UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL - UNIJUÍ DAIANE RAQUEL STEIERNAGEL POR QUE A GENTE É ASSIM? (Poesia, Subjetividade e Édipo na Produção Musical de Cazuza) Ijuí 2006 UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL CURSO DE PSICOLOGIA A comissão examinadora, abaixo assinada, aprova a monografia, a qual obteve a nota cem (100) POR QUE A GENTE É ASSIM? (Poesia, Subjetividade e Édipo na Produção Musical de Cazuza) Elaborada por DAIANE RAQUEL STEIERNAGEL Como requisito parcial para obtenção do grau de Psicólogo COMISSÃO EXAMINADORA ________________________________________ Larry Wizniewsky: Mestre – Orientador ______________________________________ Angela Drugg, Mestre – Banca _____________________________________ Alfeu Sparemberger, Dr. - Banca TÍTULO: Por Que a Gente é Assim? (Poesia, Subjetividade e Édipo na Produção Musical de Cazuza) RESUMO: Os percursos subjetivos que o sujeito enfrenta ao longo da vida, trazidos pela psicanálise, há muito tempo já eram a matéria-prima da criação artística. Pois o artista consegue simbolizar – os significantes de sua história pessoal e de sua geração – em sua obra de arte. Assim, psicanálise e arte possuem muitos aspectos em comum. Ambas irão lidar com a linguagem e com as expressões dos “estados da alma”, com idéias, sentimentos e sofrimentos, produzindo um sentido onde antes não existia e este é assimilado como “representação social”. A psicanálise fará isto através da escuta do discurso do sujeito, enquanto a arte irá dar significados e simbolizações àquilo que era sem sentido, para além da expressão individual. O objetivo deste trabalho é justamente o de demonstrar que a arte é um espaço que possibilita a representação das pulsões, de forma simbólica e, sendo assim, um lugar de constituição da subjetividade. PALAVRAS-CHAVE: Sublimação, Pulsão, Representação. Venho por meio desta recomendar a monografia POR QUE A GENTE É ASSIM:? (POESIA, SUBJETIVIDADE E ÉDIPO NA PRODUÇÃO MUSICAL DE CAZUZA) desenvolvido pela aluna Daiane Steiernagel sob minha orientação. O referido texto desenvolve uma análise de letras de composições do cantor Cazuza buscando estabelecer uma relação entre a produção textual e suas produções de sentido, embasando-se nos estudos de Freud e Lacan. A metodologia do trabalho foi desenvolvida em três etapas que envolveram, em primeiro lugar, uma análise das fontes primárias do autor, através de depoimentos pessoais, comentários e avaliações específicas realizadas pelo próprio Cazuza interpretando as razões de suas construções poéticas. Juntamente com um cortejamento dos textos pessoais de Cazuza com as informações fornecidas por sua mãe Lucinha Araújo em depoimentos e em seu livro auto-biográfico SÓ AS MÃES SÃO FELIZES. Desse confronto de visões ficou claro que uma das bases da construção literária de Cazuza era exatamente o questionamento sobre a função materna. A segunda etapa do trabalho centrou-se nos conceitos psicanalíticos, especialmente sobre o conceito de pulsão. Por fim, a autora debruçou-se sobre o conteúdo das letras das músicas selecionadas, relacionando-as com as teorias de Freud sobre os escritores criativos e a sublimação inerente ao ato de produção poética. O resultado final deste trabalho foi um texto consistente em que o rigor das teorias literárias e psicanalíticas se irmanam com a busca da produção de sentido estabelecida nos elementos exteriores à criação literária. Desta forma, é um texto altamente recomendável para publicação ou apresentação em seminários e eventos do gênero. Larry Antonio Wizniewsky Professor do DELAC da UNIJUÍ. SUMÁRIO INTRODUÇÃO ......................................................................................................................... 6 1 A ARTE E O ARTISTA: O POSSÍVEL DO DESEJO E O SINTOMA DE PRODUÇÃO ...................................................................................................................................................... 10 1.1 O Sujeito Criador ao Vento da Linguagem; ........................................................................ 10 1.2 De Agenor à Cazuza: o Desejo de Transformar-se em Outro$ ........................................... 14 2 A LINGUAGEM E OS PERCURSOS DO SUJEITO ......................................................... 23 2.1. Sujeito, Psicanálise e Criação;............................................................................................ 23 2.2. O Reconhecimento dos Efeitos da Pulsão, Através de sua Representação; ....................... 33 2.3 Conceituando a Pulsão em Busca do “Autor”; ................................................................... 36 3 A PULSÃO: DA PONTA DO LÁPIS À PONTA DA LÍNGUA ......................................... 47 3.1Cobaias de Deus: O Retorno em Direção ao Próprio Eu do Indivíduo; ............................... 47 3.2 Codinome Beija – Flor: O que há por trás do(s) (S)teu(s) Nome(s) ?................................. 53 3.3 Exagerado e Ideologia: Ilustrando a Sublimação; .............................................................. 57 3.4 Só As Mães São Felizes e a Reversão ao seu Oposto; ....................................................... 67 3.5 O Tempo Não Pára: União da Pulsão de Vida e da Pulsão de Morte; ............................... 75 CONCLUSÃO............................................................................................................................. 80 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ..................................................................................... 84 INTRODUÇÃO: “– Quer tomar do meu copo?” Toda a escritura começa com a morte, de alguém, de algo ou de ambos! Maurice Blanchot nos diz que “só a obra importa, mas afinal ela está ali para levar à busca da obra; a obra é movimento que nos encaminha para o ponto puro da inspiração, de onde vem e que aparentemente só se pode atingir desaparecendo”. (BLANCHOT, 1984. p 210) A literatura irá buscar o ponto de ausência da escritura. “Escrever é começar por destruir o templo antes de o edificar; é, pelo menos, antes de transpormos o limiar, interrogarmo-nos sobre as servidões desse lugar [...] Escrever é, finalmente, recusarmo-nos a passar do limiar, recusarmo-nos a escrever”. (BLANCHOT, 1984. p 217-218) A partir do que o autor nos aponta, podemos dizer que há uma relação intrínseca entre a escritura e a morte, pois o resultado será sempre um significante, a parte inerente, morta, em busca de sentido. Será a partir do escritor e do leitor que partirá a decisão, absoluta e imediata, para constituir o significado da escritura. É através da obra de arte (como forma de expressão) que muitos sujeitos irão demonstrar seus sofrimentos, por meio do que Freud chamou de sublimação. O artista consegue apresentar em sua criação (seu sofrimento e fantasias) de uma forma bela e admirável. Através da arte o sujeito poderá construir os significantes que fizeram parte de sua história, em seus textos, composições, etc. O objeto de nosso estudo, o músico Cazuza, é um exemplo disto. Pois, através de suas composições, consideradas por muitos como verdadeiros poemas, conseguiu não apenas marcar a sua geração, mas continuar após dezesseis anos de sua morte, fazendo sucesso e emocionando muitas pessoas. Foi no dia dezoito de fevereiro de 1989 que Cazuza resolveu contar ao mundo que havia contraído o vírus HIV – e se tornar um marco na história, principalmente pela coragem que teve, a qual sempre o caracterizou. O jornalista escolhido para a entrevista reveladora foi Zeca Camargo, o qual trabalhava na folha de São Paulo. Vejamos o depoimento de Zeca, após 16 anos deste inesquecível encontro: Nunca o tinha encontrado antes. Nunca o vi depois da entrevista. Aliás, o que aconteceu naquele 12 de fevereiro de 1989 não pode ser chamado apenas de uma entrevista. Ainda estou procurando um nome para isto. As pessoas geralmente se referem a esse encontro como “a entrevista na qual Cazuza admitiu que estava com aids”. Prefiro lembrar dela como a experiência que me ensinou que uma entrevista é bem mais que uma troca de perguntas e respostas em cima de uma pauta bem feita. Naquela tarde – gelada, cortesia do inverno de Nova York, onde eu trabalhava como correspondente para o jornal Folha de S. Paulo -, se eu tivesse me prendido as perguntas que pensei em fazer, a conversa talvez tivesse sido outra. Mas, antes de sacar meu bloquinho de anotações, resolvi aceitar um gole de vinho do copo de Cazuza – e então as coisas começaram a ficar interessantes. Cazuza notoriamente negava que estava com aids. Não sem motivo. Para quem tem menos de vinte anos ter uma idéia das razões de Cazuza, calcule o estigma que a doença tem hoje multiplique por qualquer número superior a mil. Claro que ele era o artista máximo da rebeldia, ousadia, irreverência e qualquer outra transgressão. Mas, afinal dos anos 80, até esse espírito tinha um limite – e esse limite era a aids. Essa era a maior dificuldade da entrevista: falar de algo que ele não admitia publicamente, mas cujo diagnóstico já era especulado pela mídia e temido pelos fãs. Contrariando toda essa expectativa, Cazuza me recebeu com um bom humor de desarmar. Pediu primeiro uma garrafa de vinho e, depois, para ficar a sós comigo. Diante de uma figura tão conhecida (teria sido impossível acompanhar a cultura pop brasileira daquela época e ignorar seu trabalho e sua imagem), pela primeira vez eu tentava imaginar qual seria a melhor maneira de começar a conversa. Obviamente, eu não estava ali para fazer um balanço da sua carreira. Era sabido que ele estava em Nova York de passagem para o Brasil. Tinha acabado de chegar de Boston, onde fora fazer mais alguns exames. E esse deveria ser nosso assunto principal. Mas antes, como que para me ajudar a ganhar tempo, chega o vinho. Cazuza serve seu copo e senta-se na poltrona do canto do quarto. Parece pronto para iniciar a conversa, quando, sem aviso, me oferece um gole de vinho. “Quer tomar do meu copo?”, perguntou ele, com o que parecia uma ponta de malícia. Na hora soou mais como um desafio. “Será que ele bebe do copo de alguém que está com aids?”, ele parecia perguntar, como se essa sutil provocação estivesse embutida em sua proposta. (Basta lembrar que, na época, o preconceito e a ignorância em relação a doença eram tais que o simples contato parecia perigoso). Aceitei o vinho sem hesitação. Terá sido este gesto um catalisador? É fácil pensar que sim. Mas será que foi isso mesmo que abriu caminho para Cazuza me declarar que estava com aids? Ou ele estava mesmo no limite de contar e considerou o momento e (talvez) o emissário mais corretos? Impossível saber. A conversa continuou dali, daquele gole de vinho, que me animou a perguntar sobre os exames que ele tinha acabado de receber, segundo ele, todos com resultados muito animadores. E quando insisti no tema, perguntando exatamente que exames ele tinha ido fazer, ele disse que tinha ver com “a maldita”. Seguiu-se um rápido e desconfortável silêncio, interrompido por ele mesmo: “Pode escrever aí que estou com a maldita, com aids”. E, em seguida, acrescentou que estava com a saúde ótima, como se o vírus HIV ainda não tivesse começado a agir. Diante desse rumo inesperado da entrevista, fiquei por segundos sem saber como levar o assunto adiante. E mais uma vez foi o próprio Cazuza que me ajudou, agora de maneira ainda mais sutil, apenas sugerindo com o rosto – que a essa altura se mostrava merecedor do adjetivo que a imprensa sempre adorou lhe atribuir: “maroto” – que eu perguntasse o que quisesse. Decidi entrar no tema com a mesma naturalidade. Perguntei sobre os remédios (apenas AZT e calmantes), sobre dietas (tudo normal, menos bebidas destiladas e cocaína), sobre morte (“Não penso em morte”), sobre sexo (reafirmou sua bissexualidade) e sobre os planos para o futuro (“Vou viver pelo menos até uns setenta anos”). Foi uma conversa tão normal que eu mesmo por vezes esquecia que era uma entrevista. Depois de menos de meia hora, só me lembro de sair do lugar onde Cazuza estava hospedado com os pais meio zonzo, com aquela sensação (um tanto cinematográfica) de quem se pergunta se “aquilo tinha realmente acontecido”. Fui a pé até meu apartamento, que ficava a uma quadra da ONU – de onde eu enviaria, por telex (imagine! Uma geração inteira que nem sabe mais o que é isso!), a matéria que seria publicada no dia seguinte. E fui pensando o que significava aquele furo. Não era, claro, uma boa notícia. Mas talvez ela significasse não apenas a confirmação de um diagnóstico, mas também uma afirmação da vida de Cazuza. Tive a certeza de que ele sabia exatamente o peso do que tinha acabado de me contar – e, por isso mesmo, não o fizera gratuitamente. Sabia das conseqüências que aquilo teria. Só não podia imaginar o quanto a cabeça daquele repórter ficaria acelerada. O entusiasmo com que a reportagem foi recebida no Brasil (ganhou destaque no alto da primeira página da edição de 13 de fevereiro de 1989) de alguma maneira contrastava com as questões que cruzavam meu pensamento – muitas delas sem respostas até hoje. Como escrevi no início, nunca mais encontrei Cazuza. Pouco mais de um ano depois, dia 7 de julho de 1990, ele morria. Eu, já de volta ao Brasil, me esforcei para juntar algumas anotações – fundamentais para relembrar esse episódio. Mas, mesmo lendo esse material e a própria entrevista de 89, não consigo montar o quebra-cabeça que foi aquele encontro. Há pessoas, como Cazuza, que são grandes demais para caber em explicações. (CAMARGO, 2006. p 91 à 94) Desde o gesto de provocação com o copo de vinho, o jornalista Zeca Camargo, anos após sua entrevista com Cazuza, permanece com questões sem respostas, especialmente de como definir este encontro com Cazuza – de como definir Cazuza. Este trabalho também é uma tentativa, 16 anos depois, de buscar uma resposta para os seguintes questionamentos: Por que ele era assim? Por que a gente é assim? O que podemos fazer com isto? 1 A ARTE E O ARTISTA: O POSSÍVEL DO DESEJO E O SINTOMA DE PRODUÇÃO 1.1 O Sujeito Criador ao Vento da Linguagem Desde o início da teoria psicanalítica Freud deu um lugar privilegiado para o conceito de sexual. Porém, longe do que muitos pensam e por isso criticam sua teoria, o sexual falado por Freud está muito além do genital. Isso pode ser comprovado pelo interesse do autor em compreender as manifestações eróticas das crianças, as quais ainda não tem nada a ver com o genital, mas sim com sua simbolização. Outro conceito de suma importância na sua teoria, é o conceito das pulsões. As pulsões sempre estão em busca de uma satisfação total, porém a satisfação encontrada sempre será parcial, sobrando assim um excedente de excitação. Esse excedente poderá seguir caminhos distintos. Um deles é o recalque “que surge quando a satisfação do desejo é capaz de provocar sofrimento ao sujeito”.1 Porém o recalque só é percebido quando não tem sucesso e aparece, então, em forma de sintoma. Outro recurso seria uma “mudança” ou deslocamento do objeto interdito para outro possível, ocorrendo assim uma gratificação ao desejo insatisfeito. O terceiro destino deste excedente, e o que mais nos interessa, é a transformação dos desejos insatisfeitos em algo aceito socialmente, que é a sublimação. 