ISSN 1982-3541
Campinas-SP
2010, Vol. XII, nº 1/2, 176-196
Uma leitura de algumas dimensões das
políticas educacionais atuais sob a ótica da
análise do comportamento
An interpretation of some current educational policies
from a behavioral analysis perspective
Silvia Sztamfater1
Fundação Carlos Chagas - São Paulo
Ceac - Centro de Análise do Comportamento - São Paulo
Resumo
Muitas são as questões que vêm sendo estudadas, quando nos referimos à educação básica
brasileira. Independente da abordagem que embasa as discussões, um dos temas recorrentes é a
qualidade do ensino, desigual entre as regiões do Brasil. A garantia de uma educação de qualidade
só ocorrerá a partir do momento em que sejam adotadas políticas públicas que assegurem a
igualdade de condições de acesso e permanência dos alunos na escola. À luz destas constatações, o
objetivo deste artigo é fazer uma análise, fundamentada no behaviorismo radical, de algumas
dimensões das políticas educacionais da atualidade contidas no Plano de Desenvolvimento da
Educação, que estejam ligadas à qualidade da educação e às formas de avaliação propostas para a
sua medição. As dimensões elencadas para análise são: progressão continuada, avaliação,
responsabilização e pagamento por desempenho. Percebemos que todas as problemáticas
discutidas têm um ponto central: o poder de controle, fato que comprova a complexidade do tema
em questão e a necessidade de compreender a educação, enquanto instituição.
Palavras-chave: Qualidade de ensino; Políticas educacionais; Sistemas de avaliação; Plano de
desenvolvimento da educação; Análise do comportamento.
Abstract
When it comes to basic education in Brazil, many questions have already been studied. Regardless
of the approach that underlies the discussions, one of the recurring themes is the quality of
education, disproportionate across regions of Brazil. High quality education will only be possible
from the moment that public policies are adopted that guarantee equality of access and the
permanence of students at school. The aim of this paper is to analyze, based on radical
1
Doutora em Ciências da Saúde. Fundação Carlos Chagas, São Paulo, SP. Ceac - Centro de Análise do Comportamento - São Paulo, SP.
Endereço para correspondência: Av. Brigadeiro Faria Lima, 2081 cj 31, 01452-001,São Paulo, SP, Brasil. E-mail:
[email protected]
Rev. Bras. de Ter. Comp. Cogn., Campinas-SP, 2010, Vol. XII, nº 1/2, 176-196
Silvia Sztamfater
behaviorism, some of the dimensions of today’s educational policies included in the current
Educational Development Plan, which are linked to the quality of education and the forms of
assessment proposed for its measurement. The dimensions listed for analysis are: continuous
progression, assessment, accountability and performance pay. It can be seen that all the issues
discussed have a central theme: the power of control, a fact that proves the complexity of the
subject matter and the need to understand education as an institution.
Keywords: Quality of education; Educational policies; Evaluation systems; Educational
development plan; Behavior analysis.
A política educacional é, afinal, uma questão de planejar o
homem. (...) Uma política educacional eficiente não pode ficar
satisfeita com a réplica das grandes realizações históricas. Não é
fácil antever o que serão os artistas, estadistas e cientistas do
futuro, mas, com o auxílio da análise experimental do
comportamento, as potencialidades do organismo humano podem
ser cabalmente exploradas (Skinner, 1972, p.226).
Introdução
Parece consenso que a educação
debatida
e
geram
controvérsias
em
deva ser tratada como assunto prioritário
relação ao fracasso escolar - caracterizado
em nosso país. A busca por uma
pela evasão, repetência e distorção idade-
compreensão cada vez mais aprofundada
série – desvalorização social e baixas
sobre qual educação queremos e o espaço
perspectivas de futuro profissional para
que as reflexões em torno do tema vêm
os menos favorecidos.
ocupando,
Partindo
caracterizam este cenário.
desta
concepção,
uma
Neste sentido, a garantia de uma
das
educação de qualidade só ocorrerá a
temáticas recorrentes neste campo de
partir do momento que sejam adotadas
estudos é a qualidade do ensino. Trata-se
políticas
de uma polêmica bastante complexa, pelo
enfrentamento desta questão, políticas
fato de envolver várias dimensões e
estas que assegurem a igualdade de
múltiplos atores: o Estado, o sistema
educacional, a escola, os professores, os
públicas
voltadas
ao
condições de acesso e permanência dos
alunos na escola.
alunos e seus familiares. Não obstante,
devemos
considerar
econômico,
social
e
influenciam
diretamente
os
cultural
a
Diante destas considerações, o
cenários
que
temática
objetivo deste artigo é analisar algumas
políticas educacionais da atualidade, que
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Uma leitura de algumas dimensões das políticas educacionais atuais sob a ótica da análise do comportamento
estejam ligadas à qualidade da educação e
no Sul e Sudeste configuravam-se em
às formas de avaliação propostas para a
97,4% e 97,7% respectivamente.
sua
medição.
Utilizaremos,
como
referencial de análise, o behaviorismo
radical.
Em 2003, a PNAD (Pesquisa
Nacional por Amostra de Domicílios),
desenvolvida
pelo
IBGE
(Instituto
Para tanto, é importante fazer uma
Brasileiro de Geografia e Estatística),
breve descrição do panorama educacional
mostrou que, com a quase universalização
ao qual estamos nos referindo, de forma
da educação formal para educandos de 7 a
que o leitor possa identificar a partir de
14 anos, houve um aumento na taxa de
quais contingências as políticas públicas
freqüência observada: de 80,9% em 1980,
foram formuladas.
passou a 97,2%.
Atualmente,
Um retrato da educação básica
brasileira
Inicialmente,
é
importante
uma
das
preocupações do PDE3 é combater as
desigualdades, uma vez que é evidente a
variação do IDEB4, entre as escolas e
ressaltar a desigualdade que existe entre
redes
as regiões do Brasil. Já em 2000, os
palavras do Plano “... foram encontrados
dados publicados pelo censo demográfico
nas redes, índices de 1 a 6,8. Nas escolas,
comprovavam
em
a variação é ainda maior, de 0,7 a 8,5.
região
Tornou-se evidente, uma vez mais, a
Sudeste possuia 8,1% de analfabetos com
imperiosa necessidade de promover o
15 anos de idade em contraste com o
enlace entre educação, ordenação de
Nordeste, que apresentava 26,2%. Neste
território e desenvolvimento econômico e
mesmo ano, os dados obtidos pelo
social” (Brasil, 2007, p.23).
relação
ao
esta
desigualdade
analfabetismo2:
a
de
ensino.
Fazendo
uso
das
Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas
3
Plano de Desenvolvimento de Educação, lançado pelo
Governo Federal no 1º semestre de 2007, que foi
desenvolvido para substituir o Plano Nacional de Educação
(PNE).
