Empreendedorismo, Inovação e Percepção por parte dos Consumidores do Valor de um Produto: O Caso da Vitivinícola Cordilheira de Santana Autoria: Astor E. Hexsel, Deonir De Toni, Eduardo Wilk Resumo Este estudo discute uma importante questão no processo de introdução de um novo produto no mercado, qual seja, transmitir ao consumidor o real valor de um novo produto. O estudo se refere ao caso da Vitivinícola Cordilheira de Santana, uma pequena empresa localizada na região de Palomas, no município de Livramento, que busca posicionar-se no mercado de vinhos de alto valor, tipicamente uma estratégia de foco e diferenciação. O empreendimento teve seu início em 2000 quando Rosane Wagner, engenheira química, e seu marido Gladiton Omizolo, técnico em vinicultura, depois de mais de 20 anos como executivos de corporações internacionais do setor, decidiram ter a sua própria empresa. Para alcançar seus objetivos foram tomadas diversas decisões estratégicas. De forma a garantir o suprimento adequado de uvas, a empresa decidiu operar de forma integrada.Os produtos da empresa foram introduzidos no mercado em 2005, encontrando-se, entretanto, a empresa atualmente com dificuldades para passar aos clientes o valor que ela julga que seu produto possui. O caso estudado ilustra que embora a empresa tenha tomado decisões corretas no aspecto produtivo, subestimou importantes questões no âmbito de marketing, um fenômeno observado em muitas empresas deste setor. 1. Introdução A história do vinho se confunde com a própria história da humanidade e há pesquisadores que sustentam a hipótese de que este produto era elaborado e consumido já no período neolítico. Durante muito tempo cercado por uma aura simbólica, e muitas vezes até religiosa, o vinho atravessou os séculos e se popularizou, transformando-se hoje em um alimento de consumo freqüente para a maioria dos países desenvolvidos. A produção mundial de vinhos nos últimos cinco anos situou-se na faixa de 26.000 milhões de litros ao ano, destacando-se como principais produtores a França, Itália, e Espanha. Juntamente com Portugal, estes países são reconhecidos como “velho mundo vitivinícola” e respondem por mais de 60% do volume total produzido (OIV, 2006). Contudo, é crescente a representatividade dos países conhecidos como “novo mundo vitivinícola”, cujos principais representantes são a Austrália, Argentina, Estados Unidos, África do Sul e Chile. Ao contrário do “velho mundo”, onde a produção é milenar e envolta em tradição, em grande parte destes países a produção de vinhos é um agronegócio como outro qualquer, tendo como principal foco a exportação. O produto vinho todavia, tem algumas peculiaridades importantes que devem ser consideradas ao se analisar o quadro de expansão mundial. Como coloca Aguiar (1999a, p.25): “o vinho não é uma mercadoria qualquer, não pode ser produzido em qualquer lugar, e deve obedecer a regras bem mais complexas do que a simples minimização dos custos de produção. A localização das vinhas, à semelhança de qualquer outra unidade de produção, está submetida à regra das vantagens comparativas; cada região tem as suas e estas são bem mais importantes e determinantes da sua imagem e posição no mercado do que unicamente os custos de produção”. 1 Em essência, a implantação de uma nova empresa no setor vitivinícola implica em uma série de considerações e desafios estratégicos a serem superados. Em que pese a existência de baixas barreiras tecnológicas de entrada no negócio, uma nova empresa neste setor invariavelmente terá que realizar esforços significativos para a consolidação de imagem no mercado, para a conquista de espaço nos canais de distribuição e para o estabelecimento de um sistema de suprimento de uvas estável, que lhe permita manter a qualidade dos vinhos de ano para ano. Este estudo busca explorar estas questões analisando o caso da Vitivinícola Cordilheira de Santana, instalada há poucos anos na metade sul do estado do Rio Grande do Sul. A história desta empresa se caracteriza como um exemplo interessante, uma vez que representa ao mesmo tempo, uma expressão da experiência acumulada de seus executivos em outras empresas, como também, um esforço empreendedor, permeado por tentativas inovadoras de posicionamento no mercado. O trabalho está organizado da seguinte forma. O estudo está organizado da seguinte forma. Na seção seguinte dá-se um breve panorama da indústria vitivinícola brasileira. Na sequência apresenta-se o caso da empresa investigada, destacando uma série de aspectos relevantes ao negócio vitivinícola, a serem considerados na implantação de uma nova empresa. A próxima seção detalha as principais decisões estratégicas da empresa, aprofundando-se um conjunto de questões relativas a inovação, valor e posicionamento. Por fim, faz-se uma discussão do caso, enfatizando os principais aspectos ilustrativos e pontos de aprendizado. 