1 GIRON (et al.), 2002. p 12. Essa forma de vicissitude traria ao sujeito uma satisfação semelhante a realização do desejo inicial. Por isso, a sublimação pode ser descrita como uma forma de expressão da sexualidade. O termo sublimação, aplicado a esta transformação da pulsão, encontra sua origem em três fenômenos observados, tanto nas Belas Artes, como na química e no próprio psiquismo. Das Belas Artes, chega-nos o conceito de sublime, ou aquele que eleva o espírito; da química, a transformação do estado sólido para o gasoso, que também se denomina sublimação; do psiquismo o sublimar, ou seja, o mais-além da consciência. (GIRON (et al.), 2002. p 12) A sublimação, seria então, a expressão simbólica do desejo insatisfeito. O recalque, neste sentido, apenas exclui o desejo do psiquismo, não permitindo nenhuma satisfação ao sujeito.A sublimação, ao contrário, permitirá que parte do desejo seja satisfeito. Todavia, como os autores de Arte como Expressão da Sexualidade apontam, existem algumas condições para que a sublimação possa ocorrer. A primeira seria de que parte do desejo, a parte que condiz com a realidade, tenha sido satisfeita. E a segunda é de que tenha ocorrido alguma renúncia do sujeito. “Nesse caso renúncia não deve ser confundida com negação do desejo, mas sim, expressa por um contato com ele, para poder haver um reconhecimento da impossibilidade de sua realização plena”.2 Dessa forma podemos dizer que há uma compatibilidade entre o narcisismo e a sublimação, devido à renúncia do objeto total. Como os autores colocam ao citar Kehl (1987): Daí a busca incessante de outros objetos e outras formas de expressão/satisfação dos desejos pela vida afora. (GIRON (et al.), 2002. p 13) 2 GIRON (et al), 2002. p 13. Assim, será a sublimação que originará as grandes realizações artísticas e científicas. A diferença é que enquanto as realizações científicas surgem a partir do pensamento racional, as de ordem artística são resultado de conhecimentos intuitivos. Devido a isso os poetas têm uma facilidade maior em conhecer certas coisas, enquanto os cientistas precisam de anos de estudo para tal feito. Isso devido ao fato de que os poetas possuem uma fala fértil “e criativa, porque parte de algum contato com o desejo”.3 Vejamos alguns depoimentos de Cazuza, que demonstram isto: Meu trabalho é totalmente intuitivo. Nunca estudei canto, dança, nada...eu sou rouco: eu birito, não tenho nenhum cuidado com a voz. Não faço nenhum exercício, meu exercício é no palco. (ARAUJO, 2004. p 359) Para compor, não planejo absolutamente nada. Acho que sou a pessoa mais desorganizada que você pode imaginar. Tudo me acontece de supetão, porque nunca sei como a coisa vai sair. (ARAÚJO, 2004. p 370) A arte e suas expressões podem ser realizadas no tempo e no espaço. A primeira expressão artística seria a música, a dança e a poesia, enquanto que a arte realizada no espaço seria a pintura, a escultura e a arquitetura. Já o cinema é uma arte que consegue ser realizada concomitantemente no tempo e no espaço. Podemos dizer que a arte é uma exteriorização do conhecimento imaginativo do sujeito, que por meio de sua obra consegue expor seu conhecimento ao mundo externo. Já que a arte nasce do inconsciente do criador. A arte, da mesma forma que os sonhos e o brinquedo infantil, nasce do inconsciente de seu criador. Por haver, no artista, certo grau de relaxamento da repressão, torna-se 3 GIRON (et al), 2002. p 13. permitida a expressão da fantasia, que, ao se exteriorizar, dará origem à obra de arte, satisfazendo, ao mesmo tempo, as necessidades inconscientes do artista. (GIRON (et. al), 2002. p 13) Segundo Freud o artista, diferentemente daquele que devaneia, consegue encontrar um caminho de volta a realidade através de sua obra, ou seja, a criação artística permite a saída de um mundo de fantasias e o retorno à realidade, deixando as fantasias na obra de arte. É uma transição entre o consciente e o inconsciente. Diversos autores têm como hipótese à idéia de que o artista tenha sofrido situações de perdas na infância, muitas bem precoces. Isso devido à história de vida de grandes artistas que passaram por situações de muito sofrimento, podemos citar Van Gogh, Dostoiéviski, Rimbaud e Cazuza. As perdas vividas podem ser tanto reais, como um luto, como também poderão ser de cunho simbólico, como por exemplo uma frustração vivida pela criança, especialmente em relação às figuras parentais. Quando evocadas essas perdas trazem o retorno de um sofrimento, pois lembram de algo que foi irremediavelmente perdido. Algumas pesquisas apontam que lares tranqüilos, onde os pais são amorosos e incentivadores, não são propícios para o desenvolvimento da criatividade. Assim, podese pensar que a criatividade surja, se possibilitada pelas condições egóicas, quando o sujeito precise se deparar com profundas dores e sofrimento. (GIRON, (et al), 2002. p 13) Podemos perceber que os criadores pagam um valor alto pela sua capacidade de criação, já que a maioria teria passado por momentos difíceis em suas vidas. O artista consegue exteriorizar esses sentimentos em sua obra, transformando o que era dor e desamparo em algo belo e admirado. Conseguindo acima de tudo a obtenção de prazer, já que o caminho da obra criativa se dá pela via da sexualidade, através da sublimação. Sem que esqueçamos as características inatas e as circunstâncias histórico-sociais do criador. Vejamos uma fala de Cazuza que demonstra a “tristeza” de um artista: Eu era muito feliz pelo lado de fora, mas comigo mesmo não. Achava que não merecia ser Feliz. (ARAUJO, 2004. p 386) Eu choro muito sozinho, nunca consegui chorar na frente de ninguém. Às vezes, minha mãe brigava comigo, me batia, e eu esperava ela sair para chorar. Sozinho, de noite, tem vezes assim, que ao invés de rezar eu fico chorando. (ARAUJO, 2004. p 384) Para compreendermos melhor esta relação do sujeito (artista) com a arte (sua criação), descreveremos a história de vida de um poeta-compositor e cantor, que teve grande influência na música brasileira dos anos oitenta e, mesmo após dezesseis anos de sua morte, sua obra de arte permanece viva. 1.2 De Agenor à Cazuza: o Desejo de Transformar-se em Outro$ A história do sujeito Cazuza começa a ser contada em 4 de abril de 1958, uma sextafeira santa. O nome escolhido para o filho primogênito, do casal João e Lucinha Araújo, foi Agenor de Miranda Araújo Neto, em homenagem ao pai de João. Porém, desde antes do seu nascimento já era chamado de Cazuza4 e após era o único nome que reconhecia como seu. 4 Na década de 30 Viriato Corrêa, lançou um livro intitulado de Cazuza, este foi um dos maiores sucessos infantojuvenis da literatura brasileira. O livro é um romance autobiográfico em que o autor narra as amargas experiências escolares de um garoto na década de trinta. Além de criar um belo romance sobre o processo de amadurecimento de uma criança, Viriato Corrêa usou o livro como veículo para criticar e denunciar castigos físicos, impostos aos estudantes e outras práticas abomináveis de disciplina adotadas por muitos estabelecimentos educacionais da década de 30. Apenas após algum tempo de ingressar na escola que se deu conta de que na verdade se chamava Agenor e Cazuza era apenas seu apelido. Antes de eu nascer, já era Cazuza. Minha mãe tinha vergonha de me chamar, tão pequeno, de Agenor, nome do meu avô. Na escola, eu nunca respondia à chamada. Não sabia que meu nome era Agenor. (ARAÚJO, 2004. p 352) Isso se da, talvez, pelo fato de que esse nome, Cazuza, vinha representar o que foi durante sua vida. Pois Cazuza no nordeste designa: moleque, já na definição do dicionário quer dizer vespídeo solitário de ferroada dolorosa. Na infância Cazuza era tímido, porém muito travesso. Sempre teve a mania de falar tudo que lhe vinha à cabeça. Outra marca da infância eram as brincadeiras de risco. Porém suas molequices foram se intensificando com o passar dos anos e se aprimoraram na adolescência. O episódio mais marcante dessa fase aconteceu uma noite em que João e eu estávamos saindo para uma festa, na companhia de amigos. Às onze horas tocou o telefone. Era Cazuza, de uma delegacia. Havia batido o carro e pedia socorro. Saímos de casa vestidos para a festa, à bordo da Mercedes de João. Quando entramos na delegacia, Cazuza estava sentado num canto, pois já haviam dividido os garotos em duas filas, imagino que pela aparência – a dos ricos e a dos pobres. João negociou com os policiais e, na hora em que chamamos Cazuza para ir embora, ele disse: Só saio daqui se todos saírem também. (ARAUJO, 2004. p 110-111) A adolescência de Caju, como costumava ser chamado pelos amigos, ocorreu na transição dos anos 70-80. Período marcado pela euforia onde tudo tinha que se dar ao máximo, em seu extremo. Não é à toa que o que melhor representa este período é o trinômio sexo, drogas e rock’ n’ roll. Justamente o lema do poeta. Cazuza e os demais jovens desse período tinham muita pressa em gozar a vida, como se o mudo fosse acabar a qualquer momento. Por isso os seus atos eram feitos sem limite algum, mas, pelo contrário, com muitas extravagâncias. Transo. Com homem, com mulher, não tem o melhor problema. (ARAÚJO, 2004. p 353) Tudo na noite é mais interessante. Gosto de sair, de correr de carro em qualquer dessas Freeways da zona sul, de estar com amigos, de dançar [...] (ARAÚJO, 2004. p 383) Desde pequeno Cazuza já escrevia versos e poemas. A primeira pessoa a vê-los foi a sua avó materna, dona Alice da Costa. Pois devido a profissão de seu pai (dono da Som Livre), eles (João e Lucinha) acabavam saindo muito à noite (característica herdada depois pelo filho). Nessas saídas de seus pais, Cazuza ficava com a avó e com ela discutia seus versos e rimas, já que não tinha coragem de contar a seus pais sobre essa vocação poética, por medo que não concordassem. Caju considerava que a avó tinha tido uma grande influência em sua infância e adolescência, sofrendo muito quando esta faleceu. Já seu pai temia, que por ter uma grande influência da avó, fosse virar “veado”. Cazuza também sempre gostou muito de músicas da MPB. Essa influência veio devido à profissão de seu pai, pois conviveu desde pequeno com cantores como Elis Regina, Gilberto Gil, Caetano Veloso, Gal Costa, entre outros. Também teve influência da Rita Lee, Jovem Guarda e Raul Seixas. Começou a curtir o rock aproximadamente aos quatorze anos. Ouvia bandas como Janis Joplin e Rolling Stones. Essas influências musicais apareciam muito em suas composições, as quais “misturavam” MPB e rock’ n’ roll. Vejamos como o poeta descreve essa característica: Do menino passarinho com vontade de voar (Luis Vieira) a Janis Joplin. Mas com uma diferença. A dor-de-cotovelo da MPB, dando a volta por cima. “Ah, você não gosta de mim? Então, foda-se também, eu estou aqui e sou mais gostoso”. (ARAUJO, 2004. p 355) Aos quatorze anos Cazuza foi para os EUA e lá conheceu a música de Janis Joplin. Porém, o amor por este blues5 se intensificou quando passou uma temporada, aos vinte anos, em São Francisco. Lá, além de descobrir outros estilos musicais, o poeta fez cursos de fotografia, dança entre outras coisas. Quando voltou de viagem decidiu virar ator. Foi nessa época que surgiu o Circo Voador. Na primeira peça apresentada por Cazuza, ao invés de interpretar, cantava quase o tempo todo. Foi ali que descobriu que tinha talento para a música. A primeira pessoa a perceber esse talento foi Léo Jaime, e foi ele quem apresentou Cazuza ao Barão Vermelho. Nessa época o Barão cantava músicas estilo Led Zeppelin e faltava um vocalista. Cazuza se acertou de imediato com o grupo e passou a ser o vocalista do Barão Vermelho. Desde o início a relação de Cazuza com a música se dava de uma forma intrínseca e talvez tenha sido essa paixão que o motivou a lutar com tanta força nos momentos mais difíceis de sua vida. Pois, como ele sempre relatava, a música era praticamente um “lance sexual”. Quando subia no palco se sentia um super-herói e quando estava longe deste era apenas um menino tímido. 5 O blues, como se sabe, é uma música de origem negra. É a minha criatividade que me mantém vivo. Meu médico diz que sou um milagre, porque eu tenho tanta energia, tanta vontade de criar, e que é isso que me deixa vivo. Minha cabeça está muito boa, ela comanda tudo. (ARAUJO, 2004. p 394) O que diferencia Cazuza de muitos cantores é que ele mesmo compunha suas músicas, que diga-se de passagem, são verdadeiros poemas. Hoje sei que vendo meu bacalhau, mas meu lance mesmo é a poesia, que eu mastigo e vomito no público. (ARAÚJO, 2004. p 359) Ao cantar Cazuza fazia uma das coisas que mais o deixava feliz, e ao mesmo tempo era o que levava de forma mais séria em sua vida. Esta trajetória será drasticamente alterada quando descobre que está doente. Podemos perceber que a partir do momento que nosso poeta exagerado descobriu que estava com aids, houve um amadurecimento, percebido nas letras de suas composições. Neste período não deixou de fazer suas estripulias, porém mudou sua forma de encarar o trabalho. No início dizia trabalhar apenas para se divertir, conquistar um “broto”, depois passou a ver o trabalho de outra maneira, começou a se preocupar em cantar melhor e em falar mais de coisas abrangentes, como por exemplo, de sua geração. Percebemos que desde pequeno Cazuza já tinha uma inclinação artística e que a sua maior peculiaridade é de que não era apenas um cantor, mas acima de tudo, um escritor criativo. Remetendo-nos ao texto de Freud: Escritores Criativos e devaneios. Para exemplificar isto, podemos descrever um trecho de uma de suas composições. Todo dia a insônia Me convence que o céu Faz tudo ficar infinito E que a solidão É pretensão de quem fica Escondido, fazendo fita [...]. (Pro Dia Nascer Feliz – Frejat/Cazuza) Segundo o autor os escritores criativos conseguem impressionar-nos com seu escrito, pois nos despertam emoções das quais nem sabíamos ser capazes. Além disto conseguem descrever o que sentimos e temos dificuldade de falar. Cazuza consegue descrever estes sentimentos em um poema, transformado-o em música. Estes escritores ficam ainda mais interessantes, pois ao serem interrogados sobre sua arte, não irão oferecer nenhuma explicação satisfatória que contribua para nos “transformarmos” também em um escritor criativo. Vejamos um depoimento de Cazuza diz: O artista não é nenhum operário, que bate o ponto e tal. Eu não acredito que ninguém possa ser operário da arte, porque a arte é contra a transformação do homem numa máquina. (ARAUJO, 2004. p 381) As crianças irão ocupar a maior parte de seu tempo com brinquedos ou jogos. A partir deste brincar surgirá uma antítese entre a realidade e a fantasia, pois a criança gosta de imaginar às coisas. Podemos dizer que quando a criança brinca, ela se comporta como um escritor criativo. Pois, o escritor, em sua escrita criativa, irá criar um mundo de fantasia, que é levado por ele de uma forma muito séria, ou seja, ele investe uma grande quantidade de emoção, mantendo uma separação entre a fantasia e a realidade. O mesmo feito pela criança durante seu brincar. O mundo imaginativo do escritor é capaz de criar uma irrealidade fantasiosa, que terá conseqüências em sua arte, pois: “muita coisa que, se fosse real, não causaria prazer, pode proporcioná-lo como jogo de fantasia, e muitos excitamentos que em si são realmente penosos, podem tornar-se uma fonte de prazer para os ouvintes e espectadores na representação da obra de um escritor”.6 A criança quando cresce irá abdicar dos jogos infantis, porém não irão renunciá-los, ou seja, nunca renunciamos a nada, apenas substituímos uma coisa por outra. E é justamente o que a criança faz, ela substitui os jogos infantis pela fantasia ou devaneios. A principal diferença é que as fantasias são bem mais difíceis de observar do que o brincar infantil. Principalmente porque a tendência é de que os adultos escondam suas fantasias das demais pessoas. Isso ocorre porque a fantasia possui um caráter de intimidade, ela sempre vem com o intuito de realizar um desejo inconsciente. As únicas pessoas que revelam estas fantasias são aquelas,descritas por Freud, de “vítimas dos nervos”, e apenas por esperar tratamento. Porém a revelação destes pacientes é o mesmo que será ouvido de pessoas saudáveis. Freud trabalha sob a tese de que as forças motivadoras das fantasias são os desejos insatisfeitos, onde toda a fantasia é a realização de um desejo insatisfeito. O autor dirá que é como se a fantasia flutuasse em três tempos: O trabalho mental vincula-se a uma impressão atual, a alguma ocasião motivadora no presente que foi capaz de despertar um dos desejos principais do sujeito. Dali, retrocede à lembrança de uma experiência anterior (geralmente da infância) na qual esse desejo foi realizado, criando uma situação referente ao futuro que representa a realização do desejo. O que cria então é um devaneio ou fantasia, que encerra traços de sua origem a partir da ocasião que provocou e a partir da lembrança. Dessa forma o passado, o presente e o futuro são entrelaçados pelo fio do desejo que os une. (FREUD, 1908 [1907]. p 136) 6 FREUD, 1908 [1907]. p 136. A fantasia permite que o desejo se utilize, de ocasiões do presente para construir, segundo moldes do passado, um quadro do futuro. No caso do escritor, uma experiência presente irá despertar uma lembrança anterior, normalmente infantil, da qual se originará um desejo, que vai ao encontro da realização da obra criativa. “A própria obra revela elementos da ocasião motivadora do presente e da lembrança antiga”.7 O sonho, por exemplo, é uma espécie de fantasia. Tanto o sonho quanto a fantasia, irão demonstrar uma realização de desejo. A diferença é que nos sonhos o desejo aparece mais camuflado. Freud irá comparar o escritor imaginativo ao “sonhador em plena luz do dia” e suas criações com os devaneios. A diferença é que o artista consegue materializar, em sua obra de arte essas fantasias, enquanto que o homem sem esse dom ficará com essas fantasias apenas no pensamento. Além disto, o artista consegue descrever o que viu ao seu redor, o que todo mundo vê, mas não consegue ilustrar de uma forma tão bela e aceita socialmente. Cazuza disse: Não há coisa que me deixe mais feliz do que quando vão ao meu camarim, depois dos shows, para falar que a história da música é exatamente o que aconteceu com elas. Isso é muito bonito e gratificante. (ARAÚJO, 2004. p 369) Outra diferença, destacada pelo autor, é de que se uma pessoa nos contar suas fantasias sentiremos repulsa ou indiferenças, já no caso dos artistas, ao nos apresentar sua criação, fazem com que sintamos um grande prazer. O segredo poético estaria na técnica de superação dessa repulsa. Vejamos o que Freud diz: 7 FREUD, 1908 [1907] p 141. O escritor suaviza o caráter de seus devaneios egoístas por meio de alterações e disfarces, e nos suborna com o prazer puramente formal, isto é, estético, que nos oferece na apresentação de suas fantasias. Denominamos de premio de estímulo ou de prazer preliminar ao prazer desse gênero, que nos é oferecido para possibilitar a liberação de um prazer ainda maior, proveniente de fontes psíquicas mais profundas. (FREUD, 1908 [1907]. p 142) Para Freud, esse prazer proporcionado pelo escritor é da mesma natureza do prazer preliminar, e a satisfação que usufruímos, da obra literária seria procedente da libertação de tensões de nossas mentes. Pois o escrito irá nos permitir, a partir da satisfação usufruída da obra de arte, podermos nos deliciar sem as auto-acusações ou vergonha sentida anteriormente, devido às nossas fantasias. 