4 Introdução à Teoria Cinética James Clerk Maxwell (1831-1879) Fı́sico britânico nascido em Dumfrieshire na Escócia, que desde muito jovem demonstrou possuir dotes excepcionais para a matemática. Em 1857 publicou um trabalho que descrevia a constituição provável dos anéis de Saturno. Maxwell propôs uma estrutura fragmentária para estes anéis (mais tarde confirmada pela sonda Voyager), o que o levou a interessar-se pelo estudo dos sistemas formados por um grande número de partı́culas. Estabelece assim os principais resultados da teoria cinética dos gases, associando os conceitos de temperatura e agitação molecular. Em 1860 tornou-se professor no King’s College de Londres, após o que iniciou um trabalho de unificação das interacções eléctrica e magnética. O seu nome ficaria para sempre ligado a um conjunto de equações matemáticas que descrevem o electromagnetismo, formalizando as observações de Michael Faraday sobre as linhas de campo eléctricas e magnéticas. Maxwell morreu prematuramente de cancro, antes da comprovação experimental da existência das ondas electromagnéticas, preditas pelas suas equações. 31 4.1 Introdução A Teoria Cinética dos Gases, elaborada por J.C. Maxwell em 1859 para os chamados gases perfeitos, tem como objectivo a interpretação microscópica de grandezas fı́sicas macroscópicas, tais como a pressão, a temperatura, a energia interna, os calores especı́ficos, etc. A Teoria Cinética utiliza um modelo mecanicista de representação do gás, ao qual aplica considerações de natureza estatı́stica (atendendo ao elevado número de partı́culas dos sistemas, N ' 1023 ) para descrever, em termos médios, o comportamento termodinâmico do gás. 4.2 O gás perfeito clássico O gás perfeito clássico é um modelo fı́sico, construı́do com base nas seguintes hipóteses: • As partı́culas constitutivas do gás são consideradas pontuais. Num sistema real, esta hipótese é verificada se as dimensões das partı́culas forem desprezáveis perante a distância média que as separa. • Não existem interacções entre as partı́culas do gás. Num sistema real, esta hipótese é verificada se as únicas interacções existentes estiverem associadas a forças de muito curto alcance. Estas hipóteses conduzem às seguintes conclusões: • as únicas acções em que as partı́culas do gás participam são colisões entre si e com as paredes do recipiente que as contém. • verifica-se a hipótese do caos molecular no equilı́brio. Esta hipótese assume que as velocidades de quaisquer partı́culas, antes duma colisão, não estão correlacionadas e são independentes da posição. Em condições de equilı́brio, a hipótese do caos molecular implica que as componentes dos vectores posição e quantidade de movimento se distribuam de forma aleatória, assegurando – uma densidade volúmica uniforme (na ausência de um campo exte terior), N V = cons ; 32 – uma distribuição isotrópica de velocidades, vx2 = vy2 = vz2 , onde vi2 representa o valor quadrático médio da componente i da velocidade. Destes pressupostos decorre que um gás real se comporta como um gás perfeito no limite de diluições elevadas. 4.2.1 Leis históricas (experimentais) relativas aos gases perfeitos a) Lei de Boyle e Mariotte Em condições isotérmicas (T = conste ), o produto da pressão p pelo volume V de um gás perfeito é uma constante. pV = conste para T = conste Figure 4.1: Isotérmica de Boyle e Mariotte b) Lei de Charles e Gay-Lussac Em condições isobáricas (p = conste ), a razão entre o volume V e a temperatura T de um gás perfeito é uma constante. V = conste para p = conste T c) Lei de Avogadro Dois volumes iguais de gases perfeitos, nas mesmas condições de pressão e temperatura, contêm o mesmo número n de moles. 33 Figure 4.2: Isobárica de Charles e Gay-Lussac Combinando as leis anteriores, conclui-se que pV = cT (com c ∝ n) . Esta relação entre as variáveis p, V e T de um gás perfeito conduzirá à equação de estado dos gases perfeitos, desde que se calcule a constante c. 4.2.2 Equação de estado dos gases perfeitos Para calcular a constante c, utilizam-se vários resultados associados ao conceito de mole7 . a) Definição Uma mole de uma substância é a quantidade dessa substância cuja massa é igual à sua massa molecular, expressa em gramas. Exemplos: • 1 mole H2 → 2 × 1 = 2 g • 1 mole N2 → 2 × 14 = 28 g • 1 mole H2 O → 2 × 1 + 16 = 18 g b) Número de partı́culas numa mole Uma mole de partı́culas contém NA = 6, 023 × 1023 partı́culas. 