N I N A RODRIGUES
E
O LI VEIRA VIANNA
Interpretações do Brasil
Walter B. Gaspar
2010-2
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N I N A RODRIGUES
E
O LI VEIRA VIANNA
Interpretações do Brasil
Walter B. Gaspar
2010-2
Nina Rodrigues
O intuito central de “As Raças Humanas e a Responsabilidade Penal no Brasil” é determinar se
pode-se ou não considerar negros e índios - as raças inferiores, na visão do autor - responsáveis
criminalmente. Questiona-se se os selvagens africanos e americanos e mesmo os mestiços têm
discernimento e livre arbítrio, pressupostos para a responsabilidade penal nos moldes do direito italiano (em que se baseava o brasileiro); se o convívio com a civilização europeia seria capaz
de imputar-lhes a consciência necessária para que se tornassem cidadãos verdadeiramente
iguais.
Nina Rodrigues considera “fecunda em consequências civilizadoras a bula de Paulo III”, que
determinava a condição humana dos índios. Isto provocou na sociedade de então sentimento
de piedade e simpatia que perdurou até a época de Rodrigues e que é criticado por ele. Teriam,
segundo o autor, os “nossos legisladores ... transportado para os códigos penais este princípio
de igualdade, que, do ponto de vista do livre arbítrio, devia ser tão injusto nos domínios penais
quanto nos domínios sociais”. Fica patente a percepção de que os índios americanos são incapazes de livre arbítrio e discernimento.
Para reforçar essa percepção, afirma que a catequese dos indígenas é inútil e “conduz à degradação do selvagem”, o que sustenta citando diversos autores que compartilham tal visão. Qualquer esforço civilizatório do ameríndio seria, portanto, infrutífero. Não obstante essa impossibilidade de civilização do índio, a mestiçagem provou-se produtiva na geração de sujeitos participantes, ainda que em pequena escala, na sociedade da época. Segundo o Sr. José Verissimo,
evocado no texto, “Só os cruzamentos ... serão capazes, não de civilizar, no sentido absoluto
desta palavra, mas de tornar-nos úteis as raças selvagens”. Estaria aí uma solução para a questão
do índio no Brasil.
O caso do negro não seria diferente. Sobre as causas de uma suposta inferioridade do negro em
relação ao branco, Rodrigues cita Havelacque: “Entre essas causas, umas podem ser procuradas
na organização mesma das raças negríticas, as outras podem sê-lo na natureza do habitat onde
Nina Rodrigues e Oliveira Vianna!
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essas raças estão confinadas. Entretanto, o que se pode garantir com experiência adquirida, é
que pretender impor a um povo negro a civilização europeia é uma pura aberração”. Isso se deveria à inferioridade natural do negro, ao seu processo incompleto de cerebração que o tornaria
semelhante a uma criança.
Difere entre a visão sobre negro e o índio por Nina Rodrigues o reconhecimento da capacidade
do primeiro de “emulação louvável”. Da observação do processo de ascensão econômica e social na sociedade branca, ele desenvolveria a capacidade de imitar os brancos em empresas audaciosas. No entanto, o negro brasileiro, assim como o mestiço, “tendo em si os instintos brutais
do africano”, nunca seria capaz chegar aos altos postos da sociedade e continuaria a formar “o
grosso contingente do delito e do crime”.
O tratamento de Nina Rodrigues sobre negros e índios os exclui de participação consciente e
significativa na sociedade branca civilizada. Ainda assim, o autor reconhece a existência de indivíduos expoentes entre as raças inferiores, principalmente entre os mestiços. “Há negros e
pode haver índios que valham mais do que brancos” para os quais “a responsabilidade penal deveria ser completa”. Fora esses casos raros, negros e índios deveriam ter atenuada a sua responsabilidade penal, por sua incapacidade de igualarem-se moral e intelectualmente aos brancos.
O ideário colocado em “As Raças Humanas...” é reforçado pelo trecho tratado de “Os Africanos
no Brasil”. Neste, Nina Rodrigues desconstrói a defesa do pensamento humanitário para com
os negros e reforça a visão científica da inferioridade da raça. Esse posicionamento se expõe
claramente ao afirmar-se que “A raça negra no Brasil ... há de constituir sempre um dos fatores
da nossa inferioridade como povo”. Assim, ambos os textos demonstram o pensamento racialista de Nina Rodrigues em que ciência e antropologia unem-se para explicar a ordem social que
imperava.
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Oliveira Vianna
Oliveira Vianna faz um estudo detalhado da composição de cada uma das três raças formadoras
da amálgama brasileira. Os portugueses, divide de acordo com sua origem étnica e consequentes características físicas e comportamentais. Para os índios determina o maior grau de civilização de certos povos em relação aos outros. Faz um estudo abrangente das diferenças entre as
diversas nações que compõem a raça negra. Tudo sob o prisma do racialismo e da eugenia. Assim, Vianna produz uma obra que estuda ampla e cuidadosamente o caldeamento formador do
povo brasileiro.
