Artigo Original
Tratamento cirúrgico da neoplasia maligna de pele
não melanoma. Estudo de 100 casos tratados em
Campo Grande
Surgical treatment for non melanoma skin cancer. Study
of 100 cases treated in the city of Campo Grande
RESUMO
Carlos Alberto Ferreira de Freitas1
Adriana Covatti Luza2
Samara Cebalho Sales2
Elza Garcia da Silva3
Jucirema Sousa Perrony4
ABSTRACT
Introdução: O tipo de câncer de maior incidência no Brasil é o de
pele. Está relacionado principalmente com a exposição solar, idade
e cor de pele clara. Objetivo: Discutir o tratamento cirúrgico
realizado nos portadores de carcinoma de pele não melanoma em
uma cidade brasileira. Métodos: Foi realizado um estudo
prospectivo de 67 pacientes, nos quais foram diagnosticadas 100
lesões por exame anatomopatológico como carcinoma basocelular
ou espinocelular no período de 2005 a 2007, no Hospital
Universitário de Mato Grosso do Sul e Hospital São Julião. Foram
abordados fatores de susceptibilidade do hospedeiro, fatores
ambientais, características das lesões, o tratamento instituído e
suas variações. Resultados: Os pacientes distribuíram-se
diferentemente, sendo o gênero masculino (60%) o mais
acometido; houve incidência maior na faixa etária entre 60 e 80
anos (50%), com média de 60, 3 anos. A amostra apresentou fator
de susceptibilidade como raça caucasiana em 80% dos pacientes.
A localização mais frequente dos tumores foi a região nasal e
palpebral, com 55% dos casos. O tratamento foi majoritariamente
excisão cirúrgica com fechamento primário da pele (74%), embora
outras técnicas também tenham sido realizadas em quantidade e
variedade consideráveis. Conclusão: Embora a excisão cirúrgica
com fechamento primário da pele tenha sido a técnica mais
utilizada, houve grande variedade de estratégias cirúrgicas no
tratamento do câncer de pele, principalmente em regiões nasal e
palpebral.
Introduction: The principal type of cancer, in Brazil, is skin cancer.
It is associated with sun exposure, age and skin color. Objective:
To study the surgical treatment performed in non melanoma skin
cancer patients in a Brazilian town. Methods: It is a prospective
study of 67 patients, on which 100 lesions were diagnosed through
histopathological exam as basal cell carcinoma or squamous cell
carcinoma within the period of 2005 to 2007, in the Hospital
Universitário de Mato Grosso do Sul and Hospital São Julião. The
susceptibility of the host, environment variables, treatment and
characteristics of the lesions were evaluated. Results: The patients
were unevenly distributed, the male gender being more affected
(60%). The pathology was more incident in the ages between 60
and 80 years old, with an average of 60.3% years. The sample
revealed susceptibility factor as white skin in 80% of the patients.
The most frequent tumor locations were nose and eyelid, with 55%
of the cases. The treatment was mostly surgical excision with
primary closure of the skin (74%), although other techniques had
been performed in considerable number and variety. Conclusions:
Even though surgical excision with primary closure was the most
performed technique, there was a large variety of surgical strategy
used in the treatment of skin cancer, especially in nasal and eyelid
areas.
Key words: Skin Neoplasms. Head and Neck Neoplasms.
Reconstructive Surgical Procedures. Surgical Flaps. Carcinoma,
Squamous Cell. Carcinoma, Basal Cell.
Descritores: Neoplasias Cutâneas. Neoplasias de Cabeça e
Pescoço. Procedimentos Cirúrgicos Reconstrutivos. Retalhos
Cirúrgicos. Carcinoma de Células Escamosas. Carcinoma
Basocelular.
INTRODUÇÃO
Segundo o Instituto Nacional do Câncer, o câncer de pele é o de
maior incidência no País, com estimativa de 115.010 novos
casos em 2008. Se considerar-se que a expectativa é de
466.730 novos casos de câncer, aproximadamente um em
cada quatro pacientes diagnosticados como neoplasia terá
como localização primária a pele. Assim como no Brasil, o
Estado de Mato Grosso do Sul mantém essa mesma
proporção, com um terço dos casos sendo detectados na
Capital1.
Esse tipo de neoplasia tem baixa letalidade, mas a demora no
diagnóstico pode levar a deformidades físicas e piora na
qualidade de vida1. Grande parte das lesões primárias, se
tratadas precocemente, tem bom prognóstico e melhor
resultados estéticos e funcionais2.