7 Unidade SI de quantidade de substância, com sı́mbolo mol. 34 c) Aplicação a um gás perfeito Uma mole de qualquer gás perfeito, em condições normais de pressão e temperatura (PTN, p = 1 atm e T = 273, 15 K) ocupa um volume V = 22, 4 L. Para n moles de gás, a equação de estado dos gases perfeitos escreve-se pV = nRT , (4.1) onde R = 8, 3144 J K−1 mol−1 é a constante dos gases perfeitos. Para N partı́culas de gás (n = N/NA ), a equação de estado dos gases perfeitos escreve-se pV = N kB T , (4.2) onde R = 1, 38 × 10−23 J K−1 NA é a constante de Boltzmann. kB ≡ 4.2.3 Lei de Dalton Considere-se uma mistura de dois gases perfeitos, à mesma temperatura T e num mesmo volume V . Sejam p1 e p2 as pressões parciais de cada um dos gases, com número de moles n1 e n2 . Pode escrever-se p1 V = n1 RT p2 V = n2 RT e portanto RT RT RT + n2 = (n1 + n2 ) V V V p1 + p2 RT ⇒ = . n1 + n2 V p1 + p2 = n1 35 Seja n ≡ n1 + n2 o número total de moles da mistura dos dois gases, com pressão total p. Pode escrever-se pV = nRT = (n1 + n2 )RT p RT ⇒ = n1 + n2 V . Conclui-se portanto que p = p1 + p2 , (4.3) o que corresponde à Lei de Dalton: A pressão total da mistura de dois gases perfeitos, à mesma temperatura e num mesmo volume, é igual à soma das pressões parciais de cada um dos gases. 36 4.3 Cálculo de parâmetros macroscópicos Como se referiu anteriormente, o modelo do gás perfeito pode ser utilizado, no quadro da Teoria Cinética, para calcular vários parâmetros macroscópicos (pressão, temperatura, energia interna, calores especı́ficos,...). Este cálculo parte de uma descrição microscópica do sistema, realizando: • uma análise mecânica do movimento das partı́culas; • um tratamento estatı́stico dos resultados (porque N ' NA 1). Nas secções seguintes ilustra-se de que modo é possı́vel calcular algumas destas quantidades macroscópicas, utilizando a Teoria Cinética. 4.3.1 Pressão cinética, p A interpretação microscópica da pressão cinética de um gás sobre uma parede considera que ela é devida ao bombardeamento dessa parede pelas partı́culas do gás (D. Bernoulli, 1738). a) Variação do momento linear numa colisão elástica, ∆px Considere-se uma partı́cula de massa m que colide elasticamente, e segundo um ângulo de incidência θ, com uma parede rı́gida de massa M m (ver figura 4.3). Figure 4.3: Colisão elástica de uma partı́cula com uma parede rı́gida As equações de conservação do momento linear do sistema partı́culaparede escrevem-se mvx = M Vx0 + mvx0 , mvy = mvy0 37 onde vx e vy (vx0 e vy0 ) representam, respectivamente, as componentes x e y da velocidade da partı́cula antes (após) a colisão; Vx0 representa a componente x da velocidade da parede após a colisão. A equação de conservação da energia do sistema partı́cula - parede escreve-se 1 1 1 0 0 0 m(vx2 + vy2 ) = M Vx 2 + m(vx2 + vy2 ) . 2 2 2 Tem-se portanto, segundo a direcção paralela à parede vy0 = vy , e segundo a direcção perpendicular à parede M Vx0 = m(vx − vx0 ) 0 0 M Vx 2 = m(vx2 − vx2 ) = m(vx − vx0 )(vx + vx0 ) , ou seja vx0 1 − M/m = vx → −vx 1 + M/m M se m 1 . Em conclusão, nas colisões com paredes (de massa infinita) só a componente perpendicular da velocidade é relevante para o cálculo da variação do momento linear da partı́cula (px e p0x ), obtendo-se (ver figura 4.4) Figure 4.4: Reflexão frontal de uma partı́cula numa parede rı́gida ∆px ≡ p0x − px ≡ mvx0 − mvx = −2mvx . 