PEDIDO DE REVISÃO E INTERPRETAÇÃO DA SENTENÇA DE 24 DE FEVEREIRO DE 1982 NO
CASO CONCERNENTE À PLATAFORMA CONTINENTAL (TUNÍSIA/GRANDE JAMAHIRIYA
ÁRABE POPULAR SOCIALISTA DA LÍBIA)
(TUNÍSIA v. GRANDE JAMAHIRIYA ÁRABE POPULAR SOCIALISTA DA LÍBIA)
(1984-1985)
Sentença de 10 de dezembro de 1985
Em sua sentença sobre o pedido de revisão e interpretação apresentado pela Tunísia contra a Líbia,
da sentença de 24 de fevereiro de 1982 no caso Plataforma Continental (Tunísia/Líbia) a Corte, por
unanimidade:
- declarou inadmissível o pedido de revisão da sentença de 24 de fevereiro de 1982;
- declarou admissível o pedido de interpretação da sentença de 24 de fevereiro de 1982, na medida
em que este concerne ao primeiro setor da delimitação presente naquela sentença, indicou a interpretação que
deveria ser feita a esse respeito e declarou que a demanda da Tunísia relativa àquele setor não poderia ser
atendida;
- declarou que o pedido de retificação de erro material formulado pela Tunísia não tem objeto e que
não deve tratar, portanto, desse assunto;
- declarou admissível o pedido de interpretação da sentença de 24 de fevereiro de 1982, na medida
em que este concerne ao ponto mais ocidental do Golfo de Gabès no segundo setor da delimitação presente
naquela sentença, indicou a interpretação que deveria ser feita a esse respeito e declarou não poder atender a
demanda da Tunísia relativa a esse setor;
- declarou que naquele momento não havia motivo para que a Corte indicasse um perito para
determinar as coordenadas exatas do ponto mais ocidental do Golfo de Gabès.
A Corte Internacional de Justiça estava composta como se segue: Presidente Nagendra Singh; VicePresidente Lacharrière; Juízes Lachs, Ruda, Elias, Oda, Ago, Sette-Câmara, Schwebel, Mbaye, Bedjaoui, Ni;
Juízes ad hoc Bastid, Jiménez de Aréchaga.
Os Juízes Ruda, Oda e Schwebel e a Juíza ad hoc Bastid anexaram à sentença sua opiniões
individuais.
Nessas opiniões os referidos Juízes declararam e explicaram a posição que tomaram em relação a
certos pontos tratados na sentença.
Trechos do dispositivo da sentença de 24 de fevereiro de 1982
Parece útil relembrar o dispositivo da sentença de 24 de fevereiro de 1982, ao qual a Corte se refere
freqüentemente.
A Corte, nesse dispositivo, enunciou princípios e regras de direito internacional aplicáveis à
delimitação das zonas da plataforma continental relevantes respectivamente à Tunísia e à Líbia na região em
litígio. Ela enumerou as circunstâncias pertinentes que devem ser levadas em conta para atingir uma
delimitação eqüitativa e determinou o método prático a ser utilizado para essa delimitação.
A delimitação que advém do método indicado pela Corte se divide em dois setores:
"No primeiro setor, o mais próximo das costas das partes, o ponto de partida da linha de delimitação
é a interseção do limite exterior do mar territorial das partes e de uma linha reta tirada do ponto de fronteira de
Ras Ajdir, passando pelo ponto 33° 55' N 12° E, segundo um ângulo de 26° a leste do meridiano,
correspondente ao ângulo de limite noroeste das concessões petrolíferas líbias de números NC 76,137, NC 41
e NC 53, a qual é alinhada sobre o limite sudeste da permissão tunisiana conhecida como 'permissão
complementar offshore do Golfo de Gabès' (21 de outubro de 1966); a partir do ponto de interseção assim
determinado, a linha de delimitação entre as duas plataformas continentais se dirige em linha reta para o
nordeste, segundo o mesmo ângulo e passando pelo ponto 33° 55' N 12° E, até que ela encontre o paralelo do
ponto mais ocidental da costa tunisiana entre Ras Kapoudia e Ras Ajdir, a saber o ponto mais ocidental da
linha costeira (linha de baixa-mar) do Golfo de Gabès;
No segundo setor, que se estende para o alto mar além do paralelo que passa pelo ponto mais
ocidental do Golfo de Gabès, a linha de delimitação entre as duas zonas da plataforma continental se vira para
a direção leste de maneira a incluir as ilhas Kerkennah; isto é, a linha de delimitação será paralela a uma linha
traçada a partir do ponto mais ocidental do Golfo de Gabès e constituirá a bissetriz do ângulo formado por
uma linha que una esse ponto a Ras Kapoudia e outra linha que parta do mesmo ponto e costeie as ilhas
Kerkennah pelo lado do alto mar, de forma que a linha de delimitação paralela a tal bissetriz formará um
ângulo de 52° com o meridiano; o comprimento da linha de delimitação em direção ao nordeste é uma
questão que foge da competência da Corte para o caso, sendo que essa depende de delimitações a serem
convencionadas com terceiros Estados."