2 A LINGUAGEM E OS PERCURSOS DO SUJEITO 2.1 Sujeito, Psicanálise e Criação Neste segundo momento torna-se necessário elaborar um texto que possibilite uma compreensão acerca do conceito de linguagem para psicanálise, pois segundo esta teoria, será a partir da linguagem que poderemos ter acesso ao inconsciente do sujeito. Para isto consideramos importante elaborar uma breve definição sobre o conceito de sujeito para esta teoria. Quando nos referimos ao sujeito da psicanálise estamos falando do sujeito do inconsciente. E como para Lacan o inconsciente está estruturado pela linguagem, o sujeito do inconsciente irá decorrer do significante. Assim, o sujeito é conseqüência do significante e estará regido pelas leis do simbólico. Pois, do ponto de vista psicanalítico o sujeito é constituído pela linguagem. A língua vai se inscrevendo no corpo da pessoa, assim nosso corpo passa a estar inscrito como uma linguagem e essa inscrição será sempre vinda do Outro. Então desde que nascemos a cultura vai sendo inscrita em nosso corpo, primeiro através daquele que desempenha a função materna e posteriormente pelos discursos componentes do social. Assim a língua será a possibilidade de reconhecimento e acesso ao inconsciente, e a partir da qual irá se dar o encadeamento de significantes que permitem ao sujeito falar do seu desejo. Toda a língua terá, então, um lado individual e um lado social, sendo impossível conceber um sem o outro. Pois a linguagem é a interação social em que o outro desempenha papel fundamental na constituição do sujeito, onde os processos que a constituem são históricosociais. Compreendendo, então, o sujeito como efeito da linguagem, a psicanálise procura suas formas de constituição, não em um discurso homogêneo, mas na diversidade de um discurso heterogêneo, que é a conseqüência de um sujeito dividido entre o consciente e o inconsciente. O inconsciente vai ser a parte barrada da história do sujeito, e o lugar de seu desejo. No entanto, este desejo pode ser recuperado a partir de traços deixados na linguagem em forma de palavra. Contradizendo a premissa de que o sujeito, sem que tenha consciência, é levado a acreditar que o que diz é seu, ou seja, que é dono de sua própria vontade, Freud nos diz: “O eu não é senhor de sua própria casa”. Lacan, posteriormente, irá usar a frase originária de Rimbaud, poeta simbolista Francês, que disse: “Eu é um outro”, porém acrescentando um O maiúsculo no outro. Ficando assim: “O Eu é um Outro”. Que “Eu” é esse de que fala Rimbaud? Esse é o grande mistério da literatura. Sendo assim, pela ordem da linguagem o sujeito é levado a ocupar o seu lugar em um dos grupos ou classes de uma determinada formação social. Isso por ser afetado por uma determinada ideologia e também pelo inconsciente. Pois, como seres sociais precisamos nos sociabilizar, ou seja, internalizar os significados da cultura, do nosso social. Isto é, justamente o que será recalcado e provocará, assim, o sintoma do sujeito, aquilo a que ele deu um significado diferente em relação aos significados que lhe foram dados pela sociedade. Neste sentido Foucault afirmará com Lacan, que o sujeito se “assujeita” a uma determinada ideologia, devido a formação discursiva com a qual se identifica. Pois para a psicanálise o inconsciente é uma cadeia de significantes que se repete e insiste em interferir nas fissuras que o discurso lhe oferece. Ou seja, é a partir do que o discurso social propõe que o sujeito vai fazendo suas escolhas, formando assim suas opiniões e constituindo suas cadeias de significante à deriva, em busca de significados. A partir disto, podemos dizer que não existe sujeito sem sintoma e nem laço social que se organize fora de uma posição sintomática. O sintoma para a psicanálise, não é visto como uma condição que está ali para ser extirpada ou retirada do sujeito numa expectativa de que, eliminando-o estaríamos resolvendo o que o produz, pois ele terá ainda uma conexão com a vida do paciente e sendo assim, será o que irá sustentá-lo. Será justamente esta conexão com a vida do paciente que irá interessar ao psicólogo. Lacan irá nos dizer que ao contrário do cogito de Descartes “Penso, logo existo”, o sujeito estará justamente aonde não pensa, ou seja, aonde deseja: “Desejo, logo existo”. O inconsciente, sendo a parte censurada de cada sujeito e a morada do desejo, é o que irá representá-lo realmente. Porém, no momento em que o que era inconsciente se torna consciente, deixará de ser desejo. Pois o desejo é algo que foi recalcado e não pode ser pensado na consciência, assim “o sujeito está no pensamento barrado. Lá onde penso, eu não sou” (LACAN, 1957-1958), onde justamente irá aparecer o ser de gozo. A arte literária pode ser dita como o lugar onde o inconsciente pode se encenar. Ela se constitui no cerne da linguagem e o texto literário possibilita com que o sujeito possa transcrever as “imagens do impossível”, ou seja, do inconsciente em forma de palavras – letras, sem reconhecê-las como parte de seu desejo, já que o texto literário permite que o sujeito, à priori, conte uma história fictícia. Assim, a arte literária permite que o escritor enuncie seu desejo em uma folha de papel, a qual consegue minimizar uma falta com as inscrições realizadas na escrita, sua “materialidade de texto”. As palavras serão sempre substitutas – travestidas de novas aparências, e nesse percurso do discurso o desejo pode aflorar sem que alguém necessite reconhecê-lo como seu. Podemos dizer que o sintoma do escritor é o seu desejo de escrever. Enquanto palavra discursiva, a linguagem se teatraliza, nesse palco ficcional, duplo do palco psíquico. Duplo, não idêntico, pois a relação do imaginário literário não é absoluta identidade com o psíquico. Esse se forja com uma matéria linguageira que também se torna fantasia, num jogo que se realiza num mundo de vozes que se repetem, se invertem e se subvertem. (BRANDÃO, 2004. p 33) O sintoma é dito como uma metáfora, onde estará sempre servindo de substituto para um desejo que foi recalcado. Então, se o sintoma é uma representação inconsciente, onde ele aparecerá estará o sujeito de fato. Através de Freud descobrimos que o sintoma diz a verdade do paciente e que precisa ser ouvido e não observado, é a palavra em busca de outro que a escute. Porém, é importante deixarmos claro, que o sintoma não irá dizer claramente o que se passa no inconsciente do sujeito, irá, ao contrário, “falar” de uma forma ilegível. Ele possuirá um significado e serve para representar simultaneamente diversos cursos inconscientes de pensamento, ou fantasias inconscientes, ele terá também um saber e uma dimensão de gozo, porém primeiramente parecerá estranho para o paciente e somente durante o tratamento poderá ser denunciado o que ele está encobrindo. “O sintoma é aquilo que mais amamos, mas também o que mais nos queixamos”. (Freud) Lacan irá nos dizer que o sintoma está anexado ao clássico nó borromeu, que representa o real, o simbólico e o imaginário. O sintoma seria então parte da estrutura do sujeito. Foi a partir do conceito de real que Lacan criou sua tese do “inconsciente estruturado como uma linguagem”. “Lacan forjou seu conceito de real, aí depositou o objeto e, principalmente, a noção freudiana de pulsão de morte”.8 Definido como o impossível de representação, o real é o que ultrapassa os campos do simbólico e imaginário, não podendo ser apreendido senão através de manifestações intrusivas na vida do sujeito (alucinações, por exemplo) ou através do automatismo da repetição presente nos sintomas (gozo). Esse lugar vazio, marca na cisão originária entre natureza e linguagem, constitui-se como uma realidade que sustenta todo e qualquer discurso, sendo a ele inerente. (PINTO, 2002. p 60) Lacan em seu texto As Máscaras do Sintoma, dirá que Freud descobre no sintoma o desejo, ou seja, por trás do sintoma haverá a realização de um desejo inconsciente. Assim o desejo do ser humano não estaria implicado em uma relação simples e pura com o objeto que o satisfaz, mas estaria ligado a uma posição assumida pelo sujeito diante desse objeto e a uma posição que ele assume fora de sua relação com o objeto, de um modo que nada se esgotará nesta relação com este objeto. Essa relação de desejo é simbolicamente mais profunda do que a relação do sujeito com a vida. Pois sempre há uma dimensão de gozo por trás do sintoma, que é o representante do desejo. O conceito de gozo estará ligado ao objeto e ao corpo, enquanto que o sintoma estará 8 PINTO, 2002. p 60 . ligado a relação do sujeito ao objeto. O gozo se demonstraria aonde há a repetição, ou seja, naquilo que o sujeito repete, repete, e ao mesmo tempo reclama muito. É uma ligação entre o sofrimento e a satisfação. Poderíamos dizer que o gozo está ligado a pulsão de morte, à qual pode ser representada pela compulsão à repetição, que é a busca incessante por algo que já foi perdido. O desejo humano, em suas relações internas com o desejo do Outro, foi vislumbrado desde sempre.9 A partir desta afirmação podemos dizer que o desejo do Eu terá sempre uma relação com o desejo do Outro, pois o desejo se apresenta como inconsciente, e como falávamos anteriormente o inconsciente é formado pelos Outros. Inicialmente Freud nos dirá que o desejo é um desejo que foi recalcado. Lacan irá complementar esta afirmação dizendo que o desejo é um desejo que o sujeito exclui na medida em que quer fazê-lo reconhecer. Assim, o desejo sempre será desconhecido até certo ponto, e tentemos atribuir-lhe objetos na tentativa de satisfazê-lo, pois, “o desejo é o desejo daquela falta que, no outro, designa um outro desejo”.10 Porém a satisfação nunca será de fato alcançada. A partir do texto de Lacan Da Imagem ao Significante no Prazer e na Realidade podemos dizer que a satisfação é produzida a nível alucinatório, onde se pode encarnar a tese da satisfação alucinatória da necessidade primordial ao nível do processo primário. Um exemplo típico da satisfação alucinatória, trazida por Freud, é o sonho, especialmente o sonho da criança, onde, segundo o autor, é o caminho de encontro do desejo do sujeito. A arte pode ser tida como outro espaço dessa satisfação. 9 LACAN, 1957-1958. p 332. LACAN, 1957-1958. p 340. 10 Lacan diz também que não existe um estado de necessidade pura, essa “necessidade pura” seria o desejo. Pois, “desde a origem, a necessidade tem uma motivação no plano do desejo, isto é, de alguma coisa que se destina, no homem, a ter uma certa relação com o significante”.11 A manifestação da necessidade virá através de um signo. Porém o signo não é capaz de despertar a necessidade, nem capaz de satisfazê-la, mas ele possui uma relação com os significantes, especialmente ao significante oposto e que expressa sua ausência. Ele se situa num conjunto já organizado como significante, já estruturado na relação simbólica, na medida em que aparece na conjunção de um jogo da presença com a ausência, da ausência com a presença – um jogo, por sua vez, comumente ligado a uma articulação vocal em que já aparecem elementos discretos, que são significantes. (LACAN, 1957-1958. p 332) A característica significante ultrapassa a necessidade. O caráter significante se encontra, muitas vezes, naquilo que foi proibido para o sujeito e irá aparecer no sonho, ou texto. O sonho não seria apenas a demonstração de uma necessidade, mas ultrapassaria a satisfação e demonstraria o desejo, é claro, que encoberto ou deslocado. Segundo Lacan, as alucinações estariam estruturadas a partir de significantes, ou seja, elas constituiriam um fenômeno significante. Assim o que caracterizaria a satisfação alucinatória de desejo (o sonho por exemplo) seria pelo fato dela implicar um lugar do Outro, a partir de que “ele é exigido pela proposição da instância do significante”. 11 LACAN, 1957-1958. p 227. Sendo assim, o desejo do sujeito se coloca para ele como a cadeia significante. Essa cadeia significante somente será “dada” ao sujeito através da mãe (mãe como função), ou seja, a mãe encarnada como um grande Outro que imprime, primeiramente, os significantes no sujeito. Pois os ensinamentos provêm da fala do adulto. Lacan ao falar de Freud, diz que antes da instalação da linguagem como aprendizado, já existia a simbolização. A simbolização se daria desde a primeira relação da criança com o objeto primordial (a mãe). Esse objeto, com efeito, já está introduzido como tal no processo de simbolização, e desempenha um papel que introduz no mundo a existência do significante. E isso, num estágio ultraprecoce. (LACAN, 1957-1958. p 231) Seria a partir da relação da criança com a mãe que se constituiria a primeira relação de realidade. Durante o estágio do espelho que a criança vai ao encontro daquilo que é propriamente uma realidade que ao mesmo tempo, diz Lacan, não é, pois é uma imagem virtual que desempenha um papel decisivo na constituição psíquica do sujeito. A criança conquista aí o ponto de apoio dessa coisa no limite da realidade, que se apresenta para ela de maneira perceptiva, mas que, por outro lado, podemos chamar de uma imagem, no sentido de que a imagem tem a propriedade de ser um sinal cativante que se isola na realidade, que atrai e captura uma certa libido do sujeito, um certo instinto graças ao qual, com efeito, um certo número de referenciais, de pontos psicanalíticos no mundo, permite ao ser vivo ir organizando mais ou menos suas condutas. (LACAN, 1957-1958. p 233) A partir do estágio do espelho que a criança vai constituir a sua imagem e também os seus movimentos, que são vistos através do espelho nas pessoas que acompanham a criança. Essa experiência, segundo o autor, seria de uma realidade virtual a ser conquistada. Toda realidade de constituição do sujeito, passa pelo estágio do espelho. E acima de tudo, será nesse momento que a criança realiza as primeiras identificações do eu, a partir de uma experiência da realidade. A imagem virtual desempenharia um papel decisivo de cristalização do sujeito, qual Lacan denominou de “Urbild”. Que seria a primeira conquista do eu realizado pela criança “a partir do momento em que desdobra o pólo real em relação ao qual tem de se situar”.12Dessa forma, na medida em que a criança se identifica por elementos significantes da realidade, ocorreria uma ligação da experiência de realidade à identificação ou subjetivação do individuo. Como sabemos, para que a criança não fique presa no campo materno é necessária a entrada de um terceiro nessa relação (o pai). O pai que faz com que