UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PROJETO A VEZ DO MESTRE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOPEDAGOGIA A APRENDIZAGEM PELO PONTO DE VISTA PSICANALÍTICO. Daniela de Vasconcellos Prata Veloso 2004 UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES A APRENDIZAGEM PELO PONTO DE VISTA PSICANALÍTICO. Daniela de Vasconcellos Prata Veloso ORIENTADORA: Fabiane Muniz Trabalho entregue como requisito parcial para a obtenção do título de Especialista em Psicopedagogia. AGRADECIMENTOS Agradeço a todos os que me ajudaram na confecção deste trabalho, e a Professora Fabiane Muniz pelo apoio, orientação e compreensão. RESUMO Este trabalho trata de uma possível, e talvez desejável, interação entre a Psicopedagogia e a Psicanálise. Conhecer como a Psicanálise concebe o processo de aprendizagem e a relação professor-aluno no contexto deste processo pode trazer inúmeras vantagens para a Educação. Por ser o sujeito totalmente condicionado por suas experiências infantis, de cunho sexual (sexual como diferente de genital), a aprendizagem, como aspecto fundamental do ser humano, não escapa a esta realidade. Também ela está sujeita a tais experiências, gravadas no inconsciente. Seu sucesso ou fracasso também depende dos conteúdos inconscientes de cada sujeito, seja ele criança ou adulto. O objetivo deste trabalho é justamente este: demonstrar teoricamente o quanto à aprendizagem é determinada pela afetividade e pelo inconsciente, de modo que os problemas na aprendizagem também têm origem inconsciente. METODOLOGIA Para este trabalho, foi utilizada como metodologia a pesquisa bibliográfica, como forma de embasamento teórico para a proposição (ou proposta) de inter-relação entre a Psicopedagogia e a Psicanálise. SUMÁRIO Introdução ..................................................................................................................07 1. A constituição do sujeito para Freud .....................................................................09 2. O que é aprendizagem ............................................................................................20 2.1. As dificuldades de aprendizagem.............................................................22 3. A aprendizagem pelo ponto de vista psicanalítico..................................................25 4. As dificuldades de aprendizagem vistas pela psicanálise ......................................28 Conclusão....................................................................................................................34 Bibliografia.................................................................................................................35 INTRODUÇÃO É possível pensar em Psicopedagogia e em Psicanálise trabalhando em conjunto na compreensão das dificuldades de aprendizagem? Apesar da polêmica afirmação de Freud que educar é impossível, pode-se retirar de sua teoria alguns elementos que possibilitem uma compreensão mais psicanalítica da Educação. Como aqui se trata da aprendizagem e suas dificuldades, é a Psicopedagogia que se apresenta. Através da concepção particular de Freud acerca do desenvolvimento do sujeito e, por conseguinte, da relação deste com o saber, é possível encarar de uma outra forma as dificuldades de aprendizagem, sob a óptica das questões afetivas que se colocam inúmeras vezes aos psicopedagogos. A aprendizagem não é somente um processo neuronal, baseado na construção de novas redes e interligações entre os neurônios. Uma concepção assim tão simplista e mecanicista não é capaz de dar conta da complexidade do fenômeno aprendizagem. O desejo de aprender, o desejo de saber é o que vem complementar o processo orgânico. O desejo de saber e um aparato neurológico minimamente capaz estão intimamente interligados no processo de aprendizagem; um sem o outro não pode ser caracterizado como ato de aprender. Uma lesão neurológica dificulta a aquisição de novos conhecimentos, por mais motivado que seja o aluno; e sem desejo, não há motivação para ativar mecanismos cognitivos, como memória e atenção. Na aprendizagem, o saber move o sujeito, enquanto desejo e pensamento. E aparece enquanto formação do inconsciente. Na perspectiva do sujeito do inconsciente, a aprendizagem é um processo de transformação por resolução ou dissolução de antigas formações em novas formações do inconsciente. Compreender a aprendizagem e as dificuldades no aprender a partir de uma perspectiva psicanalítica permite não somente um conhecimento mais amplo sobre o sujeito e o que o condiciona, mas também possibilita um aprender com mais motivação, através do entendimento do funcionamento do desejo. Não se trata, obviamente, de tornar o professor ou psicopedagogo em analista, mas de adotar uma postura mais aberta e consciente, no sentido de que o aluno não é um papel em branco onde o conhecimento deve ser escrito à força, mas sim um papel caprichoso, onde nem tudo pode ser escrito, a menos que se saiba como. 1. A CONSTITUIÇÃO DO SUJEITO PARA FREUD. A psicanálise abre caminho para a reavaliação do tempo da infância em seu valor humano ao longo do século XX. Freud foi quem descobriu o continente inexplorado e significante da primeira infância em seus efeitos de constituição, de determinação psíquica e de instalação do desejo humano. Cabe aqui, então, expor brevemente as contribuições da psicanálise, com base em Lacan e outros autores que o seguem, à teoria da constituição do sujeito. Primeiramente, é necessário estabelecer um parêntese neste ponto. Conforme Kaufmann (1996:122-123), para a psicanálise, a constituição do sujeito não pode estar atrelada à noção de desenvolvimento. Isto porque esta se mostra contraditória, uma vez que por desenvolvimento subentende-se uma sucessão pré-determinada e generalizada