1 DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA E O REDIRECIONAMENTO DA EXECUÇÃO NA PESSOA DOS SÓCIOS 1 Gabriel Teixeira Ludvig2 RESUMO: O presente trabalho dedica-se ao estudo da Desconsideração da Personalidade Jurídica, ou disregard doctrine. Inicialmente, é analisada a personalidade jurídica, com a sua característica limitação patrimonial, que se mostra um instituto essencial para desenvolver e estimular a atividade econômica. Após, será tratado especificamente do tema da Desconsideração da Personalidade Jurídica, objeto do presente trabalho, que complementa a limitação patrimonial da personalidade jurídica, bem como possibilita uma maior segurança jurídica no meio empresarial. Ainda, trará sua parte histórica, demonstrando a evolução e a inserção do instituto no direito internacional e brasileiro, em razão de sua inquestionável importância para todo o direito, justificando, a partir daí, a importância de todos os pontos estudados. Também será tratado o uso do instituto pelo Poder Judiciário brasileiro, uma vez que, na ânsia por uma efetividade processual, o judiciário tem utilizado a teoria de forma excessiva, como uma regra geral e não como uma exceção, que seria a finalidade a que se destinava originalmente, banalizando e liquidando o conceito de personalidade jurídica. Por último, trará a questão da responsabilidade direta do sócio de uma pessoa jurídica, de acordo com o Código Tributário Nacional, que, neste caso, não há de se falar em desconsideração da personalidade jurídica, pois, a lei já deixa expressa uma responsabilidade ao sócio pela sua má administração. Palavras-chave: Desconsideração da personalidade jurídica. Disregard Doctrine. História da Desconsideração da Personalidade Jurídica. Personalidade Jurídica. Limitação Patrimonial. Benefício de Ordem. Responsabilidade dos Sócios. INTRODUÇÃO A presente monografia aborda a Teoria da Desconsideração da Personalidade Jurídica (disregard doctrine) e seus efeitos quanto à responsabilidade dos sócios e administradores no atual sistema jurídico brasileiro. A pessoa jurídica, desvinculada da pessoa física de seus sócios, foi criada para facilitar um negócio a se começar, uma vez que a associação com outras pessoas, estabelecendo uma sociedade, se mostrava um interessante meio, pois fornecia recursos e forças para se criar uma empresa. Assim, os entes coletivos assumiram um importante papel na vida econômica, gerando um grande número de empregos, fornecendo diversos bens e serviços, 1 Artigo extraído do Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como requisito para obtenção do grau de Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais pela Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul - PUCRS, aprovado com grau máximo pela banca examinadora composta pelo Orientador Prof. Me. José Bernardo Ramos Boeira, Prof.ª Me. Mariângela Guerreiro Milhoranza e Prof. Me. Álvaro Vinícius Paranhos Severo, em 11 de novembro de 2010. 2 Acadêmico do curso de Ciências Jurídicas e Sociais da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS. Contato: [email protected] 2 possibilitando a atuação em diversos meios, e se tornando, portanto, indispensáveis às sociedades modernas. Uma das principais vantagens da personalidade jurídica é a limitação da responsabilidade patrimonial, onde não se confunde os bens dos sócios com o da empresa criada, possibilitando, assim, uma maior segurança por parte dos particulares que investem seu dinheiro, já que abre a possibilidade de serem realizados investimentos mais ousados, e, consequentemente, auxiliar no desenvolvimento da economia, pois se pode arriscar muito mais capital. Contudo, essa autonomia criada, tornou-se, aos poucos, um instrumento utilizado para fins abusivos e fraudulentos, diferente da vislumbrada pelo Estado no momento de sua criação, ocultando pessoas e patrimônio por detrás do instituto da personalidade jurídica para poder prejudicar credores. Com isso, os legisladores, preocupados com o crescimento de tais situações, passaram a reagir a esta prática indesejada, fornecendo jurisprudências que mais tarde auxiliariam o desenvolvimento doutrinário a respeito da matéria, principalmente nos países Europeus. A partir daí, com a doutrina e a jurisprudência se dedicando ao estudo da teoria, o tema chegou ao Brasil, nos anos 60, com o jurista Rubens Requião. Entretanto, o assunto foi regulado pelo legislador pátrio somente anos mais tarde, com a Criação do Código de Defesa do Consumidor, de 1990, que auxiliou para o crescimento de textos legais que tratavam da matéria, disseminando a teoria no ordenamento jurídico brasileiro. Com o tempo, se mostrou um instituto de vital importância para o Direito Empresarial, ao passo que, a personalidade jurídica estimula e desenvolve a atividade econômica, e a desconsideração da personalidade jurídica se torna um instrumento regulador da mesma, possibilitando uma maior segurança jurídica no meio empresarial. Ocorre que, devido ao crescente uso da pessoa jurídica para fins diversos daqueles vislumbrados pelo sistema jurídico quando da criação do instituto, a jurisprudência brasileira tem utilizado a disregard doctrine excessivamente, na ânsia por uma efetividade processual, a utilizando como regra geral e não como uma exceção, que deveria ser o seu fim previsto, banalizado e liquidando com o conceito da personalidade jurídica. Como dito, as pessoas jurídicas representam uma relevante papel nas sociedades modernas, mas devem ser respeitadas suas características para prevalecer sua função social, devendo caracterizar a aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica sobre elas, apenas, quando estiver dentro do estrito limite legal. Inegável a relevância deste instituto, mas apenas quando empregado como forma de exceção. Assim, essa pesquisa baseia-se nos princípios gerais do Direito, na doutrina e na jurisprudência dos tribunais brasileiros, explicando-se os conceitos, alcance e limitação do tema. Esse trabalho foi dividido, didaticamente, em três capítulos, de modo a facilitar o entendimento sobre o assunto em análise. No primeiro capítulo serão tratadas as considerações sobre a personalidade jurídica em si, sua criação, sua natureza jurídica e suas principais características, principalmente quanto à questão da responsabilidade patrimonial, esclarecendo sua necessidade e a relevância de tal tema. Além disso, introduzirá o segundo capítulo, que abordará o assunto da desconsideração da personalidade jurídica, objeto do presente trabalho. 3 Nesse capítulo, será feita uma análise de um dos institutos jurídicos mais importantes já criados pelo ordenamento jurídico brasileiro, que é o da desconsideração da personalidade jurídica, e, cujo uso, nem sempre atendeu às finalidades a que se destinava originalmente, quando da sua concepção, com diversas considerações a respeito do tema. Trará também, dentre outras questões, a sua história, trazendo sua evolução desde o princípio até os dias atuais, a conceituação da desconsideração da personalidade jurídica e o exame de sua utilização pelo Poder Judiciário brasileiro, com diversas jurisprudências a respeito do assunto. Para finalizar, o terceiro, e último capítulo, trará a questão da responsabilidade direta do sócio no Código Tributário Nacional, questão muito pertinente a matéria, uma vez que ali não há de se falar em desconsideração da personalidade jurídica, pois a lei já deixa expressa uma responsabilidade ao sócio pela sua má administração. 1 PERSONALIDADE JURÍDICA E A SUA RESPONSABILIDADE PATRIMONIAL 1.1 CONCEITO E NECESSIDADE DE SUA CRIAÇÃO Antes de tratar especificamente do instituto da desconsideração da personalidade jurídica, vale ressaltar a importância de conceituar a pessoa jurídica, com sua característica de limitar o patrimônio dos sócios, e os motivos da necessidade de sua criação. Rubens Requião muito bem conceitua a pessoa jurídica: Entende-se por pessoa jurídica o ente incorpóreo que, como as pessoas físicas, pode ser sujeito de direitos. Não se confundem, assim, as pessoas jurídicas com as pessoas físicas que deram lugar ao seu nascimento; pelo contrário, delas se distanciam, adquirindo patrimônio autônomo e exercendo direitos em nome próprio. Por tal razão, as pessoas jurídicas têm nome particular, como as pessoas físicas, domicílio e nacionalidade; podem estar em juízo, como autoras ou como rés, sem que isso se reflita na pessoa daqueles que a constituíram. Finalmente, têm vida autônoma, muitas vezes superior às das pessoas que as formaram; em alguns casos, a mudança de estado dessas pessoas não se reflete na estrutura das pessoas jurídicas, podendo, assim, variar as pessoas físicas que lhe deram origem, sem que esse fato incida no seu organismo. É o que acontece com as sociedades institucionais ou de capitais, cujos sócios podem mudar de estado ou ser 3 substituídos sem que se altere a estrutura social. Inicialmente, quando se resolvia criar um negócio, era frequente as pessoas não encontrar em si, individualmente, forças e recursos necessários ao desenvolvimento de uma grande empresa. Assim, a associação com outras pessoas, estabelecendo uma sociedade, mostrou-se uma solução adequada ao problema. Além disso, as pessoas sempre tiveram medo de comprometer todo o seu patrimônio em atividades de risco. Os princípios da separação patrimonial e limitação de responsabilidades, características específicas da personificação societária, acabaram por viabilizar mais facilmente o negócio que se planejava começar. Caio Mário da Silva Pereira bem explica a situação: 3 REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial. São Paulo: Forense, 1998. p. 204. 4 A necessidade da conjugação de esforços de vários indivíduos para a consecução de objetivos comuns ou de interesse social, ao mesmo passo que aconselham e estimulam a sua agregação e polarização de suas atividades, sugerem ao direito equiparar à própria pessoa humana a certos agrupamentos de indivíduos e certas destinações patrimoniais e lhe aconselham atribuir personalidade e capacidade aos entes abstratos assim 4 gerados Com isso, as pessoas começaram a se agrupar em sociedade mais frequentemente, dado os benefícios que poderiam ter, uma vez que, adquirindo uma personalidade jurídica própria, ou seja, reunindo-se em sociedades, automaticamente existia um ente diferente da sua existência como pessoa física, lhes fornecendo benefícios próprios desse instituto. Nesse sentido, explica Silvio de Salvo Venosa: As pessoas jurídicas, segundo essa corrente, são reais, porém dentro de uma realidade que não se equipara à das pessoas naturais. Existem, como o Estado que confere personalidade às associações e demais pessoas jurídicas. O Direito deve assegurar direitos subjetivos não unicamente às pessoas naturais, mas também a esses entes criados. Não se trata, portanto, a pessoa jurídica como uma ficção, mas como uma realidade, uma 5 “realidade técnica Assim, surgiu a pessoa jurídica, ganhando vida e personalidade, sobressaindo-se aos indivíduos que a compõem, dando origem a um ente autônomo, com direitos e obrigações próprios, não se confundindo com a pessoa de seus membros, os quais, em se tratando de atividades econômicas, investem apenas uma parcela do seu patrimônio, assumindo riscos limitados de prejuízo de acordo com o seu investimento. É importante se partir desse ponto para iniciar-se o estudo da responsabilidade patrimonial da pessoa jurídica, que fará com que se melhor compreenda a desconsideração da personalidade jurídica, que nada mais é que uma sanção aplicada ao ato ilícito. (nesse caso, a utilização abusiva da personalidade jurídica). 