As campanhas de prevenção do câncer de pele, por
proporcionar um diagnóstico precoce, resultam em tratamento
rápido, diminuição da morbidade e aumento da sobrevida do
paciente. Esse tipo de programa permite detectar
precocemente o melanoma em até 90% dos casos, além de
diminuir as seqüelas estéticas do tratamento tardio da neopla-
1) Doutor em Medicina pelo Curso de Pós-Graduação em Clínica Cirúrgica da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Professor Adjunto Departamento de Clínica Cirúrgica da
Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Campo Grande/MS.
2) Acadêmico da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Campo Grande/MS.
3) Médica dermatologista do Serviço de Dermatologia do Hospital Universitário da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Campo Grande/MS.
4) Médica Residente do Serviço de Dermatologia do Hospital Geral de Bonsucesso, Rio de Janeiro/RJ.
Instituição: Universidade Federal do Mato Grosso do Sul, Campo Grande/MS, Brasil.
Correspondência: Carlos Alberto Ferreira de Freitas, Rua Padre João Crippa, 2446 – 79010-180 Campo Grande/MS, Brasil. E-mail: [email protected]
Recebido em: 19/05/2009; aceito para publicação em: 20/07/2009; publicado online em: 15/08/2009.
Conflito de interesse: nenhum. Fonte de fomento: nenhuma.
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sia não melanoma e também a recorrência de novos tumores3.
A exposição solar é definitivamente o maior fator de risco em
todos os tipos de câncer de pele. Também têm influencia: uso
de álcool, tabagismo, exposição ao arsênico, radiação
ionizante, processos dermatológicos irritativos, cicatriz antiga e
distribuição geográfica, raça caucasiana4-6.
O presente estudo tem como objetivo a análise de 67 pacientes
portadores de neoplasia maligna da pele não melanomas, que
foram atendidos no ambulatório de tumores cutâneos do
Serviço de Dermatologia do Hospital Universitário da
Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, em um período
de dois anos, onde são apresentados dados epidemiológicos e
o tipo de tratamento realizado, em diversos estágios clínicos.
MÉTODOS
Entre fevereiro de 2005 e dezembro de 2007, 67 pacientes com
100 lesões diagnosticadas previamente como neoplasia
maligna de pele não melanomas, por exame histopatológico,
foram estudados prospectivamente. A população em estudo foi
submetida à cirurgia no Hospital Universitário da Faculdade de
Medicina da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul ou no
Hospital São Julião. Os dados epidemiológicos foram
pesquisados através de questionário.
As variáveis estudadas foram: gênero, idade (agrupada por
categorias), cor da pele (brancos, pardos e negros), localização
do tumor (regiões auricular, nasal, malar, cervical, temporal,
mandibular, maxilar, além de pescoço e membros superiores),
tipo histológico (carcinoma basocelular e carcinoma
espinocelular), tipo de apresentação das lesões. Alguns
pacientes possuíam mais de uma lesão.
O projeto de pesquisa foi submetido ao Comitê de Ética em
Pesquisa com Seres Humanos da Universidade Federal do
Mato Grosso do Sul, tendo sido aprovada.
RESULTADOS
Da totalidade dos pacientes estudados, 40 (60%) eram do
gênero masculino, 57 (85%) eram da raça branca e 33 (49%)
tinham mais de 60 anos completos de idade. A localização mais
freqüente no sexo feminino foi à região nasal e auricular (Tabela
1). Nos homens, as lesões foram encontradas principalmente
em nariz e fronte (Tabela 1).
Tabela 1 – Localização da lesão / gênero
Localização/
gênero
Masculino
n
%
Feminino
n
%
n
Total
%
Auricular
7
10,44
5
15,15
12
12
Frontal
11
16,41
3
9,09
14
14
Labial
1
1,49
0
0
1
1
Malar
4
5,97
4
12,12
8
8
Maxilar
7
10,44
5
15,15
12
12
Membros
8
11,94
4
12,12
12
12
Nasal
13
19,46
10
30,31
23
23
Pescoço
6
8,95
1
3,03
7
7
Temporal
2
2,98
1
3,03
3
3
Tronco
7
10,44
0
0
7
7
Total
67
100%
33
100%
100
100
Dentre as lesões analisadas, 73% foram classificadas como
carcinoma basocelular (CBC) e 27% como carcinoma
espinocelular (CEC). Dos tipos de tratamento, o mais utilizado
foi a excisão da lesão com margem de 5 a 10mm com
fechamento primário (74%), seguido de excisão da lesão com
margem e fechamento utilizando retalhos (21%) e excisão da
lesão com margem e fechamento com enxerto cutâneo (5%).