o objeto do desejo da mãe passe de uma categoria imaginária para uma categoria simbólica, tornando-se assim proibido. É na medida em que, para desempenhar essa função, o pai intervém como personagem real, como [Eu], que esse [Eu] vem a se tornar um elemento eminentemente significante, constituindo o núcleo da identificação máxima, resultado supremo do complexo de Édipo. É por isso que é ao pai que se refere a formação chamada de ideal do eu. (LACAN, 1957-1958. p 235) Podemos dizer que o Eu irá se compor a partir de uma série de identificações com um objeto que está para além da mãe, o pai. O objeto é articulado à função do significante. Porém, haveria uma significação que se deslizaria, o que faria com que a relação do homem com a significação se dá em virtude de um objeto especial chamado de “objeto metonímico”. O sujeito se relacionaria com esse objeto de uma forma que ele seja o ponto central de sua estruturação ou subjetivação. Esse objeto seria o falo. 12 LACAN, 1957-1958. p 234. Podemos dizer que será através da demanda que poderemos nos aproximar do desejo, pois eles estão interligados. A demanda se inicia em nossos primeiros anos de vida e será construída pela linguagem. A mãe irá instaurá-la pela suposição, ou seja, no momento em que a mãe não responde ao bebê (na ausência da mãe), o que ele queria ela demonstra assim um não saber sobre o filho, ela demonstra sua castração. É a partir da evocação da presença - ausência da mãe, que a falta vai se instaurando no filho. Será aquilo que a demanda da mãe não cobriu, da necessidade do filho, que terá uma sobra, e esta sobra constituirá o desejo do pequeno rebento. Essa situação bizarra confronta o sujeito com o campo da necessidade, com o momento mítico de sua fundação, emfim, com aquilo que foi preciso perder para tornar-se humano, desejante. O que, por inteiro, jamais se inscreve simbolicamente no inconsciente mas que cobra aos pedaços sua inscrição, via satisfação, é o que Freud denominou de libido. (PINTO, 2002. p 62) Lacan dirá que o riso do bebê demonstra algo para além da demanda, enquanto o desejo estará ligado ao significante da presença, para além da presença, seria o sujeito por trás dessa presença que se dariam os primeiros risos. No caso da literatura o processo é semelhante. Às vezes o texto ri e às vezes mostra-se carrancudo, em casos extremos pode até querer matar o leitor (bebê). Quando não se ri mais, o rosto fica impassível, onde as necessidades não terão que ser satisfeitas. A máscara do sintoma se constituiria “na insatisfação e por intermédio da demanda recusada” haveria então, “tantas máscaras quantas são as formas de insatisfação”.13 Pois, como sabemos, o sintoma estará representando diversos cursos inconscientes, sendo assim, poderá ter diversos significados e estará ligado a diversos significantes. Representará também uma ambigüidade, que é a do sofrimento e da satisfação (gozo). 13 LACAN, 1957-1958. p 345. Provisoriamente pode-se afirmar que o inconsciente é a instância onde o desejo se encontra. As suas formas de manifestações são o sintoma, os sonhos, os lapsos, os atos falhos e a arte literária, onde a linguagem conseguiu “transformar” esse desejo em significante, fazendo com que o sujeito não reconheça essas produções como sendo suas. Assim, podemos dizer que para a psicanálise a questão não será de excluir o sintoma do paciente, se não de ao máximo reduzí-lo. O principal será fazer com que o sujeito o reconheça e se reconheça nele, isto é possível através da transferência, a qual inclui a demanda de tratamento, tornando assim o que era questão em uma pergunta, em que o sujeito não está alheio, mas implicado nela. Pois, como Lacan nos diz: “o sintoma é o modo como cada um goza do inconsciente, enquanto que o inconsciente o determina”. Assim, a análise permite que o sujeito não precise sofrer tanto para gozar, mas que possa sofrer menos e gozar da mesma forma, obtendo o mesmo prazer que era obtido anteriormente. 2.2 O Reconhecimento dos Efeitos da Pulsão, Através de sua Representação Freud, como sabemos, ao criar a análise propôs o método da associação livre, ou seja, pedia ao seu paciente que falasse tudo que lhe viesse à cabeça. Nessa fala, do sujeito, haverá interrupções (do próprio paciente, através dos lapsos e atos falhos) e também os intermináveis silêncios. O assunto principal destacado por Freud era as questões sexuais. E, como falávamos anteriormente, o significado será relativo para cada sujeito, porque no inconsciente não existe uma regra que diga qual é a representação imaginária que a pessoa faz das coisas. Pois, “na lógica do imaginário, alho realmente significa bugalho (e foi sempre alguém que o disse). Alho ser bugalho, esse é o equívoco do imaginário. E é sobre esse equívoco imaginário primordial que o processo analítico pretende intervir”.14 Já a literatura institui o equivoco como modo de ex-istir, isto é, falar de si e “virar” texto. Será através desses equívocos - pistas deixados na fala do paciente que seu inconsciente poderá ser “desmascarado”, pois o método terapêutico permite que assim o sujeito “fale” de sua intimidade. Através dessa fala poderá ocorrer a realização de um desejo. Porém, ao se deparar com o silêncio do analista, o desejo permanecerá insatisfeito. Ao deparar-se com o “silêncio” do leitor o mesmo ocorrerá com o texto literário. Neste caso, a leitura será a quebra deste silêncio com a interposição do sujeito-leitor. Todavia, como já falávamos anteriormente, o silêncio na análise não parte apenas do analista, pelo contrário, inúmeras são as vezes que o paciente irá se deparar com a impossibilidade de falar. Talvez a única forma de suportar esses silêncios seja através da imaginação, ou melhor, do imaginário. Pois a origem desses silêncios é proveniente da impossibilidade de representação, ou seja, da “falha” do simbólico, onde fica um buraco. “E é dessa zona de vazio intrusivo, chamada por Freud de mais-além do princípio do prazer, que emana a pulsão de morte”.15 Dessa forma, apesar de ser pura ausência de representação, esse vazio não é estático; ao contrário, é dinâmico, revelando-se de um lado no impasse entre o ser e o dizer, manifesto pelo silêncio que irrompe na fala do neurótico, marcando sua descontinuidade 14 15 PINTO, 2002. p 58. PINTO, 2002. p 59. e escancarando seu desamparo e, de outro, na exuberância silenciosa do ser em detrimento do dizer, presente nos fenômenos clínicos não-simbólicos (isto é, do real), sob o impacto da percepção e da caída no ato. (PINTO, 2002. p 58) A pulsão de morte se demonstra ali onde não há possibilidade de representação, ela se manifesta no real. Porém o sujeito não irá reconhecer essas produções como suas. E será justamente nesse escape do simbólico e do imaginário que o paciente poderá saber mais sobre suas questões sexuais, sobre “o ser do objeto pulsional”. Por exemplo, na estaticidade da palavra no papel, que é o “real” da literatura e, literalmente, letras mortas. Assim podemos dizer que para a psicanálise os silêncios ocorridos na análise, especialmente àqueles posteriores a uma fala, onde faltam respostas (a) e questões, podem dizer muito ao paciente. O objeto de nosso estudo, o músico Cazuza, relaciona-se diretamente a este conceito de pulsão de morte. Eu vi a cara da morte e ela estava viva[...] Eu não posso causar mal nenhum a não ser a mim mesmo[...]. (Cazuza) Juntamente ao conceito de pulsão de morte, Freud elaborou o conceito de pulsão de vida. Assim percebemos uma relação entre sexualidade (vida) e morte ou “ainda, entre linguagem (como vínculo do desejo sustentado pelo inacabamento das pulsões parciais) e silêncio (como porta-voz do trágico, sempre atualizado pela insistência da pulsão de morte)”.16 16 PINTO, 2002. p 61. 2.3 Conceituando a Pulsão em Busca do “Autor” Tentaremos, neste momento, descrever brevemente, o que Freud elaborou sobre este conceito tão importante que é o conceito das pulsões, considerando a possibilidade de sua representação na obra de arte. A força pulsional é resultado de um desenvolvimento desinibido da fantasia e do recalcamento ocasionado pela satisfação frustrada. O conceito de recalque está diretamente relacionado ao conceito de pulsão, já que será a partir dele que ocorre a tentativa de impossibilitar a entrada do representante psíquico na consciência , ocorrendo uma fixação da pulsão, que fica a nível inconsciente. Será o recalque que irá trabalhar para formar substitutos, na tentativa de inibir a pulsão que fora fixada num primeiro momento do recalque, o qual Freud denominou de recalque primário. O recalque não impede que a pulsão continue no inconsciente, pelo contrário, faz com que esta se organize ainda mais. A psicanálise irá nos revelar algo importante para a compreensão do recalque. Mostranos, por exemplo, que o representando pulsional desenvolverá com menos interferência e mais profusamente, se for retirado da influência consciente pela repressão. “Ele prolifera no escuro, por assim dizer, e assume formas extremas de expressão, que uma vez traduzidas e apresentadas ao neurótico irão não só lhe parecer estranhas. Mas também assustá-lo”.17 17 FREUD, 1915. p 172. Porém, neste momento não temos a pretensão de escrever sobre o conceito de recalque, apenas fizemos uma breve menção a este conceito, para podermos falar sobre o que nos interessa de fato, que é o conceito de pulsão. Um bom termo para caracterizar a pulsão é “necessidade”. Pois o que elimina uma necessidade é a satisfação.A pulsão possui quatro termos auxiliares para delimitar seu conceito, são os seguintes: Pressão (Drang): É a intensidade de força que a pulsão exerce sobre o fator motor. Finalidade (Ziel): A finalidade de uma pulsão será sempre de satisfação. Porém essa satisfação nunca será total, mas sempre parcial Essa satisfação parcial será dirigida a outro objeto. Fonte (Quelle): A fonte pode ser considerada por estímulos corporais, cujo esses estímulos serão representados na vida mental por uma pulsão. Objeto (Objekt): É “coisa” através da qual a pulsão é capaz de atingir seu objetivo, sendo extremamente variável. [...] a de que todas as pulsões são qualitativamente semelhantes e devem o efeito que causam somente à quantidade de excitação que trazem em si, ou talvez, além disso, distingue uns dos outros efeitos mentais produzidos pelas várias pulsões, pode ser encontrada a partir da diferença em suas fontes [...] (FREUD, 1915. p 144) Freud propôs a existência de dois grupos pulsionais: as pulsões do ego, e as pulsões sexuais. As pulsões sexuais são numerosas e emanam de uma grande variedade de fontes orgânicas. Atuam independentemente uma da outra e tem como finalidade a obtenção de prazer do órgão (prazer ligado a um órgão corpóreo específico). Desde seu surgimento as pulsões sexuais já estão ligadas às pulsões do ego, dos quais só se separam na escolha objetal, cujo seguem os caminhos indicados pelas pulsões do ego. Parte das pulsões sexuais permanecem ligadas as pulsões do ego pela vida inteira, fornecendo-lhes dessa maneira componentes libidinais. Posteriormente, Freud mudou isso para pulsões de vida e pulsões de morte, que veremos à diante. Esses dois grupos de pulsões (sexuais e do ego) distinguem-se, porque as pulsões sexuais possuem a capacidade de mudar de objeto, capacidade esta ausente nas pulsões do ego. Segundo Freud, uma pulsão poderá passar por quatro destinos: a “Reversão a seu oposto”, “Retorno em direção ao próprio eu (self) do indivíduo”, “Recalque” e “Sublimação”. Na reversão de uma pulsão a seu oposto, ocorrem dois processos distintos: um é a mudança da atividade para a passividade e o outro é a reversão de seu conteúdo. Para o primeiro processo, Freud usa os exemplos dos dois pares de opostos: sadismo - masoquismo e escopofilia exibicionismo. Segundo este autor a reversão afetaria a finalidade da pulsão, ou seja, a finalidade ativa de torturar é substituída pela finalidade passiva de ser torturado, ser olhado. O que ocorre é que uma vez que sentir dor se transforme numa finalidade masoquista, a finalidade sádica de causar dor também pode surgir. Pois, quando essas dores estão sendo infligidas a outras pessoas, são fruídas masoquistamente, aonde o sujeito irá se identificar com o objeto sofredor. Em ambos os casos o que é desfrutado não é a dor, mas a excitação sexual. A fruição da dor é uma finalidade masoquista que só pode se tornar pulsional em uma pessoa que era sádica, a qual irá experimentar de boa vontade o desprazer da dor. O retorno de uma pulsão ao próprio eu (Self) do indivíduo é observado quando se percebe que o masoquismo é, na realidade, o sadismo que retorna em direção ao próprio ego do individuo, e de que o exibicionismo abrange o olhar para seu próprio corpo. A observação analítica não nos deixa duvidar de que o masoquista partilha da fruição do assalto a que é submetido, e que o exibicionista partilha da fruição (a visão de) sua exibição. A essência do processo é assim, a mudança do objeto, ao passo que a finalidade permanece inalterada. Não podemos deixar de observar contudo, que nesses exemplos, o retorno em direção ao eu do indivíduo e a transformação da atividade em passividade convergem ou coincidem. (FREUD, 1915. p 148) O outro par de opostos (escopofilia - exibicionismo) também proporciona um bom entendimento. Nesse caso a finalidade da pulsão é olhar e exibir-se. Segundo Freud, é possível ser postulado três fases, que são basicamente as mesmas do exemplo anterior (exibicionismomasoquismo). Primeiro: Olhar como uma atividade dirigida para um objeto estranho; Segundo: O desistir do objeto e dirigir a pulsão para o próprio corpo do sujeito. Dessa forma, a transformação da atividade em passividade e o estabelecimento de uma nova finalidade, a de ser olhado; Terceiro: Introdução de um novo sujeito diante do atual. A pessoa se exibe a fim de ser olhada por ele. Da mesma forma que no exemplo anterior, é difícil saber se a finalidade ativa surge antes da passiva, de que o olhar precede o ser olhado. Porém, a primeira fase se dirige ao primeiro exemplo, pois o início da atividade da pulsão, escopofílico é auto-erótico, ele possui um objeto, que em realidade é parte do próprio corpo do indivíduo. Essa fase é ausente no sadismo, pois desde o começo a pulsão é dirigida para um objeto estranho. O segundo processo, da reversão do conteúdo da pulsão encontra-se no exemplo da transformação do amor em ódio. Freud irá empregar o termo ambivalência para explicar a oscilação entre o amor e ódio. O amor admite três opostos: “amar-odiar”, “amar-ser amado”, “o amor e o ódio”. Onde a segunda dessas antíteses que é o “amar-ser amado” é a atração característica do narcisismo. Sendo que a situação é de “amar a si próprio”. No início da vida mental, o ego é catexizado com as pulsões. O sujeito, dessa maneira, se torna capaz de satisfazer essas pulsões em si mesmo, em uma forma de obtenção de prazer, auto-erótica. Essa forma de satisfação é o narcisismo. Resta-nos agora reunir o que sabemos da gênese do amor e do ódio. O amor deriva da capacidade do ego de satisfazer auto - eroticamente alguns dos seus impulsos pulsionais pela obtenção do prazer do órgão. É originalmente narcisista, passando então para objetos, que foram incorporados ao ego ampliado, expressando os esforços motores do ego em direção a esses objetos como fontes de prazer. Torna-se intimamente vinculado à atividade das pulsões sexuais ulteriores e, quando estes são internamente sintetizados, coincide com o conjunto sexual como um todo [...] (FREUD, 1915. p 160) Em 1925-1926, Freud vem falar das pulsões de vida e pulsões de morte, complementando a teoria escrita anteriormente das pulsões sexuais e do ego. Segundo ele (Freud) as pulsões do ego exercem pressão no sentido da morte, enquanto as pulsões sexuais exercem um prolongamento da vida. [...] O objetivo de toda vida é a morte[...] [...] As coisas inanimadas existiram antes das vivas [...] (FREUD, 1920. p 49) Para explicar o princípio das pulsões de vida e pulsões de morte, Freud fala do início da matéria viva, dizendo que: A tensão que surgiu na matéria que até então era uma matéria inanimada se esforçou por neutralizar-se, dessa maneira surge a primeira pulsão, que é a pulsão que deseja retornar ao estado inanimado, ou de morte. Dessa maneira por longo tempo a substância viva esteve sendo constantemente criada e morrendo facilmente; (devido às pulsões de morte). Até o momento em que forças externas