Não sei, não quero saber, tenho raiva de quem sabe : O não saber e o sintoma neurótico. Katia Forli Bautheney Resumo: Acompanhamos nos últimos anos um aumento significativo de crianças e adolescentes encaminhados para profissionais ‘ psi' portadores das ditas « dificuldades de aprendizagem ».Os exageros destes encaminhamentos são indicativos de uma situação de crise nas instituições de ensino, com o esvaziamento do ato educativo e um crescente movimento de psicologização do cotidiano escolar. Entretanto, entre tantos sujeitos que poderiam resolver suas questões com o aprender numa esfera apenas pedagógica encontramos alguns que estão absolutamente impossibilitados de aprender exatamente por conta de um contato entre o que é da ordem do conhecimento/consciência e o Saber/manifestações do inconsciente.De modo geral, há sempre algo em jogo em relação a um (não) Saber sobre o desejo na formação de um sintoma neurótico, e neste trabalho propomos então o estudo de algumas construções metapsicológicas que auxiliem na compreensão de tais manobras psíquicas. Não sei. Não quero saber. Tenho raiva e quem sabe: o não saber e o sintoma neurótico. Katia Forli Bautheney “Um saber inconsciente, o qual minha própria análise me permite ter acesso, precede qualquer elaboração teórica”. (Mannoni, 1983). 1) Começo de conversa Uma constatação:é crescente o número de crianças e adolescentes encaminhados para profissionais « psi » que carregam em suas costas o peso do não saber.Diretamente proporcional está o aumento da demanda dos educadores (pais e professores) por “receitas infalíveis” para serem aplicadas àqueles que fogem de um padrão de aprendizagem tido como “normal”.Não podemos permanecer passivos diante deste “fenômeno”, ele é indicativo de um movimento de esvaziamento do ato educativo , onde o educador não pode assumir a responsabilidade pelo educando e pelo mundo (logo passando esta “batata”), pois nele não mais se reconhece. “A autoridade foi recusada pelos adultos, e isso somente pode significar uma coisa: que os adultos se recusam a assumir a responsabilidade pelo mundo ao qual trouxeram as crianças”. ( Arendt, 2000 p.240 ). Especificamente no âmbito escolar, parece-nos que cada vez mais o sujeito é responsabilizado pelo seu fracasso, em detrimento de uma reflexão sobre a implicação institucional neste processo.O educador Paulo Freire (1921-1997) nos alertava ao questionar se tínhamos mais problemas de aprendizagem ou problemas de ensinagem em nossas escolas.Ao longo da história da pedagogia (e sua intensa parceria com a psicologia) acompanhamos alguns movimentos ideológicos, que buscavam definir enfaticamente as causas do fracasso escolar.Atravessamos um tempo onde o insucesso era atribuído à subnutrição infantil, posteriormente à falta de cultura dos pais; e finalmente, também a educação acaba por se render a um movimento maior, que vai tentando dar conta de explicar os fatos do cotidiano (ou de normatizar e moralizar o cotidiano, como nos dirá Foucault), através de uma psicologização do mesmo.Sendo assim, serão os constructos teóricos formulados no campo da psicologia, especialmente da psicologia do desenvolvimento que passam a explicar os “problemas” no processo de aprendizagem como resultantes de uma falha ou déficit no funcionamento psíquico do sujeito, ou como uma falta de estímulos que poderiam desenvolver as ditas capacidades intelectuais. Desta forma, gradativamente nos discursos de pais e professores, os jargões psicológicos e categorias nosográficas vão sendo empregados com mais freqüência para indicar que se a criança ou adolescente não aprende, é porque há algo que vai mal em seu « desenvolvimento »/funcionamento psíquico. Gabbi Junior (1986) nos aponta que a psicologia vem para ocupar um lugar que outrora era desempenhado pelas avós: “Por que há por parte da psicologia essa vontade de aprender cientificamente o cotidiano? Onde está a superioridade desta sobre nossas avós? A resposta é cândida: está na cientificidade de que se dizem portadores. Contudo, para fazer ciência precisam fazer do homem um invariante”. (p.21) Uma análise mais crítica desta questão nos leva à inquietante constatação de que possivelmente