2. A Indústria Vitivinícola no Brasil A introdução da atividade vitivinícola no Brasil iniciou-se com a colonização Portuguesa no século XVI, contudo, o seu desenvolvimento atual é atribuido a chegada dos imigrantes italianos à Região da Serra Gaúcha, por volta de 1875. Na primeira fase de desenvolvimento do setor, as uvas cultivadas restringiram-se quase que unicamente ao tipo “Vitis labrusca”, as quais apresentaram fácil adaptação ao clima e ao solo da região (LAPOLLI, 1995). Apesar das vantagens de adaptação, estas variedades não permitem a produção de vinhos mais sofisticados, e consequentemente, de maior valor no mercado, restringindo-se aos produtos da categoria reconhecida como “Vinhos de Mesa”. Através deste produto consolidou-se na região uma trajetória tecnológica baseada na produção em escala, em um contexto industrial no qual a minimização dos custos de matéria prima e o estímulo à produtividade nos parreirais eram o paradigma dominante, conforme citam vários especialistas consultados. Uma mudança importante neste padrão ocorreu a partir de 1974, com a instalação de empresas multinacionais na região. Estas empresas, em sua maioria de origem européia e americana, ajudaram a introduzir no mercado brasileiro vinhos baseados em variedades “Vitis Viníferas”, as quais dão origem a produtos mais complexos em aromas e sabor e mais alinhados com os padrões do mercado internacional. Estes vinhos são atualmente categorizados como “Vinhos Finos”. Com o passar do tempo, a gradual especialização dos fatores de produção, e a transferência de conhecimentos entre estas empresas e alguns grupos de firmas locais foi contribuindo para a modernização do setor e a formação de algumas empresas altamente especializadas, que hoje são capazes de elaborar produtos de razoável qualidade e sofisticação, embora ainda em volumes bastante baixos perante os padrões mundiais. O Brasil produz atualmente uma média de 257 milhões de litros de vinho ao ano, 2 situando-se em 21º no mundo em termos de volume elaborado. O consumo no país também é extremamente baixo, ficando em torno de 1,8 litros per capita ao ano, enquanto na França, por exemplo, se consomem cerca de 50 litros per capita ao ano. Conforme dados do IBRAVIN (2005) existem atualmente cerca de 650 vinícolas e 15.000 viticultores atualmente no Rio Grande do Sul. Uma das principais características deste setor é a sua diversidade, com importantes contrastes em termos de perfis empresariais, tecnológicos e agrícolas. As vinícolas distribuem-se em vários segmentos produtivos, dedicados a diferentes produtos. Assim, tem-se empresas exclusivamente dedicadas a vinhos finos, empresas especializadas em vinhos espumantes, empresas dedicadas aos vinhos de mesa, empresas de sucos e ainda, empresas que atuam neste quatro segmentos. A viticultura por sua vez é marcada por pequenas propriedades, com distintos graus de organização e práticas produtivas, com um tamanho médio de 2,5 hectares dedicados ao plantio de parreirais (LAPOLLI, 1995). A zona de maior concentração industrial fica localizada na região da serra nordeste, a cerca de 120 Km de Porto Alegre, capital do estado. Os principais municípios envolvidos na atividade são Bento Gonçalves, Garibaldi, Farroupilha, Caxias do Sul, Flores da Cunha, Cotiporã, Veranópolis, Nova Pádua, Antônio Prado e Monte Belo. Cada um, apresenta diferentes níveis de produção de uvas e, de forma associada, também de presença de vinícolas, conforme observa-se na Figura 1. Figura 1 - Produção de Uvas no RS Fonte: IBGE (2005) Além da Região da Serra pode observar-se também, uma grande área na região da Campanha, onde desenvolve-se atualmente um importante pólo de expansão deste setor (FERREIRA, 2005). Esta foi a região escolhida pela empresa Cordilheira de Santana, cujo caso apresenta-se subseqüentemente. 