se alteraram de maneira a obrigar a substância, ainda sobrevivente a divergir mais amplamente seu original curso de vida e a efetuar mais complicados antes de atingir seu objetivo de morte. Surgindo dessa maneira as pulsões de autoconservação, ou pulsões de vida. (FREUD, 1920. p 47) Esses dois grupos de pulsões (de vida e de morte), são como dois grupos lutando, um para atingir rapidamente o objetivo final da vida, que é a morte e a outro lutando para prolongar esse término. É originalmente isto que ocorre diariamente em nossa vida, onde certas forças pulsionais lutam para obter uma satisfação total, que seria a nossa morte, e forças pulsionais que lutam para que esse término seja prolongado. Junto com este conceito das pulsões Freud formulou outro conceito de muita importância, que é o conceito da repetição. As manifestações de uma compulsão à repetição (que descrevemos como ocorrendo nas primeiras atividades da vida mental infantil, bem como entre os eventos do tratamento psicanalítico) apresentam em outro grau um caráter pulsional e, quando atuam em oposição ao princípio de prazer, dão a aparência de uma força “demoníaca” em ação [...] (FREUD, 1920. p 46) Percebemos diariamente nas brincadeiras infantis, como as crianças tendem a repetí-las, onde cada repetição fortalece a satisfação que buscam. Pois a repetição ou a reesperiência de algo ocorre devido à busca de prazer. Porém, a satisfação encontrada nunca será total, mas sempre parcial. Devido a isso que ocorre a repetição, ou seja, a busca de uma satisfação total. Essa satisfação total se ocorresse, seria a morte do sujeito. Esta é a ligação da pulsão com a compulsão pela repetição, onde o sujeito tentará restaurar o primeiro estágio da pulsão, onde a matéria era inanimada. Essa repetição que ocorre na fase infantil do sujeito irá ocorrer posteriormente na vida adulta. Como Freud diz: “Parece, então que uma pulsão é um impulso inerente a vida orgânica, a restaurar um estado anterior de coisas”.18 Garcia-Roza em seu livro O Mal Radical em Freud irá referir-se à dualidade do indivíduo que a psicanálise trás à tona. Está dualidade estaria entre o que é ordenado e aquilo que é exterior à ordem, ou seja, o que é ordenado incluiria a linguagem como também a representação do corpo. Já o que é exterior à ordem, se encontrariam às pulsões, em seu estado bruto. “Teríamos assim, de um lado, o corpo-linguagem, e de outro as pulsões, pura potência indeterminada”.19 18 19 FREUD, 1920. p 47. ROZA, 1990. p 53. Esta seria apenas uma das dualidades que a psicanálise apresenta, porém no momento a que mais nos interessa e que pretendemos nos deter é em relação ao dualismo que as pulsões nos deparam, presente tanto em relação às pulsões de vida e pulsões de morte, como também em relação às pulsões e suas representações. Para Freud as pulsões de vida e de morte não estão separadas, mas pelo contrário, estão “misturadas”. O que as difere são as formas de manifestações, pois enquanto as pulsões de vida se manifestam de forma numerosa e ruidosa, as pulsões de morte são invisíveis e silenciosas. Segundo Roza, a representação da pulsão e o corpo pulsional são coisas distintas. O corpo pulsional estaria situado para além da representação, e seria o fator-causa da atividade psíquica. A partir disto, podemos dizer que o corpo pulsional não é representável, não é atravessado pela linguagem, pois ele não se produz na ordem do acontecimento. “O corpo pulsional distingui-se tanto do corpo simbólico como do corpo biológico”.20 Porém, a pulsão é falada a partir do simbólico para se distinguir de algo biológico ou instintual. A pulsão não pode ser tida como algo instintual, já que não possui um objeto próprio, pelo contrário, qualquer objeto poderá ser objeto da pulsão. O oposto do que ocorre com o instinto, que tem seu objeto específico. A escolha do objeto para a pulsão está na relação que este objeto terá com o desejo, ou seja, entre a pulsão e o objeto encontra-se o desejo e a fantasia. “Dessa forma, um objeto só se constitui como objeto da pulsão se ele se fizer objeto para o desejo. Como é pela fantasia que o objeto se articula com o desejo, ela é a mediação necessária 20 ROZA, 1990. p 60. entre pulsão e objeto”.21 Lacan irá denominar este objeto, de objeto a. Ou seja, o objeto causa de desejo. Assim, a pulsão que possibilita a relação que o sujeito mantém com o objeto pela fantasia. Afirmar que entre o corpo pulsional e o objeto interpõem-se o desejo e suas fantasias é o mesmo que dizer que entre ambos interpõem-se a rede significante. Esta, ao mesmo tempo que funda o corpo pulsional (não natural), institui o objeto como objeto a. O objeto a é ao mesmo tempo resíduo e índice da coisa, ele é o que permanece por efeito da perda do objeto; e o que permanece é um furo, uma falta central em torno da qual organizam-se os significantes. Esse furo, Lacan afirma, é da ordem do real. (ROZA, 1990. p 66) Então, o objeto a não é um objeto específico, mas um furo em torno do qual permeiam os significantes. É a falta central do sujeito. Garcia afirma, que nenhum objeto é o objeto a em si, e ao mesmo tempo, todos os objeto se apresentam como pretendentes ao seu lugar. Podemos dizer que as pulsões estariam localizadas em uma região para além do princípio de prazer, lugar este que está para além da ordem e da lei. Roza fala deste lugar como o lugar do acaso. Assim, a pulsão de morte deve ser entendida como: “uma vontade de destruição direta, o que não significa tampouco agressividade (esta seria um efeito), mas sim vontade de destruição, vontade de recomeçar com novos custos”.22 Isto pode ser explicado pelo fato de a pulsão estar diretamente relacionada ao conceito de repetição, o qual implica algo novo. A partir da pulsão o natural precisa ser recriado, ou seja, ela coloca em causa o natural, por isso a identificação com a vontade de destruição é legítima. 21 22 ROZA, 1990. p 65. ROZA, 1990. p 131. Como falávamos anteriormente, a pulsão sexual e a pulsão de morte são antagônicas, isto é, enquanto a primeira prima por manter ou constituir uniões, as pulsões de morte possuem uma tendência destrutiva, sendo altamente renovadoras e primando pela disjunção dessas uniões. Assim, “ao colocar em causa tudo o que existe, ela é potência criadora”.23 Lacan irá definir a pulsão de morte como “Vontade de Destruição”, pois ela coloca em causa tanto a natureza como a cultura, recusando um mesmerismo e provocando a emergência de novas formas. Se a pulsão coloca em causa o natural, se por ela e a partir dela o natural tem que ser recriado, sua identificação com a vontade de destruição é legítima. (ROZA, 1990. p 135) Garcia refere-se a pulsão como algo que é externo ao aparato psíquico e se situa para além da linguagem estando, como falávamos anteriormente, no lugar do acaso. Por isso ela é marcada pela a-historicidade, ficando a historicidade referida à representação. Será pelo fato de “se dá uma presença da pulsão no psiquismo humano, que a historização (o memorável ou memorizado) é possível. Considerada em si, a pulsão permaneceria no lugar do não-histórico”.24 Podemos dizer que a pulsão só é pulsão devido ao simbólico e, por isto, a historicidade da pulsão é a sua não-naturalidade. Sendo assim, a rememoração da pulsão é possível a partir da cadeia significante, e é justamente ao ser capturada pela cadeia significante, que a pulsão adquire seu caráter histórico. A única maneira de conhecermos os efeitos da pulsão será através de sua representação. E a satisfação da pulsão também só é possível via representação. Pois, a pulsão não tendo objeto próprio e seu objeto sendo oferecido pela fantasia, isto implica a submissão da pulsão a 23 24 ROZA, 1990. p 134. ROZA, 1990. p 135. articulação significante. Assim, será a partir da rede significante que se ordena o caos da pulsão, e se possibilita que o sexual se constitua como diferença. 3 A PULSÃO: DA PONTA DO LÁPIS À PONTA DA LÍNGUA Neste momento do trabalho já temos a possibilidade de demonstrar a representação da pulsão na obra de arte, especialmente na arte musical. Através das composições de Cazuza é possível ilustrar a representação dos quatro destinos da pulsão. Para tanto, seis composições foram selecionadas. A primeira é Cobaias de Deus que vai representar o que Freud definia como Retorno em Direção ao Próprio eu do Indivíduo. Codinome Beija-Flor representa especificamente o recalque. Já Exagerado e Ideologia representam a Sublimação e Só As Mães São felizes a Reversão ao seu Oposto. Por fim O Tempo Não Pára enuncia a união da pulsão de vida e da pulsão de morte, numa união simultânea de todos os destinos da pulsão e do desejo. 3.1Cobaias de Deus: O Retorno em Direção ao Próprio Eu do Indivíduo Essa parceria com Ângela Rorô foi gravada em 1989, pouco tempo antes da morte do poeta. Cazuza se encontrava em idas e vindas cada vez mais freqüentes nos hospitais, os quais necessitava freqüentar. Ela vem como uma descrição do que estava sentindo, ou melhor, de como estava se sentindo. Vejamos a letra na íntegra: Se você quer saber como eu me sinto Vá a um laboratório ou labirinto Seja atropelado por esse trem da morte Vá ver as Cobaias de Deus Andando na rua pedindo perdão Vá a uma igreja qualquer pois lá se desfazem em sermão Me sinto uma cobaia, um rato enorme Nas mãos de Deus mulher De um Deus de saia Cagando e andando Vou ver o ET Ouvir um cantor blues Em outra encarnação Nós, as cobaias de deus Nós somos cobaias de Deus Me tire dessa jaula, irmão, não sou macaco Desse hospital maquiavélico Meu pai e minha mãe, eu estou com medo Porque eles vão deixar a sorte me levar Você vai me ajudar, traga a garrafa Estou desmilingüido, cara de boi lavado Traga uma corda, irmão (irmão, acorda!) Nós, as cobaias, vivemos muito sós Por isso, Deus, tem pena, e nos põe na cadeia E nos faz cantar, dentro de uma cadeia E nos põe numa clínica, e nos faz voar Nós, as cobaias de deus Nós somos as cobaias de Deus Nós somos as cobaias de deus Nós... (Ângela RoRô/Cazuza) Os termos cobaia e laboratório representam magníficas metáforas do que o autor estava enfrentando. Como sabemos, Cazuza contraiu o HIV num período onde a doença era nova, desconhecida e rodeada de mitos, e foi uma das primeiras celebridades a assumir publicamente que estava infectado pela Aids. Por isso, era como se o poeta realmente estivesse em um laboratório, sendo tratado como um rato, testando inúmeros medicamentos à procura de um que fosse mais eficaz e efetivasse uma melhora em seu estado. Como a Aids era uma doença desconhecida, tinha-se a (des) vantagem de crer que a doença não fosse tão séria e que um medicamento milagroso fosse encontrado. Hoje ainda existe a esperança de uma possível cura, porém as informações são maiores e se sabe a necessidade de muitos estudos e pesquisas antes desta descoberta. A frase “Andando na rua pedindo perdão” demonstra o que Freud já nos falava, de quando o sujeito se encontra em um estado de desespero, desamparado sem conseguir se sustentar sozinho e recorre à fé em Deus. Não temos claro qual a posição de Cazuza em relação à religião e à Deus. Ora parece crer ora parece questionar, porém percebemos que em várias composições exalta o nome de Deus, e isso se intensifica após descobrir que estava doente. A prova é as inúmeras composições que ilustram isto, entre elas podemos citar: Blues da Piedade, Que o Deus venha, Ajudai Senhor, entre outras. Inegavelmente, aqui, refere-se a um Deus impiedoso ao modo do antigo testamento, cuja punição sentia-se através de pragas e castigos. “Cagando e Andando”. Uma das interpretações que podem ser feitas é de que a diarréia é um dos sintomas que a Aids apresenta. Por outro lado, essa expressão é a que melhor traduz o que Cazuza tentava fazer enquanto estava doente, em relação à realidade da doença que enfrentava. Não deixou de ouvir um blues, de fumar, fazer festas, beber demasiadamente, enfim fazer tudo que fazia anteriormente. E isto ocorria até mesmo enquanto estava internado ou quando ia para casa continuar o tratamento. Vejamos um depoimento de sua mãe que demonstra isto: Nos quatro meses em que viveu no apartamento no Leblon, Cazuza continuou provendo suas famosas festas. Pessoas entravam e saíam o tempo todo. Gente que chegava para almoçar, jantar, cheirar pó, fumar maconha em animadas noitadas madrugada adentro. Cercado de todo conforto possível ele se esmerava na arte de bem receber. Sua casa era uma farra. (ARAÚJO, 2004. p 275) O Deus de saia (a mãe punitiva, a mãe divina) cagava e andava para ele, assim como ele cagava e andava para sua condição. Mas em termos do “retorno ao próprio Eu” a condição é clara: em qualquer atitude tomada é de uma cobaia, como cobaia age e como cobaia é punido, com Deus e o mundo cagando e andando. Em depoimento sobre esta música, Ângela Rorô diz que não era amiga íntima de Cazuza, mas sempre ligava para saber como ele estava, como estava se sentindo e considera que esta letra veio como uma resposta a estes questionamentos. [...] recebi uma carta com a letra na minha casa de Araras, Petrópolis (RJ). Chegou uma cartinha com um selo normal. Cazuza me mandou a letra escrita à mão e eu peguei um violão vagabundo e fiz uma espécie de réquiem25. Costurei a letra na métrica da canção e tenho muito orgulho disso, pois Cobaias de Deus é uma das grandes letras do Cazuza. (ARAUJO, 2001. p 222) Cazuza conseguiu traduzir nesta composição não apenas o que sentia, mas o que inúmeras pessoas sentem quando estão à beira da morte, especialmente aqueles que estão enfrentando uma doença nova, sem informações que possam tranqüilizar ou preocupar ainda mais. Doenças que fazem com que se peça – Piedade. Além disto, muitos doentes graves pensam em terminar com tanto sofrimento, antecipando a morte. Isto pode ser demonstrado na frase: “Traga uma corda irmão, irmão acorda”. Enfim, todo o desespero de não se saber qual a cura para a doença: “Porque eles vão deixar a sorte me levar”. No retorno ao Eu o sujeito entrega-se à própria condição de objeto. Falaremos brevemente do que a aids representa, especialmente de como era encarada pelas pessoas no início da década de oitenta, com o propósito de tentarmos compreender como 25 Grifo da autora. foi para Cazuza enfrentá-la, pois se hoje ainda existe preconceito, naquela época este preconceito era milhares de vezes maior. A maioria das pessoas que contraem a aids, passam a ter um sentimento de vergonha associado à atribuição de culpa. São poucas as pessoas que se questionam “Por que eu?”, como quem tem câncer ou outra doença grave que traz riscos de vida. Pois fora a África (país onde grande parte da população está infectado pelo HIV, e muitos já nascem com Aids contraindo o vírus dos pais), a maioria das pessoas sabem ou imaginam de que modo foram infectadas. Após a descoberta de que se está com Aids, a maioria omite dos familiares. Um exemplo conhecido é Renato Russo (ex-vocalista do Legião Urbana), cuja mãe só soube que o filho era HIV positivo após sua morte, através de um meio de comunicação. Uma característica que marcou a história de Cazuza foi justamente a coragem que teve ao se expor, ele se diferenciou fazendo o oposto do que a maioria fazia na época, e ainda faz nos dias de hoje. O comportamento dito de “risco”, que produz a Aids é encarado como uma irresponsabilidade, delinqüência, considerando a sexualidade do sujeito como algo divergente, como se a Aids fosse causada pelos excessos sexuais, por uma perversão sexual, vindo como um “castigo” dirigido à atividade sexual, pois após a descoberta de que se está com Aids o “certo”perante a sociedade – é se abster do sexo. Este é o principal ponto em que a culpabilidade aparece, pois se contrai a doença através da prática sexual e isso parece depender da vontade, implicando a culpa. Logo que foi descoberta (e mesmo vinte anos depois muitas pessoas ainda pensam assim) por estar associada a culpa sexual, o medo do contágio fácil e as fantasias absurdas sobre a transmissão por meios não venéreos em lugares públicos, era praticamente uma crença. Susan Sontag nos diz que a “peste” é a principal metáfora através da qual a epidemia de Aids é compreendida. “Peste” é uma determinação usada, como metáfora, para o que há de pior em termos de males coletivos, sendo encarada como uma condenação da sociedade – termo (im) perfeito para descrever a Aids. Com efeito, tinha-se a idéia de que a Aids poderia causar as piores catástrofes imagináveis, uma epidemia pior que a Peste Negra26. Outras fantasias eram de que era uma peste Africana, ou de que brancos e heterossexuais estariam fora do grupo de risco. A Aids tem o poder de alimentar fantasias sinistras a respeito de uma doença que assinala vulnerabilidades individuais tanto quanto sociais – onde o medo da doença invade toda a sociedade. Com efeito, epistemologicamente paciente quer dizer: sofredor, e o indivíduo infectado pela Aids, no momento que sabe disto, passa a ser considerado um sofredor degradante. Essa degradação é outro ponto que apavora e causa uma desumanização, por medo de também contraíla, pois os sintomas que ela traz são inúmeros. Todavia muitas pessoas levam anos para apresentá-los, outras em pouco tempo já os demonstram. Mesmo antes das pessoas infectadas adoecerem já são consideradas doentes terminais, e isto leva muitos, a uma espécie de morte social que precede a morte física. 