PRÁTICAS DE ALFABETIZAÇÃO NA CLASSE HOSPITALAR: UMA
EXPÊRIENCIA COM OS PROCESSOS DE ENSINAR E APRENDER
FELLER, Elinara Leslei – UFSM
[email protected]
VARGAS, Jamily Charão – UFSM
[email protected]
Área Temática: Educação: Teorias, Metodologias e Práticas
Agência Financiadora: Não contou com financiamento
Resumo
Este trabalho é resultado da experiência voluntária realizada na Classe Hospitalar do Serviço
de Hemato-Oncologia do Hospital Universitário de Santa Maria/RS (HUSM), a partir de
práticas de alfabetização, com crianças em fase inicial de escolarização, que se encontram em
tratamento no hospital. Essa atividade voluntária teve início em 2002, e entre esse tempo de
ensino-aprendizagem com algumas crianças, práticas diferenciadas de leitura e escrita foram
envolvendo os encontros. Nessa convivência com os alunos-pacientes, muitas questões foram
motivos de impulsionar cada vez mais a vontade de ensiná-los. Perceber num primeiro
momento o potencial de cada um deles escondido muitas vezes atrás do desânimo, por não
conseguir acompanhar a turma na escola, pelas faltas que o tratamento exige; ou, pela
fragilidade que encontra sua auto-estima decorrente das limitações que a doença ocasiona;
bem como, o distanciamento do convívio familiar e da sua comunidade. Tudo isso, muitas
vezes, acarretava a desmotivação pelo aprender, assim como também, o abandono da escola.
Contudo, a cada encontro com as crianças buscava-se atingir o objetivo de ensinar e motivar o
gosto de aprender, a partir de atividades que buscassem contribuir com o resgate da autoestima, com a afetividade, com a superação das dificuldades neste tempo de tratamento, bem
como o retorno para o ambiente escolar. Neste ano de 2008 será compartilhada essa
experiência a partir da publicação de um livro, relatando essas práticas de alfabetização na
Classe Hospitalar, apoiado num referencial teórico sobre a temática, que poderá vir a
contribuir com demais docentes que tenham o interesse em realizar trabalhos como este.
Palavras-chave: Alfabetização; Práticas Educativas; Classe Hospitalar.
Introdução
O processo de ensino-aprendizagem não exige um espaço/tempo definido, ele pode
acontecer em qualquer ambiente em que haja desejo de aprender. Nessa experiência que aqui
é apresentada, o conhecimento foi sendo construído a partir do envolvimento com o trabalho
realizado voluntariamente com crianças em fase inicial de aprendizagem, que encontravam-se
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em tratamento na Hemato-Oncologia do Hospital Universitário de Santa Maria/RS. O
trabalho de alfabetização na Classe Hospitalar, buscava além de ensinar e/ou aprimorar a
aprendizagem da leitura e da escrita, resgatar o desejo, a vontade o gosto pelo conhecimento,
e a motivação pela busca do saber. Além de estimular a criatividade, a autonomia, e a
superação das dificuldades encontradas nesse período de tratamento.
Nos primeiros encontros já era possível perceber as dificuldades que o aluno-paciente
encontrava nesse período de tratamento, o que para alguns, o envolvimento com o aprender
tornava-se mais dificultoso, mesmo sendo uma atividade diferente dentro do espaço/tempo
hospitalar. Conforme Ortiz; Freitas (2005, p.27), “O evento hospitalização traz consigo a
percepção da fragilidade, o desconforto da dor e a insegurança da possível finitude. É um
processo de desestruturação do ser humano que se vê em estado de permanente ameaça”.
Alguns encontros o envolvimento com as atividades de leitura e escrita eram maior, enquanto
que outros ficavam reduzidos pela ocasião (momento da consulta, momento da
quimioterapia), além dos momentos de desconforto causado pelo tratamento.