2.1 A Dinâmica Competitiva no Setor Em 2005, haviam no Brasil aproximadamente 185 empresas atuando com vinhos finos. Apesar de ser um setor fragmentado, há uma concentração expressiva da produção em 3 oito empresas, que juntas representam cerca de 74% do total comercializado, conforme pode ser visto pela Tabela 1 a seguir. Tabela 1-Comercialização Vinhos Finos no Brasil 2005 Empresa Litros -2005 % Coop. Vinícola Aurora 5.374.425 24,09 Pernod Ricard Brasil 4.889.046 21,92 Vinícola Miolo 2.647.553 11,87 Vinhos Salton 1.714.581 7,69 Casa Valduga Vinhos Finos 692.644 3,11 Coop. Vinícola Linha Jacinto 579.727 2,60 Antônio Basso e Filhos 477.903 2,14 Livramento Vinícola 160.505 0,72 Outras 175 empresas 5.769.620 25,87 Total 22.306.004 Fonte: União Brasileira de Vitivinicultura (UVIBRA), (2006) 100,00 Dada a atratividade das margens no segmento e vinhos finos, o número de novas empresas tem crescido a cada ano. Conforme apresenta a Tabela 2, a comercialização média nos últimos 6 anos foi de 56 mil litros/ano, mas com ligeira retração no total consumido. A associar-se esta retração com o aumento do numero de empresas e a presença crescente dos importados, configura-se um quadro de intensificação da competição, que exige tanto de empresas antigas quanto novas a elaboração de estratégias cada vez mais sofisticadas. Tabela 2 - Comercialização de vinhos finos no Brasil ( Litros) Volumes Comercializados Ano Vinhos Finos do Brasil % Vinhos Finos Importados % Total 2000 34.108.895 53,8 29.288.448 46,2 63.397.343 2001 28.652.875 50,5 28.058.114 49,5 56.710.989 2002 25.375.559 51,2 24.183.853 48,8 49.559.412 2003 23.271.496 46,5 26.798.940 53,5 50.070.436 2004 19.747.341 35,4 36.070.461 64,6 55.817.802 22.306.004 36,9 37.495.327 63,1 2005 Fonte: União Brasileira de Vitivinicultura (UVIBRA), (2006) 59.409.164 Os principais países de procedência dos vinhos importados são Chile (31,1%), Argentina (28,9%), Itália (16,0%) e Portugal (13,8%). Observa-se ainda que, a partir de 2004, os vinhos importados passaram a representar mais de 60% do total de vinhos viníferas consumidos no Brasil. Esta preferência pelos vinhos importados deve-se a diversos fatores mas principalmente reflete a busca do consumidor por produtos com boa relação custo/benefício, um característica freqüentemente encontrada nos vinhos Chilenos e Argentinos, dado que estes países possuem importantes vantagens produtivas. Complementarmente, em 2004 o Brasil exportou 137.025 litros e em 2005 exportou 392.167 litros, apesar de ter havido uma variação significativa de 186,2% de 2005 sobre 2004, o percentual de exportação (1,05%) é muito insignificante perto do total de vinhos importados. Muitos podem ser os motivos da baixa exportação de vinhos brasileiros. De 4 qualquer forma, pode-se pressupor que: primeiro os vinhos brasileiros não tem preços competitivos para competir no mercado externo, segundo o Brasil ainda não tem imagem de país fabricante de vinhos, terceiro os baixos incentivos governamentais dificultam a exportação e quarto a falta de ações estratégicas e efetivas das empresas para atuar no mercado externo. Usualmente classificam-se os vinhos em níveis hierárquicos de qualidade, os quais delimitam faixas de preço praticadas em cada categoria, conforme ilustra a Figura 2 a seguir. Estas categorias, embora não representem um padrão internacional permitem um entendimento das diversas propostas de valor existentes neste negócio. Ícone Ultra -Premium Superpremium (acima de R$25) Premium (R$16 a R$25) Básico Luxo (R$11 a R$15) Básico Semiluxo (R$6 a R$10) Básico Popular (até R$5) Figura 2 – Níveis Hierárquicos em Vinhos Finos Fonte: Manzoni (2004) No Brasil, a grande maioria das empresas atuam nas categorias Básico Popular, Básico Semi-Luxo e Básico Luxo, restando poucas que conseguem posicionar-se nas categorias superiores. Conforme coloca Manzoni (2004), no país os vinhos Premium são mais conhecidos como vinhos Reserva e os Superpremium como Grande Reserva ou Reserva Especial. A Cordilheira de Santana, que será discutida mais adiante, objetiva praticar o preço de R$ 40,00 competindo portanto no segmento Grande Reserva. Em essência, a distinção entre estes produtos se dá na qualidade das uvas empregadas, nos processos de vinificação e de envelhecimento. Nos produtos da categoria “Básico”, o fornecimento de uvas deve se dar em grande escala e normalmente são produtos que não passam por envelhecimento em barris de carvalho. Já nos produtos das linhas Premium e Superpremium os vinhos são mais elaborados, com uvas colhidas de parreirais onde há maior controle agronômico e os vinhos normalmente passam ainda por um processo de envelhecimento e maturação em, tanques, caves e barris adequados. Estas duas últimas categorias de produtos são claramente identificadas pelas vinícolas como posições distintas com características de comercialização específicas. O período de maior venda dos vinhos Reserva (Premium) é realizado no inverno (junho/julho) e no final do ano (novembro/dezembro). Já para os vinhos Grande Reserva (Superpremium) a sua maior comercialização se dá nos períodos mais frios nos meses de junho e julho. Este efeito de comercialização e diferença se deve ao fato de que, em relação ao Reserva, são vinhos tintos mais encorpados, próprios para harmonizar com a culinária de sabor mais acentuado e clima mais frio. Para cada categoria em que uma empresa escolher atuar, deverá fazer comprometimentos em diversas áreas, estendendo-se desde sua política de suprimento de 5 matéria-prima, até as formas de comercialização e divulgação dos produtos. Estes aspectos estratégicos são discutidos a seguir. 