muitos sujeitos ditos fracassados nas escolas não precisam de um atendimento psicodinâmico. O excesso de encaminhamentos por parte das mesmas poderia ser contido oferecendo-se a oportunidade para que no campo escolar os alunos possam ser marcados com aquilo que é da ordem da cultura, do campo do humano, dando possibilidades para que os sujeitos encontrem por esta via caminhos sublimatórios para suas pulsões; movimento este que em alguns casos por si só cumpre funções “terapêuticas”. Entretanto para além deste ‘furor psicopedagógico' recebemos em nossos consultórios crianças, adolescentes e adultos às voltas com um grande sofrimento psíquico relacionado ao saber, ou melhor, ao não saber.Especialmente na clínica com crianças e adolescentes o sintoma do não saber fica ainda mais destacado, uma vez que encontra na escola (lugar socialmente designado como sede de saber), um espaço para ser projetado, gerando angústia e mal-estar.Não adianta submeter este sujeito a seqüências de reforço, aulas particulares, sessões reeducativas, castigos, broncas...Ou seja, de nada basta dirigirmo-nos a uma instância consciente quando as raízes deste sintoma depreciado por pais, professores e pelo próprio sujeito estão afundadas no inconsciente. Mudemos então de estratégia, afinal estamos no campo da psicanálise; arrisquemo-nos numa escuta para além dos comportamentos observados e numa ética que extrapola toda sorte de terapia ortopédica de anulação do sintoma.Mesmo porque, como diz Safouan (1989): “(...) O sintoma tem para o analista um sentido estritamente subjetivo. O analista não o considera como indicativo de uma doença, como possibilidade de enquadramento do paciente numa das classificações consagradas. A psicanálise revolucionou o conhecimento do homem não como ciência da personalidade, mas como ciência do sujeito. Então o que é o sujeito? Exatamente o que o sintoma oculta. O sintoma é um bem do sujeito e bem para o sujeito. (...) O sintoma é uma saída de saúde, momentânea, precária, mas a única que pode garantir certa ordem do sujeito”.(p.23) Desta forma, para início de conversa, recoloquemos a questão: O que está em jogo na estrutura neurótica que não pode ser sabido? Que tipo de angústia o não saber alivia?Na tentativa de responder estas questões, utilizaremos como recurso a possibilidade de discutir algumas questões metapsicológicas envolvidas no processo de não saber a partir de fragmentos de duas situações clínicas onde os sintomas apresentados pelos analisandos falam de uma insuportabilidade em relação ao saber.Cada um desses casos convida-nos a pensar algumas posições psíquicas diferentes em torno da questão: Um segredo que não pode ser revelado, o embate do sujeito com a castração. 2) Não sei!!! D. foi encaminhada pela escola para iniciar uma análise. A coordenadora entra em contato comigo para falar que faria o encaminhamento de uma menina que estava com dezesseis anos, que havia repetido (não podemos deixar de escutar este significante desde um outro lugar...) o primeiro ano do Ensino Médio, e que estava tendo novamente sérios problemas com seu rendimento escolar. Ao longo de sua análise conta uma versão sobre a história de sua adoção, rompendo um pacto de silêncio até então estabelecido com sua mãe.Apresenta vários sintomas de auto-agressão, e diz não conseguir entender porque todos dizem que ela é inteligente, ela se acha inteligente mas não consegue tirar boas notas na escola.Em entrevistas com a mãe esta conta uma versão diferente sobre a adoção de D., versão esta que nunca lhe havia sido contada. 3) Buraco-negro no universo narcísico No site do Observatório Astronômico da UFMG , encontramos a seguinte definição para o conceito astronômico de Buraco-negro: « Buraco Negro é uma região do espaço onde o campo gravitacional é tão forte que nada sai dessa região, nem a luz; daí vermos negro naquela região. Matéria (massa) é que "produz" campo gravitacional a sua volta. Um campo gravitacional forte o suficiente para impedir que a luz escape pode ser produzido, teoricamente, por grandes quantidades de matéria ou matéria em altíssimas densidades.