de fases psicobiológicas, enquanto que a psicanálise preconiza a valorização das singularidades de cada caso. Desta forma, a idéia de história se justifica mais adequadamente, já que possibilita a existência de eventos que a constituirão como particular. Para Freud, o ser humano nasce no chamado “estado de desamparo” (1895 [1950]), devido à imaturidade orgânica do recém-nascido. Esta imaturidade reflete-se na total incapacidade do bebê humano de sobreviver sozinho; sua falta de autonomia motora, sensitiva e psíquica, diferentemente dos demais animais, torna-o um ser dependente de um outro, geralmente a mãe. Ainda não há uma função organizada do eu que possa unificar os fragmentos corporais, dos quais a mãe faz parte (ABRAMOVITCH, 2001: 54). É nesta relação de extrema dependência que o bebê experiencia suas primeiras vivências de satisfação (LAPLANCHE & PONTALIS, 1998: 531), onde a satisfação das necessidades - definida pela redução da tensão - associa-se intimamente à figura deste outro cuidador. Assim, a criança passa a investir na imagem deste objeto que produz satisfação sempre que a necessidade surge, e não é prontamente remediada; tal investimento gera uma satisfação alucinatória, uma vez que o objeto real está ausente, e que irá orientar toda a busca posterior de satisfação. Portanto, mediante o estado de desamparo e as experiências de satisfação promovidas inicialmente pela mãe, tem-se, em relação ao bebê, o status de onipotência desta figura materna (ibidem: 112). A mãe tem, sob seu “poder”, uma criança totalmente indefesa e incapaz, que se lhe apresenta como objeto de desejo. É justamente no âmbito desta relação de dependência que se fundará o psiquismo, a relação do sujeito com os outros e com o desejo. Este período da história do sujeito é denominado por Freud (1905) como auto-erotismo, onde a criança, após passar pela ausência do objeto de satisfação e pela “estratégia” da satisfação alucinatória, tenta obter satisfação em seu próprio corpo. Freud (1914) formula que todos os órgãos do corpo são erógenos, capazes de excitação e prazer, e a cada aumento ou diminuição desta erogenicidade corresponde uma modificação da catexia libidinal do eu. No início da constituição do sujeito, a pulsão se serve da necessidade orgânica para se satisfazer. Em outras palavras, primeiramente, o bebê suga o seio para alimentar-se do leite materno; a pulsão oral encontra-se subjacente aí. A necessidade da criança em repetir tal satisfação dissocia-se da necessidade fisiológica de saciedade; neste segundo momento, a pulsão sexual se “autonomiza”, por assim dizer, voltando-se para o corpo para se satisfazer. É a partir daí que a sexualidade se constitui como tal, com o concurso da fantasia (LAPLANCHE & PONTALIS, 1998: 48). O voltar-se para o próprio corpo para a satisfação das pulsões locais implica em um prazer parcial. No narcisismo, as pulsões ainda se encontram desorganizadas, desagregadas. Cada uma se satisfaz auto-eroticamente, na mesma zona erógena de onde partiu (ibidem: 48). O eu, enquanto unidade corpórea que se diferencia do mundo externo, vai se desenvolver a partir dos instintos auto-eróticos, que atuam desde o princípio da vida. Com o afastamento do narcisismo para a constituição do ego, em virtude do direcionamento da libido para um ideal do eu externo, a satisfação reside agora na realização deste. É esta satisfação que realimenta o eu de seus investimentos objetais (FREUD, 1914). Desta forma, as modificações nas formas de gratificação e as áreas físicas de gratificação são elementos básicos na descrição de Freud das bases de desenvolvimento. Freud acreditava que a personalidade é moldada pelas experiências iniciais quando as crianças passam por uma seqüência de fases psicossexuais. O termo “psicossexual” está sendo usado porque a libido (energia sexual). Centra-se em diferentes regiões do corpo à medida que prossegue o desenvolvimento psicológico. Três áreas (boca, ânus e órgãos genitais), conhecidas como zonas erógenas, são intensamente sensíveis à estimulação prazerosa. Em cada fase do desenvolvimento, uma zona predomina: as pessoas derivam prazer particular dessa zona e procuram objetos ou atividades que produzam essas experiências agradáveis. Ao mesmo tempo, os conflitos precisam ser resolvidos. Se as crianças têm concessões em excesso ou são privadas e frustradas de um modo indevido em uma determinada fase, o desenvolvimento é interrompido e a libido se fixa lá. A fixação envolve deixar uma parte da libido (a quantidade varia de acordo com a seriedade do conflito) permanentemente instalada nesse nível do desenvolvimento. Freud descreveu quatro fases psicossexuais: oral, anal, fálica e genital. 1. FASE ORAL ö Desde o nascimento, necessidade e gratificação estão ambas concentradas predominantemente em volta dos lábios, língua e, um pouco mais tarde, dos dentes. A pulsão básica do bebê não é social ou interpessoal, é apenas receber alimento para atenuar as tensões de fome e sede. Enquanto é alimentada, a criança é também confortada, aninhada, acalentada e acariciada. No início, ela associa prazer e redução de tensão ao processo de alimentação. O desmame é o principal conflito na fase oral. Quanto mais difícil for para as crianças deixarem o peito ou a mamadeira e seus prazeres, tanto mais libido se fixará nesta fase. Se uma parcela substancial da libido é deixada nesta fase, os adultos podem exibir traços orais – dependência, passividade e gula – e preocupações orais – comer, mascar chiclete, fumar e falar excessivamente. 