São Paulo, 06 de novembro de 2015.
Excelentíssimos Senhores Senadores da República
Senhora Ana Amélia Lemos,
Senhor Waldemir Moka,
Senhor Walter Pinheiro
Ref.: PLS 200/2015 – Pesquisa Clínica
Senhores Senadores da República,
Cientes de que o processo relacionado aos aspectos éticos que visam à análise e
acompanhamento dos projetos envolvendo seres humanos é de fundamental importância
para o desenvolvimento do parque tecnológico brasileiro, a SBPPC entende que, após
dezenove anos de existência do Sistema CEP/CONEP, não é mais possível esperar que ele
enfim se apodere de conhecimentos técnicos, e possa de fato cumprir com seu principal papel,
quer seja o controle social.
A CONEP parece não convencer mais a sociedade de que desempenha suas atividades
pautadas na ética, transparência, previsibilidade e qualidade em seus processos. A CONEP hoje
mostra o lado obscuro de um governo que perdeu suas origens e abandonou aqueles que um
dia acreditaram em seu discurso e promessa de um Brasil mais justo e mais igual.
Hoje o Sistema CEP/CONEP, como tantos outros setores do governo, se mostra frágil, sujeito a
críticas indefensáveis e com um discurso que só recebe apoio dos que se beneficiam dele ou
não entendem o funcionamento desse Sistema. Mais uma vez a estratégia utilizada pela
CONEP é discursar sobre fatos não reais, partindo do princípio de que seus ouvintes são
incapazes de raciocinar e, portanto, de compreender a fragilidade desse emaranhado de
processos equivocados e não compatíveis com o significado da palavra ética.
A CONEP perdeu a grande oportunidade, desde o início de sua última gestão em 2013, de
reverter esse quadro. Ao contrário, optou por perpetuar falhas, equívocos, processos
tendenciosos e nada aceitáveis sempre que uma tomada de decisão se faz necessária.
O que esperar de um país que engana sua população com um discurso de protecionismo que
na verdade esconde complexas relações de interesses? O que esperar de pessoas que se
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escondem atrás do Sistema CEP/CONEP para convencer que são éticas e acima de qualquer
suspeita, quando muitas dessas pessoas agem de forma vergonhosa, trocando favores por
interesses pessoais ou de suas instituições? O que esperar de um Sistema que diz proteger a
população e a pesquisa, quando o que vemos são nossas universidades públicas falidas e
abandonadas à própria sorte?
Quando tivemos conhecimento da carta aberta datada de 02 de fevereiro de 2015, dirigida à
CONEP e assinada por um conjunto de entidades representativas das ciências humanas e
sociais, pudemos ter a confirmação do que há anos estamos discutindo. A CONEP extrapolou
todos os limites aceitáveis da ética, da tolerância, da educação, da civilidade e da capacidade
de convivência social. A carta aberta reflete de forma clara o sentimento de indignação, não
apenas dos que atuam na área das ciências da saúde, mas também daqueles que entendem e
estudam o cenário onde nasce o conceito da ética.
Hoje, basta uma busca rápida na internet para observarmos dezenas de considerações
contrárias à atual forma de funcionamento do Sistema CEP/CONEP. Segundo Luiz Fernando
Dias Duarte (Antropólogo, professor titular do Museu Nacional/UFRJ) no artigo intitulado
Práticas de poder, política científica e as ciências humanas e sociais: o caso da regulação
ética em pesquisa no Brasil: “A argumentação do caráter democrático desse tipo de
representação dificilmente pode ser contestada em seus próprios termos ideais, mas sim, bem
facilmente, no plano mais realista de sua efetivação prática e das circunstâncias políticas mais
gerais em que se vê adotado. Temores de aparelhamento político-partidário desses conselhos,
comissões e conferências ou de cooptação pelo Estado dos movimentos sociais ali
representados (com ecos inquietantes da representação corporativa do fascismo e do
integralismo) se apresentam com frequência a esse respeito.” O autor, nesse trecho, nos
coloca diante de uma complexa questão que, se não for enfrentada agora, se arrastará por
mais muitos anos.
Por todas essas razões a SBPPC, apesar de entender não ser este o melhor caminho a ser
seguido, apoia a ideia de transformar a pesquisa em matéria de discussão legal, de forma a ser
regulada por um marco que impeça o vergonhoso jogo dos que se apoderam de um sistema e
fazem dele sua passagem para ganhos e vantagens pessoais.
Sendo assim, queremos mais uma vez contribuir com os senhores Senadores e solicitar que o
PLS 200/2015 seja reavaliado, a fim de que possa ser promulgada de uma Lei que claramente
regule a condução de pesquisa envolvendo seres humanos no Brasil de forma a garantir os
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princípios básicos referentes à proteção, preservação dos direitos, bem estar e segurança dos
que participam dessas pesquisas.
Em correspondências enviadas anteriormente já mencionamos várias questões que aqui estão
sendo mais uma vez abordadas. Fazemos isso porque acreditamos na possibilidade de
construção de regras mais sólidas, justas e coerentes, e também porque não admitimos
carregar o peso da omissão.