As atividades desenvolvidas se davam com crianças que já haviam ingressado na
escola, assim como também àquelas que já se encontravam com idade para ingressar na
mesma, mas que pelos anos de tratamento, não conseguiram iniciar o processo de
escolarização. Nessa etapa da vida, a criança em tratamento passa por situações que
interferem/dificultam sua formação. Nesse sentido Ortiz; Freitas (2005) apresentam em seus
estudos algumas características das crianças em tratamentos nos hospitais que se encontram
nessa fase.
Para o educando do ensino fundamental, a atmosfera hospitalar aprisiona o seu
físico e sua mente, não permitindo o seu livre movimento e seu ingresso escolar;
sufoca-o no ócio, cria laços de dependência, invade sua privacidade e perde o
direito decisório de pertencimento de seu corpo e suas vontades. (ORTIZ;
FREITAS, 2005, P.33)
Nesse sentido, as autoras destacam a importância de conduzir atentamente o processo
de internação hospitalar, pois se o mesmo não for bem trabalhado com o paciente este poderá
acarretar problemas fisico-emocional dificultando o tratamento e sua recuperação.
Além dos fatores que atingem fisicamente a criança, outros fatores como o
distanciamento de sua casa, de seus amigos e o contato reduzido com as pessoas de sua
família contribuem com o sentimento de abandono, de angústias, e frustrações. Além disso, a
família também passa por movimentos de transição das atividades sociais para a rotina
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hospitalar. Ortiz; Freitas (2005, p.36) contribuem ainda que “O adoecer configura-se em um
fator provocador de desajustes na criança e na sua família, precipita um reconhecimento da
limitação e ataques a seu corpo, ameaçando os aspectos vitais e remontando suas experiências
a partir de um novo contexto situacional”. O novo ambiente em que passa a fazer parte de
suas vidas, em muitos casos, duram por longos anos, sendo este um novo espaço de
convivência com outros pacientes, e comunidade hospitalar. Esse espaço rotineiro constitui
também um espaço de ansiedade de saber quando isso irá acabar.
Além das conseqüências causadas pela doença, outro fator que contribui para o abando
da escola, ou o distanciamento do aprender foram visíveis a partir dessa experiência, quando
as crianças relatavam que não gostavam de retornar a escola, devido as faltas decorrentes da
rotina hospital, e até mesmo mudança de cidade, acabavam não acompanhando a turma,
dificultando o aprendizado. A partir desses relatos foi possível perceber que sentiam-se
excluídos, essa circunstância ultrapassava os esforços da professora regente, sendo uma
realidade presente na vida de muitas crianças internadas.
A partir dessas questões que o objetivo deste trabalho de alfabetização no ambiente
hospitalar foi tornando-se cada vez mais relevante. Resgatar o interesse pelo aprender e pelo
ingresso e reingresso no ambiente escolar, bem como nas atividades sociais veio a ser um
fator que impulsionou este trabalho, que foi realizado em diferentes momentos e com diversas
crianças em tratamento no HUSM. Além disso, as contribuições de Ceccim (1999, p.44)
também revelam a importância do ensino-aprendizagem no ambiente hospitalar. “Parece-me
que, para a criança hospitalizada, o estudar emerge como um bem da criança sadia e um bem
que ela pode resgatar para si mesma como um vetor de saúde no engendramento da vida,
mesmo em face do adoecimento e da hospitalização”. O estudar passa a contribuir para vencer
muitas angústias e encarar a doença como uma etapa a ser superada e não como uma barreira
que impede de viver, ter anseios, depositando esperança e retorno ao grupo que anteriormente
pertencia ou que futuramente irá fazer parte.