A Tabela 2 mostra que, no gênero feminino, foram encontrados
apenas sete casos de CEC, ambos tendo como tratamento a
excisão da lesão com margem de 5 a 10mm com fechamento
primário. Os CBC desse gênero tiveram como técnica cirúrgica
a excisão da lesão com fechamento primário em 23 casos e
excisão da lesão com margem e fechamento utilizando retalhos
em nove.
Tabela 2 – Distribuição dos tipos de carcinoma cutâneo não melanoma
em relação às opções de tratamento realizado e ao gênero
CEC
Tratamento
cirúrgico
CBC
sexo
feminino
sexo
masculino
sexo
feminino
sexo
masculino
Excisão com
fechamento
primário
7
15
23
29
Excisão com
margem e
fechamento
com enxerto
cutâneo
0
2
0
3
Excisão com
margem e
fechamento
utilizando
retalhos
0
3
9
9
Total
7
20
32
41
No gênero masculino, o CBC foi o mais encontrando (57%),
tendo recebido como tratamento a técnica a excisão da lesão
com fechamento primário em 29 casos, excisão e fechamento
utilizando retalhos em nove e excisão da lesão com margem e
fechamento com enxerto cutâneo em três.
Em relação aos tipos de lesão (Tabela 3), a ulcerada foi a mais
prevalente e a que exigiu cirurgias de maior porte,
principalmente as tipo excisão com margem e fechamento
utilizando retalhos (12 casos). Excisão com fechamento
primário foi realizado em 18 casos desse tipo de lesão e em
mesmo número nos carcinomas tipo nodulares, a segunda
característica lesional mais encontrada. A excisão com margem
e fechamento com enxerto cutâneo foi utilizada em casos de
lesões ulceradas, nodulares e em máculas.
Tabela 3 – Distribuição dos tipos de lesões em relação ao tratamento
realizado
Tratamento
cirúrgico
Excisão com
fechamento
primário
Excisão com
margem e
fechamento
com enxerto
cutâneo
Excisão com
margem e
fechamento
utilizando
retalhos
Total
Plana
Tipos de lesão
Mácula Nodular Ulcerada Vegetante
Crostosa
20
13
17
18
2
7
0
1
2
2
0
0
4
1
0
11
0
2
24
15
19
31
2
9
A Tabela 4 indica que na maioria dos locais das lesões, a cirurgia
mais prevalente foi a excisão com fechamento primário,
enquanto que na região nasal houve pouca diferença entre esse
tipo e a excisão com margem e fechamento utilizando retalhos.
Existem diversas técnicas para o fechamento cutâneo
utilizando retalhos.
A Tabela 5 mostra as opções usadas nas cirurgias realizadas de
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acordo com a localização de cada lesão. Lesões nasais e/ou
palpebrais necessitaram de uma maior variedade de retalhos.
Tabela 4 – Distribuição do tratamento cirúrgico em relação à
localização neoplásica
T ratamento Cirúrgico
Localização das
lesões
Exérese + Exérese +
Exérese +
sutura
enxerto
retalho
Frontal
12
1
1
Auricular
11
0
1
Malar
8
1
0
Maxilar
Nasal/Pálpebra
10
10
0
3
2
10
Pescoço
1
0
0
Tronco
6
0
2
Cervical
5
0
0
Membros
superiores
9
0
2
Temporal
2
0
2
Labial
0
0
1
Total
74
5
21
Tabela 5 – Distribuição das técnicas de reconstrução adotadas na
excisão com margem e fechamento utilizando retalhos
Técnicas de reconstrução adotadas
Localização
das lesões
Médio
frontal
Nasogeniano Nasogeniano
Pálpebra Frontall Retalho
com pedículo com pedículo Mustardé
superior ateral vizinho
inferior
superior
Frontal
0
0
0
0
0
0
1
Auricular
0
0
0
0
0
0
1
Maxilar
0
0
0
0
0
0
2
Nasal/
Pálpebras
3
1
2
2
1
1
0
Labial
0
0
0
0
0
0
1
Tronco
0
0
0
0
0
0
2
Temporal
Membros
superiores
Total
0
0
3
0
0
1
0
0
2
0
0
2
0
0
1
0
0
1
2
2
11
com fechamento primário não houve diferença percentual em
relação aos outros tipos de lesões. Foi, entretanto, a principal
característica das cirurgias de excisão com margem e
fechamento utilizando retalhos. Em relação à excisão com
margem e fechamento utilizando enxerto, esse tipo de lesão
teve número de cirurgias semelhante ao de lesões maculares e
nodulares. Lesões maculares, nodulares, planas e vegetantes
necessitaram de fechamento primário na maioria dos casos
estudados.