4
O IDEB foi criado pelo INEP em 2007 e representa a
iniciativa de reunir num só indicador dois conceitos
igualmente importantes para a qualidade da educação: fluxo
escolar e média de desempenho nas avaliações. O indicador
é calculado a partir dos dados sobre aprovação escolar,
obtidos no Censo Escolar, e médias de desempenho nas
avaliações do INEP, o Saeb – para as unidades da federação
e para o país, e a Prova Brasil – para os municípios.
Estabelece um índice expresso em valores que vão de 0 a 10,
semelhante aos índices usados internacionalmente e afere
de maneira equânime a qualidade da educação ofertada
(informações
obtidas
no
portal
do
INEP
–
www.inep.gov.br). Considerações mais detalhadas sobre
este indicador serão feitas posteriormente nesse artigo.
Educacionais Anísio Teixeira (INEP),
referentes à taxa de atendimento escolar
no
ensino
demonstravam
fundamental,
diferenças
também
entre
as
regiões: enquanto no Norte e Nordeste
eram de 93,4% e 95,2% respectivamente,
2
Estamos considerando como analfabetos, pessoas que são
incapazes de ler e escrever enunciados simples.
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Silvia Sztamfater
Outra informação interessante, que
menores do país, abaixo também da taxa
contrasta as desigualdades educacionais
nacional. As taxas de reprovação, por sua
entre as regiões do Brasil, pode ser vista a
vez, são as maiores da federação, estando
partir
que
acima da taxa Brasil. No que diz respeito
mostra a adequação entre a série e a idade
às taxas de abandono, notamos a mesma
do aluno.
tendência, caracterizada pelas maiores
da
distorção
idade-série,
taxas nas regiões Norte e Nordeste, taxas
Tabela 1. Distorção idade-série no ensino fundamental por
região em 2006.
Região
Distorção Idade-Série (%)
Norte
41,4
Nordeste
41,2
estas acima da taxa do país.
Tabela 2. Taxas de rendimento do ensino fundamental por
região em 2005.
Taxa de
Aprovação
(%)
Taxa de
Reprovação
(%)
Taxa de
Abandono
(%)
Sudeste
17,8
Região
Sul
18,3
Norte
73,1
15,8
11,1
Centro Oeste
26,6
Nordeste
71,4
16,3
12,3
Brasil
28,6
Sudeste
87,2
9,2
3,6
Sul
83,4
13,9
2,7
Centro-Oeste
79,7
11,9
8,4
Brasil
79,5
130
7,5
Fonte: MEC/INEP.
A Tabela 1 revela que as maiores
taxas de distorção idade-série encontram-
Fonte: MEC/INEP
se nas regiões Norte e Nordeste, estando
Os dados apresentados neste breve
acima da taxa média no país. Vale a pena,
ainda, observar a diferença marcante
entre as taxas destas regiões, quando
comparadas
com
as
verificadas
nas
panorama da educação básica mostram
que há muito o que investir, para que o
ensino seja de qualidade e que problemas
relativos
regiões Sudeste e Sul.
à
equidade
possam
ser
superados.
A falta de equidade na educação
brasileira
também
aparece
nos
indicadores de fluxo escolar5. De acordo
com a Tabela 2, podemos perceber que as
Afinal, o que é Educação na
concepção Behaviorista Radical?
Skinner
regiões Norte e Nordeste apresentam os
média Brasil. Fazendo uso de outras
comportamento que seja vantajoso para
palavras, observamos que as taxas de
o indivíduo e para outros em um tempo
aprovação destas duas regiões são as
futuro”
Entendemos fluxo escolar como a progressão (aprovação,
reprovação e abandono) dos alunos pelo sistema de ensino.
estabelecimento
que
“Educação
5
o
afirma
piores dados, não condizentes com a
pressupõe
é
(1969)
(p.402).
que,
Esta
ao
se
de
afirmação
educar
um
indivíduo, estamos ampliando o seu
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Uma leitura de algumas dimensões das políticas educacionais atuais sob a ótica da análise do comportamento
repertório,
isto
comportamentos
é,
novos
ensinando-o
ou
mudando
diretamente. Ainda, de acordo com o
pesquisador:
antigos, de forma que possa responder
adequadamente
às
contingências
“... o “amadurecimento” envolve a
aquisição
dos
comportamentos
precursores da aprendizagem de um
novo repertório. Esta aquisição é (...)
multideterminada: aspectos internos
podem ter um papel importante, mas
procedimentos de ensino também
podem ter um papel fundamental”
(p.31).
em
vigor e adaptar-se ao ambiente. Nesta
concepção, Moroz (1993) aponta que “... o
ensino terá ou não sido eficiente em
função daquilo que o aluno faz fora da
Percebemos, então, que a educação
escola, em outra ocasião e sem a
está
presença de agentes educativos” (p.34).
Indo mais além, a autora cita que o
objetivo das agências educativas é formar
o aluno para o auto-governo intelectual,
ou seja, atuar por si próprio. Nas palavras
ligada
à
aquisição
de
comportamentos que preparem a pessoa
para lidar com experiências futuras.
Neste
sentido,
as
instituições
educacionais têm como objetivo ensinar
repertórios que ajudem na adaptação
de Skinner (1972):
futura do aprendiz ao meio. Assim, as
“... o estudante que pode fazer as coisas
por si próprio é independente dos
outros; quanto maior e mais eficiente
for o seu repertório, tanto mais livre
será. (...) A autoconfiança fica também
em questão quando a educação é
concebida de modo que o aluno seja
capaz de usar o que aprendeu quando
passe a se mover em ambientes não
educacionais” (p.163).
práticas educativas não devem estar
somente
voltadas
para
o
que
será
ensinado, mas também para o processo
de ensino, isto é, como ocorrerá esta
aprendizagem.
Adicionalmente, De Rose (2005)
comportamento, qualquer indivíduo é
Está a concepção behaviorista
radical de educação presente nas
políticas educacionais atuais?
capaz de aprender, mesmo aqueles que
O PDE, atual Plano que gerencia a
apresentam limitações ou dificuldades.
educação do Brasil, dispõe que o objetivo
Para
é
da educação pública é desenvolver a
necessário que o professor identifique no
autonomia do educando, entendendo
repertório
quais
como autonomia “... a emergência de
estão
subjetividades críticas sobre o pano de
faltando de forma que, ao invés de
fundo de uma tradição cultural (...) o que
esperar que o estudante amadureça,
só é possível pelo desenvolvimento de
ensine
competências para se apropriar de
ressalta que na perspectiva da análise do
tanto,
acrescenta
do
comportamentos
estes
180
o
autor,
aluno
pré-requisitos
comportamentos
Rev. Bras. de Ter. Comp. Cogn., Campinas-SP, 2010, Vol. XII, nº 1/2, 176-196
Silvia Sztamfater
conteúdos e da capacidade de tomar
ambiente e na qual o comportamento
postura crítica frente a eles” (Brasil,
emitido pelo sujeito opera sobre o
2007, p. 41).
ambiente e gera conseqüências, que por
Dito de outra forma e tendo como
referencial o behaviorismo radical, o
indivíduo autônomo, ou apto para o autogoverno
intelectual,
é
aquele
que
apresenta um repertório extenso, capaz
de enfrentar o mundo. É por este motivo,
que a principal função do professor é
sua vez retroagem sobre o organismo.