38 (4.4) → − b) Força exercida por uma partı́cula sobre a parede, f parede Seja ∆t o intervalo de tempo médio entre duas colisões consecutivas com a parede. A força média que uma partı́cula do gás exerce sobre essa parede pode obter-se usando a equação (4.4) → → − → 2mvx − ∆− p parede ∆− p ∆px → − → f parede = =− =− ex = ex . ∆t ∆t ∆t ∆t (4.5) c) Número elementar de partı́culas que colide com a parede, dN → O número elementar de partı́culas com velocidade − v que, em média, atinge a parede, no intervalo de tempo ∆t é calculado a partir da densidade N/V do gás e do volume do cilindro de área elementar dS e altura v cos θ∆t (ver figura 4.5) Figure 4.5: Número elementar de partı́culas que colide com uma parede 1N N vx dS dS v cos θ∆t = ∆t , (4.6) 2V V 2 → onde o factor 1/2 desconta todas as partı́culas com velocidade −− v , isto é todas as partı́culas que se encontram a afastar-se da parede. dN = → − d) Força média elementar exercida sobre a parede, d F A força média elementar total exercida sobre a parede obtém-se tomando o valor médio, sobre todas as partı́culas do gás, do produto das equações (4.5) e (4.6) → 2mvx N vx dS − − N → ∆t → ex = mvx2 dS − ex , dF = ∆t V 2 V 39 (4.7) onde o valor quadrático médio da componente x da velocidade se define como N X vx2α vx2 ≡ α=1 , N tendo-se assumido que as N partı́culas do gás são idênticas. (4.8) Por outro lado, a isotropia do espaço das velocidades no equilı́brio (garantida pela hipótese do caos molecular) permite escrever vx2 = vy2 = vz2 ⇒ v 2 = vx2 + vy2 + vz2 = 3vx2 , pelo que a equação (4.7) se pode reescrever como → N mv 2 − → dS − ex . dF = V 3 (4.9) e) Pressão cinética sobre a parede, p A pressão cinética exercida sobre a parede calcula-se finalmente a partir da equação (4.9) → − dF − N mv 2 p= ·→ ex = . (4.10) dS V 3 4.3.2 Energia cinética média, εk A energia cinética média (de translação) de uma partı́cula do gás é dada por [cf. equação (4.8)] 1 εparticula = mv 2 = k 2 N 1 X 2 m v 2 α=1 α N = εm k . N (4.11) A energia cinética média (de translação) do gás corresponde assim à sua energia cinética microscópica 1 2 particula m εk = N εk = εk = N mv . (4.12) 2 40 4.3.3 Energia interna, U A energia interna de um gás perfeito monoatómico (em repouso macroscópico no referencial do laboratório), corresponde à energia cinética (microscópica de translação) das suas partı́culas constitutivas, isto é 1 2 m mv . (4.13) U = εk = N 2 Combinando as equações (4.10) e (4.13) pode escrever-se 2 pV = U , 3 (4.14) o que corrresponde a dizer que A pressão cinética de um gás perfeito é igual a dois terços da sua densidade de energia. 4.3.4 Temperatura cinética, T Combinando a expressão (4.14) (obtida microscopicamente) com a equação de estado (macroscópica) dos gases perfeitos (4.2) obtém-se 3 3 U = N kB T = nRT . 2 2 (4.15) O resultado anterior pode ser encarado como a definição da temperatura cinética de um gás perfeito (monoatómico), permitindo estabelecer os seguintes enunciados a) Definição (microscópica) de temperatura A temperatura de um gás perfeito monoatómico8 é uma medida da sua energia cinética microscópica, isto é do seu grau de agitação térmica. b) Lei de Joule A energia interna de um gás perfeito monoatómico9 é função exclusiva da sua temperatura, U = U (T ). 8 9 Este resultado é de facto mais geral, podendo ser aplicado a outros sistemas. Este resultado é de facto mais geral, podendo ser aplicado a todos os gases perfeitos. 41 4.3.5 Velocidade quadrática média, vq Os enunciados anteriores são particularmente bem expressos através do conceito de velocidade quadrática média, definida como p vq ≡ v 2 . (4.16) A partir das equações (4.13) e (4.15) tem-se 1 2 3 U =N mv = N kB T , 2 2 concluindo-se que r 3kB T . (4.17) m A velocidade quadrática média de um gás é representativa da velocidade de qualquer partı́cula desse gás. Assim, como seria de esperar, vq aumenta com a temperatura do sistema e diminui com o aumento da massa das suas partı́culas. vq = 42 4.4 Princı́pio da Equipartição da Energia Como se viu, a energia cinética microscópica de um gás perfeito monoatómico está exclusivamente associada à energia dos três graus de liberdade translacionais de cada átomo do gás, isto é [cf. equação (4.13)] 1 2 1 2 1 2 1 2 m mv = N mv + mv + mv . (4.18) U = εk = N 2 2 x 2 y 2 z Por outro lado [cf. equação (4.15)] 3 1 1 1 U = N kB T = N kB T + kB T + kB T 2 2 2 2 . (4.19) Se se admitir que o espaço é homogéneo e isótropo, obtém-se o enunciado do Princı́pio da Equipartição da Energia Cada grau de liberdade de um sistema contribui com 12 N kB T para a sua energia interna. Este enunciado, estabelecido a partir de sistemas cujos graus de liberdade são exclusivamente translacionais (gases perfeitos monoatómicos), generalizase a gases perfeitos mais complexos (poliatómicos), com outros tipos de graus de liberdade (translacionais, rotacionais e vibracionais). 