(...) Desde 1939 acreditamos que, em seu processo evolutivo, uma estrela de massa maior que 3,2 vezes a massa do Sol, quando acaba o seu combustível, pode "desabar sob seu próprio peso". Essa estrela pode se contrair tanto que dê origem a um campo gravitacional forte o suficiente para impedir que a luz escape de suas proximidades. Um buraco negro! ». Pensamos em poder analisar um tipo de formação sintomática neurótica onde o não saber está diretamente conectado a um segredo não revelado na família , onde o não-dito ocupa um lugar fantasmático que assombra o sujeito.Algo da ordem de um « buraco » compõe a história deste sujeito e produz efeitos, uma vez que em torno deste um o campo pulsional é criado, e tal qual um buraco negro, possui um enorme poder de captação de energia psíquica, esvaziando as funções egóicas(como aprender na escola, por exemplo).Consideremos esta analogia em termos metapsicológicos.Tal reflexão nos leva para um momento anterior ao processo de fixação da libido.Numa tentativa de compreender o curso de desenvolvimento da mesma, Freud (1914) vai articulando o conceito de Narcisismo. Para este autor, o auto-erotismo é plataforma para surgimento do narcisismo precipitado pelo que ele chama de um « novo ato psíquico »(p.84).A este novo ato psíquico podemos entender a « transmissão psíquica » do narcisismo dos pais.Desta forma, o lugar narcísico do qual os pais se relacionam com seus filhos permite aos primeiros dar o “start” no movimento pendular da libido de suas crianças, libido esta que numa ponta é narcísica e na outra objetal.Patogênico, conforme Freud (1916-1917), é uma “interferência na mobilidade da libido” (p.422). No caso de D., o “buraco” em sua história articula-se muito bem com o pacto de silêncio acordado com sua mãe.Este pacto colmata angústias narcísicas desta mãe; que por sua vez estavam presentes na fundação do novo ato psíquico/narcisismo da filha.A manutenção do sintoma de não saber da filha funciona como defesa contra angústia para a mãe, tecendo neste caso uma intrincada rede de complexo familiar, e resultando numa distribuição libidinal desigual (patógena), essencialmente narcísica, em detrimento das possibilidades de investimentos objetais.Mannoni (1983) assinala que “a criança ‘doente' aparece como porta-voz das tensões da família (...) um equilíbrio se forma então ao preço da doença de um dos membros da família”.(p.13) Sigal de Rosemberg (2002) indica em seu texto “A constituição do sujeito e o lugar dos pais na análise de crianças”, que “as crianças costumam fazer sintomas naqueles lugares que se tornem insuportáveis para seus pais” (p.48), e neste caso o sintoma de D., faz intersecção entre o narcisismo da filha e da mãe.O segredo as une libidinalmente, e demanda muita catexia para manter o ‘status quo' em seu psiquismo. 4) Acionando a contra-inteligência. Com uma certa surpresa constatamos que aquele sujeito que apresenta uma queixa sintomática em relação à impossibilidade de aprender, muitas vezes se revela diante de nossos olhos e escuta alguém muito inteligente, a despeito de todos os “rótulos” que carrega, como de burro, lento, deficiente, atrasado...Mas que inteligência é esta que o analista pode escutar e que não é vista nem reconhecida nos círculos sociais pelos quais este sujeito circula? Luzuriaga (1976) nos ajuda a responder esta questão, ao lançar mão do conceito de contrainteligência. Para construir este conceito a autora parte do pressuposto de que o não aprender implica em um processo ativo; ou seja, existe um trabalho de construção de um sintoma, e um trabalho para a manutenção do mesmo.Ocariz (2003) nos lembra que um sintoma pode ser entendido como uma defesa, enquanto “processo para proteger o eu contra as exigências pulsionais” (p.53), e aponta que “entre estes mecanismos de defesa mais primários, encontram-se a transformação no contrário e a volta contra a própria pessoa”.(p.53). Neste sentido Luzuriaga (1976) aponta: “Quando analisamos os conteúdos conflitivos de nossos pacientes, analisamos também seus mecanismos de defesa. Não fazemos outra coisa que estudar a maneira como a inteligência dedicase à tarefa de destruir-se a si mesma com o objetivo de não conhecer conteúdos que causam extrema dor”.