Esta
explicação
supõe
a
noção
de
causalidade enquanto relações funcionais
entre o organismo e o ambiente, o que
implica dizer que o comportamento é
multideterminado.
Igualmente,
o
behaviorismo radical propõe um modelo
ensinar o aluno a pensar, isto é, “...
de seleção por consequências, a partir do
resolver os problemas apresentados por
qual analisa três níveis de variação e
um novo ambiente” (Skinner, 1972,
seleção responsáveis pelo comportamento
humano: filogenético,
p.164).
ontogenético
e
cultural. De acordo com Carrara (2004):
Outro aspecto bastante ressaltado
no PDE, é que está ancorado numa visão
“Quando
falamos
em
relações
funcionais, ao invés de causas estamos
reconhecendo
implicitamente
a
existência de um contexto ambiental em
que se dá o comportamento. (...) Em
outras palavras, analisa-se o estar
fazendo, o estar realizando, o estar
agindo, o que representa uma
característica
dinâmica
em
contrapartida a um ato dado como
pronto e estático” (pág.45).
sistêmica de educação, o que implica em
“... reconhecer as conexões intrínsecas
entre
educação
superior,
básica,
educação
educação
profissional
e
alfabetização e, a partir dessas conexões,
potencializar as políticas de educação de
forma que se reforcem reciprocamente”
(Brasil, 2007, p.10).
Não precisamos dizer que a estas
considerações estão atreladas as noções
Entender esta concepção à luz do
apresentadas na visão sistêmica do PDE:
behaviorismo radical é partir da própria
uma relação funcional já implica na
proposta de Skinner (1998) de uma
interdependência
ciência
qual
interdependência esta que caracteriza o
afirma ser o comportamento complexo,
“estar fazendo” ressaltado por Carrara e
de natureza processual, mutável e fluido.
que
Diante disto, depreendemos o caráter
comportamento ser multideterminado.
relacional do comportamento, relação
Com isto, estamos afirmando que nos
esta que se dá entre o indivíduo e o
pressupostos do behaviorismo radical, o
do
comportamento,
na
Rev. Bras. de Ter. Comp. Cogn., Campinas-SP, 2010, Vol. XII, nº 1/2, 176-196
explica
entre
o
as
porquê
partes,
de
o
181
Uma leitura de algumas dimensões das políticas educacionais atuais sob a ótica da análise do comportamento
processo, o dinamismo, as relações entre
para os estudantes entre 7 e 14 anos, as
o indivíduo e o seu ambiente estão
temáticas
implícitos, não podendo aquele que parte
educacional foram alargadas, havendo
desta filosofia, para entender o fenômeno
especial interesse pela qualidade do
educacional,
ensino, além da preocupação em torno
desconsiderar
tais
enfocadas
no
campo
do problema da equidade, conforme
formulações.
Percebemos
o
quanto
a
verificamos no início do artigo.
Entretanto,
autonomia, ou melhor, o auto-governo
no
passado,
a
uma
problematização sobre a qualidade da
educação de qualidade. Para o analista do
educação já era tema recorrente de
comportamento, é possível compreender
pesquisas e debates na área educacional.
como os contextos político, econômico e
A
cultural atuam diretamente na produção
caracterizado pela repetência e evasão
de um cenário com tantas desigualdades
dos
educacionais, como visto no início deste
discussões, indicando a dificuldade de
artigo, e também conceber a educação
enfrentamento do problema. Visando
como um fenômeno complexo, que conta
combatê-lo, já em 1996, com a criação da
com múltiplos sujeitos e é na relação
nova Lei de Diretrizes e Bases da
entre
Educação
intelectual,
é
importante
eles
que,
para
contingências
expressão
alunos,
fracasso
persistiu
(LDB),
em
foi
escolar,
todas
as
proposta
a
reforçadoras para o estabelecimento de
modificação na organização escolar e nas
uma
práticas avaliativas adotadas nas escolas
educação
de
qualidade,
são
brasileiras, através do ensino em ciclos e
produzidas.
O PDE conta com uma série de
programas
de
vinculados
com
ações,
que
outras
estão
iniciativas
do regime de progressão continuada. No
Estado de São Paulo, este regime foi
implantado nas escolas públicas em
públicas já existentes. Iremos expor
19986, com a proposta de eliminar a
alguns destes programas e/ou iniciativas
repetência,
a seguir:
permanência do aluno na escola e
garantir
o
acesso
e
a
oportunizar a aprendizagem baseada no
respeito às diferenças.
1. Progressão Continuada
Atualmente,
com
Portanto, enquanto no sistema
a
quase
seriado o aluno podia ser aprovado ou
universalização do acesso à educação
formal no país, especialmente observável
182
6
Deliberação No 09/97 do Conselho Estadual de Educação
(CEE).
Rev. Bras. de Ter. Comp. Cogn., Campinas-SP, 2010, Vol. XII, nº 1/2, 176-196
Silvia Sztamfater
reprovado ao final de cada série, com a
permitindo a progressão de cada aluno
adoção da progressão continuada e o
no seu próprio ritmo de aprendizagem,
sistema de ciclos, ele pode ser reprovado
através
somente ao final de cada ciclo (4ª série
contingências de reforçamento. Nesta
ou
proposta, o aluno é tido como ativo no
8ª
série),
favorecendo
uma
do
processo
de forma que a avaliação não seja mais
sendo reforçado de forma contingente e
vista como um instrumento de medida,
diferencialmente
classificação e repetência. Percebemos,
comportamento alvo.
As
interage
de
aprendizagem progressiva e continuada,
então, que a avaliação passa a ser
e
planejamento
constantemente,
na
concepções
direção
do
de
ensino
considerada como um processo contínuo
individualizado e respeito ao ritmo do
de verificação da aprendizagem do aluno
aluno
e do próprio ensino, perdendo o seu
(Personalized System of Instruction), um
caráter punitivo e ganhando uma função
sistema
diagnóstica.
criado por Fred Keller nos anos 60.
Conceitos
progressão
que
embasam
continuada,
a
também
fundamentam
personalizado
de
o
PSI
instrução,
Fazendo uso das palavras do autor:
“...
Neste
Plano,
estudantes
individuais passam por sucessivas
unidades de um curso de estudos na
sua própria velocidade, mas é
requerido o domínio de cada passo,
antes que o próximo possa ser dado.