1.2 RESPONSABILIDADE PATRIMONIAL DA PESSOA JURÍDICA Assim, a partir da concessão da personalidade à pessoa jurídica, entendeu o Estado que, dado o crescimento industrial, a atividade econômica importava grande risco que poderia ser assumido diante de condições especiais, que é a responsabilidade limitada da pessoa jurídica. Oksandro Gonçalves bem esclarece a questão: Há inegável vantagem em se limitar a responsabilidade a um conjunto de bens expressamente destinado à consecução de um determinado fim, porque o Estado viu a necessidade de fomentar atividades que beneficiem a 4 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil, vol. I. 19ª Ed. Forense. Rio de Janeiro. 2000. p. 185. 5 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil, vol. I. 3ª Ed. Atlas. São Paulo. 2003. p. 257 5 sociedade humana criando privilégio consistente na possibilidade de admitir 6 a existência da pessoa jurídica distinta de seus sócios. Ademais, vale ressaltar que a responsabilidade jurídica não importa sempre na obrigatoriamente da limitação da responsabilidade, pois existem pessoas jurídicas que não se limitam. No entanto, um das principais vantagens da pessoa jurídica é a limitação de sua responsabilidade, sendo a mais comum à sociedade limitada, através da qual se permite que uma parcela do patrimônio seja destinada à busca de um fim comum, mas que se limite em si mesmo, como patrimônio autônomo, independente daquele patrimônio de cada um dos seus componentes, que são seus bens pessoais. Com isso, apesar de haverem outras espécies de sociedades, verifica-se, que estas existem em números menos expressivos, comparadas com as limitadas. Isso porque nesta há a possibilidade de se limitar os riscos, independência necessária à pessoa jurídica para que os operadores econômicos possam manter suas atividades mercantis. Com isso, é um instrumento jurídico da economia que tem por objetivo motivar a iniciativa privada, pois é dado ao particular a possibilidade de explorar determinada atividade, sabendo os limites de sua responsabilidade. Fábio Ulhoa Coelho leciona a respeito: Em sendo assim, pelas obrigações da pessoa jurídica responde, em regra, apenas o patrimônio. É, em geral, incabível a responsabilização do membro da pessoa jurídica por obrigação que não é dele, mas dela. O credor do ente moral (sociedade civil ou comercial, associação ou fundação) não pode, em princípio pretender a satisfação de seu crédito no patrimônio individual de membro da entidade, mesmo em se tratando da pessoa que a representa no negócio ou na ação judicial, já que são sujeitos de direito distintos. Esta regra geral, decorrente do dispositivo de lei acima mencionado, é referida através do princípio da autonomia patrimonial da 7 pessoa jurídica Sendo assim, permite-se ao particular separar uma parcela do seu patrimônio que ficará responsável pelas obrigações contraídas em prol do desenvolvimento daquela atividade, conforme Fábio Ulhoa Coelho segue esclarecendo: É, a rigor, um instrumento plenamente compatível com a ordem econômica desenhada pela Constituição, de natureza neoliberal, que reserva aos particulares a primazia na produção: isso porque o desenvolvimento desta para o atendimento das necessidades de todo corpo social exige, em tal sistema, mecanismos de motivação da iniciativa privada, entre os quais se ressalta a limitação do risco na exploração da atividade econômica através 8 do princípio da autonomia patrimonial das pessoas jurídicas. 6 GONÇALVES, Oksandro. Desconsideração da personalidade jurídica. Curitiba: Editora Juruá, 2006. p. 42. 7 COELHO, Fábio Ulhoa. O empresário e os direitos do consumidor. São Paulo: Saraiva, 1994, p. 215. 8 Ibid., p. 216 6 Com a separação patrimonial dos bens, os bens do dos sócios, não respondem pelas dívidas da sociedade, tanto que, caso isso ocorra, poderá ser arguido o chamado benefício de ordem. 1.3 BENEFÍCIO DE ORDEM O benefício de ordem é um direito legalmente previsto que tem uma pessoa de só responder pela dívida se, primeiramente, for acionado o devedor principal e este não cumprir a obrigação de pagar. Assim, aos sócios de uma sociedade vigora o benefício de ordem, que preceitua que, depois de integralizado o capital social da limitada, enquanto houver patrimônio social, o do sócio não pode ser alcançado, para a satisfação dos direitos dos credores. O benefício de ordem está previsto nos artigos 1.024 do Código Civil e no artigo 596 do Código de Processo Civil: Art. 1.024. Os bens particulares dos sócios não podem ser executados por dívidas da sociedade, senão depois de executados os 9 bens sociais. Art. 596. Os bens particulares dos sócios não respondem pelas dívidas da sociedade senão nos casos previstos em lei; o sócio, demandado pelo pagamento da dívida, tem direito a exigir que sejam 10 primeiro excutidos os bens da sociedade. Dessa forma, trata-se de responsabilidade subsidiária, eis que, inicialmente, devem ser executados os bens do patrimônio da sociedade limitada. Assim, o sócio, quando for acionado por dívida por ela contraída, tem o direito de exigir a execução, em primeiro lugar, dos bens pertencentes à sociedade limitada inadimplente, arguindo o denominado benefício de ordem. 1.4 DESVIRTUAMENTO DO INSTITUTO DA PERSONALIDADE JURÍDICA Apesar de todo o exposto, tem se verificado, com considerável freqüência, a utilização da pessoa jurídica para fins diversos daqueles vislumbrados pelo sistema jurídico quando da criação do instituto. Os indivíduos vêm se utilizando da autonomia patrimonial atribuída a esse ente coletivo para praticar fraudes e abusos de direito, em detrimento de direitos de terceiros, por vezes, ou durante o seu funcionamento ou, até mesmo desde sua criação. Embora concebida para satisfazer legítimas necessidades humanas, a pessoa jurídica e o princípio da separação patrimonial a ela inerente, foram, pouco a pouco, sendo desviados de sua finalidade, possibilitando que, por detrás de sua estrutura, escondessemse pessoas e patrimônios para outros fins. 9 BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de Janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 11.10.2002. 10 BRASIL. Lei nº 5.869, de 11 de Janeiro de 1973. Institui o Código de Processo Civil. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 17.01.1973. 7 Os fraudadores utilizam o instituto como instrumento que lhes permita confundir seus credores e esquivarem-se da incidência de norma legal ou cláusula contratual que de algum modo lhes seja desfavorável, abusando da estrutura formal de pessoa jurídica. Assim, se o ente tiver sido instituído não para unir esforços e patrimônio, mas para esconder a identidade dos sócios permitindo a eles à prática de ato que lhes fora vedado por lei ou por contrato, estará caracterizado o desvio de finalidade, podendo ser a pessoa jurídica ser desconsiderada, utilizando-se do instituto da desconsideração da personalidade jurídica. Com base em tudo isso, surgiu à idéia da teoria da desconsideração da personalidade jurídica, a fim de se evitar fraudes e abuso que ocorriam utilizando-se do instituto da personalidade jurídica. 2 DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA 2.1 HISTÓRIA DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA A pessoa jurídica, sob qualquer das formas autorizadas por lei, são criadas para alcançar fins sociais necessariamente lícitos. Ocorre que, o exercício de suas atividades ao longo dos anos nem sempre foi realizado da forma correta, ocorrendo atos ilícitos, abusivos ou fraudulentos, buscando-se, nesses casos, o proveito próprio dos sócios em detrimento do direito de terceiros. Tais condutas, como não poderiam deixar de ser, acabariam gerando problemas na ordem social, e ocasionando conflitos com as disposições legais que protegem os interesses dos indivíduos e os grupos de uma coletividade organizada, o que fatalmente ensejaria, mais cedo ou mais tarde, posicionamento dos tribunais a respeito da matéria. O direito inglês é reportado como tendo sido o precursor da teoria da desconsideração, com o famoso caso Salomon v. Salomon & Com, em 1897. Nesse caso Aaron Saloman, no intuito de constituir uma Sociedade, reuniu seis membros da sua própria família, destinando para cada um apenas uma ação da empresa, e para si, reservou vinte mil. Em determinado momento, talvez já antevendo a possível quebra da empresa, Salomon cuidou de emitir títulos privilegiados (obrigações garantidas), títulos esses que devem ser pagos antes de outros em caso de falência, que ele mesmo tratou de adquirir. No momento que se revelou insolvente a sociedade, Salomon, que passou a ser credor privilegiado da sociedade em razão dos títulos que ele mesmo emitiu, obteve preferência em relação a todos os demais credores quirografários (que não tinham garantia), liquidando o patrimônio da própria empresa e não precisando pagar as dívidas. No caso, ficou demonstrado o ato fraudulento de Aaron Salomon sobre a própria personalidade da sociedade, justificando, assim, a desconsideração de sua personalidade pelas instâncias inferior da justiça Inglesa. Entretanto, apesar de Salomon ter utilizado a companhia como sua proteção para lesar os demais credores, a Câmara de Lordes, que era o último grau de jurisdição daquele país, reformou as decisões de instância inferiores, acatando a sua defesa. Alegou Salomon que, tendo a empresa sido validamente constituída, e não se identificando a responsabilidade civil da sociedade com a do próprio Salomon, este não poderia, pessoalmente, responder pelas dívidas sociais, fazendo prevalecer o princípio da responsabilidade patrimonial. 