As práticas de construção da leitura e escrita no ambiente hospitalar foram ao encontro
das experiências na formação da docência e na reorientação e atenção nas atividades
desenvolvidas com as crianças, bem como, na responsabilidade de fazer parte de um
relacionamento em que são depositados confiança e expectativas. Conforme Ortiz;Freitas
(2003)
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Esta possibilidade do educador de pertencimento a dois mundos – o escolar e o
hospitalar – opera na vertente psicossocial de não-isolacionismo da criança na
condição de doente, sem contudo desconhecer a sua real condição de doente. É um
cuidado que permite um ruptura no reducionismo do pensar a enfermidade. O
professor, sensível ao estado conflituoso do paciente, reveste sua ação de educar
num ato de companheirismo, de disponibilidade para estabelecer parcerias e
cumplicidades. (ORTIZ; FREITAS, 2003, P.11)
Nos momentos de interação entre aluno-paciente e professor que são construídos laços
afetivos e de comprometimento, na busca de atribuir o sentido de aprender, encontrando
estratégias para a superação das dificuldades, que contribuem para o desânimo de continuar
aprendendo. Além disso, é relevante desmistificar que o ambiente de aprendizado é apenas a
escola. O hospital também pode ser um lugar onde muitos conhecimentos podem ser
produzidos, inclusive conhecer e envolver-se no mundo da leitura e da escrita. Nesse sentido,
traz-se aqui nessa escrita um recorte histórico sobre a Alfabetização e Letramento, com o
intuído de aproximar as principais discussões referente essas temáticas, levando em conta que
os processos de ensinar/aprender estão associados com o entrelaçar da teoria e prática. Bem
como a importância da ludicidade e da afetividade no ambiente hospitalar.
Uma aproximação dos processos de Alfabetização e Letramento.
Ao longo dos anos os estudos referentes à alfabetização, e mais especificamente, ao
sucesso e fracasso deste processo significativo na vida e no desenvolvimento social das
crianças, se deteve nos métodos utilizados pelos docentes nas suas praticas educativas. Frente
a isso, são muitas as teorias existentes, as quais sustentam premissas que demonstram o
método mais eficaz ou a melhor metodologia utilizada para aplicação de determinadas
técnicas ou estratégias que buscam o aprendizado da leitura e da escrita. Como afirma
Ferreiro (1985, p.18) “o problema da aprendizagem da leitura e da escrita tem sido exposto
como uma questão de método”.
Assim, percebemos que o questionamento tradicionalmente evidenciado nos estudos é
o de como devemos ensinar nossas crianças e adultos ainda analfabetos, ou seja, qual o
melhor maneira para que possamos, como educadores, alcançar o sucesso no ensinoaprendizagem da língua escrita. Para tanto, ao falarmos da alfabetização, colocamos no centro
de nossa atenção, as metodologias, ou os próprios professores, que têm em suas mãos a
possibilidade de fazer com que a criança se aproprie do conhecimento da leitura e da escrita.
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Ao longo da história ficou registrado dois grandes grupos onde se classificam os
métodos de alfabetização, segundo Rizzo (1977) em “Métodos Sintéticos” e “Métodos
Analíticos”. O primeiro grupo utiliza-se da idéia de apropriação da leitura e da escrita a partir
de um movimento que parte dos elementos menores para o todo, e tem como base do
aprendizado a combinação de elementos isolados (sons, letras, sílabas, etc.); já o segundo
grupo destaca as unidades maiores (palavras, frases, textos, histórias, etc.) para chegar à
apropriação dos elementos menores, tendo como base a análise e compreensão da leitura
desde cedo.
Destes grupos de métodos existentes, Rizzo (1977) destaca entre os métodos
sintéticos: o “Método Alfabético”, o “Método Fônico” e o “Método Silábico”; e entre os
métodos analíticos: a “Palavração”, a Setenciação” e o Método Historiado”, assim como
também o “Método Natural” considerado além de global, estruturalista. Tais métodos fizeram
parte por vários anos na história da alfabetização no Brasil.