(...) Um PSI seqüencial seria sugerido,
no qual um curso levasse diretamente
a outro, na medida em que os prérequisitos fossem preenchidos, sem
nenhuma interrupção arbitrária do
programa. (...) Posso alucinar o dia
em que não existirão primeira,
segunda e terceira séries, e assim por
diante, e quando os alunos forem
avaliados só nos termos das
habilidades específicas que tenham
adquirido” (Keller, 1983, pág.188).
como:
aprendizagem diferencial, aceleração do
estudo, respeito às diferenças e ao ritmo
do aluno, já estavam presentes nos
estudos de Skinner, na década de 50.
Nesta época, o autor afirmava que a
educação era “... o mais importante
ramo da tecnologia científica” (Skinner,
1972, p.18), por afetar profundamente a
vida de todos os seres humanos. Baseado
neste fato, declara a importância da
aplicação da análise do comportamento à
A citação mostra que Keller já
educação, propondo uma tecnologia de
fazia menção a uma outra forma de
ensino.
organização
É a partir deste cenário que
Skinner
desenvolve
a
instrução
do
ensino,
que não
a
seriação, conforme prevê a progressão
continuada7, bem como respeito ao ritmo
programada e as máquinas de ensinar,
7
Muito embora isso não signifique que a progressão
continuada, tal como se aplica, é uma proposta behaviorista.
Rev. Bras. de Ter. Comp. Cogn., Campinas-SP, 2010, Vol. XII, nº 1/2, 176-196
183
Uma leitura de algumas dimensões das políticas educacionais atuais sob a ótica da análise do comportamento
do aluno. Nesta perspectiva, a repetência
Indo mais além, o próprio Skinner
perde sentido, assim como a avaliação
afirma que se continuarmos procurando
enquanto
respostas
instrumento
de
controle
baseado na punição.
Utilizando
uma
deveria
ser
fracassos
a
problemática
discussão
da
sobre
quem
responsabilizado
pelos
obtidos
no
ensino/aprendizagem:
processo
de
aluno,
os
o
comportamento
da
punição,
“... dê a estudantes e a professores
boas razões para aprender e para
ensinar. É aí que uma ciência do
comportamento pode dar a sua
contribuição. Uma ciência do
comportamento pode desenvolver
práticas de instrução tão efetivas e
tão atrativas que estudantes,
professores ou administradores
estarão livres do uso de técnicas
aversivas
de
controle
do
comportamento” (Skinner, 1987,
p.129).
na solução a tal discussão, pontua que
uma revisão é necessária em cada etapa
implicados. Assim, o autor comenta que
podemos:
julgamos
propõe:
comportamento ou a cultura. Pensando
do processo, envolvendo cada um dos
que
inapropriado. Portanto, o pesquisador
professores, as escolas, os cientistas do
1. Punir
uso
tenderemos a repetir o mesmo padrão de
punição como referência, Skinner (1987)
propõe
fazendo
Nesta mesma perspectiva, Sidman
(1995) faz ressalvas quanto ao uso da
punição como forma de promover a
os
estudantes
que
não
aprendem, ignorando-os?
desde a escola primária e durante todo o
2. Punir os professores que não ensinam
3. Punir as escolas de educação que não
bem
caminho,
passando
pelo
colegial,
professores se preocupam mais com
bem, descartando-os?
ensinam
aprendizagem dos alunos. Afirma que “...
os
professores,
técnicas
coercitivas
para
manter
a
disciplina do que com métodos efetivos
de instrução” (pág.41). Segundo o autor,
fechando-as?
além de suprimir o comportamento
4. Punir a ciência do comportamento,
por se recusar a dar suporte ao
ensino?
uma
ciência
do
comportamento? (p.128)
Ela tem afirmações com as quais o behaviorismo poderia
concordar, mas seriam necessárias outras contingências.
184
outras mudanças, os efeitos colaterais,
que a torna um método sem sentido,
5. Ou punir a cultura que se recusa a
desenvolver
indesejado, a punição também gera
destrutivo e indesejável. Acrescenta que:
“... estudantes que são reforçados
por notas altas, respeito de seus
professores e admiração de seus
colegas provavelmente freqüentam
regularmente a escola. Estudantes
que são punidos com notas baixas,
desaprovação e humilhação por
parte de seus professores e falta de
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Silvia Sztamfater
reconhecimento e até mesmo
desprezo
de
seus
colegas
provavelmente se mantêm fora da
escola tanto quanto possível. A
confiança na punição coloca o selo
“coercitivo” em todo o sistema. (...)
Para alunos que são punidos em
classe, a escola torna-se um
punidor. Em vez de fazer com que
eles aprendam, a punição os leva a
se evadir do ambiente onde a
aprendizagem supostamente ocorre
e talvez, até mesmo, a se esquivar
de todo o processo de aprendizagem
formal” (Sidman, 1995, pág.102).
e formuladores das políticas educacionais
da atualidade.
2. Avaliação e Responsabilização
Até 2005, o ensino básico era
avaliado através do Saeb8 (Sistema de
avaliação da educação básica), quando
passou a contar com um novo exame: a
Prova Brasil9.
A punição, como observa Sidman,
controla
momentaneamente
comportamento do aluno, mas num
longo prazo, pode levar à sua evasão
definitiva da escola. Utilizar, então, a
repetência como forma de punição aos
alunos
que
não
apresentaram
o
desempenho mínimo necessário para
seguir adiante os estudos, está longe de
ser
uma
estratégia
Em linhas gerais, o Saeb é uma
o
pedagógica
“saudável”. Sabemos que estes alunos
acabam desistindo da escola, não porque
não se interessam por ela, mas pelo fato
avaliação
para
diagnóstico
desenvolvida pelo INEP/MEC, em larga
escala, aplicada de dois em dois anos, a
alunos de 4ª e 8ª séries do ensino
fundamental e estudantes do 3º ano do
ensino médio das redes pública e privada
e das zonas urbana e rural, que objetiva
avaliar a qualidade do ensino oferecido
pelo sistema educacional brasileiro, a
partir
de
questionários
testes,
de tentar evitar frustrações constantes.
amostral
os
testes
padronizados
sócio-econômicos.
estudantes
e
Nos
respondem
a
questões de Língua Portuguesa (foco em
Percebemos que a preocupação
com a educação é bastante antiga na
análise
do
iniciativas
comportamento
para
um
ensino/aprendizagem
e
processo
eficaz
que
de
sempre
leitura) e Matemática (foco na resolução
de problemas). No questionário sócioeconômico, os alunos fornecem dados
sobre fatores de contexto que podem
estar associados ao desempenho.
estiveram em pauta entre os autores da
A Prova Brasil também é uma
área nas diferentes épocas. É nítida,
também,
fazendo
a
evolução
desta
dos
conceitos,
abordagem
uma
ferramenta essencial para os educadores
avaliação para diagnóstico desenvolvida
pelo
8,
INEP/MEC,
em
larga
escala,
Outras informações podem ser obtidas no portal do INEP www.inep.gov.br.