2.2 Aspectos Estratégicos no Negócio de Vinhos Finos Cada empresa que atua no negócio de vinhos finos pode ser entendida como uma combinação única de recursos produtivos, cuja otimização é a tarefa maior para seus estrategistas e gestores. A escolha de um posicionamento em uma ou mais categorias de produto implicará sempre na análise da adequação destes recursos à estratégia pretendida, permitindo a efetiva sustentação de imagem e posição no mercado. Basicamente quatro áreas são críticas neste processo: a escolha do terroir, a escolha do sistema de produção de uvas e a escolha do grau de sofisticação tecnológica a ser adotado na elaboração dos vinhos e o desenvolvimento de uma imagem perante o consumidor . Escolha do Terroir O Terroir literalmente designa o "terreno" onde se localiza um vinhedo, mas o seu sentido é muito mais amplo. Na realidade, designa as características do solo, do microclima e do ecossistema do local, responsáveis pela qualidade do vinhedo e, conseqüentemente, pela qualidade do vinho que ele originará. Como coloca Tonietto (1999), no negócio do vinho nenhuma região é necessariamente ruim ou boa, mas sim única, pois cada uma tem a sua tipicidade e aptidão vitícola, que se transmitem aos seus terroirs locais. Assim ao estabelecer-se um vinhedo, faz-se importante entender qual o potencial da região alvo, e que tipo de uvas e de vinhos representam a melhor expressão deste potencial. Esta é uma escolha complexa, pois envolve experimentação e muitas vezes, erros até que se descubra a combinação ideal de todos os elementos. Um dos fatores adicionais que contribuem para a valorização destas diferenças é o estabelecimento de selos de Indicação Geográfica ou de Procedência. A Indicação de Procedência refere-se o nome geográfico do país, da cidade, da região ou da localidade que se tenha tornado conhecido como centro de extração, produção ou fabricação de determinado produto ou de prestação de determinado serviço. Assim a partir da organização de uma região produtiva, as vinícolas podem empreender um esforço de valorização desta região e dos produtos ali originados, a partir do estabelecimento das Indicações de Procedência. Sistema de Produção de Uvas Existem basicamente três formas de conduzir o processo de suprimento de uvas. A primeira opção, que baseia-se em adquirir as uvas de produtores desconhecidos ou muito heterogêneos, restringe a firma a poucas formas de controle sobre a qualidade, geralmente avaliando estas uvas apenas quando já estão colhidas, e quando nenhum procedimento maior pode ser adotado para melhorar a sua qualidade. A segunda opção, baseada em adquirir as uvas de produtores integrados, representa uma estratégia mais avançada de suprimento, na medida em que a firma desenvolve acompanhamento técnico dos vinhedos e pode interferir no seu manejo. Isto permite maior controle sobre elementos como o ponto de colheita, a produtividade dos vinhedos e o grau de maturação fenólica (um indicador específico de qualidade das uvas), entre diversos outros. O acompanhamento destes indicadores fornece condições para a obtenção de uvas mais maduras e com precursores de aromas mais evoluídos, que podem, se bem trabalhadas na cantina, originar vinhos de qualidade superior (CARRAU, 1978). A terceira opção estratégica, a produção própria, representa o sistema ideal do ponto de vista de controle sobre a matéria prima, na medida em que a firma desenvolve seus próprios experimentos (em produção com terceiros não é viável realizar experimentos que 6 resultem em baixa rentabilidade ao produtor) e potencialmente, uma observação mais intensiva da evolução dos parreirais. É uma regra de comum entendimento no mundo vitivinícola, que quanto maior a produtividade em volume extraída de um vinhedo, menor será a qualidade potencial das uvas. Ao se realizarem práticas de “podas precoces” e “derrubada de cachos” reduzindo a produção em volume de uma parreira, esta planta desenvolve uma redistribuição