2. FASE ANAL ö À medida que a criança cresce, novas áreas de tensão e gratificação são trazidas à consciência. Entre dois e quatro anos, as crianças geralmente aprendem a controlar os esfíncteres anal e vesical. A criança presta uma atenção especial à micção e à evacuação. O treinamento do toalete desperta um interesse natural pela autodescoberta. A obtenção do controle fisiológico é ligada à percepção de que esse controle é uma nova fonte de prazer. Além disso, as crianças aprendem com rapidez que o crescente nível de controle lhes traz atenção e elogios por parte de seus pais. O inverso também é verdadeiro. O interesse dos pais no treinamento da higiene permite à criança exigir atenção tanto pelo controle bem sucedido quanto pelos seus “erros”. Algumas crianças tentam “contra-atacar” evacuando em ocasiões inoportunas, talvez após terem sido retiradas do toalete. Outras crianças retêm deliberadamente as fezes para manipular, que se preocupam com a irregularidade da criança. Esta tática proporciona pressão suave contra as paredes intestinais, que pode ser considerada agradável. Se o treinamento do toalete for severo ou excessivamente indulgente, uma parte significante da libido pode fixar-se neste estágio. Características adultas que estão associadas à fixação parcial na fase anal são: ordem, parcimônia e obstinação. Freud observou que estes três traços em geral são encontrados juntos. 3. FASE FÁLICA ö Freud acreditava que as crianças pequenas descobrem que os órgãos genitais proporcionam prazer no terceiro até o quinto ano de idade, durante a fase fálica. Esta é a fase em que a criança se dá conta de seu pênis ou da falta de um. Esta é a fase em que as crianças tornam-se conscientes das diferenças sexuais. O desejo de ter um pênis e a aparente descoberta de que lhe falta “algo” constituem um momento crítico no desenvolvimento feminino. Segundo Freud: “a descoberta de que é castrada representa um marco decisivo no crescimento da menina. Daí partem três linhas de desenvolvimento possíveis: uma conduz à inibição sexual ou à neurose; outra à modificação do caráter no sentido de um complexo de masculinidade; e a terceira, à feminilidade normal.” Freud tentou compreender as tensões que uma criança vivencia quando sente excitação “sexual”, isto é, o prazer a partir da estimulação de áreas genitais. Esta excitação está ligada, na mente da criança, à presença física próxima de seus pais. O desejo desse contato torna-se cada vez mais difícil de ser satisfeito pela criança; ela luta pela intimidade que seus pais compartilham entre si. Esta fase caracteriza-se pelo desejo da criança de ir para a cama de seus pais e pelo ciúme da atenção que seus pais dão um ao outro, ao invés de dá-la à criança. Freud viu as crianças nesta fase reagirem a seus pais como ameaça potencial à satisfação de suas necessidades. Assim, para o menino que deseja estar próximo a sua mãe, o pai assume alguns atributos de um rival. Ao mesmo tempo, o menino quer o amor e a afeição de seu pai e, por isso, sua mãe é vista como rival. A criança está na posição insustentável de querer e temer ambos os pais. Em meninos, Freud denominou a situação de Complexo de Édipo, segundo a peça de Sófocles. Na tragédia grega, Édipo mata seu pai (desconhecendo sua verdadeira identidade) e, mais tarde, casa-se com sua mãe. Quando toma conhecimento de quem havia matado e com quem se casara, arranca seus olhos. Freud acreditava que todo menino revive um drama interno similar. Ele deseja possuir sua mãe e matar seu pai para realizar seu destino. Ele também teme seu pai e receia ser castrado por ele, reduzindo a criança a um ser sem sexo e, portanto, inofensivo. A ansiedade de castração, o temor e o amor pelo seu pai, e o amor e o desejo sexual por sua mãe não podem nunca ser completamente resolvidos. Na infância, todo complexo é reprimido. Para as meninas, o problema é similar, mas sua expressão e solução tomam um rumo diferente. A menina deseja possuir seu pai e vê sua mãe como a maior rival. Enquanto os meninos reprimem seus sentimentos em parte, pelo medo da castração, a necessidade de reprimir seus desejos é menos severa. A diferença em intensidade permanecerem na situação edipiana por tempo indeterminado. Para o menino, o Complexo de Édipo é resolvido mantendo a mãe como um objeto de amor, mas ganhando-a através da identificação com o pai. Ao identificar-se com o pai, a criança assume muitos dos mesmos valores e da moral. É neste sentido que o superego foi denominado como o herdeiro da resolução do Complexo de Édipo. A maioria das crianças parece modificar seu apego aos pais em algum ponto depois dos cinco anos deidade e voltam-se para o relacionamento com seus companheiros, atividades escolares, esportes e outras habilidades. Esta época, da idade de cinco/seis anos até o começo da puberdade, é denominada período de latência, um tempo no qual os desejos sexuais não resolvidos da fase fálica não são atendidos pelo ego e cuja repressão é feita, com sucesso, pelo superego. “A partir deste ponto até a puberdade, estende-se o que se conhece por período de latência”. Durante este período, a sexualidade normalmente não avança mais, pelo contrário, os anseios sexuais diminuem de vigor e são abandonados e esquecidas muitas coisas que a criança fazia e conhecia (amnésia infantil). Na fase de latência, surgem atitudes do ego como vergonha, repulsa e moralidade, que estão destinadas a fazer frente à tempestade que virá da puberdade e a alicerçar os caminhos dos desejos sexuais que se vão despertando. (1926, livro 25, pag. 28 na edição brasileira). 