No entanto, na década de 80 discutir a eficácia entre tais métodos deixou de ser o
centro das discussões sobre alfabetização, voltou-se outro olhar sobre o processo de aquisição
da leitura e da escrita. A partir das idéias de Ferreiro e Teberosky (1985) sobre a Psicogênese
da Lecto-Escrita, um novo discurso começou a surgir no conceito de alfabetização. Através
desta abordagem “Construtivista” passou-se então a ser valorizada as hipóteses de
aprendizagem construídas pela criança na aquisição da leitura e da escrita.
Essa perspectiva de ensino-aprendizagem destaca-se pela maior aproximação da
realidade cultural, social e cotidiana do discente. A abordagem construtivista tem como centro
da aprendizagem a construção de conhecimentos pelo próprio indivíduo que está aprendendo,
ou seja, os alunos são vistos como produtores de seus saberes e conhecimentos, o que os
coloca em uma posição de mais importância e responsabilidade.
Desse modo, as mudanças fundamentais ocorridas no processo de alfabetização
provêm, principalmente, da desmistificação da premissa de que a utilização do método mais
eficaz resolve os problemas referentes ao ensino-aprendizagem da leitura e escrita, bem como
da desmistificação da idéia que a alfabetização é um processo unicamente formal, que ocorre
apenas dentro da sala de aula, da escola, e inicia-se quando o professor acredita que o aluno
está apto.
Ao longo da primeira infância a criança vai percebendo a existência e a importância da
leitura e da escrita, bem como construindo suas hipóteses de aprendizagem. Assim, quando
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ela realiza o contato formal com a lecto-escrita, não podemos ignorar todas as suas vivências
até então, mas utilizá-las como um valioso suporte para a alfabetização, pois é um processo
que vêm acontecendo continuamente, através do contato em ambientes letrados. Como
salienta Macedo (1994, p. 17) “para o construtivista a criança já sabe escrever desde o
primeiro dia de aula, ainda que esse seu saber venha a conhecer muitos aperfeiçoamentos...”
Contudo, a alfabetização ao longo dos tempos passou por diversas transformações com
o intuito de contemplar um eficaz ensino-aprendizagem da leitura e da escrita, para tanto, no
final dos anos 80 outra dimensão conceitual na definição de alfabetização surge no Brasil.
Segundo Soares (2006, p.18), na necessidade de novas práticas de leitura e escrita no contexto
social, surge então o “Letramento” definido como sendo “O resultado da ação de ensinar e de
aprender a ler e escrever: o estado ou a condição que adquiri um grupo social ou um indivíduo
como conseqüência de ter se apropriado da escrita”. Tal conceito vai além de aprender
codificar e decodificar a língua escrita, para a autora um indivíduo letrado passa a ser aquele
que além de compreender tais códigos saiba envolver-se nas práticas sociais de escrita.
Nesse sentido muitas mudanças centram-se na história da alfabetização, e novos
desafios são lançados diariamente frente a essa questão, conhecermos seu processo ao longo
dos anos torna-se relevante para que possamos perceber sua evolução e experiências até
então. Portanto, a preocupação não é definirmos seu conceito, mas a partir dele construir
estratégias que contemplem um aprendizado prazeroso, que instigue cada vez mais o gosto
pela leitura e pela escrita, que vá além da interação professor aluno, que o aluno tenha
habilidades para exercer as práticas de leitura e escrita a qualquer hora e a qualquer lugar.
Encontros no hospital: a construção das práticas de leitura e escrita
As atividades para a construção da leitura e escrita no ambiente hospitalar se davam a
partir de encontros semanalmente. Ao denominar esses espaços/tempos de aprendizagem
como “encontros” toma-se como justificativa a contribuição de Ortiz; Freitas (2005, p.68)
quando salientam que, “Há, na classe hospitalar, uma proximidade maior entre professor e
paciente, a troca de afetividade passa a ter relevância na cognição, por isso as relações
assumem um caráter de encontro”. É nessa relação que foram sendo construídos os processos
de aquisição do conhecimento do mundo da leitura e da escrita.
