esta temática enquanto por desempenho é o da Secretaria analistas Estadual da Educação de São Paulo. A retornar à concepção de que para atual secretária da Educação do Estado entender e analisar o comportamento do de São Paulo, Maria Helena Guimarães professor, é imprescindível ir além das de Castro, em matéria veiculada em contingências instrucionais. Isto porque 200715, do comportamento, requer os é visível que o comportamento dos professores deveriam receber um bônus educadores é mantido por contingências extra, segundo o desempenho de suas aversivas, tendo na “responsabilização”, a Julho de defendia que concretização dos pressupostos que embasam a estrutura adotada. 14 15 A estrutura tradicional também adota gratificações e abonos, a partir de critérios diferentes do que os adotados pela estrutura de pagamento por desempenho. Um exemplo são os Estados que incorporam ao salário do professor adicional por local de serviço, adicional por qüinqüênio, gratificação por trabalho em curso noturno, gratificação por trabalho educacional, além da experiência e formação já considerados (Dutra et al, 1999). Notícia veiculada no portal da Folha Online em 25/07/2007, intitulada “Nova secretária quer premiar professores por desempenho”. Disponível em http://www1.folha.com.br/folha/educação/ult305u314875.s html. Acesso em 12/11/2008. 192 Desta forma, o pagamento por desempenho faz parte da proposta de 16 Desde 1996, o Saresp – Sistema de Avaliação de Rendimento Escolar do Estado de São Paulo - é utilizado pelo governo paulista para avaliar estudantes das 1ª, 2ª, 4ª, 6ª e 8ª séries do Ensino Fundamental e da 3ª série do Ensino Médio das escolas da rede pública estadual de ensino nas áreas de Língua Portuguesa e Matemática (informações obtidas no portal da Secretaria de Educação do Estado de São Paulo www.educacao.sp.gov.br). Rev. Bras. de Ter. Comp. Cogn., Campinas-SP, 2010, Vol. XII, nº 1/2, 176-196 Silvia Sztamfater que professores, sem gratificação, era de R$ funcionalmente significa a manutenção 668,00, e a categoria reivindicava um da aversividade do sistema educacional. mínimo de R$ 1.670,00 (Knapp, 2007). “responsabilização”, o Esta aversividade vai ganhando espaço e Acrescenta-se a esta discussão um se desenhando na medida em que, no aspecto muito bem situado por Zanotto atual momento, além de serem cobrados (2000): pelo bom desempenho dos seus alunos, os professores também se “... distanciado das conseqüências naturais de seu comportamento e controlado, quer por regras, quer por contingências aversivas, o professor deixa de assumir, ele próprio, o controle de suas ações e passa a responder fugindo ou esquivando-se da situação O comportamento do aluno, que deveria atuar como condição fundamental no controle do comportamento do professor, passa a ser cada vez menos importante. Tornar-se alheio, pelas contingências que estabelecem suas condições de trabalho, às conseqüências fortalecedoras imediatas de seu comportamento significa, no caso do professor, tornar-se alheio ao evento que deveria, prioritariamente, controlar o seu comportamento: o comportamento do seu aluno” (pág.152). sentem injustiçados pelo bônus a ser recebido, visto que a forma de medí-lo é complicada, pois engloba outras variáveis que não dependem apenas do desempenho docente, como as questões que dizem respeito às condições das escolas (as com melhores recursos ou melhor situadas geograficamente tendem a alcançar melhores resultados). Fazendo uso das palavras de Romualdo Portela de Oliveira, professor “... Em suma, a colocação de Zanotto portanto, é preciso cuidado para que um (2000) mostra que, independente da sistema por mérito como esse não estrutura salarial adotada, o essencial é termine desigualdades. analisar a contingência funcionalmente, a (...) É preciso não esquecer (...) quem fim de identificar qual o tipo de controle trabalha em condições adversas, quem exercido sobre o comportamento dos precisaria dar um salto muito grande professores, para se equiparar aos demais”. De oferecer acordo com o presidente do Sindicato dos