4. FASE GENITAL ö a fase final do desenvolvimento biológico e psicológico ocorre com o início da puberdade e o conseqüente retorno da energia libidinal aos órgãos sexuais. Neste momento, meninos e meninas estão ambos conscientes de suas identidades sexuais distintas e começam a buscar formas de satisfazer suas necessidades eróticas e interpessoais. Freud elaborou, em sua teoria, a idéia de que a mente humana seria composta de três instâncias, responsáveis por todo o funcionamento “voluntário” e “involuntário” do psiquismo. Para ele, os processos mentais não ocorrem ao acaso. Cada evento mental causado pela intenção consciente ou inconsciente, ou seja, é determinado pelos fatos que o precederam. Em sua primeira tópica, que abrange os conceitos teóricos formulados até 1920, o aparelho psíquico era constituído por: CONSCIENTE parte da mente que inclui tudo o que estamos cientes em um dado momento. É o lugar onde os fenômenos mentais estão se processando e deles estamos tomando conhecimento imediato. PRÉ-CONSCIENTE parte do inconsciente que pode tornar-se consciente com facilidade. As porções da memória que são acessíveis podem incluir lembranças e uma grande quantidade de experiências passadas. É como uma vasta área de posse das lembranças de que a consciência precisa para desempenhar suas funções. INCONSCIENTE pensamentos e sentimentos que parecem não estarem relacionados aos que precedem e que não são acessíveis à consciência. Nele se encontram os elementos instintivos que nunca foram conscientes e materiais excluídos da consciência, censurados e reprimidos. Em sua segunda tópica, a partir de 1920, Freud modificou os conceitos e as nomenclaturas: ID parte irracional, herdada, reservatório da energia instintiva pura e sem inibição. É a estrutura da personalidade original, básica e a mais central, que encontra-se exposta às exigências somáticas do corpo e aos efeitos do ego e do superego. Apesar de todas as outras estruturas se desenvolverem a partir do id, ele próprio é caótico e desorganizado. EGO parte da personalidade que planeja, organiza, é a razão, parte que está em contato com a realidade externa (equilíbrio). O ego tem a função de controlar ou regular os impulsos do id, de modo que o indivíduo possa buscar soluções menos imediatas e mais realistas, esforçando-se pelo prazer e evitando o desprazer. SUPEREGO desenvolve-se não a partir do id, mas a partir do ego; é o resultante das influências constantes que vão sendo adquiridas do grupo social a que o indivíduo pertence. Parte da personalidade que monitora as demais, depósito dos códigos morais, é o juiz de nossas atividades. A psicanálise prevê a existência dos mecanismos de defesa, que são instrumentos muito utilizados pelo indivíduo para se desvencilhar de uma situação desagradável. Sua repetição acaba por se tornar um traço da personalidade. Deve-se, portanto, distinguir-se os mecanismos de defesa dos mecanismos de adaptação. A diferença entre os dois tipos de mecanismos é um continuo. O ego utiliza os mecanismos de defesa para poder suportar as pressões do id, por um lado, e do superego, por outro, quando estas forças atingem uma dimensão muito grande. Em outras palavras, os mecanismos de defesa atuam exatamente como uma defesa de uma situação dramática, a fim de proteger o ego de uma ruptura. Quando esta defesa só ocorre frente a uma determinada situação, tem-se um mecanismo de adaptação; caso contrário, se for uma saída utilizada sempre, indiscriminadamente, tem-se os mecanismos de defesa. De forma semelhante, dentro de cada tipo de mecanismo, também existe uma evolução em contínuo, que vai do menos grave ao mais grave. Cada mecanismo, portanto, pode ser tanto de defesa quanto de adaptação. A variável que distinguirá serás a freqüência da utilização do mecanismo. Entre os principais mecanismos de defesa elaborados na teoria freudiana, tem-se: NEGAÇÃO a alternativa para melhor lidar com a situação é negá-la; é a tentativa de não aceitar na realidade algo que perturba o ego. PROJEÇÃO é a atribuição a outro dos problemas próprios com os quais não se consegue lidar; a pessoa não admite os sentimentos, emoções e intenções que se originam nela mesma, atribuindo-os a outrem. A variável crítica neste mecanismo de defesa é que não se vê em si mesmo o que parece claro nos demais. INTROJEÇÃO é quando se coloca para dentro de si os elementos do meio; é uma dificuldade de ver os demais. DESLOCAMENTO é quando se desloca uma energia para alguma outra coisa, como se “descontasse” em alguém ou em alguma coisa o que não poderia descarregar na verdadeira fonte de emoções originárias. ATO FALHO é quando se utiliza uma brecha do consciente para atuação do inconsciente. RACIONALIZAÇÃO é quando se utiliza sempre a lógica em detrimento dos sentimentos, ou seja, quando se procura sempre achar motivos aceitáveis para atitudes e pensamentos inaceitáveis. INTELECTUALIZAÇÃO é quando se utiliza o intelecto para sofisticar as explicações lógicas, a fim de ter tempo para se estruturar internamente frente a uma emoção ou explicação emocional. SUBLIMAÇÃO é quando se desvia energia sexual ou agressiva para atos socialmente aceitos, geralmente para fins artísticos, intelectuais ou culturais. È o mecanismo de defesa mais bem sucedido. ISOLAMENTO é quando a pessoa se isola diante de uma determinada situação. Se este comportamento se torna constante, a pessoa não está apta a viver em sociedade. FORMAÇÃO REATIVA é a substituição de comportamento s e sentimentos que são completamente opostos ao desejo real; o sujeito age ao contrário do que ele deseja. São características o excesso, a rigidez e a extravagância. REPRESSÃO é quando se afasta da realidade determinada coisa do consciente, mantendo-a à distância. Requer um grande consumo de energia para se manter. Evitação da realidade. REGRESSÃO é quando se retorna a um nível de desenvolvimento anterior ou a um modo de expressão mais simples ou mais infantil; é um modo de defesa mais primitivo. Freqüentemente deixa sem solução a fonte original da ansiedade. Algumas regressões são tão comuns que são encaradas como sinais de maturidade. Escape da realidade. 