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Ao mencionar tais encontros como “construção das práticas” de leitura e de escrita,
destaca-se que, a cada encontro estratégias de aprendizados eram utilizadas, a partir de um
planejamento flexível, aberto as circunstâncias que o momento apresentava. Para cada aluno,
dentro da sua aprendizagem já consolidada, atividades distintas eram organizadas, e
usufruídas quando estas impulsionavam a motivação pelo aprender, caso contrário, as
atividades propostas eram reelaboradas e/ou substituídas por outras.
Nessas práticas de alfabetização, a metodologia utilizada, partia do conhecimento
prévio do aluno. Aqueles que ainda não conheciam o sistema alfabético, partiu-se do processo
inicial de alfabetização. Para aqueles que já haviam freqüentado a escola, partia-se da etapa
que se encontravam buscando contribuir com o ensino daquilo que apresentavam maiores
dificuldades. Tanto para as crianças que já interagiam com o sistema alfabético, como àquelas
que ainda não o conheciam, foram sendo realizados planejamentos a partir de atividades
lúdicas, como utilização e confecção de jogos, exploração de diferentes portadores de texto,
desde livros infantis, até aqueles portadores presentes na rotina hospitalar. Além disso,
desenhos tomavam formas de fantoches que ganhavam vidas no cenário que a imaginação
viajava. Dobraduras, pinturas, quebra-cabeças, cartões, recortes, colagens, contos, poesias,
leituras em voz alta, silenciosa, individual e em conjunto, passeio nos corredores do hospital,
tudo isso, fez parte destes encontros.
As atividades que envolveram a construção e o aprimoramento de leitura e escrita nos
encontros foram desenvolvidas respeitando as hipóteses de aprendizagens, conforme Ferreiro;
Teberosky (1985), que cada aluno-paciente se encontrava, atribuindo também as questões de
letramento, tendo em vista o uso da leitura e da escrita nas práticas sociais, conforme
mencionada anteriormente nas contribuições de Soares (2006).
Ludicidade e afetividade no processo de ensinar e aprender
Ao refletirmos sobre o ensino-aprendizagem da língua escrita, logo nos reportamos ao
processo organizado, em um tempo e lugar específico, onde acontecerão mediações entre
professores e alunos, para que a partir destas relações, se elaborem novos conhecimentos e se
construam aprendizagens dando continuidade a tudo o que a criança, até então, já entende da
leitura e escrita.
Nesse sentido, a alfabetização aparece como uma construção significativa para o
alfabetizando, como algo que ocorre pelo prazer de aprender. No entanto, sabemos que nem
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sempre o processo ocorre da maneira desejada, pois há muitos obstáculos ao longo caminho
por onde passa o processo de alfabetizar. Nem sempre os alunos se envolvem e se motivam a
aprender a leitura e escrita como deseja o educador, ou nem sempre o docente se compromete
com esta importante tarefa de alfabetizar, de maneira que permaneça no aluno aquela vontade
de ler e escrever que a crianças traz consigo.
Muitas vezes, ocorre o processo contrário no decorrer da formalização do ensinoaprendizagem da língua escrita, pois a criança acaba perdendo todo o encantamento de
aprender devido a forma como a leitura e escrita lhe é apresentada. Quanto a isso Antunes
(2007, p.83) nos coloca que “o aprender nessa concepção começa a distanciar-se da esfera do
desejo, da curiosidade, da fantasia e da dimensão simbólica, definindo uma concepção árida e
empobrecida do que significa aprender e ensinar”. Essa nova percepção do aprender, por
vezes, estabelece uma desmotivação e desinteresse pela aprendizagem da leitura e escrita nas
crianças.