contingências Professores do Ensino Oficial do Estado ensinando. da USP, apud Knapp reproduzindo (2007): pois um em bônus aversivas nada adianta salarial, os se mantém de São Paulo (Apeoesp), apud Knapp (2007): “... premiar não é novidade Considerações Finais alguma. O professor precisa de salário digno. O que precisamos é de reajuste São inegáveis as contribuições da análise experimental do comportamento salarial”. Em 2007, o piso salarial dos Rev. Bras. de Ter. Comp. Cogn., Campinas-SP, 2010, Vol. XII, nº 1/2, 176-196 193 Uma leitura de algumas dimensões das políticas educacionais atuais sob a ótica da análise do comportamento técnico-político-ideológico com a transformação da situação educacional. Com raras exceções, tenho a sensação de que a política partidária tem sido capaz de vencer os melhores ideais de transformação; seja pela impossibilidade política de dar continuidade a um projeto iniciado por uma outra gestão, seja pela falta de recursos, seja mesmo porque as propostas elaboradas no contexto acadêmico não encontraram sustentação na realidade, a verdade é que houve muita atividade, mas nada sugere que o comportamento dos alunos tenha mudado em uma direção mais efetiva” (p.237). para a educação, contribuições estas que, como vimos, diferenciado debatidas fornecem às no um questões campo e olhar atualmente mostram a potencialidade da abordagem enquanto ferramenta para os profissionais interessados pela área. A concepção de política educacional, proposta por Skinner, como uma questão de “planejar o homem”, assim como outras É difícil pensar que a situação da colocações aqui expostas, demonstram o peso que a educação tem para a constituição do ser humano, bem como para a sua preservação e adaptação ao educação brasileira atual é a mesma que Skinner pontuava, há mais de 30 anos, quando se referia à educação norte americana (Luna 2001). Muito mais do ambiente. que No que diz respeito à realidade educacional brasileira, as reflexões desenvolvidas neste artigo mostram que há alternativas para uma qualidade, de forma educação que de as “potencialidades do ser humano possam ser cabalmente exploradas” (Skinner, 1972, p.226). apenas uma questão de ensino/aprendizagem, temos como ponto central, nesta discussão, o poder de controle. É necessário, portanto, ampliar a análise para compreender que a qualidade de ensino não está pautada somente naqueles que aprendem, mas também nos que ensinam, nos que fazem pesquisa neste campo, nos que Mesmo que a educação seja peça administram escolas e faculdades, nos chave para o desenvolvimento da sociedade que estabelecem a política educacional e e, ainda que mudanças possam ser feitas nos que mantêm a educação. Dito de para melhorar a qualidade de ensino, há outra forma, entender a complexidade contingências políticas que estão aquém desta temática, é tomar consciência das deste contingências olhar e que permeiam outros interesses. Na visão de Luna (2001): controlam os comportamentos de todos as pessoas “... no que se refere ao poder público, a situação é mais desalentadora. Nestes últimos anos, vi subirem ao poder pessoas cuja vida acadêmica eu acompanhara e que estava recheada de visões críticas e de compromissos 194 que implicadas no processo educacional e alterá-las para melhorar a educação enquanto instituição (Skinner, 1972). Rev. Bras. de Ter. Comp. Cogn., Campinas-SP, 2010, Vol. XII, nº 1/2, 176-196 Silvia Sztamfater Referências Afonso, A.J. (2005). Avaliação Educacional: regulação e emancipação. São Paulo: Cortez Editora; Araújo, L (2007). Os Fios Condutores do PDE são Antigos. Disponível em http://www.redefinanciamento.ufpr.br/araujo2.pdf. Acesso em: 10 nov. 2008; Brasil, Ministério da Educação (2007). O Plano de Desenvolvimento da Educação: Razões, Princípios e Programas; Carrara, K. (2004). Causalidade, relações funcionais e contextualismo: algumas indagações a partir do behaviorismo radical. Interações, 9(17), 29-54; De Rose, J.C. (2005). Análise Comportamental da Aprendizagem de Leitura e Escrita. 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