2. O QUE É APRENDIZAGEM. Em todo processo de aprendizagem estão implicados quatro níveis organismo, corpo, inteligência e desejo. Não se pode falar de aprendizagem excluindo algum deles. Da mesma forma no déficit de aprendizagem, necessariamente, estarão em jogo os quatro níveis em diferentes graus de comprometimento. Segundo Alícia Fernández, o organismo pode ser comparado a um aparelho de recepção programado, que possui transmissores (células nervosas), capazes de registrar certos tipos de associações, de fluídos elétricos, e reproduzi-los quando necessário. Em troca, o corpo pode assemelhar-se a um instrumento musical, no qual se dão coordenações entre diversas pulsações, mas criando algo novo. Do ponto de vista do funcionamento do corpo, podemos tomar duas dimensões, a que pertence ao organismo, que é um funcionamento já codificado e a do corpo que é aprendida. Por exemplo, a respiração é um comportamento de efeito orgânico, em troca, a emissão da palavra é uma coordenação que tem que ser aprendida. O organismo bem estruturado é uma boa base para a aprendizagem, e as perturbações que pode sofrer condicionam dificuldades nesse processo. Pelo corpo nos apropriamos do organismo. Não temos diálogo com nosso organismo, mas temos diálogo com nosso corpo, nós o modulamos. Desde o princípio até o fim, a aprendizagem passa pelo corpo. Somente ao integrar-se ao saber, o conhecimento é aprendido e pode ser utilizado. O saber supõe a originalidade do corpo e o desejo é a universalidade da inteligência. Todo conhecimento tem um nível figurativo (Piaget) que se inscreve no corpo. Sara Paín, diz que o corpo forma parte da maioria das aprendizagens. Através do corpo realizam-se as demonstrações de "como fazer". Como diz Haydée Echeverría, o corpo enlaça a dimensão interna com a externa, através do conceito de vínculo como lugar de intersecção da construtividade cognitiva e da estrutura do desejo. O meio é entendido como fator etno-sóciocultural, que posiciona a construção do vínculo. No processo de aprendizagem, o organismo revela-se por sua fratura ou sua disfunção, quando não torna possível a experiência de certas coordenações. Por causa da rigidez, da inércia, da estereotipia, própria de certas constituições mórbidas. O organismo, programado através de sistemas (nervoso, digestivo, respiratório, etc), constitui a infra-estrutura neurofisiológica de todas as coordenações possíveis e possibilita a memória dos automatismos. O organismo, transversalizado pela inteligência e o desejo, irá se mostrando em um corpo, e é deste modo que intervém na aprendizagem, já corporizado. As teorias sobre a inteligência e o desejo desconhecem-se mutuamente. Assim, a psicanálise e a teoria da inteligência de Piaget separam cada uma seu objeto de estudo, sem incorporar o da outra. No processo de aprendizagem fazem parte: organismo, corpo, inteligência e desejo. Cada uma destas estruturas pertence ao indivíduo, que está incluído como estrutura dentro de outra estrutura mais ampla que é a família, e esta por sua vez também incluída em uma estrutura maior o sistema sócio-econômico-educativo. Sabemos que Freud provoca uma revolução no pensamento ao sustentar a existência da sexualidade infantil, ferindo o critério adulto mórfico que acreditava que a sexualidade era uma circunstância do adulto, exclusivamente. Em outro plano, Piaget continua a tarefa de Freud, descobrindo que nem sempre os adultos têm a exclusividade dos raciocínios inteligentes. Levando em conta o que foi comentado, não podemos continuar situando a aprendizagem do lado da inteligência e a sexualidade do lado do desejo, dicotomicamente separados. Tanto a sexualidade como a aprendizagem são funções que intervêm em ambos os níveis. 2.1. As dificuldades de aprendizagem. Uma forma de entender as dificuldades de aprendizagem diz respeito a uma concepção mais organicista, na qual um distúrbio de aprendizagem se caracteriza quando a criança “não manifesta subnormalidade mental geral, não é portadora de deficiência das funções visuais ou auditivas, não é impedida de desempenhar tarefas educativas em razão de distúrbios psicológicos desconexos e é dotada das vantagens proporcionadas por condições adequadas e aprendizagem” (GARCIA E VIDES, s/ data). Muitas vezes, os distúrbios da aprendizagem não são quadros neurológicos definidos. Decorrem de formas peculiares de desenvolvimento das funções intelectuais superiores e são condições intimamente relacionadas aos processos de amadurecimento do Sistema Nervoso Central (idem). Na maioria dos casos os exames neurológicos costumam ser normais ou demonstram discretas e inespecíficas alterações, aos quais as causas das dificuldades não são relacionadas diretamente com a queixa clínica da criança. Indicam sim, em nível escolar, como sendo sinais de imaturidade do Sistema Nervoso Central, que resulta em má realização escolar. Existem casos que indicam desordens no comportamento da criança e a causa é neurológica. Guardam certa afinidade com o problema da aprendizagem os processos algo complexos do raciocínio, da solução de problemas, e do comportamento articulado e expresso pela linguagem, que vêm sendo estudados principalmente nos casos de lesão cerebral. No homem, o tecido cerebral pode ser grandemente destruído sem nenhum prejuízo aparente para esses processos. Já as lesões que ocorrem em áreas específicas e restritas do córtex cerebral, (especialmente os lobos temporal, parietal e occipital) podem provocar problemas em áreas relacionadas com a linguagem, como a leitura e a fala. Outros casos, cuja causa do distúrbio é psiconeurológica, indicam que a desordem reside no comportamento e que a causa é neurológica. A criança apresenta grau normal de integridade intelectual emocional e sensório-motor mas não consegue aprender a ler e a escrever por apresentar índices comportamentais e neurológicos de disfunção do cérebro(GARCIA E VIDES, s/ data). Os quadros de distúrbios de aprendizagem também podem vir acompanhados de muita ansiedade, impulsividade, baixa auto-estima, hiperatividade, fobias escolares e comportamentos agressivos como reflexos de resistências criadas ao processo de aprendizagem (idem). Os sinais de que algo não vai bem com a criança aparecem desde a fase da Pré-escola. É unanimidade entre os terapeutas a importância de uma avaliação e intervenção terapêutica, antes de a criança desenvolva paralelamente ao quadro outros distúrbios de comportamento. 