de sua vitalidade biológica nos cachos restantes, produzindo uvas de maior qualidade e potencial enológico (CARRAU, 1978). Esta é uma prática muitas vezes antieconômica quando analisada sob a perspectiva dos viticultores, contudo, para as vinícolas pode representar a diferença entre ter a matéria-prima para elaborar um vinho de alta qualidade ou limitar-se a produzir um vinho de desempenho mediano, que pode ser desenvolvido por qualquer concorrente menos preparado. Este é um ponto polêmico, que pode facilitar a distinção entre as empresas que estão no negócio apenas por oportunismo, daquelas que estão ingressando e se estruturando. Especificamente no RS, segundo Miele e Zylbersztajn (2005), a preocupação com a qualidade dos vinhos está impulsionando cada vez mais vinícolas para um processo de integração vertical ou semi-integração. Sendo que na Serra Gaúcha as características topográficas impedem a mecanização e requerem o uso intensivo de mão-de-obra. Dessa forma, uma prática que vem se difundindo entre as empresas é a migração de plantio de uva para regiões da campanha e sudeste (aqui inclui a região de Santana do Livramento) do Rio Grande do Sul. Com um topografia mais propícia à mecanização muitas vinícolas estão optando por integralizar verticalmente a produção de sua principal matéria-prima. Tecnologia e Competência Enológica O sistema de elaboração de vinhos contempla as instalações, conhecimentos tácitos e explícitos e as tecnologias utilizadas na elaboração do vinho. Neste aspecto, a vinícola pode estar situada em um gradiente tecnológico que se estende desde simples pipas de madeira artesanais, até instalações completamente computadorizadas, que permitem controlar cada etapa do processo de vinificação. Na segunda metade do século XX, como resultado de uma série de pesquisas desenvolvidas na Europa, foram identificados diversos aspectos críticos do processo de vinificação até então desconhecidos. Uma das principais descobertas foi de que o mau controle de temperaturas no processo de fermentação, que ocorre logo após as uvas serem maceradas (esmagadas) e colocadas em tanques, favorece o desenvolvimento de bactérias e leveduras indesejáveis, resultando em queda na qualidade dos vinhos (CARRAU , 1978). Desde que este tema foi estudado, e as tecnologias de suporte difundidas, o controle de temperaturas de fermentação tem sido a base de um dos saltos tecnológicos mais importantes no negócio mundial do vinho. Como coloca Copat (2006) “a elaboração do vinho é antes de tudo uma ciência microbiológica, e o entendimento e controle deste fator é um dos elementos chave para a qualidade final do produto”. Complementarmente, os processos adicionais de controle da vinificação, que envolvem análises de laboratório em várias fases do processo e técnicas de movimentação e micro-oxigenação dos mostos de uvas maceradas entre outras, revelam-se condições essenciais para a elaboração de vinhos de alta qualidade ou alta performance. As instalações de armazenamento dos vinhos são um outro fator importante. Neste quesito, as empresas podem armazenar o produto em pipas de madeira (que podem gerar contaminações indesejáveis), em piletas de concreto ou tanques de fibra de vidro, em tanques de aço inox exposto ao clima (que geram flutuações de temperatura sobre o vinho já pronto) e em tanques de inox protegidos e com atmosfera interna inerte (o melhor sistema do ponto de vista de proteção e conservação do produto). 7 As práticas de envelhecimento dos vinhos, por sua vez, são um ponto crítico e polêmico. Vinhos de qualidade podem ou não lançar mão de envelhecimento em barris de carvalho, e posteriormente em caves subterrâneas após engarrafados. Todavia, na intenção de agradar um mercado consumidor entusiasta, muitas vezes desconhecedor dos produtos, muitas empresas lançam mão de um processo de pseudo-envelhecimento, adicionando ao vinho pedaços de madeira em forma de serragem ou pequenos blocos, denominados como “chips”. Esta tecnologia tem cunho extremamente comercial, e não adiciona ao vinho as propriedades que um envelhecimento real proporciona, todavia, tem sido utilizada no mundo inteiro por empresas de produção em larga escala, o que contribuiu para a sua difusão. Estes elementos, controle de fermentação, práticas de higiene, sistemas de armazenamento e práticas de envelhecimento constituem um roteiro orientativo fundamental para o planejamento da estratégia tecnológica de uma empresa vinícola. Desenvolvimento de Imagem Partindo de estratégias tecnológicas e vitícolas adequadas, o último desafio a ser enfrentado