4.4.1 Nota sobre graus de liberdade Como se verá mais tarde, no quadro da Fı́sica Estatı́stica, o enunciado mais correcto do Teorema da Equipartição da Energia é O valor médio da contribuição quadrática de qualquer variável para a energia interna é 12 N kB T . Assim • cada grau de liberdade cinético (translacional, rotacional e vibracional) do sistema, associado a um termo energético do tipo 12 mṙ2 (quadrático em ṙ), contribui com 12 N kB T para a energia interna do sistema; 43 • cada grau de liberdade potencial (vibracional) do sistema, associado a um termo energético do tipo 12 kr2 (quadrático em r), contribui com 12 N kB T para a energia interna do sistema. 4.4.2 Generalização da expressão da energia interna O Princı́pio da Equipartição da Energia pode agora ser utilizado para generalizar a expressão da energia interna de um sistema: A energia interna de um sistema é a soma das energias médias associadas aos vários graus de liberdade das suas partı́culas constitutivas. 1 U = εm k + εp,in = (l + lv ) × N kB T , 2 (4.20) sendo εm k εp,in = l × 12 N kB T energia cinética média ; = lv × 12 N kB T energia potencial média (associada às vibrações) , onde l ≡ lt + lr + lv → número total de graus de liberdade10 ; lt → número de graus de liberdade de translação; lr → número de graus de liberdade de rotação; lv → número de graus de liberdade de vibração. 4.4.3 Cálculo de energias internas A expressão geral da energia interna obtida na secção anterior será aqui aplicada ao caso de vários gases perfeitos. • Gases monoatómicos (com translações): He, Ar, ... (l = lt = 3) 10 O número total de graus de liberdade de um sistema de moléculas com Na átomos é l = 3Na , correspondente a três graus de liberdade (translacionais) por átomo. 44 Figure 4.6: Grau de liberdade translacional para um átomo, a uma dimensão 3 3 1 U = 3 × N kB T = N kB T = nRT . 2 2 2 (4.21) • Gases diatómicos (com translações e rotações): N2 , O2 , H2 , HCl, ... (lt = 3 , lr = 2 ⇒ l = lt + lr = 5) Figure 4.7: Graus de liberdade rotacionais de uma molécula diatómica 1 5 5 U = 5 × N kB T = N kB T = nRT . 2 2 2 (4.22) • Gases diatómicos (com translações, rotações e vibrações) (lt = 3 , lr = 2 , lv = 1 ⇒ l = lt + lr + lv = 6) Figure 4.8: Grau de liberdade vibracional de uma molécula diatómica 1 7 7 U = (6 + 1) × N kB T = N kB T = nRT . 2 2 2 45 (4.23) • Gases poliatómicos (com translações, rotações e vibrações) – Moléculas lineares (lt = 3 , lr = 2 ⇒ lv = l − lt − lr = 3Na − 5) 1 6Na − 5 6Na − 5 U = (3Na +3Na −5)× N kB T = N kB T = nRT . 2 2 2 (4.24) No caso de uma molécula triatómica linear (por exemplo CO2 ), existem 3 × 3 − 5 = 4 modos de vibração, correspondentes a dois modos degenerados de flexão (segundo dois planos perpendiculares entre si) e a dois modos de extensão (simétrico e anti-simétrico). – Moléculas não lineares (lt = 3 , lr = 3 ⇒ lv = l − lt − lr = 3Na − 6) 1 6Na − 6 6Na − 6 U = (3Na +3Na −6)× N kB T = N kB T = nRT . 2 2 2 (4.25) No caso de uma molécula triatómica não linear (por exemplo H2 O), existem 3 × 3 − 6 = 3 modos de vibração, correspondentes a um modo de flexão e a dois modos de extensão (simétrico e anti-simétrico). 4.4.4 Calores especı́ficos de gases A forma mais directa de testar os resultados anteriores, relativos às energias internas de gases perfeitos, consiste em comparar valores calculados e medidos dos calores especı́ficos a volume constante desses gases. O calor especı́fico molar a volume constante de um sistema corresponde à quantidade de energia que uma mole desse sistema necessita absorver numa transmissão pura de calor, sem realização de trabalho, para que a sua temperatura se eleve de um grau. Formalmente 1 δQ CV = , n dT V 46 e como pelo Primeiro Princı́pio da Termodinâmica δQ = dU − δW = dU (V = conste ) , conclui-se que 1 CV = n ∂U ∂T . (4.26) V Substituindo os resultados (4.21)-(4.23) na equação (4.26) obtém-se • Gases monoatómicos (com translações) 3 CV = R = 12, 47 J K−1 mol−1 . 