26 A Peste Negra foi a maior epidemia de que se têm notícias, eliminou entre um terço e metade da população da Europa. A Aids rapidamente se tornou um acontecimento global e passou a ser discutida nas maiores e principais cidades de inúmeros países, e por milhões de pessoas. Hoje existem inúmeras campanhas para prevenção e esclarecimento sobre esta doença, muitos estudos já foram realizados, os quais conseguiram desenvolver medicamentos que não acabam com a doença, mas que conseguem controlá-la, porém mesmo assim, inúmeras pessoas a contraem e outras inúmeras pessoas ainda alimentam o preconceito e os mitos que giram em torno dela. Neste retorno “final” do próprio Eu, a condição de cobaia ilustra o estágio pós-humano a que o artista foi reduzido e do qual demonstra ter consciência existencial e estética. 3.2 Codinome Beija – Flor: O que há por trás do(s) (S)Teu(s) Nome(s)? Freud considerava o seu conceito de Recalque como a pedra angular da teoria psicanalítica. Para o autor o recalque é a conseqüência do conflito entre uma moção pulsional que força seu acesso à consciência e uma contracarga mobilizada pela censura para interditar esse movimento. O sintoma seria decorrente do recalcamento de uma idéia inconciliável à consciência, e do deslocamento do afeto correspondente a esta para uma outra idéia que lhe fosse próxima, empreendendo assim, uma falsa associação. Consideramos que na composição de Cazuza intitulada de Codinome Beija-flor, há uma representação poética do recalque. Vejamos a música na íntegra: Pra que mentir Fingir que perdoou Tentar ficar amigos sem rancor A emoção acabou Que coincidência é o amor A nossa música nunca mais tocou Pra que usar de tanta educação Pra destilar terceiras intenções Desperdiçando o meu mel Devagarinho, flor em flor Entre os meus inimigos, Beija-flor Eu protegi o teu nome por amor Em um codinome Beija-flor Não responda nunca, meu amor (nunca) Pra qualquer um na rua, Beija-flor Que só eu que podia Dentro da tua orelha fria Dizer segredos de liquidificador Você que sonhava acordada Um jeito de não sentir dor Prendia o choro e aguava o bom do amor Prendia o choro e aguava o bom do amor (Reinaldo Arias/Cazuza/Ezequiel Neves) Codinome Beija-Flor foi composta em 1985 quando Cazuza fora internado pela primeira vez (havia uma leve suspeita de ter contraído a Aids), estava com febre e convulsões, porém neste momento o teste de HIV dera negativo. O que inspirou o poeta foram os beija-flores que rodeavam a janela do quarto do hospital. Cazuza pedia que colocassem água e açúcar para que os beija-flores viessem cantar para ele. Essa é uma das músicas mais belas e a mais lírica do repertório de Caju. Ela nos traz alguns questionamentos, especialmente em relação ao pronome teu que é usado em algumas frases da música. Será que não poderíamos dizer que na verdade Cazuza estava referindo-se a si-próprio? E ao invés de ser tEU, era sEU o nome que protegia? O que importa é o nome, porém não se sabe de quem. A vida amorosa de Cazuza apesar de escancarada é também algo nebuloso, pois aparentemente não teve uma pessoa (mas várias) que fizeram diferença em sua vida. É claro que encontrou muitas pessoas que lhe foram especiais, tendo vários relacionamentos, mas parece que apenas um fez a diferença a ponto de ser “recalcado”. Será que “não apreendera a amar” ou amava tão intensamente que acabava rápido demais? Uma característica marcante em suas composições é, justamente, de eliminar o amor e considerar apenas o sexo. A letra é quase “careta” em relação ao conteúdo de outras letras, exatamente pelo caráter de recalcamento do nome do “amado”, duplo sofrimento para o “exagerado” que fazia questão de expor a si e aos outros em todas as ocasiões. Esta composição é uma tentativa de recalcar o sentimento, o nome/proteção e a emoção, marcando uma guinada estética muito significante. A composição Nunca Sofri por Amor,feita em parceria coma cantora Joana (ícone do brega romântico) traz frases muito interessantes, entre elas está: É duro dizer Mas nunca sofri mais de dez minutos por amor Ninguém nunca mereceu o meu choro Nem a falta de apetite Vivo de músicas românticas E não sou romântico Traz também um questionamento: Será que eu nunca amei de verdade? Ou o verdadeiro amor É assim? Cazuza era uma pessoa tão sensível quanto escancarada, e procurava viver intensamente cada momento de sua vida. O que ocorre é que talvez, os amores que tenha vivido para uma pessoa comum fosse o suficiente, mas para ele era pouco, superficial e passageiro, fazendo com que ficasse na eterna procura de um “amor verdadeiro”, sentindo-se assim, “Incapaz de Amar”. Outra hipótese que podemos sugerir é de que pelo fato de ser tão sensível era capaz de perceber a “realidade da pessoa”, ou seja, como sabemos amamos a idéia que temos do sujeito e não a pessoa de fato.Assim, Cazuza conseguia (v) ler a “alma” das pessoas e isto poderia fazer com que amasse todas, ou talvez, que não conseguisse se “iludir” e amar ninguém de fato. Outra característica de seus relacionamentos era em relação à sua escolha sexual, pois não tinha definido o seu objeto amoroso, ou seja, gostava tanto de homens como de mulheres, mantendo assim, relacionamentos com ambos os sexos. Diversas composições demonstram isto: [...] Quero ele, menino triste Quero ele trás dele Por cima da mesa [...] Quero tê-las, seus bagos, suas orelhas [...] (Quero Ele – Cazuza/Lobão) [...] Todo fim de tarde será rapaz Toda lua será moça [...] (Como já Dizia Djavan (Dois Homens Apaixonados) – Cazuza/Frejat) Este “nome” recalcado é o grande mistério da obra de Cazuza, pois muito provavelmente, ninguém sabe e nem irá saber de quem é. 3.3 Exagerado e Ideologia: Ilustrando a Sublimação Freud ao definir a Sublimação, afirma que esta é a capacidade do sujeito de investir em atividades artísticas, intelectuais, ideológicas, cientificas, atividades denominadas pelo autor como: “Atividades Superiores”. Compreendemos este processo como a possibilidade da pulsão se lançar a uma meta outra, distante da satisfação sexual propriamente dita. A ênfase recai, então, sobre o desvio em relação ao sexual, ou seja, pressupõem-se a manutenção do objeto da pulsão, havendo, no entanto, a transformação do alvo. A sublimação seria o que permitiria a constituição de uma dialética da alteridade por meio da inscrição da pulsão no campo da cultura, mais especificamente a “cultura de massa”. A arte seria, assim, uma modalidade de sublimação às pulsões, na qual o sujeito manteria o objeto de investimento transformando seu alvo. Usaremos duas composições de Cazuza que podem ilustrar o que Freud fala sobre a sublimação. São elas: Exagerado e Ideologia.Começaremos por Exagerado. Amor da minha vida Daqui até a eternidade Nossos destinos foram traçados Na maternidade Paixão cruel, desenfreada Te trago mil rosas roubadas Pra desculpar minhas mentiras Minhas mancadas Exagerado Jogado aos teus pés Eu sou mesmo exagerado Adoro um amor inventado Eu nunca mais vou respirar Se você não me notar Eu posso até morrer de fome Se você não me amar Por você eu largo tudo Vou mendigar, roubar, matar Até nas coisas mais banais Pra mim é tudo ou nunca mais Exagerado Jogado aos teus pés Eu sou mesmo exagerado Adoro um amor inventado Que por você eu largo tudo Carreira, dinheiro, canudo Até nas coisas mais banais Pra mim é tudo ou nunca mais (Leoni/Cazuza/Ezequiel Neves) O próprio Cazuza e as pessoas que o conheciam diziam, e dizem, que Exagerado é uma das composições mais autobiográficas que escreveu. Porém, quando Cazuza a escreveu estava pensando (conscientemente) em seu amigo e parceiro Ezequiel Neves – o Zeca. Zeca, como sempre foi chamado pelos amigos, trabalhava com João Araújo (pai de Cazuza), e eram amigos, porém a amizade maior sempre foi com o filho-Cazuza. Parece que Zeca era como um espelho para o poeta, além de ser seu amigo e produtor dos seus discos.Ele representava um pai idealizado, pois tinha a idade cronológica de seu pai e as atitudes de um adolescente, acompanhava Cazuza nas festas e muitas vezes fazia mais bagunça que ele próprio. Já Lucinha Araújo muitas vezes teve que discutir com o amigo do filho, principalmente quando Cazuza estava doente e, aparentemente, Zeca não estava nem aí para os cuidados que precisava tomar, pelo contrário promovia noitadas de festa. Lucinha sempre admitiu, porém, que nos momentos mais difíceis que Cazuza enfrentou, Ezequiel sempre esteve do seu lado, não lhe abandonou em nenhum momento, até mesmo nas constantes viagens para Boston ele ia junto. Vejamos o que Lucinha dizia da relação de seu filho com Ezequiel Neves: A relação de Ezequiel Neves e meu filho não se limitava as loucuras e bebedeiras. Zeca o estimulava culturalmente, lhe apresentando livros e autores que ele ainda não conhecia, músicas que lhe passaram despercebidas e, mais do que tudo, os dois se afinavam por ter uma antena plugada no mundo e em seus movimentos, que vibrava no mesmo tom. (ARAÚJO, .2004. p 189) Como se vê, Zeca vem a representar um pai idealizado-exagerado, enquanto João é o pai de Vida Fácil: Tim-Tim ! A tua corte agradece Um brinde! O nosso astro merece Ao teu fã-clube fiel Dá autógrafo em talão de cheques [...] João trabalhou em muitas produtoras, passando por todos os cargos da indústria do disco, até que em 1969 fundou a Som Livre. Sempre foi um executivo e Cazuza nunca gostou desta posição e nunca se imaginou nela. Isto pode ser percebido quando trabalhara na Som Livre e dera um jeito de fugir da possibilidade de se tornar um executivo, igual ao seu pai. Quando trabalhava na Som Livre e o Guto Graça Mello disse que queria me dar um novo cargo, não acreditei. Afinal, filho de diretor tem que subir na vida, disse ele. Foi meu primeiro parafuso. Me vi fechado num escritório para o resto da vida, feito meu pai. Disse que preferia até ser um mendigo de rua, mas nunca um executivo. Pedi uma passagem para os Estados Unidos, uma mesada e me mandei. Senão, me jogaria pela janela. (ARAÚJO, 2004. p 117) Por isso, a sua identificação sempre fora maior com o “exagerado” do Zeca que curiosamente “conhecera na Som Livre”, sendo que a composição mais autobiográfica de sua carreira foi feita ao lembrar do amigo. Já o título nos remete a uma pessoa espontânea em demasia, e lembra automaticamente, Cazuza. Outra característica exposta na composição é o que foi referido, anteriormente, sobre seus relacionamentos (tanto de amizades como amorosos), onde o excesso era o que prevalecia. Em contrapartida, a frase “adoro um amor inventado” faz com que nos questionemos sobre a realidade de seus relacionamentos, porém como poder-se-ia amar alguém sem inventá-lo? Sem imaginá-lo, idealizá-lo? A palavra “adoro” por si só demonstra isto, idolatria falsa para indicar a verdade do sentimento. Pelas declarações de Cazuza e seus amigos, este, quando estava apaixonado (nem que fosse por um breve momento) era capaz de largar tudo, ir mendigar, roubar, matar... Já Lucinha Araujo, logo que ouviu a composição acreditou que ele estava se referindo a ela quando dizia: Amor da minha vida Daqui até a eternidade Nossos destinos foram traçados Na maternidade Também afirmou que muitos dos seus amigos e amigos de seu filho diziam que a verdadeira exagerada era ela. Nesta composição ocorre o oposto do que acontecera quando ouviu Só As Mães São Felizes. Nesta, levou um choque na primeira vez em que a ouviu. Ambas composições estão no mesmo disco. Você nunca sonhou Ser currada por animais Nem transou com cadáveres? Nunca traiu teu melhor amigo Nem quis comer tua mãe? Só as mães são felizes... Essas recepções subjetivas vão ao encontro do que Contardo Calligaris diz sobre seguir o desejo dos pais, ou seja, fazer aquilo que eles gostariam de ter feito, mas não fizeram. Assim, Cazuza é o reflexo do desejo de seus pais (especialmente de sua mãe). Ele realiza o desejo, que em seus pais, estava reprimido (Lucinha chegou a gravar um disco, e como cantora era a referência melódica do filho). Por isso, da infância até o início da adolescência Lucinha tenta reprimir tanto as atitudes de Cazuza, até que percebeu que seu menino era incontrolável, porém mesmo assim, nunca deixou de ser extremamente presente na vida do filho. Desta maneira seus pais não conseguiam mais impor autoridade sobre ele, pois ao mesmo tempo em que pediam para que não fizesse, por traz deste pedido existia um desejo que dizia “faça, não repita a minha vida, se revolte”. A fala diz não, mas o desejo diz sim. Relatos de Cazuza e sua mãe, demonstram isto: - Minha mãe é a maior cantora do Brasil! - E eu advertia: - mas você não disse que a maior cantora do Brasil é a Dalva de Oliveira? - Você é a maior cantora vive da MPB, não estava falando das mortas. (ARAÚJO, 2004. p 113) Assim, para poder fazer parte da “comunidade adulta”, o “exagerado” precisa transgredir, conseguindo ser amado e acima de tudo admirado como artista. Com efeito, para conseguir preencher as expectativas dos adultos (pais) é necessário não se conformar ao que os próprios adultos pedem e fazem. Surgindo diversas transgressões, pois na realidade desobedecendo ele está obedecendo. As condutas transgressivas de Cazuza eram tão variadas quanto o sonho e o desejo reprimido de seus pais, a sua patologia, se assim podemos chamar, é o reflexo do desejo reprimido dos seus pais-adultos, por isso precisa ser exagerado e transformar em arte (lucro na visão da indústria fonográfica) a sublimação musical desse exagero. Como sabemos, na década de 60-70 quem transgredia era quem estava em um partido político e a ditadura militar era a responsável por barrar isto. Já na década de 80 se transgredia através do uso de drogas, sexo, e do rock’n’roll. Quem bloqueia isto é a Aids, fazendo o “Exagerado parar”. Vejamos depoimentos de Cazuza que ilustram o que pensava sobre a aids: Esse negócio de aids foi um freio. O prazer passou a ser um risco de vida. Tem pessoas que sabem transar bem com isso, outras não. Tenho amigos que quando vão transar vomitam. (ARAÚJO, 2004. p 384) A aids caiu como uma luva, modelinho perfeito da direita e da igreja. A aids caiu assim como um tailleur para eles, que nunca estiveram tão elegantes...e deselegantes principalmente. (ARAÚJO, 2004. p 384) Por isso, podemos dizer que esta composição reflete o período em que Cazuza se encontrava, o fim de uma década eufórica, onde tudo era o máximo, era supersensacional, era exagerado, e o preço a pagar era apenas “mais prazer” para fazer mais arte. Anteriormente, na década de 60-70, Caetano Veloso ao invés de cantar “exagerado” cantava “Superbacana”: Toda essa gente se engana Ou então finge que não vê que eu nasci Pra ser o superbacana Eu nasci pra ser o superbacana [...] (Caetano Veloso) Em Ideologia, obra-prima de Cazuza, o poeta consegue em uma única composição “falar” ao mesmo tempo de sua vida particular e de toda sua geração, descrevendo o que sente e o que o país sente e enfrenta, um momento de desilusões e desesperança. Na verdade a letra ideologia fala sobre a minha geração, sobre o que eu acreditava quando tinha 16, 17 anos. E sobre como estou hoje. Eu achava que tinha mudado o mundo e que, dali para frente, as coisas avançariam mais ainda. Não sabia que iria acontecer esse freio. É como se agora a gente tivesse que pagar a conta da festa. (ARAÚJO, 2001. p 166) O disco intitulado Ideologia foi todo elaborado após sua doença e apresenta uma maior maturidade nas letras. É uma verdadeira “psicanálise”, um réquiem para o fim do sonho dos exagerados. “Todos os meus heróis morreram de overdose” é uma