por uma empresa vinícola será o desenvolvimento de uma imagem perante o consumidor. o vinho é um produto caracterizado pela seleção adversa, ou seja, o consumidor não tem possibilidade de avaliar ex-ante ao seu consumo, a real qualidade intrínseca do produto. No longo prazo, através da experimentação continuada, cada empresa, e cada marca desenvolverá a sua imagem no mercado mas este é um caminho longo e muitas vezes permeado de altos e baixos. Fundamentalmente para a adequada formação de uma imagem positiva faz-se necessário a manutenção de uma qualidade mínima constante nos produtos de ano para ano, uma tarefa complexa em países como o Brasil, em que algumas safras são boas e outras desfavoráveis. O efeito safra ocorre em todo o mundo, mas para produtos da categoria Básica, o mercado espera um padrão mínimo, o que nem sempre é atingido satisfatoriamente na indústria nacional. Tomando como base estas considerações, apresenta-se a seguir o caso da Empresa Cordilheira de Santana, discutindo-se as suas principais estratégias. 3. A Empresa Cordilheira de Santana A Vitivinícola Cordilheira de Santana está localizada na região de Palomas no município de livramento, Estado do Rio Grande do Sul. A empresa foi criada em 2000 pelos executivos Rosana Wagner, e Gladiston Omizolo, ambos com formação na área de enologia e larga experiência no setor, desenvolvida ao longo de anos em cargos de diretoria na empresa Pernod Ricard, que no Brasil controla as Vinícolas Almadén e a Forestier, Rosana é filha de Guinter Wagner e Ilse Wagner. Ilse por sua vez, é filha do fundador das bebidas Bela Vista que estava localizada em Arroio do Meio no Rio Grande do Sul. Esta empresa transformou-se com o tempo na empresa Fruki que agora está localizada em Lajeado. A Fruki possui significativa participação no mercado do Rio Grande do Sul. O tio de Rosana, Nelson Eghers é o atual presidente das bebidas Fruki. Güinter é um empresário muito bem sucedido, está com 60 e poucos anos de idade, atua a partir na cidade de Estrela do Rio Grande do Sul e desenvolve diversos negócios ao mesmo tempo. Esta breve descrição faz-se importante para referir a trajetória e cultura empreendedora presente na família, a qual será um elemento de suporte à implantação da empresa. 3.1 As Escolhas Estratégicas na Cordilheira de Santana A empresa Cordilheira de Santana tem por filosofia maior a elaboração de vinhos de alta qualidade, posicionados na faixa de R$40,00 a garrafa. Mesmo tendo sido criada em 2000, houve uma fase de preparação sendo que, em 2005 ocorreu o lançamento de seus 8 primeiros vinhos. Atualmente são elaborados quatro tipos de vinhos: vinhos brancos reserva especial Chardonnay e Gewürstraminer e os tintos reserva especial Cabernet Sauvignon e Merlot. Os volumes são limitados à 100.000 garrafas ao ano, que representam 75.000 litros. Este é um volume relativamente baixo, ao considerar-se que as grandes empresas do segmento elaboram volumes bem superiores, conforme ja apresentado na Tabela 1. Para implantação dos vinhedos foi eleita a região de Palomas que está localizada no município de Santana do Livramento, à uma altitude média de 200m e a 31% de latitude sul. A topografia de Palomas caracteriza-se por coxilhas com suaves ondulações o que permite uma excelente disposição dos cachos a luz solar. O solo da região é bastante adequado ao desenvolvimento das videiras. A fertilidade é média, o que incide numa menor vegetação e melhor frutificação, ou seja, não há excesso de vigor nas plantas e a produtividade é baixa, favorecendo a produção de frutos com alta concentração de aromas, açúcares e polifernóis. O clima de Paloma é temperado a subtropical, com verões quentes e de alta insolação. O conjunto de índices climáticos favorece, desde um repouso invernal adequado para o acumulo de nutrientes, até uma maturação equilibrando os frutos o que propicia a obtenção de vinhos aromáticos, estruturados e potentes, exatamente como todos os grandes vinhos do mundo. Quanto ao suprimento de uvas a empresa opera com um sistema totalmente integrado, ao contrário da maioria das vinícolas brasileiras que compra a uva de produtores independentes. A área total da empresa com videiras, que foram plantadas a partir de 2000, é de 25 hectares, ocorrendo em 2005 o lançamento dos produtos da empresa no mercado. Foram selecionadas mudas importadas, todas de alta qualidade. Na medida em que a empresa possui seus próprios parreirais, é possível controlar a qualidade do fluxo de fornecimento e uvas. Como prática adicional, porém não menos importante, a empresa