A Matemática das montanhas de areia
Eduardo Colli
Élvia M. Sallum
IME-USP
Introdução
O objetivo deste texto é a descrição, para cada uma das três regiões
desenhadas abaixo (um quadrado, um retângulo e um retângulo do qual é
subtraído um círculo), do conjunto dos pontos dentro da região cuja (menor)
distância ao bordo é atingida em mais de um ponto do bordo. Para cada
região esse conjunto será denominado seu esqueleto.
Em boa aproximação, o esqueleto da região corresponde à projeção da
cumeeira de uma montanha de areia saturada sobre uma placa com o formato
da mesma região. Entende-se que a montanha está saturada quando
qualquer acréscimo de areia sobre a montanha desliza e escapa da placa.
A explicação desse experimento poderia enveredar por uma discussão
cheia de aspectos sutis. Mas, para se ter uma idéia de por que funciona,
imagine a porção de montanha próxima de um pedaço retilíneo do bordo. A
areia se sustenta graças ao atrito estático entre seus grãos, que é
conseqüência de propriedades físicas do material. Isso se traduz num
coeficiente c de inclinação máxima que a areia suporta sem deslizamento.
Então a montanha, se estiver saturada, será, perto desse pedaço da borda,
um plano inclinado de inclinação c. Portanto, se um ponto P da placa estiver
perto dessa borda, a altura da montanha acima de P será de cd(P), onde
d(P) é a distância de P ao bordo.
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Com contornos em geral vale algo semelhante. É só admitir que a
montanha (saturada) desce em linha reta, com inclinação c, até o ponto
mais próximo do bordo. O resultado é que a montanha representa a função
distância-ao-bordo, multiplicada pelo fator c. Os pontos da cumeeira são
aqueles para os quais há mais do que uma vertente de inclinação máxima,
ou seja, os pontos da placa abaixo deles são exatamente os pontos do
esqueleto.
Vale a pena experimentar
Recorte uma placa (de madeira, plástico ou qualquer outro material
rígido) em algum dos formatos mostrados anteriormente ou qualquer outro
de sua preferência e coloque-a sobre algum suporte não muito baixo,
deixando livres os bordos da placa, inclusive eventuais buracos, se eles
existirem, para que a areia que escapa da placa não interfira na montanha.
Evite areia úmida: uma boa dica é usar areia colorida vendida para uso em
aquários. Derrame areia sobre a placa de forma que a montanha formada
não admita em nenhum ponto qualquer acréscimo de areia. Observe a
cumeeira em cada caso.
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A distância de um ponto a uma curva
Como já sabemos, dados um ponto P e uma reta l , a menor entre todas
as medidas PX, quando X percorre l, é assumida num único ponto H de l,
aquele em que PH é perpendicular a l e é chamada de distância de P à
reta l.
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A menor distância de um ponto P a uma circunferência, ou distância de
P à circunferência, é atingida num único ponto H, se P não coincidir com
o centro O. Observe que O, P e H são colineares.
A menor distância de um ponto P ao bordo de um retângulo pode ser
assumida em 1, 2 ou 3 pontos do retângulo e, até mesmo, em 4 pontos, no
caso do quadrado.
O lugar geométrico dos pontos eqüidistantes de uma reta e de uma
circunferência
Como é conhecido, o conjunto dos pontos eqüidistantes de uma reta d e
de um ponto F fora de d é chamado de parábola de foco F e diretriz d.
Porém não é tão difundido que o L.G. dos pontos eqüidistantes de uma reta
s e de uma circunferência de centro O e raio r também é uma parábola de
foco no centro da circunferência e diretriz paralela a s e a uma distância
r de s.
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A figura abaixo ilustra esse fato, para duas posições da reta s em relação
à circunferência: quando a reta tangencia a circunferência, o L.G. é a união
de uma parábola com uma semi-reta.
E quando a reta e a circunferência se cortam?
O esqueleto das montanhas de areia
Levando em conta que:
i) o L.G. dos pontos eqüidistantes das 2 arestas de um ângulo é a sua
bissetriz,
ii) o L.G. dos pontos eqüidistantes de 2 retas paralelas é uma reta paralela
a elas e, o que acabamos de ver, que
iii) o L.G. dos pontos eqüidistantes de uma reta e de uma circunferência
que não se cortam é uma parábola,
podemos desenhar a projeção das cumeeiras das montanhas de areia em
alguns casos.
Em traço cheio e azul vê-se, nas figuras a seguir, os lugares geométricos
dos pontos cuja menor distância ao bordo da região é atingida em pelo
menos 2 pontos distintos do bordo.
No quadrado, é a união das diagonais.
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No retângulo, é a união dos segmentos AE, EB, CF e FD, das bissetrizes
dos vértices, com o segmento EF. Note que o ponto H, por exemplo, está
na bissetriz do ângulo BAD, sendo eqüidistante das semi-retas AB e AD,
mas sua distância ao bordo é atingida em um único ponto J que está entre
B e C. Por essa razão, H não está no esqueleto.
No retângulo com buraco, há essencialmente 3 possibilidades
dependendo de relações entre a, b e r, como se vê nas 3 figuras abaixo,
em que supusemos sempre b > a.
Caso r >
b
−a
2
O L.G. é a união dos
segmentos AE, HD, BF
e GC das bissetrizes
com os arcos L i das
parábolas de foco O e
diretrizes A’B’, B’C’,
C’D’ e A’D’.
Caso r =
b
−a
2
O L.G. é a união dos
segmentos
AH,
HD, BG e GC das
bissetrizes com os
arcos L2 e L4 das
parábolas de foco O
e diretrizes A’B’ e
C’D’.
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Caso r <
b
−a
2
O L.G. é a união dos
segmentos AE, DE,
CG e BG das
bissetrizes com EF,
HG e os arcos L2 e
L4 de parábolas.
Observe que, se b < 2a, então as situações das 2 últimas figuras nunca
podem se apresentar, pois o raio da circunferência é positivo. Por outro
lado, visto que r < a/2, não há como ter r > (b/2) − a se b > 3a . Assim,
só para as bandejas em que 2a < b < 3a é possível escolher um valor de
r > 0 para cada uma das 3 situações.
O leitor está, agora, convidado a achar o esqueleto de outras figuras que
envolvam polígonos e circunferências. Que tal um polígono não convexo?
Nota
Os desenhos foram gerados com o software Scketchpad.
O texto do artigo responde à questão do Problema 244 da RPM, que corresponde
a uma peça do acervo da Matemateca do IME-USP, um laboratório interativo de
Matemática que procura incentivar os alunos de graduação a desenvolver pesquisas
e trabalhos.
Visite sua página: http://matemateca.incubadora.fapesp.br .
Não se pode deixar de apreciar a beleza dos números
(continuação)
1x1=1
11 x 11 = 121
111 x 111 = 12321
1111 x 1111 = 1234321
11111 x 11111 = 123454321
111111 x 111111 = 12345654321
1111111 x 1111111 = 1234567654321
11111111 x 11111111 = 123456787654321
111111111 x 111111111=12345678987654321
fim.
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