3. A APRENDIZAGEM PELO PONTO DE VISTA PSICANALÍTICO. Freud não se deteve no tema “aprendizagem”, uma vez que sua atuação era eminentemente clínica. Porém, ele nos fala em alguns momentos sobre a busca do saber; o que leva alguém a ser um “desejante de saber”, o que este alguém procura quando deseja aprender (KUPFER, 1989:79). Para Freud (1905), tudo começa quando as crianças percebem a diferença anatômica entre os sexos e começam a tecer explicações sobre esta diferença – que na verdade trata-se de uma falta. O que antes era a certeza de que todos compartilhavam o mesmo órgão sexual, torna-se agora angústia – angústia de castração – e inveja – inveja do pênis. A angústia de castração não se resume apenas no medo de perder o pênis, mas refere-se à angústia de todas as perdas, das diferenças. É essa angústia que faz com que a criança queira saber; ela vai procurar saber através das “investigações sexuais infantis” (KUPFER, 1989:80). A criança se defronta com questões, como a origem dos bebês, a sexualidade e a procriação, e a partir daí elabora algumas teorias, a fim de compreender tais questões. Estas estão ligadas diretamente ao saber sobre si mesma, sobre o desejo que a fez nascer e sobre o sexo que começa a descobrir agora (LEMÉRER, 1999:1314). Esta investigação sexual infantil nada mais é que uma “atividade sexual de investigação” (idem: 15). O desejo sexual de saber se reflete nas teorias sexuais infantis, que são reflexos da própria constituição sexual da criança e testemunham uma maior compreensão dos processos sexuais de seus criadores. Entretanto, dois elementos permanecem desconhecidos na investigação sexual infantil – o papel do sêmen fecundante e a existência do orifício sexual feminino. Sendo infrutíferos os esforços de investigação, a criança acaba por renunciá-los, o que, não raro, deixa como seqüela um prejuízo permanente na pulsão de saber (FREUD, 1905). Algumas destas teorias, no entanto, serão recalcadas e aprisionadas no inconsciente, o que “determinará as modalidades permitidas ou proibidas de sua vida erótica” (LEMÉRER, 1999: 17). Com o recalque da sexualidade infantil no período de latência, o impulso ao saber pode seguir por três caminhos distintos (FREUD, 1910): inibição neurótica do desejo de saber e da inteligência, ligação e compulsão ao gozo sexual e insucesso das pesquisas intelectuais, ou sublimação da energia sexual na busca pelo saber por temas não-sexuais. Em suma, “a mola propulsora do desenvolvimento intelectual é sexual” (KUPFER, 1989: 84). Porém, a criança não aprende sozinha; ela necessita de alguém que a ensine – no contexto escolar, o professor. A psicanálise não se detém nos conteúdos ministrados pelo professor, e sim no campo das relações afetivas que se estabelecem entre professor e aluno, e que podemos denominar como transferência (idem: 87). Freud (1901) define a transferência, ou transferências, como “reedições dos impulsos e fantasias despertadas e tornadas conscientes durante o desenvolvimento da análise e que trazem como singularidade característica a substituição de uma pessoa anterior pela pessoa do médico. Ou, para dizê-lo de outro modo: toda uma série de acontecimentos psíquicos ganha vida novamente, agora não mais como passado, mas como relação atual com a pessoa do médico.” Em outras palavras, transferência é uma manifestação do inconsciente na qual uma relação anterior com alguém significativo, geralmente pai e mãe, repete-se em relações presentes, com pessoas distintas. Freud afirmou que existe transferência na relação professor-aluno, uma vez que o professor, por sua posição de destaque, pode ser alvo de interesses transferidos das relações com os pais (KUPFER, 1989: 88). “... a transferência se produz quando o desejo de saber do aluno se aferra a um elemento particular, que é a pessoa do professor” (idem: 91). A transferência faz com que o professor se torne depositário de algo que, na verdade, pertence ao aluno, o que acaba por atribuir um certo poder ao professor (idem, ibidem). O professor no lugar da transferência atuaria de forma semelhante a um analista, sem impor seu desejo ou saber, mas ao contrário, anulando-os. Isto, porém, é extremamente complicado, pois o professor também é um sujeito do inconsciente, cujo desejo é o que o impele para a função de mestre. Como diz Kupfer (1989: 94), “só o desejo do professor justifica que ele esteja ali. Mas, estando ali, ele precisa renunciar a este desejo”. Por isso Freud defende a idéia de que a Educação é impossível. 