Rev. Bras. de Ter. Comp. Cogn., Campinas-SP, 2010, Vol. XII, nº 1/2, 176-196
185
Uma leitura de algumas dimensões das políticas educacionais atuais sob a ótica da análise do comportamento
aplicada de dois em dois anos, mas só
significativa a responsabilização10 da
para alunos de 4ª e 8ª séries do ensino
comunidade
fundamental da rede pública urbana.
dirigentes e políticos, com o aprendizado.
Assim como o Saeb, visa avaliar as
habilidades
em
Língua
Portuguesa
(foco em leitura) e Matemática (foco na
resolução de problemas) através de
testes
padronizados,
com
uma
diferença: é quase universal, isto é,
engloba todos os estudantes das séries
avaliadas, de todas as escolas públicas
de
pais,
professores,
Vale destacar que, com a nova
sistemática de avaliação, foi necessária a
alteração na forma de realizar o censo
escolar, que ao invés de ser feito por
escola, passou a ser por aluno. Esta
mudança permitiu que os dados do fluxo
fossem
embasados
em
dados
individualizados de cada estudante. Foi
urbanas do Brasil, com mais de 20
desenvolvido o programa Educacenso11,
alunos
que juntamente com a Prova Brasil,
na
expande
série.
os
fornecendo
Sendo
universal,
resultados
médias
de
do
Saeb,
deram condições para a criação do IDEB.
desempenho
Portanto, se antes os dados obtidos com
para o Brasil, regiões e unidades da
Federação,
escola
para
cada
município
participante.
Os
e
o
Saeb
forneciam
um
diagnóstico
representativo da educação básica de
mesmos
cada Estado, com a Prova Brasil este
questionários respondidos no Saeb,
diagnóstico também passou a ser feito
também são utilizados na Prova Brasil.
Com
esta
modificação,
foi
possível a realização, em 2005, da
primeira
avaliação
universal
da
educação básica pública, avaliação esta
que contou com mais de três milhões de
alunos de 4ª e 8ª séries das escolas
públicas
(estaduais
e
por município e escola.
municipais)
urbanas.
Em 2007, com a criação do PDE e
a adoção do IDEB como indicador de
qualidade,
frente,
186
de
maneira
sobre
a
que
pelo
os
dados
MEC/INEP
abrangeram um período desde 2005 até
oportunizando
uma
projeção
10
O PDE promoveu alterações na avaliação da educação
básica, estabelecendo conexões, antes inexistentes, entre
avaliação, financiamento e gestão, que serviram de suporte
para o aparecimento da responsabilização e, em
decorrência, a mobilização social.
11
O Educacenso é um sistema on-line que visa manter um
cadastro único em uma base de dados centralizada no Inep
de: escolas, docentes / auxiliares de educação infantil e
alunos, possibilitando maior agilidade na atualização das
informações, por utilizar diretamente a Internet
(informações obtidas no portal do INEP - www.inep.gov.br).
ser divulgados também por rede e por
aumentando
visto
disponibilizados
que antes eram amostrais, passaram a
escola,
polêmica
desigualdade pode ser debatida mais de
2021,
Desta forma, os dados do Saeb,
a
Rev. Bras. de Ter. Comp. Cogn., Campinas-SP, 2010, Vol. XII, nº 1/2, 176-196
Silvia Sztamfater
futura da educação, para cada região do
em busca da qualidade do ensino. Neste
país. Nesta oportunidade, foi constatada
sentido, o governo adotou uma concepção
novamente a falta de equidade na
gerencial de atuação, “responsabilizando”
educação brasileira, uma vez que as
principalmente os professores e as escolas
regiões Nordeste e Norte tiveram os
pelo
menores IDEB´s, abaixo do IDEB Brasil
avaliações
tanto em 2005, como em 2007, bem
algum tipo de compromisso com os
como houve uma significativa diferença
resultados apresentados. De acordo com
do indicador entre as próprias escolas
Afonso (2005) “... a imputação de
(rede estadual em contraste com a
responsabilidade aos professores tem
privada), de cada uma das regiões.
sido (...) a estratégia mais freqüente
Estes
pressupostos,
que
embasaram a reforma do sistema de
avaliação da educação básica, estão sendo
alvo de algumas críticas, por parte dos
estudiosos da área. Algumas delas serão
elencadas a seguir, acompanhadas de
uma
leitura
da
análise
do
escala (por exemplo Saeb e Prova Brasil)
ou avaliações externas, como também são
chamados, foram criados com o intuito de
diagnosticar a situação do ensino e guiar
e
implementação
de
políticas públicas. Entretanto, em seu
desenho atual, estão servindo como
instrumentos que legitimam a regulação
(atuação, intervenção) do Estado, já que o
rendimento dos alunos está sendo usado
pelo
Estado
sociedade,
para
isto
externas,
alunos
não
nas
assumindo
má situação do ensino e das escolas”
(p.43), o que leva os professores e alunos
a
concentrarem-se
apenas
nas
competências e conhecimentos, que serão
necessários
para
alcançarem
bons
resultados nos exames.
Nesta perspectiva, a concepção
Os sistemas de avaliação em larga
formulação
dos
para justificar o que se considera ser a
comportamento.
a
rendimento
prestar
é,
contas
introduzir
à
gerencial
adotada
pelo
Estado
na
educação está ligada à ideologia de
mercado, ideologia esta que tem na
competição e na comparação os seus
valores fundamentais. Assim, através do
uso da avaliação para medir o domínio
cognitivo e instrucional, os resultados
quantificáveis
importantes
resultado
tornam-se
do
que
que
mais
qualquer
referencia
outro
diferentes
aprendizagens. Utilizando as palavras de
Afonso (2005):
a
transparência e comprometer as pessoas,
Rev. Bras. de Ter. Comp. Cogn., Campinas-SP, 2010, Vol. XII, nº 1/2, 176-196
“... a complexidade do processo
educativo
é
tendencialmente
reduzida a alguns produtos visíveis
que acabam assim por induzir a
187
Uma leitura de algumas dimensões das políticas educacionais atuais sob a ótica da análise do comportamento
utilização de testes estandardizados
e estes, por sua vez, passam a ter
um papel central ao fornecer
resultados que são úteis indicadores
de mercado” (p.34).
O papel do Estado na educação
ficou
reduzido,
então,
a
avaliador,
havendo uma maior preocupação com o
produto, do que com o processo e a
predominância
da
racionalidade
instrumental e mercantil (Freitas, 2007).
Neste contexto, o IDEB tornou-se “...
mais um instrumento regulatório do que
um definidor de critérios para uma
melhor aplicação dos recursos da União
visando
alterar
controle como um fato da natureza, a
ser investigado e descrito, mas o público
vê os analistas do comportamento como
defensores do controle e, portanto da
coerção” (p.45). Percebemos que o termo
controle é sinônimo para leigos de
coerção,
discussão,
explorando
a
inicialmente
a
sentido,
o
controle
comportamental faz parte da nossa vida.