Primeiramente, são tratados os portugueses. Eles são divididos em dois ramos, os dolicóides e
os brunos. Entre os próprios portugueses haveria, então, uma hierarquia racial definida pelo
grau de eugenia de cada ramo. Os dolicóides, em especial os dólico-louros, seriam os indivíduos
preponderantes na classe aristocrática, devido a seu caráter conquistador e audaz. Os brunos
formariam a base das classes médias e populares, tendo maior gosto pelos hábitos pacíficos e
pela estabilidade. Essa divisão se refletiria na formação da sociedade brasileira, pois os primeiros conquistadores - futuros senhores da economia e da política brasileira - seriam, naturalmente, os elementos dolicóides, por sua sede desbravadora. Em seguida, quando as bases do país
estivessem estabilizadas, os brunos viriam para formar uma classe média na colônia, seguindo
suas inclinações naturais.
Em seguida se discorre sobre a população aborígene, ainda que brevemente. Sobre eles Vianna
afirma que não se pode colocá-los em apenas um tipo definido: são muitos, de muitas tribos,
cada uma das quais com graus diferentes de avanço. Entretanto, mesmo os componentes das
mais civilizadas tribos não poderia participar da sociedade branca se não como elementos de
trabalho ou como força guerreira.
Os negros brasileiros são vistos, também, em comparação com as tribos africanas e seus tipos
característicos. A ideia da determinação de aspectos comportamentais pela origem étnica é
análoga à distinção feita entre os dois ramos portugueses da raça branca. Há, porém, no caso
dos negros uma imensa, “desconcertante”, diversidade de tipos.
Os mestiços seriam um caso à parte, pois sua tipificação é impossibilitada pela imensa variedade proveniente dos cruzamentos. No entanto, admite-se que eles participem da sociedade
branca com maior largueza - por vezes assumindo o papel de brancos, quando sua herança genética não é evidente.
Muito importa na construção do pensamento de Oliveira Vianna a ideia da eugenia. Através
dela, os indivíduos de características mais louváveis poderiam sobrepujar o sangue inferior. Esse
processo estaria ligado necessariamente a uma preponderância do componente branco na mestiçagem. Isso se deveria ao fato de que mesmo os indivíduos mais eugênicos das raças indígena
e negra não seriam equiparáveis ao exemplar da eugenia branca - o dólico louro. Como estivesse
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a organização do Estado intrinsecamente ligada ao caráter de seus componentes, era necessário
um embranquecimento da população para que a administração pública pudesse ser eficiente.
Esse embranquecimento deveria ser conduzido por um Estado forte, para que, até que se alcançasse uma composição étnica satisfatória, os componentes raciais inferiores fossem mantidos sob controle.
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“Não só a potencialidade eugenística do H. afer é reduzida em si mesma, como, posta em função da civilização organizada pelo homem da raça branca, ainda mais reduzida se torna. O negro puro nunca poderá, com
efeito, assimilar completamente a cultura ariana, mesmo os seus exemplares mais elevados: a sua capacidade
de civilização, a sua civilizabilidade, não vai além da imitação, mais ou menos perfeita, dos hábitos e costumes do homem branco”.
(O. Vianna, “Evolução do Povo Brasileiro”, pp. 154-155)
Entre as ideias postas por Nina Rodrigues e por Oliveira Vianna há grandes semelhanças. De
certa forma, os autores complementam-se e concordam que haja um determinismo biológico
da classe social que uma raça formará. Oliveira Vianna apresenta os fatos e dados que faltam ao
discurso de Rodrigues, listando as diferenças entre os diversos povos do caldeamento brasileiro.
Para ambos o índio ocupa a posição mais baixa em termos de inteligência, moral e civilizabilidade. Selvagens irreparáveis, deve-se “olvidá-los nas solidões das florestas em que vivem, embora sintamos profundamente que a evidência dos fatos nos obrigue a pensar assim” (Rodrigues,
p. 150). O negro, por sua vez, é fruto de sua afro-descendência e guarda as características inerentes a seu povo - em seus diferentes ramos, conforme exposto por Vianna. O mestiço é elemento intermediário na sociedade branca, conservando características do índio ou do negro,
mas assumindo certos aspectos do sangue branco. Dado seu grau de eugenia, pode aproximarse bastante dos brancos. Os autores concordam em considerar possível a ascensão social dos
mestiços, mas como fenômeno raro, exceção à regra.
O principal ponto de diferenciação entre Oliveira Vianna e Nina Rodrigues, nos textos em
questão, é seu posicionamento em relação à miscigenação. Enquanto Nina Rodrigues tem um
olhar absolutamente negativo sobre a mistura do branco com as raças inferiores, Vianna toma
uma posição esperançosa. Para ele, ainda que as raças negra e índia sejam inferiores, a seleção
dos tipos eugênicos de cada raça e a preponderância do componente branco no sangue do mestiço pode solucionar o problema da intrusão dos caracteres incivilizados no povo brasileiro.
Ainda que difiram neste ponto, Vianna e Rodrigues formam uma imagem do pensamento da
época, de sua preocupação com a “questão do negro” na sociedade brasileira e das diferentes
respostas que daí surgiram.
Nina Rodrigues e Oliveira Vianna!
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