sentença de morte por analogia a “todos os meus heróis eram exagerados”. Um exemplo disto, é a música também intitulada de Ideologia, a qual Cazuza se baseia em um poema de Carlos Drummond de Andrade, chamado A Rosa do Povo (1943) para compô-la. Vejamos que poema é este (a sua primeira parte) e a composição de Cazuza, podendo assim, compará-los: Este é tempo de partido, tempo de homens partidos. Em vão percorremos volumes, viajamos e nos colorimos. A hora pressentida esmigalha-se em pó na rua. Os homens pedem carne. Fogo. Sapatos. As leis não bastam. Os lírios não nascem da lei. Meu nome é tumulto, e escreve-se na pedra. Visito os fatos, não te encontro. Onde te oculta, precária síntese, penhor de meu sono, luz dormindo acesa na varanda? Miúdas certezas de empréstimo, nenhum beijo sobe ao ombro para contar-me a cidade dos homens completos. Calo-me, espero, decifro. As coisas talvez melhorem. São tão fortes as coisas! Mas eu não sou as coisas e me revolto. Tenho palavras em mim buscando canal, são roucas e duras, irritadas, energéticas, comprimidas há tanto tempo, perderam o sentido, apenas querem explodir. (Carlos Drummond de Andrade) Meu partido É um coração partido E as ilusões estão todas perdidas Os meus sonhos foram todos vendidos Tão barato que eu nem acredito Que aquele garoto que ia mudar o mundo (Mudar o mundo) Freqüenta agora as festas do grand mond Meus heróis morreram de overdose Meus inimigos estão no poder Ideologia Eu quero uma pra viver Ideologia Eu quero uma pra viver O meu prazer Agora é risco de vida Meu sex and drugs não tem nenhum rock’n’roll Eu vou pagar a conta do analista Pra nunca mais saber quem eu sou Pois aquele garoto que ia mudar o mundo (Mudar o mundo) Agora assiste a tudo em cima do muro Meus heróis morreram de overdose Meus inimigos estão no poder Ideologia Eu quero uma pra viver Ideologia Eu quero uma pra viver (Frejat/Cazuza) A partir desta comparação, do poema de Drummond e da composição de Cazuza, podemos dizer que Cazuza estabelece um diálogo amadurecido com Drummond para escrever sua composição. A referência ao analista é mais explícita de suas anteriores recusas à análise, por medo de “perder a inspiração”. Cazuza foi criado em plena ditadura militar, onde tudo era reprimido e como ele próprio diz: “uma geração desunida”. Algo de extrema importância que ele nos aponta como falta é que nos anos sessenta as pessoas ainda se uniam por ideologias, partidos em comum por exemplo. Já em sua geração os jovens não tinham mais essa ideologia e se uniam pelas drogas, pelo sexo e pelo rock’n’roll. Ideologia é comunidade, o contrario de solidão, união de pessoas, ser humano, luta pela sobrevivência, é uma grande maneira de todos se unirem. O contrário da solidão. Quem inventa idéias, partidos políticos ou coisas assim. São formas de não se ficar só. (ARAÚJO, 2001. p 166) Cazuza tinha razão, o adolescente tem dois caminhos possíveis e compatíveis para obter algum reconhecimento: fazer grupo e fazer estardalhaço, besteiras, exagerar. O melhor é fazer grupo e com o grupo fazer besteiras, se associar para transgredir. Com efeito, sua transgressão vira negócio na indústria do disco.É através da sua transgressão que consegue fazer sucesso, na identificação dos demais jovens com ele, pois suas letras carregam a transgressão, e depois, analisam o preço a pagar. Por isso Agenor de Miranda Araujo e Cazuza se “irmanam” para fazer de “ideologia” uma reflexão impiedosa e sincera sobre sua condição e de sua geração. Como o grupo não é reconhecido pelo social, eles se reconhecem entre eles, assim transgredindo as leis que são impostas por aqueles que não o reconheceram, é na verdade uma busca por atenção, por ser escutado. Paradoxo e dificuldade de relação entre gerações: os adolescentes transgridem – até gravemente – não para burlar a lei, não na esperança de escapar das conseqüências de seus atos, mas, ao contrário, para excitá-la, para que a repressão corra atrás deles e assim os reconheça como pares dos adultos, ou melhor, como as partes escuras e esquecidas dos adultos. Eles imaginam que, como delinqüentes, serão amados por serem portadores de sonhos recalcados. (CALLIGARIS, 2000. p 41-42) O reconhecimento buscado simbolicamente é negado e efetuado assim no real – no uso de drogas, na transgressão. Que era a “inspiração”, que por sua vez transformava-se, de forma sublimada e sublimadora, na arte de Cazuza. A geração dos anos 70-80 ligou o uso das drogas à seus sonhos e idéias de liberação e revolução, tanto pessoal, sexual, como social – uma mostra de rebeldia, cujos efeitos começaram a ser sentidos no início dos anos 80, a década do excesso, da cocaína, dos yuppies27. A droga vem como um auxílio ao desafio, ou seja, no momento em que se usam drogas se sentem como desafiantes da vida e de todos os riscos que esta traz, mais do que isso, é um objeto que imaginariamente traz consigo uma pretensão de preencher a sua falta, o seu vazio. E como falávamos anteriormente, a drogadição traz o risco que antes a política oferecia. Meus heróis morreram de overdose [...] O meu prazer Agora é risco de vida [...] 27 “Yuppie” é uma redução da expressão inglesa "Young Urban Professional", ou seja, Jovem profissional Urbano. O termo “Yuppie” descreve um conjunto de atributos e traços de comportamento que vieram a constituir um estereótipo que se acredita ser comum nos EUA. Surgiu na década de 80. A droga propicia uma conquista de serenidade, ou seja, para o sujeito que dela usufrui, a realidade das coisas se transforma em uma aventura, onde a harmonia aparece como elemento essencial. É a partir do delírio que o maior sonho pode se expressar, parecendo realidade. A droga confere um sentido novo à vida, cuja fugacidade já é por demais conhecida. Muitos artistas conseguem transformar esse “passeio” alucinado em conhecimento e em uma via de acesso às trevas, ou como Maria José nos diz: “ao labirinto do imperscrutável”. COMO EXPRIMIR O QUE o tóxico patenteia? Diante da empresa impossível – a expressão do estatuto do inconsciente, compete ao iniciado a elaboração de um novo e também ignorado estatuto da linguagem. Para isso, os artistas levam aos limites da lógica o transfert, isto é, “a atualização da realidade do inconsciente”. Aqueles aos quais nada interessa além da experiência do inefável, parece inútil toda retórica. Bastam-lhes a euforia, o entusiasmo, a vertigem do mergulho no inconsciente. Esse tipo de fruição, ou deleitação gozosa, encerra na experiência todas as metáforas do desejo. Tudo se resolve ali, no ato. (QUEIROZ, 1990. p 34) Aquele que experimente a “vertigem alucinante” entrega-se, encontrando na própria experiência o “significado soberano”, ou seja, como aquele que sente toda essência de uma ordem inédita. “O corpo, apto a articulações do significante e do significado: a ordem da paixão (no sentido primitivo do termo – passio, passionis)”.28 A ordem que consegue transformar o uso de drogas em meio de conhecimento, gera a própria história do sujeito e a demonstra na obra de arte. Essa é a maior singularidade do artista. Essa é a grandeza do caminho que vai do Exagerado até Ideologia. 28 QUIEROZ, 1990. p 36. 3.4 Só As Mães São Felizes e a Reversão ao seu Oposto Após sair do grupo onde se consagrara, Cazuza ficou cada vez mais ousado, com atitudes aparentemente desconcertantes e descontroladas. O disco intitulado de Exagerado é uma prova disto. Ele é o primeiro solo de Cazuza. Neste álbum percebemos uma mudança no seu estilo musical, pois deixa um pouco de lado a “dor de cotovelo” típica de suas músicas anteriores e torna o disco mais alegre. Mas o mais significativo é a amplitude dos horizontes, ou seja, o “poeta exagerado” deixa de compor apenas para um mundinho a dois e passa a compor para o universo de seus iguais. Começa a considerar aspectos importantes de sua geração, conseqüentemente, começa a falar mais de coisas abrangentes, demonstrando isso nas letras de suas músicas. Um exemplo disto é a música intitulada de Só as Mães São Felizes, certamente a mais barra-pesada de um disco vendido ao mercado fonográfico “normal”. Você nunca varou A Duvivier às 5 Nem levou um susto saindo do Val Improviso Era quase meio-dia No lado escuro da vida Nunca viu Lou Reed “Walking on the Wild Side” Nem Melodia transvirado Rezando pelo Estácio Nunca viu Allen Ginsberg Pagando michê na Alaska Nem Rimbaud pelas tantas Negociando escravas brancas Você nunca ouviu falar em maldição Nunca viu um milagre Nunca chorou sozinha num banheiro sujo Nem nunca quis ver a face de Deus Já freqüentei grandes festas Nos endereços mais quentes Tomei champanhe e cicuta Com comentários inteligentes Mais tristes que de uma puta No Barbarella às 15 pras 7 Reparou como os velhos Vão perdendo a esperança Com seus bichinhos de estimação e plantas? Já viveram tudo E sabem que a vida é bela Reparou na inocência Cruel das criancinhas Com seus comentários desconcertantes? Adivinham tudo E sabem que a vida é bela Você nunca sonhou Ser currada por animais Nem transou com Cadáveres? Nunca traiu teu melhor amigo Nem quis comer tua mãe? Só as mães são felizes (Cazuza/Frejat) Nesta composição Cazuza “olha” ao seu redor e transcreve o que vê em um poemaverdade. Nas linhas e entre – linhas do poema Cazuza escreve o que muitos gostariam de esconder. Um exemplo claro é quando fala de uma das ruas de Copacabana, a Duvivier. Copacabana é um dos bairros mais freqüentado por turistas nacionais e internacionais, a sua praia é conhecida por seu charme e pelo enorme calçadão que o rodeia, feito de pedras portuguesas brancas e pretas, compondo um lindo mosaico no formato de ondas. As garotas que a freqüentam possuem até uma música em sua homenagem, composta por Tom Jobim. A música é intitulada de “Garota de Ipanema”, mas neste bairro nobre existe um bordel chamado de Barbarella, citado na música por Cazuza. E neste belo calçadão, onde as “princesinhas de Ipanema” que “no balanço do mar” desfilam, dividem o mesmo espaço com as “putas do barbarella”, com as quais obviamente, Cazuza, se identificava. Neste mesmo bairro existia também o bar chamado de Val Improviso, um bar muito chique que as pessoas mais ricas da cidade freqüentavam e encontravam os marginais em sua calçada, lugar onde segundo Cazuza “todo mundo vira irmão” em meio a uma bebedeira. Só que a bebedeira acaba e a realidade retorna, e daí os ricos da cidade não lembram de nada que aconteceu, e se encontrarem um marginal, aquele que no dia anterior era seu irmão, é claro não o reconhecerão. Cazuza não negava sua origem “burguesa”, indo ao Val Improviso, mas buscava insistentemente as putas do Barbarella. Essa composição além de apresentar o que é escondido por muitos, sobre um dos bairros mais importantes e conhecidos do Rio de Janeiro, como ocorre em todo o país, faz uma homenagem aos poetas e as “pessoas diferentes”. Cazuza cita alguns poetas e compositores como: Lou Reed (cantor e compositor norte – americano, de rock), Luis Melodia, Allen Ginsberg (poeta), Rimbaud (escritor) e até o fundador da cidade do Rio de Janeiro recebe uma homenagem, o Sr. Estácio de Sá. Cazuza irá falar também, só que de uma forma indireta, de Sócrates ao falar do veneno cicuta causador da morte do filosofo. Mas, acima de tudo, a composição mostra o lado obscuro da vida. De certa forma ironizado na frase: “E sabem que a vida é bela”, repetida por duas vezes: Reparou como os velhos Vão perdendo a esperança Com seus bichinhos de estimação e plantas? Já viveram tudo E sabem que a vida é bela Reparou na inocência Cruel das criancinhas Com seus comentários Desconcertantes? Adivinham tudo E sabem que a vida é bela Cazuza usará de frases fortes que, ao serem lidas, ainda desconcertam muitos: Você nunca sonhou Ser currada por animais Nem transou com cadáveres? Nunca traiu teu melhor amigo Nem quis comer tua mãe? Só as mães são felizes... O título da música só é usado na última estrofe. Só as Mães São Felizes foi inspirada no verso de Jack Kerouac (tirado do livro Scattered Poems), onde havia esta frase: “Só as mães são felizes”, que deixou o poeta intrigado. Mas o uso do poema foi apenas para esta frase. Há aí uma clara identificação de Cazuza com Jack Kerouac. Por quê? Jack Kerouac, chamado por muitos de “profeta da geração beat”,29 rompeu nos anos quarenta com os valores da sociedade norte – americana, adotando um estilo de vida pouco convencional, viajou pelos Estados Unidos, vivendo as experiências que depois relatara em seus romances autobiográficos. Kerouac escrevia de forma espontânea. Podemos dizer que sua literatura representa todos os anseios daqueles que buscam uma verdadeira liberdade e não conformam-se com o sistema que oprime mentalmente. Jack marcou o final dos anos cinqüenta e preparou a contracultura da década seguinte. 29 O termo beat, originalmente significa “pobre, por baixo, aloprado, doidão, na pior, aquele que dorme no metro (...) Beat Generation tornou-se o slogan ou rótulo da revolução de costumes na América”. (Queiroz, 1990. p 13-14) O próprio Cazuza dizia que a letra desta música era “uma coisa moralista pós - Nelson Rodrigues”, considerava que às mães não era permitido “encarar barras” que os jovens, nesta transgressão, encaravam. Pensando nas questões trazidas pela psicanálise poderíamos pensar nesta frase “Só as Mães São Felizes” como uma interpretação poética ao que ocorre na completude mãe –bebê, ou seja, as mães serão as únicas a se “completarem – ficarem sem falta” por dois momentos (ou mais dependendo da quantidade de filhos) na hora em que elas próprias são bebês e na hora que são mães. Por outro lado podemos pensar na frase “Nem quis comer tua mãe” , como a vivência dos primeiros anos de vida, que é o Complexo de Édipo, onde o filho terá como primeiro objeto de amor a mãe. Será que era disto que Cazuza falava? Não sabemos, e essa é a mágia da poesia, onde nas linhas e entre – linhas podemos fazer as interpretações que nos cabem, mas sem saber de fato o que o poeta quis dizer. Podemos dizer que “as mães tem que parir duas vezes, quando o filho nasce e quando este, sai de casa”. Por isso, a referência à maternidade como o oposto à barra pesada que vivia. Esta composição é uma das mais polêmicas da carreira de Cazuza, justamente pelos versos desnudados e também pelo título sendo que, na época que foi composta não passou pela censura. Podemos dizer que a ordem do significante estaria relacionada à mãe (onde você é igual à mãe), já o significado é da ordem simbólica do “filho-Cazuza” (“Eu vivi”). Quando Cazuza se refere “a tua mãe”, é como se inventasse a sua mãe (uma mãe que não “deseja” o pai, mas sim a própria progenitora, complexo não previsto nem por Freud), ou seja, se refere às outras mães, mas não a mãe dele, pois sua mãe é intocável. A primeira vez que Lucinha ouviu a música levou um susto imenso. Pelo nome da música pensara que ouviria uma homenagem a todas as mães, inclusive a ela. Vejamos seu relato: Cada verso era como uma bofetada. Com os olhos arregalados, eu olhava para o Ney, apertava a sua mão e lhe mostrava em meu semblante não estar entendendo nada [...] Parecia que todo os olhos do Canecão estavam voltados para mim. Ney Matogrosso disse para eu não ficar nervosa, que a letra era uma imagem, que nada tinha a ver comigo. (ARAÚJO, 2004. p 203) Cazuza dizia que quis fazer uma homenagem aos poetas, aos cantores, aos loucos da vida “gente que barbariza que é santo e demônio ao mesmo tempo”. Isto é, não é “mãe”. Com efeito, o discurso de Cazuza se demonstraria em sua composição, já o discurso de Lucinha aparece em seu livro intitulado de Só As Mães São Felizes. Na biografia de Cazuza percebemos que sua mãe tem um lugar de privilégio, como a maioria das mães possui na vida dos filhos. Por isso, pretendemos falar brevemente o por que deste lugar de primazia. Freud já falava da importância da mãe, não apenas nos cuidados básicos do filho, mas principalmente na importância do amor materno, todavia, a importância também, de alguém que barre este imenso e muitas vezes devorante amor. A mãe, como ser da fala, que mostrará o mundo para o filho. É a partir desta fala que deixará sua marca no filho. É a mãe, ou seu substituto, que apresenta o corpo do bebê , que torna esse corpo primeiramente só carne, em um corpo simbólico – corpo significante. Os poderes do verbo vão longe, chegando até a regular o gozo, e desses poderes, a mãe é a primeira representante, uma vez que é ela quem introduz o filho na