8 Entretanto, apesar de originar o primeiro caso da desconsideração da personalidade jurídica, o tema teve pouca discussão teórica na Inglaterra, não tendo sido acolhido realmente pela jurisprudência, o que somente ocorreu mais tarde, com o desenvolvimento doutrinário nos Estados Unidos e principalmente pelos países europeus. Nesse sentido, explica Fábio Ulhoa Coelho, que “A tese das decisões reformadas das instâncias inferiores repercutiu, dando origem à doutrina do disregard of legal entity, sobretudo nos Estados Unidos, onde se formou larga jurisprudência, expandindo-se mais recentemente na Alemanha e em outros países europeus”.11 Apesar de ocorrerem mais jurisprudências sobre a matéria nos Estados Unidos, o assunto somente evoluiu doutrinariamente a partir de década de 50, na Alemanha, com o estudo de Rolf Serick, professor da Faculdade de Direito de Heidelberg, que analisou os casos decididos anteriormente. Calixo Salomão, ao comentar Serick, esclarece que “O autor adota um conceito unitário de desconsideração, ligado a uma visão unitária da pessoa jurídica como ente dotado de essência pré-jurídica, que se contrapõe e eventualmente se sobrepõe ao valor específico de cada norma”.12 Neste estudo, Serick teve o cuidado de alertar que a teoria só poderia ser utilizada como exceção, para aqueles casos em que realmente se tenha comprovado a fraude ou o abuso de direito, ressaltando que o elemento intenção era de vital importância para caracterizar a aplicação da teoria e que a sua disseminação seria maléfica para a coletividade. Oksandro Gonçalves, outro jurista brasileiro, ilustra a evolução histórica da teoria da desconsideração da personalidade jurídica: O estudo dos sistemas jurídicos segundo a metodologia oferecida pelo Direito comparado possibilita sintetizar as contribuições para a feição atual da teoria da desconsideração. Por sua origem no Direito anglo-americano, ela é conhecida como disregard doctrine, extraindo-se do Direito inglês o exemplo clássico: o caso Salomon & Salomon. Se no Direito anglo-americano são encontradas as primeiras manifestações da teoria da desconsideração, no Direito alemão ela é sistematizada e consolidada, tomando o nome de Durchgriff der juristichen Personen, destacando-se a obra de Rolf Serick, mais estudioso do tema e que definiu as bases da teoria da desconsideração da personalidade jurídica. No Direito francês, destaca-se a positivação do instituto da desconsideração, em especial quanto à sua possibilidade na falência e na concordata. Já no direito italiano destaca-se a obra de Piero Verrucolli, com especial enfoque à teoria da desconsideração nas sociedades de capitais. Finalizando, o estudo do Direito português demonstra o esforço dos doutrinadores para disseminar a teoria da desconsideração e implementar 13 sua utilização. 11 COELHO, Fábio Ulhoa, Desconsideração da Personalidade Jurídica. São Paulo: Revistas dos Tribunais, 1989, p.33. 12 SALOMÃO FILHO, Calixto. O novo direito societário. São Paulo: Malheiros, 1998. p. 85. 13 GONÇALVES, Oksandro. Desconsideração da personalidade jurídica. Curitiba: Editora Juruá, 2006. p. 184. 9 Assim, depois de amplas discussões e evoluções sobre o assunto nos direitos Anglo-Saxões e em diversos países da Europa, o assunto começou a ser tratados pelos juristas da América do Sul. No Brasil, o professor paranaense Rubens Requião foi o pioneiro do assunto, sendo o primeiro jurista brasileiro a tratar da matéria, já que o Código Civil de 1916, por ter sido elaborado no final do século XIX, época em que os tribunais da Europa ainda se deparavam com os primeiro casos de aplicação da teoria, não tratou legalmente sobre da matéria. O professor Rubens Requião transcreveu as seguintes observações de Rolf Serik sobre o assunto: A disregard doctrine aparece como algo mais do que um simples dispositivo do Direito americano de sociedade. É algo que aparece como conseqüência de uma expressão estrutural da sociedade. E, por isso, em qualquer país em que se apresente a separação incisiva entre a pessoa jurídica e os membros que a compõem, se coloca o problema de verificar como se há de enfrentar aqueles casos em que essa radical separação conduz a 14 resultados completamente injustos e contrários ao direito. Diante do abuso de direito e da fraude no uso da personalidade jurídica, o juiz brasileiro tem o direito de indagar, em seu livre convencimento, se há de consagrar a fraude ou o abuso de direito, ou se deva desprezar a personalidade jurídica, para, penetrando em seu âmago, alcançar as 15 pessoas e bens que dentro dela se escondem para fins ilícitos e abusivos. Coube então a jurisprudência, acompanhada dos importantes estudos de Rubens Requião, o desenvolvimento e o aprofundamento da teoria no Direito Civil Brasileiro. Assim, somente em 1990, com a criação Código de Defesa do Consumidor (Lei n. 8.078/90), que nasceu o primeiro dispositivo legal a tratar a respeito da matéria, no seu art. 28: Art. 28. O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração. § 1° (Vetado). § 2° As sociedades integrantes dos grupos societários e as sociedades controladas, são subsidiariamente responsáveis pelas obrigações decorrentes deste código. § 3° As sociedades consorciadas são solidariamente responsáveis pelas obrigações decorrentes deste código. § 4° As sociedades coligadas só responderão por culpa. § 5° Também poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de 16 prejuízos causados aos consumidores. 14 REQUIÃO, Rubens. Abuso de Direito e Fraude Através da Personalidade Jurídica. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 410, p. 14, dezembro, 1969. 15 REQUIÃO, Rubens. Abuso de Direito e Fraude Através da Personalidade Jurídica. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 410, p. 14, dezembro, 1969. 16 BRASIL. Lei nº 8.078, de 11 de Setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 12.09.1990. 10 Com o Código de Defesa do Consumidor, e posteriores evoluções da teoria da desconsideração da personalidade jurídica por juristas brasileiros, o no nosso Novo Código Civil, de 2002, colocando-se ao lado das legislações modernas, consagrou, em norma expressa, a teoria da desconsideração da personalidade jurídica: Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou 17 sócios da pessoa jurídica. Surge então a teoria como uma solução para evitar o uso desvirtuado da pessoa jurídica, um remédio para corrigir o rumo na sua utilização e atingir os responsáveis pelo desvio de rota que estaria a angariar descrédito. 2.2 INTRODUÇÃO AO TEMA Como já visto, é estabelecido pelo Código Civil que as pessoas jurídicas têm existência distinta dos seus sócios, não se confundindo, portanto, seu patrimônio. Este privilégio não tem como objetivo satisfazer a vontade dos homens, e sim, atingir os fins sociais do próprio direito, assegurando a própria conservação dos sócios e evitar uma possível confusão patrimonial. Acontece que a determinação legal, de que os sócios não respondem pelas dívidas sociais, diz respeito a regular extinção da empresa e a regularidade das obrigações sociais. A irregularidade da atuação, o que se constata pelo desaparecimento da empresa sem a regular quitação de seus débitos ou a ocorrência de fraudes, ocorrendo à confusão de patrimônio entre os bens da sociedade e os sócios, impõe outro entendimento, qual seja a desconsideração da personalidade jurídica, que autoriza o alcance dos bens dos sócios para complementar o capital social que foi diluído pela má gestão dos negócios da empresa. Assim observa Fábio Ulhoa Coelho a respeito da questão: A doutrina criou, a partir de decisões jurisprudenciais nos EUA, Inglaterra e Alemanha, principalmente, a teoria da desconsideração da pessoa jurídica, pela qual se autoriza o Poder Judiciário a ignorar a autonomia patrimonial da pessoa jurídica, sempre que ela tiver sido utilizada como expediente para a realização de fraude. Ignorando a autonomia patrimonial, será possível responsabilizar-se, direta, pessoal e ilimitadamente, o sócio por obrigação 18 que, originariamente cabia à sociedade. Nesse mesmo sentido, Calixto Salomão Filho também se posiciona: A confusão de esferas caracteriza-se em sua forma típica quando a denominação social, a organização societária ou o patrimônio da sociedade não se distinguem em forma clara da pessoa do sócio, ou então quando 17 BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de Janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 11.10.2002. 18 COELHO, Fábio Ulhoa. Manual de Direito Comercial. 14ª Ed. Saraiva. São Paulo. 2003. p. 126. 11 formalidades societárias necessárias à referida separação não são 19 seguidas. Entretanto, há no direito brasileiro, duas teorias a respeito da desconsideração da personalidade jurídica, com duas formulações completamente diferentes quanto às hipóteses para poderem ser utilizadas. De um lado, a teoria mais elaborada, objeto do estudo deste trabalho, que condiciona o afastamento episódico da autonomia patrimonial das pessoas jurídicas à caracterização da manipulação fraudulenta ou abusiva do instituto, chamada de teoria maior. Pra reforçar o entendimento do tema, vale ressaltar a seguinte transcrição, como nos ensina Fábio Ulhoa Coelho: A teoria maior da desconsideração da personalidade jurídica não é uma teoria contrária à personalização das sociedades empresárias e à sua autonomia em relação aos sócios. Ao contrário, seu objetivo é preservar o 20 instituto, coibindo práticas fraudulentas e abusivas que dele se utilizam De outro lado, há a teoria menor, que refere à desconsideração em toda e qualquer hipótese em que o credor demonstrar a insatisfação com o seu crédito, perante alguma sociedade, possibilitando, assim, a desconsideração da personalidade jurídica sempre que houver a insolvência ou a inexistência de bens sociais. Fábio Ulhoa Coelho bem sintetiza as duas teorias: Há duas formulações para a teoria da desconsideração: a maior, pela qual o juiz é autorizado a ignorar a autonomia patrimonial das pessoas jurídicas, como forma de coibir fraudes e abusos praticados através dela, e a menor, em que o simples prejuízo do credor já possibilita afastar a autonomia 21 patrimonial. Com isso, mostra-se claro que existe uma enorme diferença entre as duas teorias, não podendo se utilizar da expressão “desconsideração da personalidade jurídica” nesse caso como ambígua, uma vez que as teorias têm um significado distinto. Dessa forma, no presente trabalho, sempre que tratada a matéria da desconsideração da personalidade jurídica, estará se referindo à sua versão maior. Assim, transpondo esse ponto, e como já mencionado anteriormente, a separação patrimonial dos bens de uma empresa pode permitir uma série de fraudes e de abusos. Isso ocorre porque as sociedades, quando desejosas de serem utilizadas de outra forma, dentre as quais não estão presentes em lei, contraem em seu nome inúmeras obrigações (empréstimos, financiamentos, adquirem bens, etc.), quando já não dispõe mais bens disponíveis para pagar os credores, já que desviaram boa parte para o patrimônio dos sócios, não restando mais bens suficientes para satisfazer suas obrigações, de modo que os sócios ficam com os ganhos, e o prejuízo, com os credores, e não restando alternativa a não ser decretar a falência da empresa. 19 SALOMÃO FILHO, Calixto. O novo direito societário. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 90. COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial, vol II. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 36. 21 Ibid., p. 35 20 12 Dessa forma, para evitar tal situação, de que seja usada a pessoa jurídica para manipulações ou outros atos enganosos, o instituto é utilizado para coibir tais fraudes, como nos ensina Maria Helena Diniz: A doutrina da desconsideração da personalidade jurídica visa impedir a fraude contra credores, levantando o véu corporativo, desconsiderando a personalidade jurídica num dado caso concreto, ou seja, declarando a ineficácia especial da personalidade jurídica para determinados efeitos, portanto, para outros fins permanecerá incólume. Com isso alcançar-se-ão pessoas e bens que dentro dela se escondem para fins ilícitos ou abusivos, pois a personalidade jurídica não pode ser um tabu que entrave a ação do 22 órgão judicante. Nesse mesmo sentido, se posiciona nosso Tribunal do Estado, reforçando que a pessoa jurídica não pode servir de proteção aos sócios quando estes abusaram da separação patrimonial dada a estes entes jurídicos: EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA ARTIGO 50 DO CÓDIGO CIVIL. Possibilidade da desconsideração da personalidade jurídica porque caracterizada uma das situações previstas na lei. Pessoa jurídica desativada irregularmente. O ente jurídico não pode servir de escudo para frustrar a satisfação do crédito quando presente a hipótese legal que permite a desconsideração de sua personalidade. 23 AGRAVO PROVIDO. [grifado pelo autor] Bem como, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça: Processual civil e civil. Recurso especial. Ação de execução de título judicial. Inexistência de bens de propriedade da empresa executada. Desconsideração da personalidade jurídica. Inviabilidade.Incidência do art. 50 do CC/02. Aplicação da Teoria Maior da Desconsideração da Personalidade Jurídica. - A mudança de endereço da empresa executada associada à inexistência de bens capazes de satisfazer o crédito pleiteado pelo exequente não constituem motivos suficientes para a desconsideração da sua personalidade jurídica. - A regra geral adotada no ordenamento jurídico brasileiro é aquela prevista no art. 50 do CC/02, que consagra a Teoria Maior da Desconsideração, tanto na sua vertente subjetiva quanto na objetiva.- Salvo em situações excepcionais previstas em leis especiais, somente é possível a desconsideração da personalidade jurídica quando verificado o desvio de finalidade (Teoria Maior Subjetiva da Desconsideração), caracterizado pelo ato intencional dos sócios de fraudar terceiros com o uso abusivo da personalidade jurídica, ou quando evidenciada a confusão patrimonial (Teoria Maior Objetiva da Desconsideração), demonstrada pela inexistência, no campo dos fatos, de separação entre o patrimônio da pessoa jurídica e os de seus 22 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro, vol. I. 18ª Ed. Saraiva. São Paulo. 2002. p. 256-257. 23 RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Agravo de Instrumento nº 700344002214. Décima Nona Câmara Cível. Relator: Desembargador Guinther Spode. Julgado em 22 de junho de 2010. 13 sócios. Recurso especial provido para afastar a desconsideração da 24 personalidade jurídica da recorrente. [grifado pelo autor] 2.3 PRESSUPOSTOS Como já mencionados anteriormente, são pressupostos para a aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica o desvios de finalidade da pessoa jurídica ou sempre que ocorrer a confusão patrimonial entre os bens do sócio com os bens da sociedade. No primeiro caso, se desvirtua o objetivo social para se perseguirem fins não previstos contratualmente ou, então, proibidos por lei. No segundo, a atuação do sócio ou administrador confunde-se com o funcionamento da própria sociedade, utilizando-a como um “escudo”, não se podendo identificar a separação patrimonial entre ambos. Mas, em qualquer um dos casos, é imprescindível a ocorrência de um prejuízo. Fábio Ulhoa Coelho, em seu clássico posicionamento, sintetiza bem a questão: “Haverá propósito fraudulento sempre que, encoberto pela “máscara” da pessoa jurídica, o sócio vise a prejudicar interesse de terceiros, em nome de 25 anseios próprios” Ou seja, a utilização da personalidade jurídica é feita ao contrário de sua função, para locupletamento pessoal dos sócios, uma vez que ocultos pela aparente licitude da conduta da sociedade empresária, praticam fraudes e abusos de direito, aniquilando a necessária autonomia patrimonial que as pessoas jurídicas conquistaram. Nesse sentido, lembra Fredie Didier Jr.: É preciso admitir que, nesses casos, assim como o direito reconhece a autonomia da pessoa jurídica e conseqüente limitação da responsabilidade que ela invoca, a própria ordem jurídica deve encarregar-se de cercear os possíveis abusos, restringindo, de um lado, a autonomia e, do outro, a limitação. É nesse cenário, portanto, que desponta a teoria de desconsideração da personalidade jurídica, visando corrigir essa eventual falha do direito positivo. Trata-se, pois de uma sanção à prática de um ato 26 ilícito. Sendo o mesmo entendimento adotado pelo pioneiro Rubens Requião: Se a personalidade jurídica constitui uma criação de lei, como concessão do Estado à realização de um fim, nada mais procedente de que se reconhecer no Estado, através de sua justiça, a faculdade de verificar se o direito concedido está sendo adequadamente usado. A personalidade jurídica passa a ser considerada doutrinariamente um direito relativo, permitindo ao 24 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n˚ 970635/SP. Terceira Turma. Relator: Ministra Nancy Andrighi. 10 de novembro de 2009. Diário de Justiça da União, Brasília, DF, 01 de dezembro de 2009. 25 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. São Paulo: Saraiva, 1999, v. 2, p. 31-56. 26 DIDIER JR, Fredie. CUNHA, Leonardo José Carneiro da. BRAGA, Paula Sarno. OLIVEIRA, Rafael. Curso de Direito Processual Civil. Salvador: Jus Podivm, 2009, v. 5, p. 278-279. 14 juiz penetrar o véu da personalidade para coibir os abusos ou condenar a 27 fraude através do seu uso. No sentido do exposto, a jurisprudência do STJ há tempos se mostra clara no entendimento de que a personalidade jurídica de uma empresa não pode ser confundida com a pessoa jurídica de seus sócios, a não ser que seja caracterizado abuso por parte destes. Entretanto, apesar de pacificado, o tema ainda suscita muitas dúvidas nos tribunais de todo o país, motivo pelo qual houve uma recente rediscussão do tema durante um julgamento da Quarta Turma do STJ, ocasião essa que resultou no seguinte julgado: CIVIL E PROCESSUAL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO MONITÓRIA. CONVERSÃO.EXECUÇÃO. PERSONALIDADE JURÍDICA. DESCONSIDERAÇÃO. REQUISITOS.AUSÊNCIA. CONHECIMENTO E PROVIMENTO.I. Nos termos do Código Civil, para haver a desconsideração da personalidade jurídica, as instâncias ordinárias devem, fundamentadamente, concluir pela ocorrência do desvio de sua finalidade ou confusão patrimonial desta com a de seus sócios, requisitos objetivos sem os quais a medida torna-se incabível. II. 28 Recurso especial conhecido e provido. [grifado pelo autor] Nesse julgamento, o ministro relator ressaltou a necessidade de cautela na avaliação desses casos, manifestando-se claramente com as seguintes citações elencadas: A teoria da desconsideração da personalidade jurídica (disregard douctrine), conquanto encontre amparo no direito positivo brasileiro, deve ser aplicada com cautela, diante da previsão de autonomia e existência de patrimônios distintos entre as pessoas físicas e jurídicas. Adota-se, assim, a ´teoria maior´ acerca de desconsideração da personalidade jurídica, a qual exige a configuração objetiva de tais requisitos para sua configuração. 2.4 UTILIZAÇÃO DE FORMA INCIDENTAL E A PERMANÊNCIA DE TODOS OS SEUS ATOS CONSTITUTIVOS Outra questão muito relevante, embora de natureza processual, é possibilidade da desconsideração poder ser invocada nos próprios autos, sem a necessidade de se ter um incidente processual. Nesse contexto, se posicionam os autores Paplo Solza Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho: 27 REQUIÃO, Rubens. Abuso de Direito e Fraude Através da Personalidade Jurídica. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 410, p. 15, dezembro, 1969. 28 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n˚ 1098712/RS. Quarta Turma. Relator: Aldir Passarinho Júnior. 17 de junho de 2010. Diário de Justiça da União, Brasília, DF, 04 de agosto de 2010. Ed. 626. 15 Todavia, se a pessoa jurídica, no momento do processo de conhecimento, estava ‘saudável financeiramente, mas os fatos autorizativos da desconsideração da personalidade jurídica – que, repita-se, prescindem do elemento subjetivo – surgem posteriormente, parece-nos que é extremamente razoável admitir-se um procedimento incidental na própria execução – que permita o contraditório e ampla defesa assegurados constitucionalmente – para levantar o véu corporativo neste momento processual, sob pena de se fazer tabula rasa da própria coisa julgado e 29 pouco caso da atividade jurisdicional. Também se manifesta com propriedade Calixto Salomão Filho: Finalmente, a desconsideração é instrumento para a efetividade do processo executivo. Essa característica, aliada ao supracitado caráter substitutivo da desconsideração em relação à falência, tem uma conseqüência importantíssima. A desconsideração não precisa ser declarada e obtida em processo autônomo. No próprio processo de execução, não nomeando o devedor bens à penhora ou nomeando bens em quantidade insuficiente, ao invés de pedir a declaração de falência da sociedade (art. 2º, I, do Decreto-Lei n. 7.661, de 21.6.45), o credor pode e deve, em presença dos pressupostos que autorizam a aplicação do método de desconsideração, definidos acima, pedir diretamente a penhora em bens 30 do sócio (ou da sociedade, em caso de desconsideração inversa). Assim, cabe ao magistrado desconsiderar a personalidade jurídica por simples decisão interlocutória nos próprios autos do processo, de forma motivada e respeito os princípios do contraditório e da ampla defesa, sendo, pois, desnecessário o ajuizamento de ação autônoma para esse fim, a teor da diretriz jurisprudencial do STJ, que também se posiciona com o seguinte julgado: FALÊNCIA. ARRECADAÇÃO DE BENS PARTICULARES DE SÓCIOSDIRETORES DE EMPRESA CONTROLADA PELA FALIDA. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA (DISREGARD DOCTRINE). TEORIA MAIOR. NECESSIDADE DE FUNDAMENTAÇÃO ANCORADA EM FRAUDE, ABUSO DE DIREITO OU CONFUSÃO PATRIMONIAL. RECURSO PROVIDO.1. A teoria da desconsideração da personalidade jurídica - disregard doctrine -, conquanto encontre amparo no direito positivo brasileiro (art. 2º da Consolidação das Leis Trabalhistas, art. 28 do Código de Defesa do Consumidor, art. 4º da Lei n. 9.605/98, art. 50 do CC/02, dentre outros), deve ser aplicada com cautela, diante da previsão de autonomia e existência de patrimônios distintos entre as pessoas físicas e jurídicas.2. A jurisprudência da Corte, em regra, dispensa ação autônoma para se levantar o véu da pessoa jurídica, mas somente em casos de abuso de direito - cujo delineamento conceitual encontra-se no art. 187 do CC/02 -, desvio de finalidade ou confusão patrimonial, é que se permite tal providência. Adota-se, assim, a "teoria maior" acerca da desconsideração da personalidade jurídica, a qual exige a configuração objetiva de tais requisitos para sua configuração.3. No caso dos autos, houve a arrecadação de bens dos diretores de sociedade que sequer é a falida, mas apenas empresa controlada por esta, quando não se cogitava de sócios solidários, e mantida a arrecadação pelo Tribunal 29 GAGLIANO, Pablo Solza. Filho, FILHO, Rodolfo Pamplona. Novo Curso de Direito Civil. São Paulo: Saraiva, 2007, p.234. 30 SALOMÃO FILHO, Calixto. O novo direito societário. São Paulo: Malheiros, 1998, p.92. 16 a quo por "possibilidade de ocorrência de desvirtuamento da empresa controlada", o que, à toda evidência, não é suficiente para a superação da personalidade jurídica. Não há notícia de qualquer indício de fraude, abuso de direito ou confusão patrimonial, circunstância que afasta a possibilidade de superação da pessoa jurídica para atingir os bens particulares dos 31 sócios.4. Recurso especial conhecido e provido. [grifado pelo autor] Nota-se que apesar do exposto, importante deixar claro que, apesar de expressa a possibilidade de se desconsiderar a personalidade jurídica, a utilização de tal instituto não visa desfazer seus atos constitutivos, invalidar ou acarretar na sua dissolução, e sim ressarcir o prejuízo dos credores. A teoria não tem como objetivo enfraquecer ou questionar a autonomia patrimonial da pessoa jurídica, muito pelo contrário, busca preservar o importante instituto, mostrando a sua importância para o sistema econômico, coibindo fraudes e abusos que se pratiquem por seu intermédio. Corroborando com o exposto, segue valioso ensinamento de Fredie Didier Jr.: Cumpre alertar, ainda, que a teoria da desconsideração da personalidade jurídica não pretende destruir o histórico princípio da separação dos patrimônios da sociedade e da pessoa jurídica, mas, contrariamente, servir como mola propulsora da funcionalização da pessoa jurídica, garantindo as 32 suas atividades e coibindo a prática de fraudes e abusos através dela. Ou seja, ela não ataca o instituto da pessoa jurídica, mas o mau uso que dele se faz. Daí por que não se anula a personalidade jurídica, mas, apenas, episodicamente, no caso concreto, suspende-se o véu societário para, enxergando-se por detrás do mesmo, atingir os responsáveis por atos abusivos ou fraudulentos. Com a aplicação da teoria, portanto, a personalidade jurídica da sociedade atingida permanece intacta. Não se anula os efeitos de seus atos constitutivos que, apenas, perdem eficácia temporária, episódica, no caso concreto, permanecendo válida e inteiramente eficaz para todos os outros fins. Assim, “o juiz pode decretar a suspensão episódica da eficácia do ato constitutivo da pessoa jurídica, se verificar que ela foi utilizada como instrumento para a realização de fraude ou abuso de direito.” 33 É apenas um método de suspensão da eficácia da pessoa jurídica, para se buscar no patrimônio dos sócios bens que respondão pela dívida, conforme acrescenta Rubens Requião: O mais curioso é que a ‘disregard doctrine’ não visa a anular a personalidade jurídica, mas somente objetiva desconsiderar no caso concreto, dentro de seus limites, a pessoa jurídica, em relação às pessoas e os bens que atrás dela se escondem. É caso de declaração de ineficácia 31 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n˚ 693.235/MT. Quarta Turma. Relator: Luis Felipe Salomão. 17 de novembro de 2009. Diário de Justiça da União, Brasília, DF, 30 de novembro de 2009. Ed. 490. 32 DIDIER JR, Fredie. CUNHA, Leonardo José Carneiro da. BRAGA, Paula Sarno. OLIVEIRA, Rafael. Curso de Direito Processual Civil. Salvador: Jus Podivm, 2009, v. 5, p. 279. 33 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. São Paulo: Saraiva, 1999, v. 2, p. 44. 17 especial da personalidade jurídica para determinados efeitos, prosseguindo 34 todavia a mesma incólume para seus outros fins legítimos. Portanto, daí não se confundir a desconsideração da personalidade com a sua despersonificação, pois nessa ocorre a anulação definitiva da personalidade jurídica, enquanto que na desconsideração é apenas a retirada momentânea da eficácia da personalidade jurídica. Vale mencionar essa diferença pelo mestre Fábio Konder Comparato: Importa, no entanto, distinguir entre despersonalização e desconsideração (relativa) da personalidade jurídica. Na primeira, a pessoa coletiva desaparece como sujeito autônomo, em razão da falta original ou superveniente das suas condições de existência, como, por exemplo, a invalidade do contrato social ou a dissolução da sociedade. Na segunda, subsiste o princípio da autonomia subjetiva da pessoa coletiva, distinta da pessoa de seus sócios ou componentes; mas essa distinção é afastada, 35 provisoriamente e tão-só para o caso concreto. Na despersonalização ocorre a extinção da empresa, pela via judicial, que traduz a própria extinção da personalidade jurídica, diferente do termo desconsideração, que referese apenas a um superamento episódico, em função de confusão patrimonial ou desvio de finalidade. 2.5 IMPORTÂNCIA DA TEORIA COM A CORRETA EFETIVIDADE PROCESSUAL Como visto, a desconsideração da personalidade jurídica é um importante método para se realizar uma correta prestação jurisdicional, além de coibir à prática de atos fraudulentos ou contrários a lei, acabando com a impunidade que se revelava a matéria: Esse dispositivo pode se constituir em um valiosíssimo instrumento para a efetividade da prestação jurisdicional, pois possibilita, inclusive, a responsabilização dos efetivos ´senhores´ da empresa, no caso – cada vez mais comum – da interposição de ‘testas de ferro’ (vulgarmente conhecidos como ´laranjas) nos registros de contratos sociais, quando os titulares reais da pessoa jurídica posam como meros administradores, para efeitos 36 formais, no intuito de fraudar o interesse dos credores. Em relação a todas essas questões apontadas, para a efetiva desconsideração da personalidade jurídica, o mais correto é o prudente arbítrio do Juiz, criando o melhor direito em face da análise dos elementos dos casos concretos, que deve ser feita sempre sob o prisma da boa fé objetiva, princípio esse que norteia todos os negócios jurídicos. 34 REQUIÃO, Rubens. Abuso de Direito e Fraude Através da Personalidade Jurídica. São Paulo, Revista dos Tribunais, v. 410, p. 14, dezembro, 1969. 35 COMPARATO, Fábio Konder. O Poder de Controle na Sociedade Anônima. 3ª Ed. Rio de Janeiro: Forense, 1983, p. 283). 36 GAGLIANO, Pablo Solza. Filho, FILHO, Rodolfo Pamplona. Novo Curso de Direito Civil. São Paulo: Saraiva, 2007, p.233. 18 Assim, visa garantir uma aplicação justa e eficaz da desconsideração da personalidade jurídica, evitando que, no intuito de combater os abusos do direito à personificação, cometam-se atos igualmente reprováveis. A companhia deve sempre ser considerada uma entidade legal distinta de seus membros, mas enquanto não houver razão para se pensar o contrário, entretanto, quando a pessoa jurídica for empregada para afastar interesse público, justificar um ilícito ou acobertar delito, deverá ela ser considerada como uma associação de pessoas destituída de distinta subjetividade. Apesar de se mostrar evidente em diversos casos, é importante deixar bem claro que a desconsideração da personalidade jurídica é uma exceção e não uma regra geral, não podendo ser utilizada em razão do simples inadimplemento de uma sociedade empresária, como vem sendo utilizada em muitos casos pelo Judiciário, trazendo grandes problemas, uma vez que traz insegurança e pouca credibilidade nas pessoas jurídicas. Nem sempre se deve utilizar a teoria, uma vez pode não ser caso de ocorrer à desconsideração, como cita Fredie Didier Jr.: É importante frisar, curiosamente, que a aplicação da teoria da desconsideração pressupõe a prática de atos aparentemente ilícitos (ao menos aparentemente). Aplica-se a teoria da desconsideração, apenas, se a personalidade jurídica autônoma da sociedade empresária colocar-se como obstáculo à justa composição dos interesses; se a autonomia patrimonial da sociedade não impede a imputação de responsabilidade ao sócio ou administrador, não existe desconsideração. Uma regra geral que atribua responsabilidade ao sócio, em certos ou em todos os casos, não é 37 regra de desconsideração da personalidade jurídica. O nosso TJ se posiciona nesse sentido: EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO DE SENTENÇA.DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. AUSENTES OS REQUISITOS AUTORIZADORES DA MEDIDA PRECONIZADA 1. A insuficiência patrimonial não é causa jurídica suficiente para autorizar a aplicação da teoria da desconsideração da personalidade juridica tendo em vista que o princípio da autonomia da pessoa jurídica possibilita a responsabilização desta pelas obrigações avençadas, pois possui patrimônio e personalidade distinta de seus sócios. 2. É necessário o atendimento aos requisitos autorizadores para caracterização do instituto da desconsideração da personalidade jurídica, pois se trata de medida de cunho excepcional, a qual decorre do desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, a teor do que estabelece o art. 50 do CC. Ainda, é possível conceder a medida em questão para responsabilizar os sócios pessoalmente, atendendo ao disposto nos artigos 1.023 e 1.024, ambos da lei civil precitada, bem como do art. 28 do CDC, hipóteses que inocorreram no caso em exame. 3. A parte agravante não obteve êxito em demonstrar a prática de qualquer ato fraudulento, abuso de direito, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, a ocorrência de excesso de poder, infração a lei, fato ou ato ilícito, bem como violação dos estatutos societários, o que afasta a possibilidade 37 DIDIER JR, Fredie. CUNHA, Leonardo José Carneiro da. BRAGA, Paula Sarno. OLIVEIRA, Rafael. Curso de Direito Processual Civil. Salvador: Jus Podivm, 2009, v. 5, p. 279. 