Novembro| 2013
As consequências das decisões de política econômica para o crescimento brasileiro recente
A economia brasileira deverá encerrar este ano com crescimento anual em torno de 2,5%. Se confirmado, será o terceiro ano consecutivo abaixo da
mediana das estimativas de analistas de mercado para o crescimento anual médio do PIB quatro trimestres à frente, coletadas pela pesquisa Focus do Banco
Central. Durante a maior parte do período desde o segundo semestre de 2011, os resultados ficaram próximos do piso das estimativas. Com o resultado de 2013, o
crescimento anual médio do primeiro triênio da década ficará em 2,0%, significativamente menor do que o período de aceleração do crescimento, entre 2004 e
2010, quando a economia registrou um crescimento médio de 4,5%.
Como discutido anteriormente neste espaço1, muitas análises atribuem a desaceleração dos últimos anos às condições externas adversas, entretanto, o
descolamento entre o crescimento brasileiro e o dos demais países da América Latina indica que o fraco desempenho de nossa economia se deve
predominantemente a fatores domésticos.
Os desequilíbrios domésticos tiveram origem com a flexibilização do arcabouço de política econômica, definido como tripé macroeconômico, constituído
pelo regime de câmbio flutuante, metas de inflação e de superávit primário. Este arcabouço foi progressivamente enfraquecido por frequentes intervenções com o
objetivo de gerar mais crescimento, através de políticas para estimular o consumo.
A principal mudança ocorreu na dinâmica da política fiscal, que se deteriorou acentuadamente, tornando-se progressivamente mais discricionária e
menos institucionalizada. Neste contexto, houve crescente incerteza sobre o nível dos superávits primários e dificuldade para se avaliar a postura fiscal, dada a
opacidade das contas públicas e a maior utilização de políticas parafiscais a fim de expandir a concessão do crédito público. Em paralelo a isso, a inflação nos
últimos anos convergiu para patamares mais altos, ao redor de 6,0%, a despeito do recente represamento dos reajustes de preços públicos, o que levou à
desancoragem das expectativas em horizontes cada vez mais longos.
Tomando como base as projeções mais recentes do boletim sobre as perspectivas para a economia mundial, do Fundo Monetário Internacional2, nota-se
que a diferença entre o crescimento médio brasileiro e dos demais países latino-americanos entre o período 2004-2010 e o triênio encerrado em 2013, deve
ampliar-se bastante. Enquanto o crescimento do Brasil deverá registrar desaceleração de 4,5% para 2,0%, os demais países da região deverão reduzir o ritmo de
crescimento de 4,4% para 4,1%. A diferença fica mais evidente quando se considera o desempenho da recém-formada Aliança do Pacífico, que engloba México,
Colômbia, Peru e Chile, que deverá mostrar aceleração no crescimento médio neste período de 3,5% para 3,9%.
Parte importante da desaceleração de nosso crescimento está associada à perda de competitividade da indústria. Entre 2004-2010 e 2011-2013, a
variação média anual do custo unitário do trabalho deverá avançar de 6,1% para cerca de 9,0%, em reflexo de variações salariais incompatíveis com os ganhos de
produtividade, resultante do aquecimento do mercado de trabalho. Há de se destacar também o movimento em direção a uma economia mais fechada, com a
elevação de impostos de importação de insumos básicos, que encarece ainda mais a produção doméstica. Neste período, estimamos que o crescimento médio da
indústria tenha recuado de 3,8% para 0,5% e do setor de serviços, de 4,5% para 2,2%. Em paralelo, esperamos a demanda doméstica privada se desacelere de
6,2% para 3,0%, resultante do menor crescimento do consumo das famílias (de 5,2% para 3,0%) e dos investimentos (9,2% para 2,5%).
O desempenho das exportações também será bastante distinto, o que reforça o argumento de que o baixo crescimento brasileiro esteja associado à
nossa perda de competitividade. Neste período, o crescimento das vendas externas brasileiras deverá recuar de 4,8% para 1,3%, enquanto os nossos pares latinoamericanos deverão elevar o ritmo de crescimento de 3,6% para 4,4% e os da Aliança do Pacífico, de 4,1% para 5,0%.