2 (4.27) • Gases diatómicos (com translações e rotações) 5 CV = R = 20, 78 J K−1 mol−1 . 2 (4.28) • Gases diatómicos (com translações, rotações e vibrações) 7 CV = R = 29, 09 J K−1 mol−1 . 2 (4.29) A tabela seguinte apresenta valores experimentais dos calores especı́ficos molares a volume constante para vários gases, a várias temperaturas. Gás T (K) CV (J K−1 mol−1 ) He 12,5 Ar 12,5 N2 288 20,61 O2 288 21,10 H2 273 20,08 2000 25,96 ar 273 20,75 2000 27,46 Uma análise desta tabela mostra que, no que se refere a CV , • os gases nobres (He, Ar) reproduzem bem o comportamento de um gás perfeito monoatómico; 47 • a baixa temperatura, os gases N2 , O2 , H2 e ar reproduzem bem o comportamento de um gás perfeito diatómico, que tivesse apenas graus de liberdade translacionais e rotacionais; • a mais alta temperatura, o comportamento dos gases N2 , O2 , H2 e ar aproxima-se mais do de um gás diatómico, com graus de liberdade translacionais, rotacionais e vibracionais. Figure 4.9: Calor especı́fico do hidrogénio, em função da temperatura Este comportamento pode ser visualizado representando graficamente o calor especı́fico de um gás diatómico (por exemplo o do hidrogénio H2 ), em função da temperatura (ver figura 4.9). Verifica-se que o calor especı́fico varia por patamares, o que significa que os nı́veis de energia de rotação e vibração só podem ser excitados (absorvendo energia) a partir de certas temperaturas. A existência destes patamares tem a ver com a existência de diferentes limiares quânticos de excitação (mais elevados no caso das vibrações que no das rotações), e não pode ser explicada no quadro da Fı́sica Clássica, onde a energia varia continuamente e se reparte igualmente pelos vários graus de liberdade do sistema. Em geral, • os graus de liberdade rotacionais e vibracionais de um sistema estão congelados a temperaturas muito baixas (< 100 K); 48 • os graus de liberdade vibracionais de um sistema estão congelados à temperatura ambiente (' 300 K). 4.4.5 Calor especı́fico dos sólidos O bom acordo obtido entre valores calculados e medidos para os calores especı́ficos a volume constante de gases, justifica que se tentem alargar os resultados da Teoria Cinética a outro tipo de sistemas, tais como sólidos. No quadro da Fı́sica Clássica, um sólido pode ser visto como uma rede de osciladores interconectados, tal como se representa na figura 4.10. Figure 4.10: Modelo de rede de osciladores para um sólido No limite de temperaturas muito elevadas tem-se que • cada átomo possui três graus de liberdade (l = 3); • todos os graus de liberdade são de natureza vibracional (l = lv = 3). Material CV (J K−1 mol−1 ) [T = 500 K] Cu 24,5 Ag 25,5 Pb 26,4 Zn 25,4 Al 24,4 Sn 26,4 S 22,4 No quadro deste modelo: 1 U = (3 + 3) N kB T = 3N kB T = 3nRT , 2 49 (4.30) Figure 4.11: Calor especı́fico de um sólido, em função da temperatura obtendo-se a Lei de Dulong e Petit para o respectivo calor especı́fico CV = 3R = 25 J K−1 mol−1 . (4.31) Este resultado encontra-se em excelente acordo com os valores experimentais dos calores especı́ficos molares de vários sólidos a altas temperaturas, como se pode confirmar a partir da tabela anterior e do gráfico da figura 4.11. Como se verá mais tarde, o calor especı́fico dos sólidos depende da temperatura, sendo constante apenas para temperaturas muito altas, quando se pode admitir que os nı́veis de energia vibracionais se distribuem de forma contı́nua. Para corrigir este modelo teremos que considerar que as frequências de oscilação da rede de osciladores do sólido obedecem a uma distribuição, dependente da temperatura, tal como se faz por exemplo no quadro do modelo de fonões de Debye. 50