tem utilizado um sistema amplo de poda que descarta aproximadamente 50% das uvas o que, embora aumente os custos, oportuniza maior qualidade. No aspecto tecnológico, a empresa buscou equipamentos de última geração como tanques de aço com controle de temperatura, desengaçadeiras (equipamento para separação das uvas e cachos), prensas pneumáticas (equipamento para esmagamento das uvas), filtros, sistema de remontagem automático e computadorizado (equipamento para movimentação do mosto de uvas esmagadas) e barricas de carvalho francês e americano para envelhecimento dos vinhos. Por fim, quanto à estratégia de lançamento dos produtos e consolidação de marca a empresa está apostando principalmente no desenvolvimento de degustações junto a formadores de opinião e colocação dos produtos em delicatessens, uma vez que sua escala de produção é relativamente baixa. Conjugando os vários elementos apresentados, busca-se na Figura 2 a seguir sintetizar os principais fundamentos da estratégia da empresa estudada segundo estas dimensões. 9 Verticalização e domínio da produção Sistemas de Escolha do Plantio Terroir privilegiados Competências Mercadológicas Capital de Relacionamentos com o mercado Competência enológica Escolha de Mudas importadas Produção em pequena escala Vitivinícola Cordilheira de Santana Escolhas Estratégicas Envelhecimento em barris de carvalho Especialização total em vinhos finos Figura 3 – Principais Escolhas Estratégicas da Vinícola Cordilheira de Santana Comparando-se a estratégia da Cordilheira de Santana, no que diz respeito à obtenção de produtos de qualidade, com as grandes empresas do Brasil, duas dimensões merecem destaque. Em primeiro lugar, a empresa opera totalmente verticalizada quanto ao suprimento, enquanto as demais compram uvas de terceiros. Isto permite uma matéria-prima de maior qualidade como já relatado anteriormente. Segundo, a empresa opera com um escopo limitado de produtos (4) posicionando-os ao mesmo nível de qualidade. As maiores empresas do setor, suas concorrentes em produtos de qualidade, operam com muitas linhas – desde o Básico Semiluxo até os Superpremium - e com muitos níveis de preço. É claro que um escopo reduzido permite desenvolver um produto de maior qualidade. Este não dispersa o controle do suprimento e do processo de produção. Além disto, permite transmitir melhor ao consumidor a qualidade do produto do que as suas concorrentes que operam com diferentes níveis de qualidade e preço. As dificuldades da proposta da Cordilheira de Santana estão relacionadas ao seu porte que não permite economias de escala, dificultando com isso o processo de venda e promoção como será visto a seguir. 4. Discussão do Caso A empresa pretende como já foi dito manter um vinho de muito boa qualidade no mercado. O posicionamento desejado é de um preço à nível de varejista em torno de C$40,00, o que à nível de restaurante significa um vinho em torno de C$70,00 a C$80,00. A empresa começou em 2005 o processo de comercialização. O objetivo é concentrar as ações de venda nas lojas especializadas de vinho e de delicatessen. A estratégia da empresa pode ser caracterizada como uma estratégia de foco e de diferenciação. Destaque-se que a Salton, a empresa mais lucrativa do setor vinícola do rio Grande do Sul, apresenta ao mercado vinhos de qualidade média e de preços bastante competitivos. Entretanto, é preciso salientar que é muito importante para a Salton a receita proveniente de seu conhaque de marca Presidente. Este produto é a segunda marca no Brasil, seguindo o conhaque Dreher. Para a Salton ter um conhaque que é vendido o ano inteiro é importante para manter um fluxo de caixa favorável, pois as vendas de vinho tendem a se concentrar nos últimos meses do ano. 10 Assim o problema central para a Cordilheira de Santana atualmente é transmitir ao consumidor o valor que os seus vinhos possuem, o que não é fácil de ser resolvido. Para melhor avaliar o desafio, destaque-se que os seis vinhos finos mais vendidos no Brasil são de preço inferior à 25 reais (VINHO MAGAZINE, 2006). Dada a subjetividade de avaliação do consumidor, transmitir ao mercado o valor de um bem de consumo é mais difícil do que para um bem industrial, pois nesse caso ficam mais claras as relações de custo-benefício. Segundo a literatura da área de marketing e estratégia para transmitir o valor de um produto ao mercado a empresa conta com duas alternativas: promovê-lo junto ao cliente final ou promovê-lo ao varejo. Na primeira alternativa busca-se vendas com base na demanda do consumidor final ao varejista, a conhecida