Ao decompor o crescimento do PIB entre a expansão do emprego e da produtividade da mão de obra, observamos que o principal determinante para a
desaceleração do crescimento da economia entre os períodos 2004-2010 e 2011-2013 será o menor crescimento da produtividade, de 2,1% para cerca de 0,5%.
Houve também diminuição da contribuição do crescimento das horas trabalhadas para a expansão do produto, tanto por restrições à expansão da participação da
força de trabalho, como pelo menor espaço para reduções da taxa de desemprego. A redução na expansão de horas trabalhadas, de 2,3% para 1,5%, reflete a
combinação de dois fatores. De um lado, temos observado uma tendência de redução no ritmo de crescimento da população em idade ativa (PIA), refletindo
defasadamente a acentuada queda da taxa de natalidade nas últimas décadas. De outro lado, no período de 2004 a 2010, o nível de emprego pôde crescer a um
ritmo superior ao da PIA, dado que o ponto de partida era caracterizado por elevado desemprego. Tendo a economia já convergido para uma situação próxima ao
pleno emprego, tem se reduzido nos últimos anos o espaço para que o emprego cresça a um ritmo superior ao da PIA.
Novembro| 2013
Essa desagregação nos sugere que houve redução do crescimento potencial brasileiro no último triênio. Ressaltando-se que os ganhos de produtividade
tendem a ser pró-cíclicos, sua redução parece consistente com a deterioração da qualidade institucional que vem sofrendo o país. Ademais, nossa taxa de
investimento como proporção do PIB, principal determinante do crescimento do estoque de capital, além de ter crescido menos que a dos pares
latino-americanos, é baixa. Entre 2004-2010 e 2011-2013, a taxa média de investimento brasileira subirá de 18,2% para 18,8%, enquanto a dos demais países da
América Latina avançará de 23,1% para 24,0% e a dos membros da Aliança do Pacífico, de 23,8% para 24,7%.
Para ilustrar o impacto dos desequilíbrios domésticos sobre a economia, desagregamos o valor adicionado das empresas de capital aberto em lucros,
salários, impostos e juros3. O principal resultado observado foi o recuo da participação dos lucros como proporção da riqueza gerada pelas empresas, parcialmente
contrabalanceado pela elevação da proporção dos salários. Entre 2011 e a média dos quatro trimestres até o segundo trimestre de 2013, enquanto a participação
dos lucros recuou 6,3pp, de 24,2% para 17,9%, a dos salários subiu 3,1pp, de 20,4% para 23,5%, combinação que coloca uma perspectiva desfavorável para os
investimentos.
Em resumo, a desaceleração do crescimento brasileiro no primeiro triênio da década reflete primordialmente a mudança na condução do tripé de política
econômica nos últimos anos. A consequência do ativismo estatal foi o enfraquecimento da estabilidade macroeconômica com a percepção de redução do
crescimento potencial, em função dos efeitos nocivos da política econômica sobre a poupança, o investimento e a produtividade. A experiência brasileira entre
1999 e 2006 mostra, entretanto, a importância para o crescimento econômico sustentado, do correto desenho das instituições e da introdução de reformas
visando ganhos de produtividade. Portanto, o caminho para a retomada do ciclo de crescimento necessariamente passa pelo fortalecimento de nossas
instituições.
Eduardo Marques
Economista do Opportunity e Mestre em Finanças e Economia Empresarial pela EPGE-FGV.
1
Bassoli, A. (Abr 2013). A desaceleração brasileira no início desta década. Análise Macroeconômica, (http://www.opportunityasset.com.br/opp_assets_aspnet/Comentario.aspx?dt=1/4/2013)
2
International Monetary Fund (Oct 2013). World Economic Outlook: Transitions and Tensions, (http://www.imf.org/external/pubs/ft/weo/2013/02/pdf/text.pdf)
3
A partir de 2008, as empresas de capital aberto e fechadas com PL superior a R$ 2,0 milhões passaram a ser obrigadas a publicar o demonstrativo de valor adicionado (DVA), conforme a Lei 11.638/07. Reunimos as
informações de cerca de 130 empresas, que somaram aproximadamente 20% do PIB em 2012.
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