Utilizando os dizeres de Sidman, “... os
analistas do comportamento vêem o
188
como
conceito
análise
a
do
ciência
da
não precisa ser coercitivo. Quanto a este
assunto, Sidman (1995) afirma que:
“se ignorarmos a realidade, o
controle
comportamental
simplesmente
acontecerá;
os
controladores exercerão o controle
à sua maneira. Se reconhecermos a
existência
do
controle
comportamental e o estudarmos,
podemos fazê-lo trabalhar em
nosso benefício. Quando métodos
de controle existentes forem
coercitivos, descobriremos que
frequentemente
podemos
substituí-los por métodos não
coercitivos. Naturalmente, é aí, na
realidade, que a ciência da análise
do comportamento entra em cena”
(p.47).
acordo com Sidman (1995):
Neste
a
o
que o público desconhece que o controle
noção de controle comportamental. De
“... controle comportamental não é
uma questão de filosofia ou de
sistemas pessoais de valor a serem
aceitos ou rejeitados de acordo com
a nossa preferência. É uma questão
de fato. Não faz sentido, portanto,
rejeitar ou defender o controle
comportamental. Pelo contrário, as
leis
do
controle
exigem
investigação. A noção pode nos
desagradar e mesmo amedrontar,
mas as leis do comportamento são
uma característica do mundo em
que vivemos; não podemos repelilas” (p.46).
torna
coerção. Entretanto, o autor acrescenta
indicadores
enriquecer
e
comportamento
Diante deste cenário, a análise do
pode
que
indesejável
educacionais” (Araújo, 2007, p.4).
comportamento
o
Neste ponto, vale a pena voltar
para a discussão apresentada pelos
estudiosos. Fica nítida a presença do
controle coercitivo exercido pelo Estado,
principalmente
quando
caracterizado
como avaliador. O que percebemos é a
avaliação sendo utilizada como uma
forma de coerção, que leva os professores
a terem de ensinar os alunos somente
conteúdos
exigidos
nos
testes
padronizados. Assim, as conseqüências
Rev. Bras. de Ter. Comp. Cogn., Campinas-SP, 2010, Vol. XII, nº 1/2, 176-196
Silvia Sztamfater
do uso do controle aversivo podem gerar
ou seja, partir do pressuposto que a
não só subprodutos indesejáveis nos
educação é uma agência social de
alunos,
próprios
controle do comportamento humano que
professores, o que num longo prazo, têm
atua em contingências, nas quais estão
a possibilidade de causar a fuga/esquiva
presentes
da situação aversiva, que no caso pode
características
ser ilustrada pela desistência da função
contemporânea. Este é o referencial,
de professor e a total ausência do aluno
portanto,
da escola (Skinner, 1972).
comportamento deve partir ao lidar com
mas
A
também
crítica
nos
apresentada
pelos
estudiosos refere-se à forma de utilização
da avaliação externa pelo Estado como
instrumento
de
pressão
certas
práticas
culturais
nossa
sociedade
da
que
o
analista
do
as questões educacionais, isto é, “...
analisar o comportamento do professor
para
além
das
contingências
instrucionais” (Zanotto, 2000, p.155).
Skinner (1972) faz observações
(responsabilização) e não de diagnóstico
para o monitoramento de tendências na
interessantes
educação do país. Nesta perspectiva, cabe
comportamento do sistema educacional.
uma observação de Zanotto (2000):
Ressalta que:
“... muitas vezes, o professor não
parece ficar sob controle do
comportamento do aluno concreto,
com o qual está interagindo. O
comportamento do professor parece
ocorrer em função de outras
contingências, que não aquelas
específicas que constituem as relações
pedagógicas que ele estabelece com
seus alunos em sala de aula” (p.135).
quando
se
refere
ao
educação só gera efeitos indesejáveis à
“... embora uma tecnologia do
ensino se ocupe principalmente
com o comportamento do aluno,
existem outras figuras no mundo da
educação às quais se aplica uma
análise experimental. Precisamos
ter melhor compreensão não só dos
que aprendem como também: 1)
dos que ensinam; 2) dos que se
empenham
na
pesquisa
educacional;
3)
dos
que
administram escolas e faculdades;
4) dos que estabelecem a política
educacional e 5) dos que mantêm a
educação. Todas estas pessoas estão
sujeitas a contingências de reforço
que podem precisar ser alteradas
para melhorar a educação como
instituição” (p.217).
atuação docente, não trazendo nenhum
Com relação à manutenção e
tipo de benefício para o país. É neste
política, foco da análise em questão, o
“...
autor destaca que a manutenção do
Esta
citação
mostra
o
valor
aversivo que as políticas educacionais
assumem no trabalho do professor e
como a sua responsabilização pela má
sentido
que
Zanotto
destaca
a
importância de identificar contingências
sistema
quase
sociais mais amplas, que expliquem o
política
adotada,
comportamento do professor” (p.135),
conseqüências
Rev. Bras. de Ter. Comp. Cogn., Campinas-SP, 2010, Vol. XII, nº 1/2, 176-196
sempre
determina
assim
determinam
como
a
as
tanto
a
189
Uma leitura de algumas dimensões das políticas educacionais atuais sob a ótica da análise do comportamento
política
quanto
a
manutenção.
que
propiciem
a
novidade
e
a
Acrescenta que a palavra liberal expressa
diversidade, como formas de aumentar a
uma educação em termos de suas
força de uma cultura, quando submetida
conseqüências, educação esta que torna o
à variação e seleção. Complementa ao
homem mais valioso para o seu grupo,
afirmar que:
pois permite que tenha um desempenho
“... a diversidade não é (...) um dos
pontos
fortes
na
política
educacional
corrente.
A
arregimentação parece ser uma
conseqüência mais provável dos
currículos,
programas,
prérequisitos e padrões impostos aos
sistemas
educacionais
pelos
governos, pais empregadores e
outras instituições mantenedoras.
(...) A diversidade (...) tem, sem
dúvida, valor de sobrevivência, mas
deve-se planejar, a longo prazo,
uma diversidade mais efetiva”
(Skinner, 1972, p.225).
mais significativo na ética, religião ou no
governo
democrático.
Desta
forma,
Skinner amplia o horizonte de discussão
ao mostrar o benefício que uma educação
liberal
pode
gerar
em
termos
de
adaptabilidade do homem ao ambiente,
uma vez que prepara o indivíduo para
contingências imprevisíveis. Sua posição
vai além das críticas apresentadas pelos
demais estudiosos, quando afirmam ser a
ideologia
de
mercado
ou
liberal
prejudicial à educação pelo fato de só se
preocupar com os resultados; tratar a
educação como uma mercadoria.