(p.15, tradução nossa). Daí podemos concluir porque toda tentativa de reeducação e prática psicopedagógica ortopédica tende ao fracasso...Não estamos trabalhando com uma ausência de inteligência, não há nenhum trabalho de suplência que precise ser feito.A contra-inteligência funciona sob os mandatos da pulsão de morte.Ela trabalha com o objetivo de causar desconexão, falta de sentido, tédio, inibição das funções cinestésicas.Isto ocorre porque a contra-inteligência ataca as funções sensoriais, comprometendo as relações do ego com a realidade. D. Ficou muito incomodada diante da minha observação de que ela era uma menina muito inteligente, chegou a rir de mim, pois falava algo que lhe soava absurdo diante da imagem que construiu para si na escola e na família. Mas esta risada foi aos poucos convertendo-se em desconforto. Esta menina nada queria saber de conteúdos, respostas.A análise também não lhe forneceu nenhuma resposta (esta é condição inclusive para a continuidade da mesma), entretanto, foi criado um campo onde D. pode ousar fazer perguntas . “Por que eu não consigo aprender? Por que você e outras pessoas dizem que eu sou inteligente mas não tiro boas notas? Por que eu sinto que sou inteligente mas não consigo estudar”. Convocar a inteligência do sujeito para o campo da pulsão de vida pode auxiliar o analista a trabalhar no sentido oposto ao da contra-inteligência. Através de sua escuta, interpretações e construções o analisando é auxiliado a na atribuição de um sentido à sua fala, estabelecimento de nexos. Esta convocatória acaba por gerar um movimento e produção de energia da pulsão de vida (libido) que fica livre para ser investida em objetos. Este tempo de questionamentos por parte de D. permitiu que ela se aproximasse pela primeira vez de um menino (um “CDF” na fala dela), com quem está iniciando sua vida sexual, de uma forma escondida da mãe, criando então um outro segredo da qual esta última não faz parte, aliviando a concentração energética em torno do primeiro segredo, ao necessitar redistribuí-la agora com este segundo. Tudo isso vem sendo acompanhado de uma crescente depressão por parte da mãe, e Mannoni (1995), nos alerta que através dos avanços na análise de um filho (a), “a mãe (ou o pai) irá manifestar então, através de seu desnorteio, o seu próprio problema de castração, mascarado até então pelo filho que tinha a missão de o significar”.(p.56) 5) Não quero saber!!! B. foi encaminhada para “terapia” por sua mãe. Diz que a menina “tem a letra (novamente o significante instiga a escuta...) muito feia”. Além disso, B. apresenta dificuldades em seu rendimento escolar, que está abaixo do esperado (quando começa a análise está na segunda série).B. não conhece o pai, mora com os avós e divide o quarto com a mãe com quem apresenta uma relação onde há uma entreve no estabelecimento da diferença geracional. 6) O (não) saber e a castração Sobre o que o neurótico não quer saber?Sobre a castração; ou melhor, sobre a angústia da castração. Esta afirmação nos remete à própria lógica edípica. Uma das fantasias originárias, que está na base da construção de teorias sexuais infantis seria a da indiferenciação entre os sexos.Para as crianças pequenas, meninos e meninas possuiriam pênis, mas a confrontação com as diferenças sexuais anatômicas causa desconforto.Mesmo tentando negar as diferenças , a pulsão epistemofílica passa a exigir investimento libidinal em investigações sobre a questão.Certamente estas investigações ganham força com a pesquisa sobre a origem dos bebês, e com a constatação de que homem e mulher têm participação nesta história. Além de observar papai e mamãe, esta criança olha para seus colegas, quer ver e tocar em seus corpos (para desespero de pais e professores), fazer comparações, tentar entender as diferenças.Juntas, a pulsão escópica e a pulsão de domínio convergem-se na pulsão epistemofílica. A criança quer respostas para as velhas questões ontológicas, de onde vim para onde vou; onde uma interrogação sobre o sexo permite uma abertura do espectro para questões do conhecimento como um todo: Por que o céu é azul? Por que o trovão faz barulho? Para que serve trigonometria? Quem foi Sócrates?Afinal, o que