19 jurídica de reconhecer a ocorrência do instituto da desconsideração da 38 pessoa jurídica. Negado seguimento ao agravo de instrumento. [grifado pelo autor] Apesar de se mostrar clara a necessidade de desconsiderar a personalidade jurídica nos casos expressos em lei, é um tema que gera muita polêmica, com muitas discussões doutrinárias e jurisprudenciais, uma vez que são frequentes os casos de abuso e ilegalidade praticados por gestores e administradores de uma empresa, ao passo que também é muito comum a decretação do instituto pelos Magistrados. Observe-se que o art. 50 do Código Civil diz expressamente que só em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, é que se pode levantar o véu societário para se enxergar os sócios. O mero inadimplemento não enseja a desconsideração, pois contingências econômicas fazem parte do dia a dia das empresas. Dessa forma, só quando o não pagamento de uma obrigação decorrer de abuso ou de fraude na utilização da pessoa jurídica, que devem ser comprovados no processo, é que se mostra possível desconsiderar-se a personalidade jurídica, conforme explica Tomazzete: A personificação das sociedades é dotada de um altíssimo valor para o ordenamento jurídico, e inúmeras vezes entra em conflito com outros valores, como a satisfação dos credores. A solução de tal conflito se dá pela prevalência de valor mais importante. O progresso e o desenvolvimento econômico proporcionado pela pessoa jurídica são mais importantes que a satisfação individual de um credor. Logo, deve normalmente prevalecer a personificação. Apenas quando um valor maior for posto em jogo, como a finalidade social do direito, em conflito com a personificação, é que está cederá espaço. Quando o interesse ameaçado é valorado pelo ordenamento jurídico como mais desejável e menos sacrificável do que o interesse volimado através da personificação societária, abre-se oportunidade para a desconsideração sob pena de alteração da escala de 39 valores. E nesse mesmo sentido, Fábio Ulhoa Coelho nos traz seu ensinamento: Pressuposto inafastável da despersonalização episódica da pessoa jurídica, no entanto, é a ocorrência da fraude por meio da separação patrimonial. Não é suficiente a simples insolvência do ente coletivo, hipótese em que, não tendo havido fraude na utilização da separação patrimonial, as 40 regras de limitação da responsabilidade dos sócios terão ampla vigência. Entretanto, quanto a essa questão de quem nem sempre se deve desconsiderar a personalidade jurídica, uma vez que há outros valores mais importantes em questão, tal situação nem sempre ocorre. 38 RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Agravo de Instrumento nº 70037061264. Quinta Câmara Cível. Relator: Desembargador Jorge Luiz Lopes do Canto. Julgado em 30 de junho de 2010. 39 TOMAZETTE, Marlon. A Desconsideração da Personalidade Jurídica : A Teoria, o Código de Defesa do Consumidor e o Novo Código Civil . São Paulo, Revista dos Tribunais. Volume 794. Dezembro, 2001, p. 76. 40 COELHO, Fábio Ulhoa. Manual de Direito Comercial. 14ª Ed. Saraiva. São Paulo. 2003. p. 126127. 20 O que acontece, é que a partir da década passada, em ramos específicos do nosso direito, como o direito do consumidor, o direito econômico e o direito ambiental, editaram-se leis que versaram sobre o tema. Assim, a cada dia depara-se, em freqüência crescente, com pronunciamentos no judiciário, no sentido de desconsiderar a personalidade jurídica, sem qualquer pesquisa sobre se a pessoa jurídica teria sido usada abusiva ou fraudulentamente. Tal procedimento passou a ser excessivamente utilizado pelos juízes, inclusive com certo abuso – e até com alguma arbitrariedade -, exatamente pela falta de parâmetros/limites legais para a sua devida aplicação a um caso concreto. Com isso, tais atitudes têm como efeito uma prática tão incorreta quanto às praticadas por empresas fraudadoras, uma vez que se viola um instituto ainda maior regulado pelo ordenamento jurídico, que é o da personalidade jurídica. Nesse sentido, nosso STJ bem se posiciona a respeito da questão, mostrando que para desconsiderar a personalidade jurídica deve-se visualizar a questão caso a caso, além de se adotar uma conduta cautelosa: RECURSO ORDINÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA CONTRA ATO JUDICIAL.TERCEIROS. ARRESTO DE BENS DE SÓCIO. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. DECISÃO NÃO FUNDAMENTADA. RECURSO A QUE SE DÁ PROVIMENTO PARA CONCEDER A ORDEM. 1. É cabível a impetração pelo terceiro prejudicado, mesmo contra ordem judicial, uma vez que não está condicionada à interposição do recurso, nos termos da Súmula 202/STJ.b. A possibilidade de ignorar a autonomia patrimonial da empresa e responsabilizar diretamente o sócio por obrigação que cabia à sociedade, torna imprescindível, no caso concreto, a análise dos vícios no uso da pessoa jurídica por se tratar de medida que excepciona a regra de autonomia da personalidade jurídica, e como tal, deve ter sua aplicação devidamente justificada, pois atinge direito de terceiro que não fez parte da relação processual original. 3. Na hipótese em exame, o magistrado, sem apresentar qualquer justificativa, sem, até mesmo, afirmar que estava desconsiderando a personalidade jurídica da empresa, arrestou mais de 800 (oitocentos) hectares de terra e um caminhão de propriedade 41 de um dos sócios. 4. Recurso a que se dá provimento. [grifado pelo autor] Diante do exposto, esclarece neste aspecto Fredie Didier Jr., deixando bem clara a excepcionalidade da matéria: Não se pode, na ânsia por uma efetividade do processo, atropelar garantias processuais conquistadas após séculos de estudos e conquistas. Imaginar a aplicação de uma teoria eminentemente excepcional, que inquina de fraudulenta a conduta deste ou daquele sócio, sem que lhe dê a 42 oportunidade de defesa. 41 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso em Mandado de Segurança n˚ 25.251/SP. Quarta Turma. Relator: Luis Felipe Salomão. 20 de abril de 2010. Diário de Justiça da União, Brasília, DF, 03 de maio de 2010. Ed. 568. 42 DIDIER JR, Fredie. CUNHA, Leonardo José Carneiro da. BRAGA, Paula Sarno. OLIVEIRA, Rafael. Curso de Direito Processual Civil, v. 5. Salvador: Jus Podivm, 2009. p. 279. 21 Corroborando com o assunto, nosso Tribunal de Justiça também se posiciona a respeito da matéria, deixando claro que a teoria só deve ser utilizada como medida excepcional e com a devida cautela, com o seguinte julgado: EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO MONITÓRIA. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA, IMPOSSIBILIDADE. NÃO-PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS LEGAIS. É medida extrema a desconsideração da personalidade jurídica, uma vez que excetua a regra geral da desvinculação existente entre a pessoa jurídica e a personalidade de seus sócios. O artigo 50 do Código Civil prevê tal possibilidade, mediante o preenchimento dos seguintes requisitos: desvio de finalidade e confusão patrimonial entre o patrimônio da pessoa jurídica e dos sócios. In casu, a prova trazida aos autos não evidenciou a prática de atos abusivos pelos sócios da agravada, que viesse a configurar desvio de finalidade ou confusão patrimonial. Mantida a decisão que indeferiu a desconsideração da personalidade jurídica da agravada. NEGADO SEGUIMENTO ao recuso, 43 por decisão monocrática. [grifado pelo autor] Dessa forma, o que se mostra claro, é que apesar de desejosos de praticarem a justiça célere, alguns Juízes desconsideram a personalidade jurídica sem muito rigor técnico e científico, de forma desgovernada, como se para se desconsiderar a pessoa jurídica e atingir o patrimônio dos sócios bastasse tão só o não pagamento de uma dívida, aliado à falta de bens do ente coletivo. Assim, passam a penhorar bens de sócios que às vezes sequer fazem parte da administração, ou seja, sócios meros prestadores de capital, que nunca participaram a rigor da vida da sociedade e que não contribuíram para o não pagamento de tais débitos. Nesses casos, para responsabilizar os transgressores, muitas vezes, não há a necessidade de se afastar o véu societário de uma empresa, na medida em que aquele que praticou o ilícito o fez diretamente, sem se ocultar por detrás do manto da personalidade jurídica. Vale ressaltar, mais uma vez, que nesses casos a pessoa jurídica não é obstáculo ao ressarcimento, pois o responsável pelo dano praticou o ato diretamente, não tendo manipulado indevidamente o ente coletivo para sob sua casca se esconder, protegendo-se no princípio da separação patrimonial que, portanto, não precisa ser superado. A questão é de equilibrar-se políticas de valor. A desconsideração da personalidade jurídica da sociedade serve para proteger os credores de práticas fraudulentas, sem que isso signifique a aniquilação de empresas por falta de pagamento. Essa questão deve ser vista com muita cautela pelo Judiciário Brasileiro, para que o instituto não seja banalizado a ponto de liquidar com o conceito da personalidade jurídica. 3 RESPONSABILIDADE DIRETA DOS GESTORES DA PESSOA JURÍDICA DE ACORDO COM O CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL 43 RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Agravo de Instrumento nº 70037695269. Décima Oitava Câmara Cível. Relator: Desembargador Nereu José Giacomolli. Julgado em 20 de julho de 2010. 22 3.1 DIFERENÇAS EM RELAÇÃO AO INSTITUTO DA DISREGARD DOCTRINE A responsabilidade prevista no art. 135 do Código Tributário Nacional configura uma hipótese de responsabilidade por substituição, na medida em que os gestores da pessoa jurídica devem responder pessoal, única e exclusivamente pelos créditos tributários decorrentes dos atos em infração à lei, contrato social ou estatutos por ele praticados. Nesse caso, a sociedade empresária contribuinte, contra a qual o dirigente praticou seu ato ilícito, fica excluída da responsabilidade por estes débitos, uma vez que o próprio gestor será o demandado. Ocorre que o considerável número de casos colocados em julgamento pelo judiciário evidencia a importância prática da questão, e as divergências dos julgados demonstram a dificuldade da matéria. Em muitos casos, não há de se falar em desconsideração da personalidade jurídica, pois, é possível imputar diretamente ao sócio a responsabilidade pelo cumprimento da obrigação. Para exemplificar a questão, segue posicionamento do STJ a respeito do assunto: DIREITO PROCESSUAL CIVIL E COMERCIAL. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA DE INSTITUIÇÃO FINANCEIRA SUJEITA À LIQUIDAÇÃO EXTRAJUDICIAL NOS AUTOS DE SUA FALÊNCIA. POSSIBILIDADE. A CONSTRIÇÃO DOS BENS DO ADMINISTRADOR É POSSÍVEL QUANDO ESTE SE BENEFICIA DO ABUSO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. - A desconsideração não é regra de responsabilidade civil, não depende de prova da culpa, deve ser reconhecida nos autos da execução, individual ou coletiva, e, por fim, atinge aqueles indivíduos que foram efetivamente beneficiados com o abuso da personalidade jurídica, sejam eles sócios ou meramente administradores. O administrador, mesmo não sendo sócio da instituição financeira liquidada e falida, responde pelos eventos que tiver praticado ou omissões em que houver incorrido, nos termos do art. 39, Lei 6.024/74, e, solidariamente, pelas obrigações assumidas pela instituição financeira durante sua gestão até que estas se cumpram, conforme o art. 40, Lei 6.024/74. A responsabilidade dos administradores, nestas hipóteses, é subjetiva, com base em culpa ou culpa presumida, conforme os precedentes desta Corte, dependendo de ação própria para ser apurada. - A responsabilidade do administrador sob a Lei 6.024/74 não se confunde a desconsideração da personalidade jurídica. A desconsideração exige benefício daquele que será chamado a responder. A responsabilidade, ao contrário, não exige este benefício, mas culpa. Desta forma, o administrador que tenha contribuído culposamente, de forma ilícita, para lesar a coletividade de credores de uma instituição financeira, sem auferir benefício pessoal, sujeita-se à ação do art. 46, Lei 6.024/74, mas não pode ser atingido propriamente pela desconsideração da personalidade jurídica. Recurso 44 Especial provido. [grifado pelo autor] Também, nesse mesmo propósito, lembra Humberto Theodoro Júnior, diferenciando os dois institutos: 44 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n˚ 1036398/RS. Terceira Turma. Relator: Ministra Nancy Andrighi. 16 de dezembro de 2008. Diário de Justiça da União, Brasília, DF, 03 de fevereiro de 2009. Ed. 297. 23 Na verdade, não se pode falar em desconsideração da personalidade jurídica, quando pela lei já existe uma previsão expressa de responsabilidade direta do sócio. Em tal caso a obrigação é originariamente do sócio, mesmo que tenha praticado o ato na gestão social. A teoria da disregard não foi concebida visando a esse tipo de responsabilidade solidária ou direta, mas para aqueles casos em que a pessoa jurídica se apresenta como um obstáculo a ocultar os verdadeiros sujeitos do ato fraudulentamente praticado em nome da sociedade, mas em proveito 45 pessoal do sócio. Entretanto, o uso indiscriminado da teoria da desconsideração da personalidade jurídica, ocasionando a constrição patrimonial inesperado dos sócios e administradores, tem provocado situações que muitas vezes violam a Constituição e a legislação ordinária, justificando uma maior a atenção do assunto pelos operadores do direito. 3.2 CASOS DE RESPONSABILIDADE DE ACORDO COM O ARTIGO 135 DO CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL Para a ocorrência dessa situação, há a necessidade da fixação de parâmetros legais da responsabilização pessoal dos sócios e administradores pelos débitos da empresa, definindo limites à aplicação do instituto da desconsideração da personalidade jurídica. Nesse sentido, explica Machado: Destaque-se desde logo que a simples condição de sócio não implica responsabilidade tributária. O que gera a responsabilidade, nos termos do art. 135, III, do CTN, é a condição de administrador de bens alheios. Por isto a lei fala em diretores, gerentes ou representantes. Não em sócios. Assim, se o sócio não é diretor, nem gerente, isto é, se não pratica atos de administração da sociedade, responsabilidade não tem pelos débitos 46 tributários desta. A responsabilidade legal ou de “terceiros”, como quer o CTN, ocorre quando a lei tributária responsabiliza outra pessoa pelo pagamento do tributo, quando não seja pago pelo contribuinte, não sendo necessariamente essa responsabilidade aos sócios, pois a lei somente fala em diretores, gerentes ou representantes, que poderão ser sócios ou não. Os casos de responsabilidade de terceiros estão previstos nos arts. 134 e 135 do Código Tributário Nacional, e por expressa determinação legislativa, a responsabilidade das pessoas ali arroladas somente existirá quando tenham participado ou interferido na situação que constitua o fato gerador do tributo, quer por ação, quer por omissão. Dessa forma, o que se deve fazer, é atentar ao que de fato dispõe o art. 135 do Código Tributário Nacional, para possibilitar a utilização do dispositivo da forma correta: Art. 135. São pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos: 45 THEODORO JÚNIOR, Humberto. O Processo Civil Brasileiro no Limiar do Novo Século. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 266. 46 MACHADO. Hugo de Brito. Curso de direito tributário. 26 ed. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 167. 24 I – as pessoas referidas no artigo anterior; II – os mandatários, prepostos e empregados; III – os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito 47 privado. É necessário definir o que se deve entender por atos praticados com excesso de poderes, infração de lei, contrato social ou estatutos. Afinal, que atos são estes que quando praticados ocasionam a responsabilização pessoal dos diretores, gerentes e representantes das pessoas jurídicas? A determinação exata do seu alcance vem sendo constantemente alvo de debates judiciais, especialmente no âmbito das execuções fiscais. De um lado, a busca muitas vezes inócua pelo patrimônio pessoal dos sócios com o intuito de se regular o adimplemento do crédito tributário, e de outro, o direito fundamental à proteção ao patrimônio e a ameaça de sua violação, em flagrante desrespeito às garantias constitucionais. Para os chamados atos com “excesso de poderes” e infração às determinações contidas no seu instrumento de regência interna, deve-se observar se está configurada a não observância de cláusulas contratuais, verificando se houve abuso ou excesso de poder dos gerentes, representantes, sócios ou diretores, os chamados gestores. Já nos casos de infração à lei, esta tem sentido mais amplo a atinge aqueles valores maiores, até mesmo em decorrência de atos ilícitos dolosos, embora seja evidente que ambos os conceitos se refiram a atos ilícitos em geral, incluindo a infração ao contrato social ou estatutos, por extrapolar os limites com que é constituída a personalidade jurídica. A inteligência da expressão prevista no caput do art. 135 do CTN, “atos praticados em infração de lei”, deve ser compreendida como infração às normas de conduta exigidas aos gerentes e administradores das pessoas jurídicas. Como bem assinala Luciano Amaro quando diz que “o requisito essencial é a prática de ato para o qual o terceiro não detinha poderes, ou de ato que tenha infringido a lei, contrato social ou estatuto de uma sociedade”. 48 Nesse mesmo sentido, muito bem observa Ives Gandra Martins acerca do dispositivo: De notar que a lei fala em “excesso de poderes” e em “infração à lei, contrato social ou estatutos”, o que vale dizer, à lei emanada dos poderes públicos e aquela válida apenas entre os particulares, por acordo mútuo, como são os estatutos sociais de uma sociedade por ações ou o contrato 49 social de uma sociedade de pessoas. Percebe-se, portanto, que na hipótese do art. 135, presente está o dolo ou a culpa do sócio que infringe a lei ou age com excesso de poder. Por isso mesmo, entendem alguns doutrinadores que tal responsabilidade deve ser exclusiva sua, porque praticou o ato ilícito. 47 BRASIL. Lei nº 5.172, de 25 de Outubro de 1966. Dispõe sobre o sistema tributário nacional e institui normas gerais de direito tributário aplicáveis a união, estados e municípios. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 27/10/1966. 48 AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro. 11 ed. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 319. 49 MARTINS, Ives Gandra da Silva (Coord). Comentários ao Código Tributário Nacional. 3.ed. São Paulo: Saraiva, 2002. v. 2, p. 271. 25 A caracterização dos atos praticados em “excesso de poderes”, como visto, não oferece maiores indagações. Assim, a divergência mostra-se mais acentuada em torno do que deve entender por infração à lei. Isso porque tem sido sustentado por alguns, que o não pagamento do tributo pela pessoa jurídica caracteriza infração à lei, constituindo hipótese de incidência da responsabilização pessoal dos sócios prevista no art. 135 do CTN. Muito embora tenha ocorrido o acolhimento desta tese pelos tribunais em inúmeros julgados, a mera inadimplência fiscal da empresa parece ser uma questão superada, ao menos no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, que vem manifestando-se de forma favorável aos sócios e administradores das sociedades empresárias quando alvos da constrição ilegal de seu patrimônio pessoal por débitos, tanto que, recentemente, foi aprovada uma nova súmula a respeito do assunto: Súmula 430: “O inadimplemento da obrigação tributária pela sociedade não 50 gera, por si só, a responsabilidade solidária do sócio-gerente. Não basta, portanto, a existência do crédito tributário e o inadimplemento da obrigação pelo contribuinte para que esteja presente esta espécie de responsabilidade. Dessa forma, verifica-se a propriedade do entendimento atual manifestado pelo Superior Tribunal de Justiça, uma vez que a correta leitura do art. 135 do Código Tributário Nacional evidentemente não contém tão extensa interpretação à matéria. Analisando o conteúdo da expressão “infração de lei”, muito bem observa Misabel Derzi que “a lei que se infringe é a lei comercial ou civil, não a lei tributária, agindo o terceiro contra os interesses do contribuinte”. 51 O inadimplemento do crédito tributário, sem dúvidas constitui infração à legislação tributária, mas por si só não tem o condão de provocar a responsabilização pessoal dos sócios da pessoa jurídica, nos termos do disposto no art. 135. Outro aspecto relevante do assunto diz com o alcance da expressão “pessoalmente responsáveis”. Questiona-se se a responsabilização das pessoas mencionadas no referido artigo, quando agindo em nome das pessoas jurídicas, excluiria a responsabilidade destas. A doutrina não é unânime, mas a dominante entende ser a responsabilidade prevista no art. 135 do Código Tributário Nacional exclusivas das pessoas ali arroladas, já que decorre de atos ilícitos por elas praticados, em detrimento de seus representados. Por uma questão lógica, adotado o entendimento segundo o qual a responsabilidade pessoal só pode surgir pela prática de ato ilícito pelos representantes contra os interesses do representado, isto é, da pessoa jurídica, não seria razoável manter-se a responsabilidade destes. O gestor que praticou o ato ilícito responde pessoal, única e exclusivamente. Colaborando com o exposto, transcrevem-se os ensinamentos de Sacha Calmon: Aqui a responsabilidade se transfere inteiramente para os terceiros, liberando os seus dependentes e representados. A responsabilidade passa a ser pessoal, plena e exclusiva desses terceiros. Isto ocorrerá quando eles 50 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Súmula 430. Diário de Justiça da União, Brasília, DF, 13 de maio de 2010. Ed. 547. 51 DERZI, Misabel Abreu Machado. Atualização: BALEEIRO, Aliomar. Direito tributário brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 2000. p. 756. 