As lesões localizadas nas regiões nasais e palpebrais
requisitaram de técnica mais refinada, uma vez que algumas
neoplasias dessas localidades foram encaminhadas à equipe
em estágios mais avançados, e, conseqüentemente, com maior
dificuldade de execução. Além disso, a própria anatomia dessa
região é esteticamente desafiadora, tendo sido necessária a
utilização de uma maior variedade de técnicas de reconstrução,
específicas para cada caso. As lesões que necessitaram de
excisão com margem e fechamento utilizando retalhos foram
realizadas no Centro Cirúrgico do Hospital São Julião, devido à
grande área facial afetada e à dificuldade técnica.
No paciente da ilustração nas Figuras 1 a 3, foi realizada cirurgia
de reconstrução nasal com retalho médio frontal em dois
tempos. Outra técnica cirúrgica com a utilização de retalhos
pode ser ilustrada pelas Figuras 4 e 5, em que foi utilizado
retalho frontal com pedículo lateral. Ambos representam casos
mais avançados da doença.
Também em região nasal e palpebral, em três lesões o cirurgião
procedeu com a realização de enxertos cutâneos retirados da
região supra clavicular (Tabela 4). São procedimentos descritos
em outros estudos, com bom resultado9,10. A lesão labial também
necessitou de retalho, pois do contrário a parte inferior ficaria de
tamanho desproporcional em relação à parte superior. Lesões
auriculares receberam majoritariamente sutura simples, uma
vez que eram de pequeno tamanho e não atingiram a
cartilagem. Esse tipo de escolha de procedimento é encontrado
também em outro estudo11.
DISCUSSÃO
A exposição solar é o maior agente ambiental implicado na
4
indução do CEC e do CBC . Embora esse seja um hábito
adquirido pelos indivíduos em fases precoces de sua vida, a
média de idade dos pacientes com câncer de pele não
4
melanoma descrita na literatura é de 60 anos . O presente
estudo corrobora essa informação, com média de idade de 60,3
anos.
O CBC foi o tumor encontrado em 73% dos casos, confirmando
os achados de outros trabalhos científicos4,5,7. Também de
acordo com outras fontes, a localizações de ambas as
neoplasias mais freqüentes no sexo feminino foram às regiões
nasal, maxilar e auricular. O gênero masculino apresentou
além dessas regiões, outras partes (região cervical e tronco)
significativamente mais acometidas que em mulheres, em
decorrência da maior exposição corporal3,4,6-8.
O gênero masculino foi quantitativamente mais afetado que o
feminino, provavelmente por motivos laborais, o que também
está de acordo com a maioria da literatura6,7. A raça branca, pela
menor quantidade de melanina, foi afetada em 85% dos casos
o que indica pouca diferença entre este e outros estudos5,6,9.
A lesão ulcerada, encontrada em um terço dos casos, recebeu
os três tipos de tratamento propostos. Na cirurgia de excisão
192
Figura 1 – Pré-operatório de cirurgia de reconstrução nasal com retalho
médio frontal
Figura 2 – Pós-operatório do primeiro tempo de cirurgia de
reconstrução nasal com retalho médio frontal
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auricle. J Oral Maxillofac Surg. 2004;62(12):1457-71.
Figura 4 – Pré-operatório de cirurgia de reconstrução nasal e palpebral
com retalho frontal lateral
Figura 5 – Pós-operatório de cirurgia de reconstrução nasal e palpebral
com retalho frontal lateral
CONCLUSÃO
Os fatores relacionados ao surgimento do carcinoma de pele
não melanoma estão ligados à raça branca, gênero masculino
e hábitos de exposição ao sol. O tipo mais encontrado é o CBC,
sendo tratado principalmente com cirurgias do tipo excisão da
lesão com margem e fechamento primário e excisão da lesão
com margem e fechamento utilizando retalhos. Existem
diversas técnicas cirúrgicas para a ressecção da neoplasia
cutânea e a opção mais adequada para cada caso depende
principalmente da localização, tipo e tamanho das lesões. O
conhecimento da anatomia e das técnicas possíveis tem
grande auxilio na decisão cirúrgica. A melhor estratégia, no
entanto, é a prevenção primária e o tratamento primário.
Rev. Bras. Cir. Cabeça Pescoço, v. 38, nº 3, p. 190 - 193, julho / agosto /setembro 2009
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