O que se refere aos docentes, Ferreiro (2001, p.69) contribui destacando que “não é
fácil encontrarmos educadores e investigadores capazes de interpretar todas as sutilezas
envolvidas nas produções escritas que precede qualquer tentativa de estabelecer uma
correspondência entre letra e som”. Mais do que saber associar as letras ao som e reconhecer a
escrita como uma representação simbólica da oralidade, as crianças buscam formular
significados e entender de uma maneira contextualizada este objeto de apropriação, na qual se
torna a escrita para os alfabetizandos.
Acreditamos que a alfabetização é um processo que requer envolvimento, doação,
vontade e satisfação de ambas as partes, tanto professores como alunos, pois só assim será
realizada de maneira prazerosa, sem se distanciar do mundo de fantasias, curiosidade e
desejos em que se encontra a infância. Para tanto, é fundamental que esse processo respeite o
mundo infantil e, mais que isso, é necessário que envolva as crianças de maneira que a
aprendizagem não se torne maçante ou sem sentido a elas.
Ao refletirmos sobre o que fazer para que a aprendizagem da leitura e escrita aconteça
aliada ao desejo espontâneo, à construção significativa e prazerosa, reportamo-nos a algo que,
sem dúvida, rebusca o princípio da infância: a ludicidade. Como afirma Fortuna (2000, p.82)
“Cada vez mais as pedagogias progressistas professam a tese de que é possível aprender
brincado, ou, pelo menos, fazê-lo de forma prazerosa; o que freqüentemente, culmina na
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ludicidade”. Assim, a partir de atividades lúdicas, estabelece-se um elo de ligação entre o
prazer e o aprender, entre o ensinar e o buscar significado.
Também é importante destacar a relevância do lúdico para o desenvolvimento pleno
da criança, o que ultrapassa a sua validade pela busca do prazer em aprender. Como aponta
Negrine (2000, p.20) “através das atividades lúdicas a criança vai construindo seu vocabulário
lingüístico e psicomotor. São nestas e, provavelmente, somente nestas atividades, que a
criança pode ser espontânea e, consecutivamente, criativa”. Para tanto, a partir da crença de
que a utilização e valorização de jogos e brincadeiras facilitam a aprendizagem, buscamos
estabelecer o lúdico não apenas como uma mediação no processo de alfabetização, mas, mais
que isso, como algo fundamental no decorrer da formação de hipóteses e construções criativas
das crianças sobre a linguagem escrita.
A construção do conhecimento envolve inúmeros processos que são indissociáveis
para que assim haja a aprendizagem. Nesse ato complexo do ensinar e aprender a ler e
escrever requer também um olhar aos aspectos afetivos que compreende a formação humana.
Para Tassoni (2001), nos últimos anos diversos estudos voltaram-se a atenção para a
formação do ser humano como o entrelaçar dos processos cognitivos e afetivos, voltando-se a
novas atividades pedagógicas. Tassoni (2001, p.224), “(...) Nesse sentido começa a se
evidenciar o aspecto afetivo do processo de ensino/aprendizagem e destaca sua relevância
para o processo de construção do conhecimento, em conjunto com os aspectos cognitivos”.
Essa evidência passou a fazer parte de muitos questionamentos, pois o que muito tempo
prevaleceu eram estudos referente aos aspectos cognitivos do desenvolvimento humano.
Contudo, nos últimos anos ampliou-se as discussões e o interesse em compreender a
importância da afetividade no processo de aquisição da aprendizagem.
Nesse sentido, muitos estudiosos como Jean Piaget (2001), Lev Semenovich
Vygotsky (1996), cada um dentro de suas concepções, defendem a idéia de que a afetividade
e a cognição são inseparáveis, Também torna-se relevante mencionar as contribuições de
Humberto Maturana (1998, p.15) o qual menciona que “ao nos declararmos seres racionais
vivemos uma cultura que desvaloriza as emoções, e não vemos o entrelaçamento cotidiano
entre razão e emoção, que constitui nosso viver humano, e não nos damos conta de que todo
sistema racional tem um fundamento emocional”. Para o autor a biologia do amor faz parte
do devir histórico humano, sendo ele a emoção que funda o social, o respeito por si próprio e
pelo o outro.