26 procederem com manifesta malicia (mala fides) contra aqueles que representam, toda vez que for constatada a prática de ato ou fato eivado de excesso de poderes ou com infração de lei, contrato social ou estatuto. O dispositivo tem razão em ser rigoroso, já que ditos responsáveis terão agido sempre de má-fé, merecendo, por isso mesmo, o peso inteiro da responsabilidade tributária decorrente de seus atos, desde que tirem proveito pessoal da infração, contra as pessoas jurídicas em detrimento do 52 fisco. Outra questão pertinente diz respeito ao caso de dissolução de fato da pessoa jurídica, ocorrendo à paralisação das atividades econômicas e a extinção da empresa sem nenhuma formalização na junta comercial. Isto porque é bastante comum a hipótese de empresas, que embora existam de direito, não mais existem de fato, sendo, inclusive, o que mais ocorre no encerramento das atividades de uma sociedade empresária. Nesse sentido, o entendimento predominante no âmbito dos tribunais e no Superior Tribunal de Justiça, é o de que a dissolução irregular da sociedade, sem cumprir suas obrigações tributárias, enseja a responsabilização pessoal dos administradores e sócios porque desta forme houve infração à lei, já que não cumpriu com as formalidades necessárias. Assim analisa o STJ a respeito da questão: TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO FISCAL. EMBARGOS À EXECUÇÃO. ART. 535, II, DO CPC. OMISSÃO. INEXISTÊNCIA. NULIDADE DA CITAÇÃO POR EDITAL. SÚMULA 7/STJ. AUSÊNCIA DE NOMEAÇÃO DE CURADOR ESPECIAL. PRESCRIÇÃO. FALTA DE PREQUESTIONAMENTO. RESPONSABILIDADE DOS SÓCIOSGERENTES. DISSOLUÇÃO IRREGULAR DA SOCIEDADE. POSSIBILIDADE. MULTA POR CARÁTER PROTELATÓRIO DOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. SÚMULA 284/STF. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL NÃO COMPROVADA. 1. Não há que se falar em ofensa ao art. 535 do CPC, se o Tribunal de segundo grau resolveu a controvérsia de maneira sólida e fundamentada, apenas não adotando a tese do recorrente. 2. Firmada pelo Tribunal a quo a premissa de que foram esgotados todos os meios para o localização do executado, o que, de acordo com o entendimento desta Corte, torna possível a citação por edital, não há como rever tal entendimento sem incursionar no contexto fáticoprobatório da demanda. Incidência da Súmula 7/STJ. 3. Falta de prequestionamento dos arts. 9º, II, do CPC e 174, parágrafo único, do CTN. 4. É possível a responsabilização dos sócios-gerentes da pessoa jurídica executada pelas dívidas tributárias pendentes, nos casos em que constatado o encerramento irregular de suas atividades. 5. A ausência de indicação precisa do dispositivo de lei federal supostamente violado faz incidir o teor da Súmula 284/STF. 6. Falta de comprovação do dissídio pretoriano, em virtude da inobservância das formalidades exigidas pelos arts. 541, parágrafo único, do Código de Ritos e 255 do RISTJ. 7. 53 Recurso especial conhecido em parte e improvido. [grifado pelo autor] 52 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de direito tributário brasileiro. 8 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005. p. 750. 53 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n˚ 899343/RS. Segunda Turma. Relator: Ministro Castro Meira. 27 de fevereiro de 2007. Diário de Justiça da União, Brasília, DF, 09 de março de 2007. 27 Tal responsabilidade é admitida diante da presunção de que neste caso, pelo fato de ter ocorrido o encerramento irregular das atividades de uma determinada empresa, os bens sociais foram distribuídos em benefício dos sócios ou de terceiros, em detrimento dos credores, em especial o credor tributário. Ademais, a respeito desse mesmo assunto, a jurisprudência fixou orientação no sentido de que se deve presumir dissolvida irregularmente ou desativada a sociedade que deixa de funcionar no seu domicílio fiscal, sem comunicação aos órgãos competentes, comercial e tributário. Isso porque, quando uma sociedade dissolve-se irregularmente, isto é, deixando de funcionar no endereço indicado no contrato social ou desaparecendo sem deixar nova direção, impõe-se a responsabilidade pessoal do sócio-gerente e autorizado está o redirecionamento do processo executivo, por ser uma infração à lei, não sendo o caso, também, da desconsideração da personalidade jurídica. CONCLUSÃO A desconsideração da personalidade jurídica é um instrumento extremamente importante para combater as fraudes e os abusos das pessoas jurídicas, que têm se tornado frequentes no contexto empresarial. O caráter absoluto do princípio da separação ou independência patrimonial da pessoa jurídica restou superado diante da constatação de que ela poderia ser utilizada para fins em desconformidade com o ordenamento jurídico. Assim, a teoria contribui para o aperfeiçoamento da pessoa jurídica, pois permite afastar os efeitos da personificação para um caso específico, sem extingui-la. Contudo, deve-se tomar cuidado para não se perder de vista a excepcionalidade que envolve a sua aplicação, visto que somente poderá se utilizar o instituto quando devidamente comprovadas as circunstâncias autorizadoras previstas em lei. Existe toda essa cautela em razão da relevância do instituto da pessoa jurídica para o direito e para o progresso econômico, social e cultural de toda a sociedade. Não há duvidas que a separação patrimonial estabelecida entre a pessoa jurídica e seus membros constitui um incentivo essencial para a iniciativa privada e, consequentemente, para a propulsão da atividade econômica. Entretanto, ao mesmo tempo em que não se pode permitir que a separação patrimonial decorrente da personificação societária sirva de manto protetor para a prática de atos diferentes daqueles para os quais ela foi concebida pelo ordenamento jurídico, também, não se deve permitir a aplicação desenfreada e abusiva da desconsideração, desvinculada dos seus fundamentos, o que provocaria o desvirtuamento da teoria e do próprio instituto da pessoa jurídica. Acontece que no direito brasileiro a teoria tem gerado grandes discussões, principalmente no âmbito do direito do trabalho, tributário, civil, ambiental e consumerista. Ao contrário do que vem se constando na prática forense, a ausência de patrimônio da sociedade, por si só, não é motivo suficiente para ensejar a aplicação da superação da autonomia patrimonial da pessoa jurídica e a consequente responsabilização dos seus sócios ou administradores pelas obrigações sociais. Não se deve esquecer que a atividade econômica está sujeita aos imprevistos do mercado financeiro, de modo que o sucesso de um empreendimento, principalmente no contexto sócio-econômico atual, não é uma regra absoluta. Logo, a inadimplência de uma 28 sociedade somente pode constituir causa de desconsideração da personalidade jurídica do ente coletivo quando decorrente da utilização abusiva ou fraudulenta da pessoa jurídica. O art. 50 do Código Civil fixou expressamente a necessidade de existência do abuso do direito à personificação para a declaração de desconsideração, e elegeu como circunstâncias caracterizadoras deste abuso o desvio de finalidade ou a confusão patrimonial. Ainda, que a fraude estaria implícita na norma contida nesse mesmo dispositivo, mais especificamente na expressão "desvio de finalidade". Pode-se verificar, ainda, que em muitas vezes, a desconsideração é confundida com outro instituto jurídico, o que define a responsabilidade direta do sócio ou administradores por obrigações da sociedade. Nestes, a personalidade jurídica distinta da sociedade não constitui óbice para que seja fixada a responsabilidade dos sócios e administradores, em razão do que não é necessária a sua desconsideração. A responsabilidade prevista no art. 135 do Código Tributário Nacional configura uma hipótese de responsabilidade por substituição, na medida em que os gestores da pessoa jurídica devem responder pessoalmente e exclusivamente pelos créditos tributários decorrentes dos atos em infração à lei ou excesso de poderes. Nesses casos, a sociedade empresária contribuinte, fica excluída da responsabilidade por estes débitos, pois na lei já existe uma previsão expressa de responsabilidade direta do sócio ou de seus administradores. Para os chamados atos com “excesso de poderes” deve-se observar se está configurada ou não observância de cláusulas contratuais, verificando se houve abuso ou excesso de poder quando os gerentes, sócios ou diretores representavam a sociedade. Já nos casos de “infração à lei, contrato social ou estatutos”, esta tem sentido mais amplo a atinge aqueles valores maiores, até mesmo em decorrência de atos ilícitos dolosos, embora seja evidente que ambos os conceitos se refiram a atos ilícitos em geral, devendo ser compreendidas como infrações os atos que desvirtuem as normas de conduta exigidas aos que representam uma pessoa jurídica. Assim, deve o Poder Judiciário ter muita cautela ao autorizar a desconsideração da personalidade jurídica, uma vez que, pode muita das vezes não ser caso de ensejar a utilização do instituto, seja por não estarem presentes os seus pressupostos, qual sejam, desvio de finalidade ou a confusão patrimonial, ou, ainda, tratar-se de um caso que nem caberia sua utilização, como o caso de responsabilidade direta do sócio ou administradores de uma sociedade, por ser infrações praticadas pelos próprios gestores, provocando, assim, situações que muitas vezes violam a Constituição e a legislação ordinária, justificando, portanto, uma maior atenção ao assunto. Em relação a todas essas questões apontadas, para a efetiva desconsideração da personalidade jurídica, o mais correto é o prudente arbítrio do Juiz, criando o melhor direito em face da análise dos elementos dos casos concretos, que deve ser feita sempre sob o prisma da boa fé objetiva, princípio esse que norteia todos os negócios jurídicos. Assim, verifica-se a necessidade de uma orientação aos operadores do direito e ao Judiciário Brasileiro, para garantir uma aplicação correta e eficaz da desconsideração da personalidade jurídica, evitando que, no intuito de combater os abusos do direito à personificação, cometam-se atos igualmente reprováveis. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. São Paulo, Editora Saraiva, 2005. 29 BRASIL. Lei nº 5.172, de 25 de Outubro de 1966. Dispõe sobre o sistema tributário nacional e institui normas gerais de direito tributário aplicáveis a união, estados e municípios. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 27/10/1966. BRASIL. Lei nº 5.869, de 11 de Janeiro de 1973. Institui o Código de Processo Civil. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 17.01.1973. BRASIL. Lei nº 8.078, de 11 de Setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências. 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