A grande contribuição de Skinner,
ao campo das políticas educacionais, está
no fato de embasar as suas explicações
no valor adaptativo que tais políticas
propiciam ao homem em relação ao seu
ambiente; isto é, na contribuição que
Entretanto, indo ao encontro da
posição dos pesquisadores com relação
uma
prática
educacional
traz
à
sobrevivência da cultura.
ao Estado “avaliador”, Skinner (1972)
pontua que “... o que é ensinado tende
simplesmente muitas vezes a ser o que
2.1. Um outro olhar sobre avaliação
pode ser medido por testes e exames. O
Na literatura sobre avaliação, é
comportamento
facilmente
que
submetido
não
pode
ser
a
medidas
é
negligenciado, porque não impressiona
as agências de inspeção ou outros que
julgam a instituição” (p.224). Desta
forma, ao mesmo tempo em que critica
um ensino voltado para testes, reforça a
importância de políticas educacionais
190
comum
nos
modalidades,
depararmos
entre
elas
com
algumas
a
avaliação
formativa. Segundo Afonso (2005):
“... quando os professores praticam
a avaliação formativa, a recolha de
informação sobre a aprendizagem
dos alunos pode ser realizada por
uma pluralidade de métodos e
técnicas que incluem desde o
recurso à memória que o professor
guarda das características dos
Rev. Bras. de Ter. Comp. Cogn., Campinas-SP, 2010, Vol. XII, nº 1/2, 176-196
Silvia Sztamfater
alunos até às mais diversificadas e
conhecidas estratégias como a
observação livre, a observação
sistemática, a auto-avaliação (...) e
outras
diferentes
formas
de
interação pedagógica” (pág.39).
quantos aprenderam, mas não nos
Esta forma de avaliação, também
nós perdemos quais alunos” (pág.154). É
denominada de avaliação qualitativa por
devido a este fato que existe uma forte
alguns autores, surge em contraposição à
polêmica quanto ao uso de indicadores,
modalidade
como por exemplo o IDEB, para avaliar a
somativa
ou
avaliação
quantitativa, focada no desempenho,
capacita a lidar melhor com os que não
aprendem, especialmente porque não
informam em que momento do processo
qualidade da educação.
como é o caso das avaliações externas,
que mensuram a qualidade do ensino, a
3. Pagamento por Desempenho12,13
partir de indicadores embasados no
resultado da aprendizagem dos alunos.
A
incluem a transferência de mecanismos
ensino pressupõe que a avaliação “tem de
de gestão do setor privado para a área
ser contínua, permanente e, sobretudo,
pública, conforme citado anteriormente.
individual” (Luna, 2000, pág.154), o que
Também
significa considerá-la como um processo.
educacionais que embasam esta lógica
Neste sentido, “... o interesse em avaliar
estão centradas na busca pela qualidade,
os efeitos do ensino – no caso da
responsabilizando os professores pelos
Educação – levou Skinner a rejeitar a
resultados dos seus alunos, como forma
prática de analisar resultados ao final
de aumentar as cobranças para que
da intervenção” (Luna, 2000, pág.154).
desempenhem as suas funções com
Portanto, neste aspecto, a avaliação
maior eficiência e produtividade. É neste
segundo a proposta da análise do
sentido
comportamento, aproxima-se do modelo
performance
formativo, ao priorizar o aluno, avaliá-lo
idealizado, como maneira de tornar esta
continuamente,
cobrança concreta.
e
skinneriana
as reformas educacionais da atualidade
de
avaliação
concepção
Partindo de uma lógica mercantil,
promover
feedbacks
a
auto-
redirecionamento
das
o
ou
as
políticas
pagamento
por
desempenho
foi
(Luna, 2000). Este autor acrescenta que
análises gerais podem
12
Os planos de carreira do magistério precisam cumprir as
determinações da legislação vigente, a Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional (LDB) – Lei 9394/96.
13
Para maiores detalhes sobre o assunto, consultar: Harris, D.
C. (2007). The Promises and Pitfalls of Alternative Teacher
Compensation Approaches. Education Policy Research Unit
& Education and the Public Interest Center; Harvey-Beavis,
O. (2003). Performance-based rewards for teachers: a
literature review.OECD; Peterson, B. (2000). Merit: To Pay
or Not to Pay.
condições
facilitadoras para a sua aprendizagem
“...
que
que
constantes,
aumentando a probabilidade de sucesso
no
vimos
mostrar
Rev. Bras. de Ter. Comp. Cogn., Campinas-SP, 2010, Vol. XII, nº 1/2, 176-196
191
Uma leitura de algumas dimensões das políticas educacionais atuais sob a ótica da análise do comportamento
No Brasil, estudos sobre o tema
ainda são incipientes, dado que a adoção
turmas aferido em exames como o Saeb,
Prova Brasil e Saresp16.
desta proposta é recente. Entretanto, a
mídia aponta que há uma crescente
polêmica sobre o assunto, que também
vem
ganhando
governantes,
espaço
entre
os
responsáveis
pela
formulação das políticas educacionais.
Esta
qual é a mais adequada à realidade
brasileira, visto que é complicado cobrar
uma
educação
de
qualidade
dos
professores sem que sejam garantidas as
condições mínimas de infra-estrutura das
salarial
escolas e formação docente. Países como
tradicional, que tem como base o tempo
Estados Unidos e Inglaterra, adeptos do
de serviço e a formação adicional para
pagamento por desempenho, apresentam
progressão na carreira do magistério,
realidades bem diferentes do Brasil, o
além de vigorar na maioria dos estados
que significa que resultados lá obtidos
brasileiros (Dutra, Abreu, Martins &
com esta iniciativa não necessariamente
Balzano, 1999)14.
serão alcançados no nosso país.
à
surge
salarial adotada, é necessário examinar
como
alternativa
iniciativa
Independente do tipo de estrutura
estrutura
Exemplo de adoção do pagamento
Explorar esta temática enquanto
por desempenho é o da Secretaria
analistas
Estadual da Educação de São Paulo. A
retornar à concepção de que para
atual secretária da Educação do Estado
entender e analisar o comportamento do
de São Paulo, Maria Helena Guimarães
professor, é imprescindível ir além das
de Castro, em matéria veiculada em
contingências instrucionais. Isto porque
200715,
do
comportamento,
requer
os
é visível que o comportamento dos
professores deveriam receber um bônus
educadores é mantido por contingências
extra, segundo o desempenho de suas
aversivas, tendo na “responsabilização”, a
Julho
de
defendia
que
concretização
dos
pressupostos
que
embasam a estrutura adotada.
14
15
A estrutura tradicional também adota gratificações e abonos,
a partir de critérios diferentes do que os adotados pela
estrutura de pagamento por desempenho. Um exemplo são
os Estados que incorporam ao salário do professor adicional
por local de serviço, adicional por qüinqüênio, gratificação
por trabalho em curso noturno, gratificação por trabalho
educacional, além da experiência e formação já
considerados (Dutra et al, 1999).