Questão Central:
O Senado quer discutir a análise ética das pesquisas com medicamentos e demais produtos
sujeitos a vigilância sanitária ou pretende discutir a análise ética das pesquisas envolvendo
seres humanos em todas as áreas do conhecimento? Essa é uma questão central que precisa
ser definida. Pelas discussões que temos visto nas ciências humanas e sociais e nas pesquisas
biomédicas, cada setor parece querer resolver suas questões de forma pontual. Ao mesmo
tempo, parece que as engenharias, ciências da terra e outras áreas não têm conhecimento
sobre as regras vigentes para avaliação ética de projetos de pesquisa. Enquanto isso, o Sistema
CEP/CONEP continua inserido no Conselho Nacional de Saúde (CNS), aparelhado de forma
muito mais política do que técnica. Como resultado prático, temos Comitês de Ética em
Pesquisa (CEP) com coordenadores e relatores pouco preparados; uma Plataforma Brasil que
já consumiu milhões de reais (R$ 6 milhões só para o seu desenvolvimento inicial, resultando
na versão 1.0 - hoje usamos a versão 3.0) e continua não atendendo a todas as necessidades
do fluxo regulatório proposto pela própria CONEP; uma Comissão do CNS (CONEP) que, só em
2014, entre passagens, eventos, diárias e pessoal, consumiu aproximadamente R$ 8 milhões;
uma forma de indicação de membros para a CONEP que traz em si conflitos de interesse
explícitos; uma total falta de recursos para os CEPS, que ao contrário da CONEP não são
financiados pelo governo. Enfim, enquanto não tivermos clareza sobre o que estamos
discutindo e o porque da limitação ou da abrangência dessas discussões, corremos o risco de
criar uma Lei que acabe por acomodar alguns setores em função de ações muito pontuais em
detrimento de uma realidade que se arrasta há 19 anos e que tomou rumos nada sociais ou
éticos.
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Questões pontuais sobre o PLS 200/2015:
Feitas as considerações acima, vamos abordar alguns pontos do Projeto de Lei proposto por
V.Exas., o PLS 200/2015. Salientamos que esses pontos não se esgotam, mas estão aqui citados
para auxiliar nas discussões que estão sendo conduzidas em diferentes setores.
1. No capítulo “Das disposições gerais” é explicitado que “a Lei dispõe sobre princípios,
diretrizes e regras para a condução de pesquisas clínicas em seres humanos por instituições
públicas ou privadas.” A SBPPC entende ser fundamental uma definição exata da
abrangência dessa Lei: que Instituições são essas? Uma clínica ou um consultório médico
estariam contemplados?
2.
Pesquisa Clínica, de acordo com a definição dada pelo PLS “é um conjunto de
procedimentos científicos, desenvolvidos de forma sistemática com seres humanos, com o
objetivo de avaliar a ação, a segurança e a eficácia de medicamentos, de produtos, de
técnicas, de procedimentos e de dispositivos médicos, para fins preventivos, diagnósticos
ou terapêuticos, independentemente da metodologia empregada, experimental ou
observacional”. É correto compreender que esse PLS é limitado às pesquisas envolvendo
seres humanos que participam de projetos com todos os tipos de produtos e
procedimentos sujeitos a vigilância sanitária, tais como testes com cosméticos, alimentos,
saneantes e outros? Ou seja, todas as demais áreas do conhecimento estão fora do
escopo deste PLS?
3.
Ainda sobre as definições encontradas no PLS, valeria rever os conceitos sobre Protocolo;
Fases de Estudo; Dispositivo médico experimental; Ensaio Clínico; Evento Adverso Grave;
Investigador Coordenador; Investigador Promotor; Promotor; Sujeito de Pesquisa, dentre
outras, sempre com o objetivo de harmonizar termos em sintonia com as atuais
resoluções da ANVISA, do próprio MS e de guias internacionais.
4.
O PLS cita que “a revisão ética da pesquisa clínica será feita em instância única”. É
importante explicitar como serão feitas as avaliações nas instituições que mantiverem
seus CEPs diante de eventuais avaliações por um CEI.
5.
O PLS cita que a “instância de revisão ética deve estar credenciada junto à autoridade
sanitária”, bem como que “a instância de revisão ética fica sujeita à fiscalização e ao
acompanhamento da autoridade sanitária”. É importante que o PLS seja mais claro com
relação a esses processos.
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6.
O PLS diz que “a instância de revisão ética deve conduzir a revisão e o monitoramento da
pesquisa em andamento por ela aprovadas, em intervalos adequados ao grau de risco a
que está submetido o sujeito da pesquisa, e com periodicidade mínima anual”. No
entanto, não temos a definição de Grau de risco. Em que momento o risco será definido e
por quem?
7.
De acordo com o “Art. 11. Para os ensaios clínicos referentes à pesquisa clínica de fase I, II
e III, o processo de revisão ética será instruído com os seguintes documentos, além de
outros estabelecidos no regulamento”. Não seria aplicável um conjunto mínimo de
requisitos para os estudos de fase IV?
8.