técnica “pull”. No segundo caso promove-se o produto ao varejista para que este o divulgue ao consumidor final, a técnica “push”. O processo “pull” exige muitos recursos, por se basear na mass midia, especialmente a televisiva. Como a Cordilheira de Santana é uma empresa pequena, com baixa escala, que não objetiva o crescimento, este caminho foi considerado inviável por seus proprietários. Para superar a dificuldade acima, o que a empresa está fazendo é promover com os varejistas encontros em que possa mostrar a qualidade do seu produto. Esta situação prevê a contratação de representantes autônomos que sejam também promotores. Aqui também se apresenta o problema do pequeno porte. Como é baixo o volume de vendas está havendo dificuldades para contratar representantes exclusivos, pois como estas são pequenas também será pouca a comissão. O vendedor somente se viabiliza representando diversas empresas, pois então seu rendimento será maior. Entretanto, nesse caso, o seu tempo será bastante reduzido para se dedicar à Cordilheira de Santana. Outro aspecto crítico que deve ser considerado diz respeito à qualidade, custos e benefícios dos vinhos chilenos, os principais concorrentes no mercado brasileiro. A posição da empresa é realmente desafiante e inovadora, no seu total ela está tentando criar aos olhos do consumidor um vinho de alta qualidade, pelo qual ele deve estar disposto a pagar um valor mais elevado. Sem dúvida nenhuma é uma estratégia ousada uma vez que o mercado brasileiro tem sido dominado por ofertas de baixo preço a valor razoável. Por fim, como aspecto positivo que pode auxiliar no enfrentamento destes desafios, a empresa possui muito boa solidez financeira, pois os investimentos foram feitos em sua grande maioria com recursos próprios. Este fato faz com que a Cordilheira Santana não sofra pressões para realizar vendas e tenha tempo para consolidar sua marca e transmitir o valor almejado para seus produtos. 5. Conclusões O relato apresentado mostra que embora a empresa tenha traçado sofisticadas estratégias produtivas a empresa subestimou de certa forma diversos aspectos de marketing necessários a consolidação de seu espaço no mercado. Esta situação se repete em muitos setores e indica que as empresas deveriam dar mais atenção às questões de marketing e vendas ao desenvolverem novos produtos e não apenas se concentrarem nos desafios produtivos. Pode-se dizer que os passos que compõem uma orientação para o mercado – conhecimento da preferência dos clientes, difusão interna dos seus aspectos principais e escolha de uma estratégia adequada – não foram suficientemente avaliados no caso estudado. Os novos produtos apresentam graus de dificuldade diferentes ao se tentar comunicar os benefícios que estes oferecem. Para os bens industriais, comparativamente aos bens de consumo, a comunicação dos benefícios do produto faz-se de forma mais clara. Ao comprar uma nova máquina o cliente pode, em geral, bem avaliar os seus resultados em termos de redução de custos e maior qualificação dos produtos que serão manufaturados. 11 Para os bens de consumo, dada a subjetividade de avaliação do consumidor, a informação dos benefícios que esse oferece apresenta-se com maior dificuldade. Nesse caso, a satisfação de uso pode não estar associada à dimensão física, mas a outros valores como, por exemplo, à marca e ao status. Vale destacar ainda o desenvolvimento pelo cliente de relações de fidelidade entre este e os produtos já existentes no mercado, sendo freqüentemente difícil para uma empresa inovadora rompê-lo. Ainda, dificultando mais o problema, está havendo, como visto anteriormente, significativa importação de vinhos do exterior por razões atribuídas ao valor do real em relação ao dólar e também por desvantagens no aspecto tarifário. Estes obstáculos podem ser atribuídos ao governo que gera grande instabilidade quanto ao cambio. Nessa situação as empresas não conseguem avaliar o ambiente econômico, o que dificulta o processo de inovação quando ele envolve longo prazo para sua consolidação, como no caso dos vinhos. Estas incertezas do ambiente externo todavia, não invalidam a necessidade de um adequado e completo planejamento da introdução de novos de produtos, mas sim, aumentam a sua importância, conforme evidenciado neste trabalho. Bibliografia AGUIAR, F.B. A Internacionalização do Mercado Vitivinícola. In: IX Congresso Brasileiro de Viticultura e Enologia, 1999, Bento Gonçalves. Anais...Bento Gonçalves [s.n.], 1999, p.25-30. CARRAU, J. L (Coord.). 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