demanda articulada ao impor a oferta em que ela se aliena: a dupla oferta da língua em que demandar, bem como da resposta que vem do Outro. (SOLER, 2006. p 92) Como qualquer amor, o amor materno é estruturado na fantasia. Com efeito, a constância do sujeito-mãe não exclui as conjunturas variáveis da vida e o impacto que estas podem causar, e também dá margem a leitura que o pequeno sujeito–filho fará delas. “Não nos esqueçamos de que, para a mãe, tal como para qualquer outro, o desejo sustentado pela fantasia e o gozo que se apóia nela participam do impossível de dizer, e portanto, só se aproximam por intermédio da interpretação que o pequeno sujeito faz do discurso que o envolve”.30 Podemos dizer que a mãe é a mediadora do discurso, no qual a sua marca, os seus hábitos ficaram impressos na vida do filho. Segundo Colette Soler, o sujeito neurótico terá duas escolhas: “Assumir o mandato materno, fazendo daquilo a que foi prometido no desejo dela, uma vocação, ou rejeitá-lo e se inscrever sob uma marca de exclusão, só afirmando o que lhe resta de liberdade, portanto, sob a forma do negativo”.31 A partir disto, podemos nos fazer uma questão, a qual não tem a pretensão de ser respondida, mas fica para refletirmos: Qual a escolha de Cazuza? Descrevendo o mundo “vedado” à sua mãe, faz por ele o percurso “barra-pesada” de Copacabana, revertendo-se no seu oposto: “Eu o filho transgressor vou até onde minha mãe jamais poderá ir”. Através do discurso materno, como falávamos, que o indivíduo – só corpo – se estrutura como sujeito e como ser de discurso, o qual estará moldado pelos significantes maternos “fadado 30 31 SOLER, 2006. p 94. SOLER, 2006. p 97. a assumir as quimeras e sonhos da mãe, e até as prescrições secretas do discurso materno”.32 Pode resultar disto, grandes vocações, sobretudo no campo da sublimação. Pois, o sujeito – filho estará menos a serviço do erotismo da mãe que do narcisismo dela. Como se sabe, Lucinha quis ser cantora. Tendo em mente o sofrimento pessoal da barra pesada, das putas, dos traficantes e dos banheiros sujos, Cazuza assume o seu lugar de filho onipotente (artista/louco/marginal) para que ela não sofra com esta condição. É uma canção de amor filial na extensão suprema do termo, o filho assume o risco do talento abafado da mãe. Podemos concluir que a mãe tem um valor incalculável para o filho, pois sem ela muito provavelmente não se sobreviveria como sujeito. Porém para isto também é necessário que a mãe e seu amor de mulher esteja referindo a um nome. “Só há amor por um nome, dizia Lacan: no caso, o nome de um homem, que pode ser qualquer um, mas que, pelo simples fato de ser nomeável, cria um limite para a metonímia do falo, assim como poderá ser inscrita num desejo particularizado”.33Daí só “as mães” serem felizes. Permite-se assim, que o filho constitua um desejo próprio, o qual engloba o desejo dos pais – especialmente o da mãe – mas que não seja o desejo puro da mãe, pois se isto ocorresse o filho estaria fadado a uma morte subjetiva. Esta situação é encenada pelo filho que vai a todos os lugares “condenados” pela mãe, para que ela nunca tenha de ir lá, nem buscá-lo, é um retorno ao útero da mãe, transformando-se no que ela “não –é nem nunca poderá ser”. 32 33 SOLER, 2006. p 103. SOLER, 2006. p 103. 3.5 O Tempo Não Pára: União da Pulsão de Vida e da Pulsão de Morte Disparo contra o sol Sou forte sou por acaso Minha metralhadora cheia de mágoas Eu sou o cara Cansado de correr Na direção contrária Sem pódio de chegada ou beijo de namorada Eu sou mais um cara Mas se você achar Que eu to derrotado Saiba que ainda estão rolando os dados Porque o tempo, o tempo não pára Dias sim, dias não Eu vou sobrevivendo sem um arranhão Da caridade de quem me detesta A tua piscina ta cheia de ratos Tuas idéias não correspondem aos fatos O tempo não pára Eu vejo o futuro repetir o passado Eu vejo um museu de grandes novidades O tempo não pára Não pára, não, não pára Eu não tenho data pra comemorar À vezes os meus dias são de par em par Procurando agulha no palheiro Nas noites de frio é melhor nem nascer Nas de calor, se escolhe: é matar ou morrer E assim nos tornamos brasileiros Te chamam de ladrão, de bicha, maconheiro Transformam o país num puteiro Pois assim se ganha mais dinheiro A tua piscina ta cheia de ratos Tuas idéias não correspondem aos fatos O tempo não pára Eu vejo o futuro repetir o passado Eu vejo um museu de grandes novidades O tempo não pára Não pára, não, não pára (Arnaldo Brandão/Cazuza) Essa composição nasceu em 1987. Caju já estava doente, e em poucos dias iria mais uma vez para o hospital em Boston tentar prolongar o seu tempo de vida. Cazuza e os demais jovens de sua geração vinham de um período marcado pela ditadura militar.Logo após o término desta a esperança brotava, porém, com os passar do tempo e a visão de que nada que melhorasse a nação acontecia, fazia com que a desesperança, em relação a um futuro melhor reinasse. Isto pode ser percebido especialmente em dois gestos de Cazuza: o primeiro ocorreu no Rock’n’ Rio, onde se abraçou na bandeira para cantar; O segundo momento foi quando cuspiu na bandeira brasileira em quanto cantava sua música Brasil em um de seus shows da fase “assumida”. Vejamos o que disse sobre este seu ato: Está havendo uma polêmica, um escândalo, como diz o JB de terça-feira, 18 de outubro, com o fato de eu ter cuspido na bandeira brasileira durante a música Brasil, no meu show domingo no Canecão. Eu realmente cuspi na bandeira, e duas vezes. Não me arrependo. Sabia muito bem o que estava fazendo, depois que um ufanista me jogou a bandeira da platéia. O senhor Humberto Saad declarou que eu não entendo o que é a bandeira brasileira, que ela não simboliza o poder, mas a nossa história. Tudo bem, eu cuspo nesta história triste e patética. [...] Será que as pessoas não têm consciência de que o Vietnã é logo ali, na Amazônia, que as crianças índias são bombardeadas e assassinadas com os mesmos olhos puxados? Que a África do sul é aqui, nesse apartheid disfarçado em democracia, onde mais de cinqüenta milhões de pessoas vivem à margem da Ordem e Progresso, analfabetos e famintos? Eu sei muito bem o que é a bandeira do Brasil, me enrolei nela mo Rock’n’Rio junto com uma multidão que acreditava que esse país podia realmente mudar. A bandeira de um país é o símbolo da nacionalidade para um povo. Vamos amá-la e respeitá-la no dia em que o que está escrito nela for uma realidade. Por enquanto, estamos esperando. (ARAÚJO, 2004. Pg 247-248) Percebemos neste depoimento que não há muita esperança em um futuro melhor, onde os projetos para o futuro se tornam quase ausentes. Por isso, os jovens dos anos oitenta investiam no presente, viver o dia-a-dia da forma mais intensa possível, era a regra. Parece que para “esquecer” ou encobrir o lado obscuro da vida, os jovens passaram a valorizar o risco e a diversão, aproveitando o momento sem grandes preocupações com o futuro, pois o que vale é o agora. Segundo José Machado Pais, o risco funcionaria como um filtro hermenêutico dos atos a que se relacionam, ou seja: Correr um risco é também fazer correr a capacidade de correr esse risco porque o risco é portador de um poder que valoriza o jovem que se confronta com ele. A transgressão marca ainda uma vontade de escapar à conformidade, e, neste sentido, a propensão ao risco é também efeito de comportamentos socializados que produzem uma resistência rebelde à adversidade. (PAIS, 2006. p 12) O Tempo Não Pára vem de acordo ao que era vivido, ao mesmo tempo em que se queria parar o tempo e viver o momento, este não dava trégua, e não parava, a doença progrediria até o fim do seu curso. Por outro lado, esta é a composição que mais reflete a ambivalência de sentimentos que Cazuza vivia, como fora composta em um dos momentos mais difíceis de sua vida, demonstra uma ambivalência de sentimentos, pois ao mesmo tempo em que representa uma luta um otimismo pela vida, demonstra também uma mágoa, uma descrença, uma tristeza, pois o tempo agravava os sintomas inexoráveis da aids. É uma união da pulsão de Vida e da pulsão de morte que aflorava em Cazuza, no momento em que paradoxalmente a morte se aproximava e a vontade de viver aumentava. Ver o futuro, repetir o passado e não poder mudar nada instaura a visão do “cara cansado de correr na direção contrária”. O tempo na poesia é singular. Quando o poeta fala de tempo, do seu tempo, da sua experiência no “hoje”, ele faz de forma especial, que não é a mesma do senso comum – ideologizado –, mas é feito de forma que fica na memória, infinitamente rica da linguagem. Parece que o poeta – podemos expandir e nos referir ao artista em geral – tira do passado e da memória o direito a existência, “não de um passado cronológico, mas de um passado presente cujas dimensões míticas se atualizam no modo de ser da infância e do inconsciente”.34 Em O Tempo Não Pára a poesia tem um caráter de passado e uma imagem do futuro. Muitas vezes, parece que o poeta consegue “prever” o que está por vir, e traduz isso em seu poema (ou em sua obra de arte). Porém, não é premunição o que ocorre, mas a sensibilidade e a capacidade de perceber coisas, momentos, sentimentos, que pessoas “comuns” não percebem ou percebem de forma superficial. Por isso, muitos artistas estão aquém do seu tempo e não são reconhecidos no momento em que produzem sua obra de arte. O sucesso, ou reconhecimento, ocorre anos ou décadas mais tarde, após a morte do artista. Após este momento de “descoberta” o reconhecimento desta obra de arte é eterno, já que aquele que a produziu conseguiu eternizar um momento, ou até mesmo uma geração. Curiosamente a música “o tempo não pára” pára o tempo cada vez que é repetida, pois eterniza o instante em que o poeta se afasta do “Carpe Diem” (aproveite o momento). Nesta música o tempo derrota o homem–Cazuza para tornar viva sua poesia, sua música, sua arte. A apreensão da vida real ocorre mediante a imagem e o discurso. Alfredo Bosi nos diz que a imagem vem transposta para a clave do signo lingüístico, o qual se constitui de um ou mais significados e de um significante sonoro, que imerge no fluxo do tempo vocal. Logo, há entre o poeta e o campo da experiência não só a mediação imagística como também as várias mediações do discurso: o tempo, o modo, a pessoa, o aspecto, faces todas que a predicação verbal configura. (BOSI, 1983. p 115) 34 BOSI, 1983. p 112. Podemos dizer que o poeta, ou o artista, é o pioneiro a dar, através de sua obra de arte, um significado histórico às suas representações e expressões. Nosso objetivo, neste trabalho, não é o de saber até que ponto ele (artista) tem consciência deste processo. A nossa pretensão é de poder colher o significado que a obra de arte deixa – a obra de arte de Cazuza, lugar onde o corpo derrotado pela pulsão de morte sobrevive na arte que sublimou este desejo e, que, incorpórea no imaginário de cada ouvinte a vida e a pulsão que a gerou. CONCLUSÃO: “– Vou viver pelo menos até uns 70 anos...” O segundo que passou é tão passado como o início do mundo. Está congelado. O passado serve como referência, mas não posso melhorá-lo. Isto é terrível, porque não posso resgatá-lo. É intocável. Entrou no infinito. Essas coisas chegam até nossa consciência como a luz das estrelas que não existe mais. Tudo que nós fazemos é para reter o tempo, para dominá-lo. O homem quer dominar o tempo, mas somos sempre consumidos pelo tempo. (Iberê Camargo) Lacan, baseando-se na teoria freudiana, construiu sua teoria sobre a origem da atividade de produção de sentido, de ligação, colocando a questão da constituição do Eu a partir da relação com o Outro. Assim, os sofrimentos que o sujeito enfrenta, devido a vários fatores – nesta relação com o Outro –, nos aponta que as questões relativas à intensidade e excesso pulsionais são fundamentais para a superação deste sofrimento. Ao sujeito resta realizar um trabalho de ligação, constituindo destinos possíveis para as forças pulsionais. Acreditamos que a obra de arte é o lugar que consegue, de uma melhor maneira, isto. Ela possibilita a ordenação de circuitos pulsionais, que assim, conseguem inscrever a pulsão no registro da simbolização e de sua circulação como objeto estético e de prazer. É neste contexto que o conceito de sublimação apresentado por Freud, tem importância fundamental. O autor compreende a obra de arte como um substituto ao que foi o brincar infantil. Será a partir da sublimação que as grandes obras de arte se originaram. Podemos pensar a arte como uma exteriorização do conhecimento imaginativo do sujeito, que por meio de sua obra consegue expor seu conhecimento ao mundo externo, já que a arte nasce do inconsciente do criador. Posteriormente ao conceito de sublimação Freud elaborou o conceito das pulsões de vida e pulsões de morte. Será a partir deste conceito que passamos a considerar a mudança de objeto da pulsão o atributo fundamental na reordenação do circuito pulsional. Com efeito, será a pulsão de morte, uma vez não articulada no registro da linguagem, que imporá ao sujeito a necessidade de inscrição no campo simbólico. Freud se refere à pulsão como sendo uma força que necessita ser submetida a um trabalho de ligação e simbolização para que possa se inscrever no psiquismo. É a partir disto que vem a relevância da experiência artística. Onde, ao mesmo tempo em que as coisas são inalcançáveis pela arte, institui-se um lugar onde não só intensidade e excesso pulsionais têm a possibilidade de se fazer presente, como há também a possibilidade de, por meio da criação artística, estruturar a realidade de modo pessoal e estilizado, constituindo destinos possíveis para as forças pulsionais, ordenando circuitos e inscrevendo a pulsão no registro da simbolização. Podemos assim, pensar o ato de criação, como criação de um sujeito. Pois a arte encontra-se na inscrição da pulsão – no registro da simbolização. É apartir da crença de que a arte é um lugar que possibilita a representação da pulsão, que este trabalho foi construído. E sendo assim, a arte torna-se também um lugar psíquico de constituição da subjetividade. Para demonstramos isto, descrevemos, brevemente, a vida de um artista e sua obra de arte, da qual tentamos exemplificar esta possibilidade. Foi em sua obra de arte que Cazuza possibilitou uma “materialização” do tempo, ou de uma geração – conseguindo assim, a perpetuação das suas composições. A última composição que Cazuza gravou, fazendo parte do seu último disco intitulado de Burguesia, é: Quando Estiver Cantando: Tem gente que recebe Deus quando canta Tem gente que canta procurando Deus Eu sou assim com minha voz desafinada Peço a Deus que me perdoe no camarim Eu sou assim Canto pra me mostrar De besta Ah, de besta Quando eu estiver cantando Não se aproxime Quando eu estiver cantando Fique em silêncio Quando eu estiver cantando Não cante comigo Porque eu só canto só E o meu canto é a minha solidão É a minha salvação Porque o meu canto redime o meu lado mau Porque o meu canto é pra quem me ama Me ama, me ama Quando eu estiver cantando Não se aproxime Quando eu estiver cantando Fique em silêncio Quando eu estiver cantando Não cante comigo Quando eu estiver cantando Fique em silêncio Porque o meu canto é a minha solidão É a minha salvação Porque o meu canto é o que me mantém vivo É o que me mantém vivo (Cazuza/João Rebouças). Nesta “última música, do último lado, do último disco de Cazuza” ficam explícitas as razões sobre porquê 16 anos após sua morte sua obra ainda exerce tanto fascínio sobre as novas gerações, servindo como um espelho de uma época cujos efeitos de sentido a psicologia atual jamais poderá se afastar, para entender o que nos mantêm vivos em pleno século XXI. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALMEIDA, Maria Isabel M. e EUGENIO, Fernanda (org.). Culturas Jovens: Novos Mapas do Afeto. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2006. ARAUJO, Lucinha. Cazuza: Só as Mães São Felizes. Lucinha Araújo em depoimento a Regina Echeverria; projeto gráfico Hélio de Almeida. 2. ed. São Paulo: Globo, 2004. ARAUJO, Lucinha.Cazuza: Preciso Dizer Que Te Amo. São Paulo: Globo, 2001. BLANCHOT, Maurice. Preto e Branco. São Paulo: Martins Fontes, 1984. BOSSI, Alfredo. O Ser e o Tempo da Poesia. São Paulo: Cultrix, 1983. BRANDÃO, Ruth Silviano. Literatura e Psicanálise. Porto Alegre: Edufres, 2004. CALLIGARIS, Contardo. 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