4. AS DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM VISTAS PELA PSICANÁLISE. Para Bettelheim, a criança pode ter fortes motivos para não aprender, e estes motivos são oriundos das dinâmicas familiares e sentimentos relacionados a sua família. Um motivo importante pode ser a proteção da imagem dos pais; a criança não aprende por não querer que seus pais se sintam inferiorizados por não terem os mesmos conhecimentos que a criança está começando a desenvolver. Pode haver um sentimento de culpa por parte da criança, por estar tendo as oportunidades que os pais (ou um dos pais) não puderam ter quando crianças; é bastante comum que os problemas de aprendizagem se iniciem exatamente no mesmo ponto onde a educação dos pais se interrompeu. Muitas vezes, o professor cobra da criança comportamentos que estão além dos realizados pelos pais (ou um dos pais), e ela acaba por se voltar contra a escola, por achar que, se não o fizer, estará menosprezando os pais. Neste sentido, pode ocorrer ainda um outro tipo de bloqueio na aprendizagem: os pais possuem níveis culturais distintos e um deprecia o outro; a criança sente necessidade de se posicionar a favor de um ou outro, ou contra a escola. O que é necessário é que pais e escola definam claramente as expectativas acerca da criança. Além disso, deve-se também reconhecer o desejo da criança de preservar o orgulho dos pais e convencê-la que, através da aprendizagem, ela poderá fazer muitas coisas por eles e deixá-los orgulhosos. Outras crianças apresentam distúrbios de aprendizagem por acreditarem que a competição é algo errado, o que de certa forma é passado por muitos pais e interpretado erroneamente pela criança. Esta, então, deseja proteger as demais crianças e não se sentir culpada, parando de aprender. Um motivo bastante comum é o desejo de manter-se ligado à mãe. O aprendizado implica em crescimento e, por conseguinte, em separação da mãe, o que estas crianças não querem. Enquanto muitas crianças desejem ser sempre as melhores, outras crianças desejam ser as piores. Isto pode ocorrer em crianças que têm um grande desejo de serem especiais, cujo orgulho não é satisfeito por serem alunos simplesmente medíocres ou que são frustradas por poderem ser rejeitadas em determinado grupo. A criança então acredita que só conseguirá atenção se for uma péssima aluna. A criança também pode se convencer que é incapaz de continuar os estudos, e interrompe a aprendizagem para resguardar seu amor-próprio, e poder dizer que seu fracasso é uma opção pessoal. Dificilmente a criança perceberá sozinha este artifício como fuga para não enfrentar o possível fracasso, mas pode aceitar que ela mesma preferiu ser um grande fracasso a ser um pequeno fracasso, ou mesmo, um pequeno sucesso; esta recusa é, ela própria, uma tentativa de preservar sua imagem de capacidade. É um dos bloqueios mais sérios à aprendizagem, pois se transforma em um círculo vicioso. Quanto mais a criança se atrasa, mais ela se sente fracassada e mais ela utiliza recursos para justificar seu fracasso; no primeiro grau, a criança desfia o professor, e no segundo grau passa a desfiar a lei de um modo geral, podendo chegar à delinqüência. A melhor forma de ajudar uma criança com este problema é aumentar sua auto-estima, para que ela possa se sentir capaz de enfrentar suas dificuldades. Existem crianças que se voltam contra a escola porque não querem aprender novos valores e conhecimentos. Outras se desinteressam pela escola, pois esta não e capaz de oferecer uma aprendizagem atrativa, ou porque o professor foi rude com ela e a criança deseja se vingar, ou ainda porque a criança encontra-se cansada física ou emocionalmente para esforçar-se mentalmente. Muitas vezes pode haver um desejo ou uma necessidade de desafiar os pais ou os adultos. Geralmente, os professores são as maiores vítimas, por serem menos opressores que os pais. O não-aprender torna-se um castigo para estes, ferindo seu orgulho. A criança quer se sentir independente em relação a algum adulto, e pode se “aliar” ao professor contra os pais, ou vice-versa. Neste primeiro caso, os pais não devem enfrentar esta aliança, para manter a escola atraente para esta criança. Crianças com inteligência média ou acima da média também podem apresentar problemas na escola. Estes normalmente ocorrem devido à compreensão de determinado conteúdo e a oposição a este, seja por escrúpulos morais ou porque despertam sentimentos negativos na criança. Neste último caso, no qual uma matéria traz à tona um conflito pessoal, a criança prefere se convencer de que simplesmente não compreende a matéria, ao invés de admitir o sofrimento psíquico que ela lhe causa. Percebe-se este tipo de bloqueio em muitas crianças que não conseguem aprender História, por exemplo: suas histórias pessoais são tão dolorosas que tentam se proteger não compreendendo as seqüências históricas dos fatos (para não reconhecer a ausência de casualidade dos eventos de sua vida e ter de atribuí-los a atitudes dos pais ou mesmo suas) ou se desinteressando pela disciplina. Outros bloqueios comuns à aprendizagem referem-se a certos comandos paternos que condenam a curiosidade (proibindo a exploração do corpo ou outras curiosidades acerca do sexo, por exemplo); a criança passa a acreditar que ser curioso e querer entenderas coisas é errado. Ela pode ainda acreditar que olhar é permitido, mas compreender o que é visto é errado, como ocorre muito em famílias cujos pais não querem que a criança entenda seus comportamentos ou quando ela presencia certas atitudes dos pais que desaprova. Um sintoma que aponta em direção a este problema é o fato de a criança ser capaz de reconhecer as letras e as palavras, mas não compreendem as frases. Por outro lado, a própria criança pode “boicotar” sua capacidade de compreensão através de mecanismos de defesa, que utiliza para evitar o sofrimento. Um destes mecanismos de defesa denomina-se “desfazendo”, que pode ser representado pela compulsão de lavar e pelas reversões, cujo maior exemplo é a troca de letras. Esta tanto pode ter um começo bem definido, relacionado a determinados fatos da vida da criança, ou envolver toda a vida desta, sendo mais complexa sua resolução. Estes mecanismos podem ser vencidos com explicações bem simples, como a semelhança entre as letras. Para que haja o aprendizado, a criança deve passar por três etapas: o objeto é único para a pessoa que percebe; o objeto é percebido como independente e imutável; o objeto passa a ser percebido em