Notícia veiculada no portal da Folha Online em 25/07/2007,
intitulada “Nova secretária quer premiar professores por
desempenho”.
Disponível
em
http://www1.folha.com.br/folha/educação/ult305u314875.s
html. Acesso em 12/11/2008.
192
Desta forma, o pagamento por
desempenho faz parte da proposta de
16
Desde 1996, o Saresp – Sistema de Avaliação de Rendimento
Escolar do Estado de São Paulo - é utilizado pelo governo
paulista para avaliar estudantes das 1ª, 2ª, 4ª, 6ª e 8ª séries
do Ensino Fundamental e da 3ª série do Ensino Médio das
escolas da rede pública estadual de ensino nas áreas de
Língua Portuguesa e Matemática (informações obtidas no
portal da Secretaria de Educação do Estado de São Paulo www.educacao.sp.gov.br).
Rev. Bras. de Ter. Comp. Cogn., Campinas-SP, 2010, Vol. XII, nº 1/2, 176-196
Silvia Sztamfater
que
professores, sem gratificação, era de R$
funcionalmente significa a manutenção
668,00, e a categoria reivindicava um
da aversividade do sistema educacional.
mínimo de R$ 1.670,00 (Knapp, 2007).
“responsabilização”,
o
Esta aversividade vai ganhando espaço e
Acrescenta-se a esta discussão um
se desenhando na medida em que, no
aspecto muito bem situado por Zanotto
atual momento, além de serem cobrados
(2000):
pelo bom desempenho dos seus alunos,
os
professores
também
se
“... distanciado das conseqüências
naturais de seu comportamento e
controlado, quer por regras, quer por
contingências aversivas, o professor
deixa de assumir, ele próprio, o
controle de suas ações e passa a
responder fugindo ou esquivando-se
da situação O comportamento do
aluno, que deveria atuar como
condição fundamental no controle do
comportamento do professor, passa a
ser cada vez menos importante.
Tornar-se alheio, pelas contingências
que estabelecem suas condições de
trabalho,
às
conseqüências
fortalecedoras imediatas de seu
comportamento significa, no caso do
professor, tornar-se alheio ao evento
que
deveria,
prioritariamente,
controlar o seu comportamento: o
comportamento do seu aluno”
(pág.152).
sentem
injustiçados pelo bônus a ser recebido,
visto
que
a
forma
de
medí-lo
é
complicada, pois engloba outras variáveis
que
não
dependem
apenas
do
desempenho docente, como as questões
que dizem respeito às condições das
escolas (as com melhores recursos ou
melhor situadas geograficamente tendem
a alcançar melhores resultados).
Fazendo uso das palavras de
Romualdo Portela de Oliveira, professor
“...
Em suma, a colocação de Zanotto
portanto, é preciso cuidado para que um
(2000) mostra que, independente da
sistema por mérito como esse não
estrutura salarial adotada, o essencial é
termine
desigualdades.
analisar a contingência funcionalmente, a
(...) É preciso não esquecer (...) quem
fim de identificar qual o tipo de controle
trabalha em condições adversas, quem
exercido sobre o comportamento dos
precisaria dar um salto muito grande
professores,
para se equiparar aos demais”. De
oferecer
acordo com o presidente do Sindicato dos
contingências
Professores do Ensino Oficial do Estado
ensinando.
da
USP,
apud
Knapp
reproduzindo
(2007):
pois
um
em
bônus
aversivas
nada
adianta
salarial,
os
se
mantém
de São Paulo (Apeoesp), apud Knapp
(2007): “... premiar não é novidade
Considerações Finais
alguma. O professor precisa de salário
digno. O que precisamos é de reajuste
São inegáveis as contribuições da
análise experimental do comportamento
salarial”. Em 2007, o piso salarial dos
Rev. Bras. de Ter. Comp. Cogn., Campinas-SP, 2010, Vol. XII, nº 1/2, 176-196
193
Uma leitura de algumas dimensões das políticas educacionais atuais sob a ótica da análise do comportamento
técnico-político-ideológico com a
transformação
da
situação
educacional. Com raras exceções,
tenho a sensação de que a política
partidária tem sido capaz de vencer os
melhores ideais de transformação;
seja pela impossibilidade política de
dar continuidade a um projeto
iniciado por uma outra gestão, seja
pela falta de recursos, seja mesmo
porque as propostas elaboradas no
contexto acadêmico não encontraram
sustentação na realidade, a verdade é
que houve muita atividade, mas nada
sugere que o comportamento dos
alunos tenha mudado em uma direção
mais efetiva” (p.237).
para a educação, contribuições estas que,
como
vimos,
diferenciado
debatidas
fornecem
às
no
um
questões
campo
e
olhar
atualmente
mostram
a
potencialidade da abordagem enquanto
ferramenta
para
os
profissionais
interessados pela área.
A concepção de política educacional,
proposta por Skinner, como uma questão
de “planejar o homem”, assim como outras
É difícil pensar que a situação da
colocações aqui expostas, demonstram o
peso
que
a
educação
tem
para
a
constituição do ser humano, bem como
para a sua preservação e adaptação ao
educação brasileira atual é a mesma que
Skinner pontuava, há mais de 30 anos,
quando se referia à educação norte
americana (Luna 2001). Muito mais do
ambiente.
que
No que diz respeito à realidade
educacional
brasileira,
as
reflexões
desenvolvidas neste artigo mostram que há
alternativas
para
uma
qualidade,
de
forma
educação
que
de
as
“potencialidades do ser humano possam
ser cabalmente exploradas” (Skinner, 1972,
p.226).
apenas
uma
questão
de
ensino/aprendizagem, temos como ponto
central, nesta discussão, o poder de
controle. É necessário, portanto, ampliar
a análise para
compreender
que a
qualidade de ensino não está pautada
somente naqueles que aprendem, mas
também nos que ensinam, nos que fazem
pesquisa
neste
campo,
nos
que
Mesmo que a educação seja peça
administram escolas e faculdades, nos
chave para o desenvolvimento da sociedade
que estabelecem a política educacional e
e, ainda que mudanças possam ser feitas
nos que mantêm a educação. Dito de
para melhorar a qualidade de ensino, há
outra forma, entender a complexidade
contingências políticas que estão aquém
desta temática, é tomar consciência das
deste
contingências
olhar
e
que
permeiam
outros
interesses. Na visão de Luna (2001):
controlam
os
comportamentos de todos as pessoas
“... no que se refere ao poder público,
a situação é mais desalentadora.
Nestes últimos anos, vi subirem ao
poder pessoas cuja vida acadêmica eu
acompanhara e que estava recheada
de visões críticas e de compromissos
194
que
implicadas no processo educacional e
alterá-las para melhorar a educação
enquanto instituição (Skinner, 1972).
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Silvia Sztamfater
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Recebido em: 28/11/2008
Aceito para publicação em: 28/04/2010
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