é neurose obsessiva e histeria? Alunos sedentos de respostas...sobre o saber!Mas não há respostas sobre o saber; contentamo-nos então (por um momento efêmero) com respostas no campo do conhecimento, cujo resultado acaba sendo o processo de aprendizagem, que como o desejo, deve manter-se insatisfeito lançando-nos a novas investigações. Não se pode ter tudo! Em alguns casos, a impossibilidade de acesso ao campo do saber acaba por se sobredeterminar e impedir o acesso ao que é da ordem do conhecimento.Sara Pain (1996) pode nos auxiliar a compreender o porquê desta “confusão” entre saber e conhecer.Para a autora, o desejo situa-se no campo do inconsciente.A ele estão ligadas as fantasias, os mecanismos de projeção, identificação, repetição, recalque, esquemas, representação, afetos, operações mentais, retóricas, metáfora e metonímia.Entretanto, o campo do conhecimento avança nas duas instâncias; consciente e inconsciente. Desta forma, estaria ligado à função consciente do conhecimento o desenvolvimento de categorias, noções sobre o objeto, tempo, espaço, causalidade e número.Entretanto, uma série de ações demandadas em ingênuos exercícios escolares, mobilizam aquilo que filtra o conhecimento desde um lugar inconsciente: Conhecimento da realidade, mecanismos de assimilação e acomodação, inibição, esquemas sensório-motores, operações mentais (desde um referencial piagetiano) concretas e lógicas. Frase infeliz para os neuróticos, ilusão rompida pelo processo de castração: não se pode ter tudo!As crianças avançam em suas pesquisas; as meninas ao longo de sua travessia edípica percebem-se castradas, aproxima-se do pai na expectativa que este quiçá lhe ofereça o que sua mãe negou.Os meninos orgulhosos de seu pênis temem perdê-lo e por temor da castração abrem mão de uma posição privilegiada junto à mãe e finalizam o Complexo de Édipo. A castração vem acompanhada de angústia.Angústia da separação, da perda, mas fundamentalmente angústia de não ser freado neste impulso de reintegrar-se à mãe. “Que existe uma relação entre inibição e angústia é algo evidente. Algumas inibições obviamente representam o abandono de uma função porque sua prática produziria angústia”.(Freud, 1926:92). B. “vomita” a escola.Parece que este é um lugar ameaçador do qual precisa se proteger.Suas professoras ficam indignadas com a recusa por parte desta menina em responder até questões muito simples nas provas, que costumam ser entregues em branco. Diante de um processo de castração “frágil”, B. parece se angustiar diante do perigo de manter-se numa posição de ser o falo desta mãe que não pode olhar para outras direções que não a desta filha (ela não trabalha, não tem vida social, nem relacionamentos afetivos e/ou sexuais), ficando impedida de aceder à condição de ter o falo, tirando, por exemplo, as notas altas esperadas por seus familiares e professores. 7) Quando a paralisia se dá no órgão pensamento Freud (1905) nos fala que a histeria não se diferencia dos mecanismos de constituição das outras psiconeuroses “até que entre em cena a ‘complacência somática' que proporciona aos processos psíquicos inconscientes uma saída corporal” (p.48). No Ego e o Id (1923), Freud fala que o ego “é, primeiro e acima de tudo, um ego corporal; não simplesmente uma entidade de superfície, mas é, ele próprio, a projeção de uma superfície”.(p.39) Desta forma, pensamos que uma outra forma de entender o processo de “paralisia” intelectual pode ser explicado nos moldes da conversão histérica. Há um excesso de excitação no órgão pensamento, e o ego precisa proteger-se desta sobrecarga de excitação inibindo algumas de suas funções. Este tipo de inibição ocorre então devido a uma falha no mecanismo de recalque : “A função que um órgão desempenha a serviço do ego se encontra inibida uma vez que sua significação sexual aumenta. (...) O ego renuncia a certas funções para não efetuar um novo recalque, para não entrar em conflito com o id”. (Chemama, 2003:193-4. Tradução nossa). Sendo assim, para poder aprender, é preciso esquecer das representações que ameaçam o ego por conta de sua intensidade pulsional.Tarefa difícil para B., onde o terror/fascínio/gozo de uma ameaça de