Cuidados perioperatórios do paciente candidato a ressecção pulmonar
Sonia Maria Faresin
Coordenadora do Ambulatório de Risco Cirúrgico da UNIFESP
Fabiana Stanzani
Pós-Graduanda da Disciplina de Pneumologia da UNIFESP
A prevenção de complicações pulmonares é um objetivo constante na avaliação de
risco cirúrgico, em particular nos candidatos a ressecção pulmonar, que na maioria das
vezes são tabagistas ou portadores de pneumopatia crônica.
De maneira didática as medidas profiláticas podem ser instituídas no período pré,
intra e pós-operatório.
É no período pré-operatório que medidas são tomadas para encaminhar o paciente
na sua melhor condição clínica, o que quer dizer diminuir o risco cirúrgico.
No período pós-operatório, a maior disponibilidade de recursos hospitalares, para
monitorização do paciente e de cuidados intensivos tem grande influência no prognóstico de
pacientes de alto risco, porque permite a detecção precoce de complicações, cuja
intervenção imediata pode reduzir a taxa de mortalidade.
Pré-operatório
O primeiro grande passo é informar e integrar a equipe médica que assiste o
paciente, especificando os riscos e elaborando um plano de tratamento para estes
pacientes.
Este plano é individualizado para cada paciente e pode abordar um ou mais tópicos
como a melhora do estado nutricional, a interrupção do consumo tabágico, a diminuição ou
desaparecimento de sintomas respiratórios, particularmente tosse, expectoração e chiado.
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Manter o paciente assintomático pode ser um objetivo de difícil aquisição, pois muitos
pacientes apresentam pneumopatia crônica e sintomas respiratórios persistentes. Além,
disso a abordagem irá variar de paciente para paciente na dependência da etiologia desta
pneumopatia.
Embora os asmáticos apresentem maior risco para complicações pulmonares pósoperatórias do que a população em geral, este grupo de pacientes não é tão susceptível a
complicações maiores (pneumonias e insuficiência respiratória aguda) como o são os
portadores de DPOC.
Por outro lado, não se pode esquecer que o broncoespasmo deve ser encarado como
uma complicação com potencial risco para a vida1,2. Ele pode ocorrer a partir da entubação
traqueal durante o ato operatório, ou nas manobras para a retirada da cânula e aspiração
das vias aéreas inferiores.
A anestesia regional, quando possível, permanece como a técnica de escolha no
paciente portador de doença broncoespástica, sendo limitada apenas pelo local de cirurgia e
a atitude do paciente.
Durante a anestesia, a entubação traqueal constituiu-se no mais vigoroso estímulo
para o aparecimento do broncoespasmo. Grandes doses de barbitúricos bloqueiam este
reflexo, mas como não são usados rotineiramente, os anestésicos inalatórios são
preferíveis. Mesmo assim, se possível, dever-se-ia atingir um plano anestésico mais
profundo antes da entubação traqueal.
O efeito broncodilatador da Ketamina é útil em pacientes com asma, que requerem
uma rápida indução anestésica e entubação traqueal, antes de aprofundar o plano
anestésico com os agentes inalatórios.
Os agentes anestésicos inalatórios são indicados para pacientes com Asma e DPOC,
porque previnem o desenvolvimento de broncoespasmo, quer bloqueando os reflexos
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iniciados na manipulação da laringe e traquéia, quer relaxando diretamente a musculatura
lisa das vias aéreas ou inibindo a liberação de mediadores. Embora o halotano seja
considerado o anestésico volátil de escolha, tanto o enfluorane como o isofluorane
constituem boas alternativas.
Os narcóticos não são recomendados para asmáticos e a morfina em altas doses
pode levar a liberação de histamina3.
Entre os agentes curarizantes, deve-se evitar o uso de d-tubocurarina, pois seu uso
associa-se com a liberação de histamina.
A administração endovenosa de lidocaína previne o broncoespasmo induzido pelo
reflexo desencadeado na traquéia com a entubação.
No portador de asma intermitente, sem nenhum episódio há anos, que não venham
usando medicação e apresentem exame físico normal, nenhuma conduta específica é
necessária4.
Pacientes portadores de asma persistente leve, que necessitem usar broncodilatador
de curta duração esporadicamente, e não façam uso regular de corticóide inalatório, deverão
ser orientados a iniciar 400mcg/dia de dipropionato de beclometasona ou equivalente, cinco
a sete dias antes da cirurgia4.
Em pacientes com asma persistente moderada ou grave, tratados com corticóide
inalado ou sistêmico diariamente ou em passado próximo, deverão receber 30 a 40 mg de
prednisona oral pela manhã, cinco dias antes da cirurgia. Pacientes com asma persistente
grave em uso de altas doses de corticóide oral, deverão receber dose substancialmente
maior nos cinco dias que precedem a cirurgia4.
Todo o paciente tratado no pré-operatório com corticóide inalatório ou sistêmico, ou
que tenha recebido um curso de corticosteróide oral nos últimos seis meses, deve receber
100mg de hidrocortisona parenteral, ou equivalente, a cada 8 horas, iniciando-se
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imediatamente antes do ato cirúrgico, até completar 24 horas ou até o estado pulmonar do
paciente estabilizar5,6,7,8.