Ao longo do texto, o PLS torna-se cada vez mais específico para as pesquisas com
medicamentos. Mais uma vez, seria importante que essa proposta deixasse clara a sua
abrangência. Lembramos aos senhores senadores que, quando pensamos na condução de
pesquisa clínica e na importância da proteção dos direitos dos que dela participam, temos
que entender que no Brasil são conduzidas de maneira rotineira centenas de pesquisas,
principalmente nas universidades, que não envolvem necessariamente testes com
medicamentos sujeitos ao registro sanitário. Essa talvez seja a questão de maior
relevância para ser discutida.
9.
No Art. 13 § 3º temos que “O parecer final de que trata o caput deverá concluir: Pela
aprovação da pesquisa; Pela retirada do projeto; Não aprovação da pesquisa e Aprovação
com recomendação”. O que o pesquisador deve entender como aprovação com
recomendação? Ele poderá dar início ao projeto e atender ou não a recomendação?
10. No Art. 19. § 1º IV, temos que “em caso de pesquisa para avaliação de biodisponibilidade
e bioequivalência, a observância do prazo mínimo de três meses da data de encerramento
da participação do sujeito na pesquisa, antes que possa ser incluído em novo ensaio
clínico”. Importante harmonizar os prazos com as atuais normas da ANVISA.
11. O PLS restringe a condução de pesquisa nos casos onde o sujeito de pesquisa estiver em
situação de acolhimento institucional. Temos no Brasil vários estudos com essa
população. Como essas pesquisas serão tratadas?
12. No PLS temos no Art. 23. XII. § 2º “A critério do promotor, poderá ser constituído um
comitê independente de monitoramento para assessorar a condução e a avaliação
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periódica da pesquisa clinica”. Importante harmonizar o texto com as atuais resoluções da
ANVISA que já tratam desse tema.
13. No Art. 25 “Para fins de ensaio clínico, a importação, a fabricação e o uso de
medicamentos, produtos e dispositivos médicos experimentais deve ser autorizados pela
autoridade sanitária, nos termos do regulamento”. Mais uma vez o PLS se limita a
medicamentos, produtos e dispositivos experimentais, o que chama a atenção, pois
questões éticas devem ser avaliadas em outras situações. Como fazer no caso de
importação de cosméticos ou alimentos para testes? E no caso de material biológico?
14. Referente ao Capítulo VI, que trata “da continuidade do tratamento pós-ensaio clínico”,
entendemos que, pela importância do tema, se faz necessário uma ampliação do diálogo
com a sociedade, para uma solução que possa se adequar às especificidades brasileiras,
sem contudo termos a pretensão de pensar que somente o Brasil possui a ética como
princípio básico.
15. O PLS prevê no art. 35 que “a pesquisa clínica será registrada junto à autoridade sanitária
e terá seus dados atualizados em sítio eletrônico de acesso público, nos termos do
regulamento”. É importante que se defina de forma rigorosa todas as questões relativas
às ações que envolvem tecnologia da informação. No momento, a ANVISA ainda não
possui um sistema que possibilite peticionar todos os documentos de forma eletrônica.
Sendo assim, colocar no PLS que os estudos serão inseridos em um sítio eletrônico gera
expectativa nos usuários. Se formos levar em consideração a ineficiência do atual sistema
utilizado para inserção dos projetos que são avaliados pelo sistema CEP/CONEP, no caso a
Plataforma Brasil, a questão relacionada a TI torna-se ainda mais complexa.
16. O uso de placebo é importante em muitos estudos, mas o seu uso deve ser mais bem
planejado para que não se coloque em risco a saúde dos participantes de alguns projetos
de pesquisa. Por essa razão, vale uma readequação do texto que aborda essa questão.
17. Uma vez aprovado o PLS, como o atual sistema CEP/CONEP será mantido? E o que será
feito dos atuais CEPs?
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Essas são algumas das nossas considerações, que esperamos possam ser avaliadas pelos
senhores Senadores. Apelamos para que os senhores pensem nessas questões de forma mais
abrangente e que proponham sim um arcabouço legal capaz de atender as expectativas de
todas as áreas do conhecimento no que se refere aos aspectos éticos da pesquisa envolvendo
seres humanos.
Vale lembrar que se o maior problema do sistema CEP/CONEP fosse a “famosa” dupla análise
ética (CEP e CONEP) e consequente demora no processo, não sendo essas questões as
consequências e sim o ponto central de um problema que é bem maior, poderia ser negociado
uma solução bem mais simples. Bastava uma Resolução complementar nos mesmos moldes da
Resolução 251/97 CNS/MS dizendo que os estudos com cooperação internacional teriam no
CEP sua instância final de revisão. Parece tão simples, mas o fato é que isso resolveria a dupla
análise ética e a demora nos prazos. Só não resolveria as agruras de todo o emaranhado de
interesses político-partidário que representa hoje esse sistema!
Cordiais saudações,
Anacleto Gapski
Presidente SBPPC
Greyce Lousana
Presidente Executiva SBPPC
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São Paulo, 06 de novembro de 2015. Excelentíssimos Senhores