incesto parece estar sempre à espreita. Nem todo processo inibitório pode ser considerado como negativo; a inibição tem função reguladora no psiquismo, uma vez que controla e domina qualquer excedente de excitação sexual.O processo de inibição intelectual por parte de B. passa para o plano sintomático, porque falha na tarefa de fornecer duas alternativas necessárias para “aliviar” o ego de forte angústia, apontados por Santiago (2000), que seriam: uma orientação da pulsão sexual para caminhos sublimatórios, e o impedimento da satisfação da pulsão sexual no mundo exterior, o que acaba por funcionar como uma regulação contra os excessos de excitação sexual. Desta forma somos instigados a pensar que talvez no caso de B. não se trate de uma inibição intelectual, mas de uma falta dos diques libidinais (pudor, repugnância e moral), que possam funcionar como componentes para que um processo de inibição possa se instalar, liberando os pensamentos desta criança de uma rede de erotização. Referências bibliográficas: ARENDT, A. “Crise na educação” in Entre o passado e o presente. 5ª edição. São Paulo: Perspectiva, 2000. CHEMAMA, R. Dictionnaire de la psychanalyse .Paris: Larousse, 2003. FREUD, S. “As neuropsicoses de defesa” (1894) Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud . Rio de Janeiro: Imago, 1996. _________ “Fragmento da análise de um caso de histeria” (1905). Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud . Rio de Janeiro: Imago, 1996. _________ “Conferências introdutórias sobre a psicanálise-parte III” (1917). 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Um agradecimento especial à Silvia Leonor Alonso que supervisionou a condução da análise de D. neste ano, e que contribuiu enormemente para a construção deste trabalho. www.observatorio.ufmg.br Ou seja, não há nem mesmo uma representação a ser recalcada. Na conferência XXVI Freud define narcisismo como uma « forma de distribuir a libido ».(p.416) Novamente aqui o conceito de física pode nos ajudar: Atividade contínua e progressiva de uma força, e o resultado desta atividade. ” A potência intelectual é usada tanto para conectar-se com a realidade(vida) como para desconectar-se dela( morte). »Luzuriaga,1976 :65. Mannonni (1983) fala que o saber inconsciente é tudo aquilo que uma vez produzido escapa de seu “autor”.E afirma que de qualquer maneira, nos podemos saber (no caso de D.as respostas para suas questões) sem saber que sabemos. Doente e/ou problemático, podemos acrescentar. Sobre a frase de Lacan, ”o que o neurótico recusa é sua angústia”, encontramos uma explicação interessante em Safouan (1989), que diz que esta recusa ocorre no que ela pode ter de mais legítimo; ela é sinal de proximidade do saber. Vale a pena destacar aqui o trabalho de Walkíria Helena Grant (2001), que fala que num nível social homens e mulheres podem trabalhar para anulação das diferenças, mas que estas nunca se apagarão no plano psíquico.Mas é espantoso como esta questão se confunde no discurso social. Eduardo Galeano definiu assim utopia : Utopia é uma coisa que quando a gente se aproxima um passo ela se afasta um passo, quando se aproxima dois passos ela se afasta dois passos.Então para que serve a utopia ? Para que continuemos caminhando. Que por sua vez é descrito por Freud em sua carta a Fliess de 6/12/1896 como uma “falha de tradução”.Isto porque o prazer seria gerado pela possibilidade de uma tradução psíquica. O desprazer despertado pelo recalque provoca uma espécie de ‘distúrbio de pensamento' que impede o trabalho de tradução. Talvez valha a pena destacar que aqui se trata mesmo de garantir a ocorrência de uma inibição, e não de um recalque. Para tanto levamos em conta a diferenciação estabelecida por Santiago (2000) entre os dois conceitos. Para a autora a inibição é uma solução bem sucedida para eliminar a tensão geradora de desprazer; a defesa suspende o desprazer, mas bloqueia ao mesmo tempo a cadeia de lembranças.Já no caso do recalque, o desprazer não pode ser evitado no momento que o sujeito encontra-se com a sexualidade.O pensamento recalcado, ao contrário do inibido insiste em se inscrever, retornar à consciência, produzir novas orientações.