Na ausência de trabalhos clínicos controlados, a recomendação sobre o uso de
corticóide no pré-operatório baseia-se na aparente eficácia e segurança dos mesmos em
alguns trabalhos5,6,7,8.
Parece preferível interromper o uso das metilxantinas antes da cirurgia, porque sua
interação com a Ketamina pode levar a convulsões do tipo grande mal e com o halotano
favorece a ocorrência de taquiarritmias ventriculares, mesmo em doses terapêuticas
adequadas. Além disso, por reduzir o tônus do esfincter gastroesofágico, favorece a
regurgitação e aspiração no intra-operatório e como o fluxo sangüíneo hepático está
reduzido em até 30%, predispõe os pacientes a desenvolverem níveis tóxicos da droga.
Em portadores de DPOC, se houver evidências de agudização pode ser necessária a
prescrição de antibioticoterapia, associada a corticoterapia sistêmica por pelo menos 15 dias
para estabilização do quadro. Nos pacientes com doença estável a medicação a ser
prescrita está na dependência do estádio da doença. De qualquer maneira, a partir do
estádio I os pacientes deverão receber pelo menos uma droga broncodilatadora, que pode
ser um beta 2 de demanda ou um anticolinérgico regular 9.
Internar 72 horas antes da cirurgia, somente os casos que permanecerem
sintomáticos a despeito de máxima medicação oral, para instituirmos medicação via
parenteral e broncodilatadores inalatórios em horários fixos.
A abstinência tabágica no período pré-operatório é recomendada desde que o
paciente permaneça sem fumar por oito semanas antes do procedimento cirúrgico10,11. A
redução do consumo tabágico ou abstinência por período inferior, na verdade, eleva em sete
vezes o risco de ocorrência de complicação pulmonar no pós operatório12. Caso não seja
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possível deixar de fumar durante oito semanas, será preferível indicar abstinência somente
nas 24 horas que precederem a cirurgia.
Faz parte das orientações pré-operatórias instruir e se possível iniciar fisioterapia
respiratória13. Fisiologicamente, a melhor técnica para expansão pulmonar é a respiração
profunda sustentada e espontânea14,15,16.
Qualquer método de insuflação pulmonar com pressão positiva nas vias aéreas tende
a expandir, preferencialmente, áreas com alta complacência, usualmente encontradas nos
lobos superiores. À medida que a expansão pulmonar continua, áreas com baixa
complacência são recrutadas e eventualmente expandidas. Em contraste, a respiração
espontânea e profunda, que envolve o diafragma e a caixa torácica, tende a expandir melhor
as áreas dependentes do pulmão onde as atelectasias são mais prováveis17.
Em pacientes com complacência pulmonar reduzida, em decorrência da ausência de
suspiros periódicos, demonstrou-se que ciclos de 5 respirações profundas seqüenciais são
necessárias para aumentar a complacência ao máximo. Este efeito benéfico dura em torno
de uma hora, depois do que volta a decrescer17.
Iniciar profilaxia para trombose venosa profunda e tromboembolismo pulmonar é um
procedimento de rotina em pacientes que serão submetidos à ressecção pulmonar18,19,20,21,22.
E finalmente, preparar psicologicamente o paciente para este desafio é extremamente
importante para que ele possa entender e principalmente cooperar com as medidas acima
discutidas.
Intra-operatório
A diminuição do tempo anestésico e cirúrgico, realização de insuflações intermitentes,
redução de secreções presentes na árvore traqueobrônquica e prevenção de aspiração de
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conteúdo gastroesofágico são capazes de diminuir a ocorrência de complicações
pulmonares no pós-operatório.
Preconiza-se manter a medicação utilizada no pré-operatório, alterando sua via de
administração de oral para parenteral, durante o período que houver necessidade de
manter-se o jejum.
Todo paciente em uso crônico de corticóide deverá receber dose maior que a habitual
no dia da cirurgia em decorrência do estresse cirúrgico. Esta mesma conduta é válida para
os pacientes que tenham recebido um curso de corticóide oral nos últimos seis meses ou o
utilizem regularmente sob a forma inalatória. Preconiza-se nestas situações a prescrição de
100mg de hidrocortisona parenteral ou equivalente, a cada oito horas, iniciando-se
imediatamente antes do ato operatório até 24 horas depois ou até estabilização do quadro
pulmonar6,7,8.
Pós-operatório
A retirada do paciente da ventilação mecânica e o processo de retirada da cânula orotraqueal exige condições diferentes em determinados pacientes. No asmático, a
desintubação do paciente ainda não totalmente acordado poderia previnir a ocorrência de
broncoespasmo, ao passo que no portador de DPOC esta manobra seria melhor realizada
com o paciente consciente e cooperativo.
Recomenda-se, também, manter a medicação estabelecida no pré-operatório,
diminuir a utilização de narcóticos como analgésicos e manter fisioterapia respiratória no
mínimo por sete dias.
Em toracotomias o controle da dor no pós-operatório é uma medida adjuvante para
reduzir o risco de ocorrência de complicações, uma vez que proporciona maior aderência do
paciente às manobras fisioterapêuticas. Para isto, a manutenção do cateter de peridural por
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3 a 4 dias no pós-operatório e a administração de morfina ou similar a intervalos regulares
propicia um bom controle da dor.
Profilaxia para tromboembolismo pulmonar deverá ser mantida no pós-operatório até
que o paciente esteja deambulando normalmente.
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