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Contudo, muitos enfoques frente essa questão envolve as atuais discussões
educacionais, não prevalece aqui o intuito de aprofundá-los, mas de aproximar os estudos e a
relevância desse processo à nossa compreensão. Tais contribuições já esclarecem a nova
concepção do como se estabelece os processos de aquisição do aprendizado. O processo de
ensinar e aprender volta-se a questões que ultrapassa a mera transmissão das informações,
pois para que haja realmente o aprendizado, a construção do conhecimento, o aluno precisa
querer, precisa entender o porquê aquilo é importante para sua formação. Conforme Gadotti
(2003, p.47) “A educação é necessária para a sobrevivência do ser humano. (...) Ele só
aprende quando quer aprender quando vê na aprendizagem algum sentido”. Frente a isso cabe
a nós educadores estabelecer relações de aceitação, de bem estar e credibilidade aos alunos
para que estes sintam-se auto-confiantes e motivados. Respeitar as vivências, a realidade e as
individualidades de cada um. O educador deve ser o mediador do conhecimento e do
despertar o desejo e o sentido do aprender. Para Ceccim; Fonseca (1999)
Os espaços e tempos de aprendizagem para crianças ou adolescentes hospitalizados
seguem regularidade e intesidade diferentes da escola comum e atendem, além das
demandas intelectuais, às necessidades de pertencimento a uma comunidade afetiva
e de inclusão sociointerativa. (CECCIM; FONSECA, 1999, p.36)
É na interação com o ambiente letrado, oportunizado nos encontros e nas demais
atividades voluntárias, e na interação com a comunidade hospitalar, a partir da atenção,
carinho, respeito, diálogo, que o aprendizado acontece. Esse processo contínuo contribui na
recuperação, e nas aspirações de sonhos presentes e futuros de cada criança hospitalizada.
Conclusão
Em todos os encontros com as crianças hospitalizadas buscava-se priorizar o bem estar
e a motivação pelo aprender, pelo viver. Toma-se aqui as contribuições de Ortiz; Freitas
(2003, p.10) “O que-fazer docente atenta para a singularidade do aluno, acenando para um
processo de ensino permeado de afetividade e alegria de viver, fazendo do hospital um espaço
de teoria em movimento permanente de construção-descontrução-reconstrução”. Essa
experiência foi recheada de momentos significativos, em que o ensinar e o aprender foram
recíprocos na trajetória do professor e do aluno-paciente. Cada encontro foi uma conquista
para ambos.
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Encontros que tiveram seu espaço nas salas dos médicos, nos leitos das salas de
transplante, na mesa dos guardas e nos bancos de espera do hospital. Espaço para os
encontros nunca foi o problema, pois o carinho, a cumplicidade entre professor e alunopaciente foi transformando os espaços mórbidos do hospital em ambiente de aprendizado, de
alegria, de esperança, de envolvimento, de entusiasmo e de superação de muitos problemas
físicos-emocionais que prejudicavam ainda mais a recuperação destes pacientes. Dificuldades
existiram, mas a vontade de ensinar e aprender aliados a ludicidade e a amorosidade foram
fatores fundamentais para o aprendizado e o retorno desses alunos às classes escolares do
sistema regular de Ensino, não mais como aquele aluno que estava em atraso com o conteúdo,
mas como aquele aluno criativo, autônomo, considerado conforme o relato dos pais, como um
dos melhores alunos da turma.
Contudo, essa escrita além de apresentar a experiência desenvolvida na HematoOncologia do Hospital Universitário de Santa Maria, tem o interesse em compartilhar esse
trabalho e mostrar que o processo de ensinar e aprender pode acontecer em qualquer lugar,
desde que haja interação, criatividade, amorosidade e comprometimento.
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