suas características gerais. O desenrolar destas etapas não ocorre de forma uniforme, podendo surgir sérios problemas de aprendizagem se a criança for cobrada além de seu estágio de desenvolvimento, principalmente se ela ainda estiver em uma fase de percepção autocêntrica1. Muitos problemas de leitura ocorrem devido a esta dificuldade de abstração, embora nem sempre esta dificuldade prejudique a aprendizagem, pois a criança pode aprender a relacionar as palavras com seus significados pessoais. Porém, algumas vezes, a partir da dificuldade de abstrair e generalizar o sentido das palavras, a 1 Na percepção autocêntrica, não há objetividade; o objeto é percebido e sentido de acordo com os sentimentos da criança, sendo impossível a abstração. Já na percepção alocêntrica, o /objeto é percebido como objeto em si mesmo. criança pode perceber determinadas palavras como emocionalmente impossíveis de suportar. A criança simplesmente passa a trocar as palavras que mais a incomodam por outras mais amenas, mas que geralmente denunciam o problema. Se as palavras trocadas não forem essenciais para o entendimento do que se está lendo, a aprendizagem não se altera; por outro lado, o professor não deve superdimensionar estes erros, sob pena de agravá-los e estendê-los a outras palavras. Quanto à Matemática, a criança não pode tomar um número por seu aspecto particular, pois isso seria infringir as normas mais elementares da matéria. Os números têm que ser compreendidos em sua generalidade e em sua igualdade. Algumas crianças ainda entendem os números através de uma visão autocêntrica, onde cada número possui um significado único e particular. Ou ainda, outras apresentam dificuldades nas operações matemáticas mais simples, principalmente a subtração (por não quererem nada de menos em suas vidas), a divisão e as frações (pela impossibilidade de compartilhar da família ou por não suportar sua divisão) e, algumas vezes, a multiplicação (porque a criança se recusa e ver sua família aumentar). Em outros casos, a criança vai demonstrar, a partir da Matemática, as emoções opostas que esta lhe desperta, como, por exemplo, ser uma ótima aluna em Matemática em uma família que a vê como diferente. A Matemática é uma disciplina na qual todos os seus elementos são iguais entre si, e saber muita Matemática pode justamente ser uma forma de demonstrar isto para a família. Percebe-se facilmente, através do que foi exposto, que a criança pode ter motivos muito fortes para deixar de aprender e abandonar os estudos. Para resolver estes problemas, o professor, muitas vezes, tem que fazer a criança desaprender estas formas de reagir, para que a aprendizagem possa ocorrer. Estes são apenas alguns exemplos bem patentes acerca da atuação do inconsciente e das experiências infantis nos obstáculos à aprendizagem. O que não quer dizer também que todos os casos se resumem a estes citados. Cada caso é um caso diferente, cada criança é diferente, com histórias e conteúdos inconscientes particulares, o que vai condicionar cada técnica de intervenção a ser utilizada. CONCLUSÃO Em que, afinal, a psicanálise pode contribuir na Psicopedagogia e na Educação, de modo mais geral? Ao encarar a aprendizagem como um desejo de saber enraizado na sexualidade infantil, a psicanálise aborda as dificuldades de aprendizagens como “dificuldade libidinais” em última instância. São problemas afetivos que se desdobram ou se manifestam através do vínculo com a aprendizagem formal da escola, sejam relativos ao conteúdo ministrado, sejam relacionados ao campo afetivo da sala de aula, entre os colegas ou com o professor. Obviamente, excluem-se aqui os casos notadamente orgânicos, nos quais as dificuldades na aprendizagem são derivadas de distúrbios ou lesões de origem neurológica ou genética. A psicanálise imbui ao educador uma ética, um modo de ver e de compreender sua prática educativa. Este educador sabe que “pode organizar seu saber, mas não tem controle sobre os efeitos que produz em seus alunos” (KUPFER,1989:97). Sabe que pode se utilizar do controle que lhe é oferecido e exigido pela Pedagogia, mas reconhece que nem tudo pode controlar, como pensamentos e sentimentos subjetivos. Sabe, principalmente, “desocupar o lugar de poder em que um aluno o coloca necessariamente no início da relação pedagógica, sabendo que, se for atacado, nem por isso deverá reprimir tais manifestações agressivas. Ao contrário, saberá que estão em jogo forças que ele não conhece em profundidade, mas que são muito importantes para a superação do professor como figura de autoridade e indispensáveis pra o surgimento do aluno como ser pensante” (idem: 98-99). BIBLIOGRAFIA 1. ABRAMOVITCH, S. Construções acerca do autismo infantil precoce. Tese de Mestrado. PUC-RIO, 1999. 2. BETTELHEIM, B. A decisão do fracasso. 3. FREUD, S.(1905) Uma teoria sexual. In: Obras Completas, vol. V. Rio de Janeiro: Editora Delta, s/ data. 4. FREUD, S. (1914) Introdução ao Narcisismo. In: Obras Completas, vol. V. Rio de Janeiro: Editora Delta, s/ data. 5. GARCIA, E. M. e VIDES, M. B. Aprendizagem escolar: Distúrbios da atenção e hiperatividade. INTERNET 6. KAUFMANN, P. (org.) (1993) Dicionário Enciclopédico de Psicanálise - o legado de Freud e Lacan. Trad. Vera Ribeiro e Maria Luiza Borges. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1996. 7. KUPFER, M. C. Freud e a Educação. O mestre do impossível. São Paulo: Editora Scipione, 1989. 8. LAPLANCHE, J & PONTALIS, J-B. (1982) Vocabulário de Psicanálise. Trad. Pedro Tamen. 3a edição. São Paulo: Martins Fontes, 1998. 9. LEMÉRER, B. Algumas reflexões a partir do texto de Freud sobre as teorias sexuais infantis. In: Letra Freudiana, A criança e o saber. Rio de Janeiro: Revinter, 1999. 10. MARTINS, P. C. R. Artigo publicado no WebCanal em 09/02/01.