Encontra-se no fim deste resumo uma reprodução do mapa nº 3, anexado à sentença de 1982, e que
foi feito para fins ilustrativos.
No requerimento de instauração de procedimentos, depositado em 27 de julho de 1984, a Tunísia
submeteu à Corte vários pedidos distintos, a saber, um pedido de revisão da sentença proferida pela Corte em
24 de fevereiro de 1982 (doravante “sentença de 1982”) apresentado com base no artigo 61 do Estatuto da
Corte, um pedido de interpretação dessa sentença, em virtude do artigo 60 do Estatuto, e um pedido de
retificação de erro material. A isso se junta ainda um pedido para que a Corte indique um perito. A Corte
decidirá sobre todos esses pedidos em uma mesma sentença.
Questão da admissibilidade do pedido de revisão (parágrafo 11 ao 40)
Nos termos do artigo 61 do Estatuto, o procedimento de revisão será aberto por sentença da Corte
considerando o pedido admissível pelos motivos presentes no Estatuto. Um procedimento sobre mérito só
ocorre se a Corte declara o pedido admissível. A Corte deve então se pronunciar primeiramente sobre a
admissibilidade do pedido de revisão da sentença de 1982, apresentado pela Tunísia. As condições de
admissibilidade estão indicadas no artigo 61 cujos parágrafos 1º, 4º e 5º dispõem o seguinte:
"1. A revisão da sentença só pode ser eventualmente requisitada à Corte em razão da descoberta de um fato de
natureza a exercer uma influência decisiva e que, antes de pronunciada a sentença, era desconhecido da Corte
e da parte que pediu a revisão, sem que tenha, de sua parte, culpa ao ignorá-lo.
...
4. O pedido de revisão deverá ser formulado no mais tardar em um prazo de seis meses após a descoberta do
fato novo.
5. Nenhum pedido de revisão poderá ser formulado depois da expiração de um prazo de dez anos da data da
sentença."
O fato que, segundo a Tunísia, era desconhecido tanto pela Corte quanto por ela mesma antes do
pronunciamento da sentença de 1982 é o texto da Resolução do Conselho de Ministros líbio, de 28 de março
de 1968, determinando o "verdadeiro traçado" do limite noroeste de uma concessão petrolífera, dita
Concessão nº 137, acordada pela Líbia e a qual é citada na sentença, em particular no dispositivo.
A Tunísia afirmou que o traçado desse limite é muito diferente do resultante das diversas descrições
dadas pela Líbia à Corte durante o processo relativo à sentença de 1982. Ela observou que a linha de
delimitação que passa pelo ponto 33° 55' N 12° E atribuiria à Líbia zonas da plataforma continental que se
encontravam no interior da Permissão Tunisiana de 1966, contrariando o que foi claramente decidido pela
Corte cuja decisão repousa sobre a idéia de alinhamento entre as permissões e concessões acordadas pelas
duas partes e na ausência de sobreposição das pretensões resultantes até 1974.
Sem contestar os fatos geográficos relativos às posições dos limites de concessão consideradas, tal
como indicado pela Tunísia, a Líbia ressaltou que não apresentou uma tabela distorcida dessas concessões.
Ela se absteve de toda declaração sobre as ligações entre a Concessão Líbia n° 137 e a Permissão Tunisiana
de 1966 e se restringiu a indicar a existência de uma demarcação comum a essas duas concessões, seguindo
uma direção próxima a 26°, a partir de Ras Ajdir.
A Líbia contestou, entretanto, a admissibilidade do pedido de revisão por razões de fato e de direito.
Ele não preencheria as condições enunciadas no artigo 61 do Estatuto, salvo o prazo de apresentação previsto
no parágrafo 5º. Ela afirmou ainda que:
- A Tunísia tinha conhecimento do fato que invoca hoje no momento em que a sentença de 1982 foi proferida
ou, em todo caso, há mais de seis meses antes do depósito deste pedido;
- Se a Tunísia não o conhecia, havia, de sua parte, culpa ao ignorá-lo; e
- A Tunísia não estabeleceu que o fato descoberto era "de natureza a exercer uma influência decisiva".
A Corte relembrou que tudo o que é conhecido pela Corte deve ser presumido como igualmente
conhecido pela parte que pediu a revisão e uma parte não pode pretender ter ignorado um fato produzido
regularmente perante ela.
A Corte examinou a questão levantada pela Tunísia partindo da idéia de que o fato não era
conhecido em 1982 unicamente no que concerne às coordenadas que definem o limite da Concessão nº 137,
posto que a existência de uma sobreposição entre a borda noroeste da Concessão líbia n° 137 e a borda
sudeste da permissão tunisiana poderiam dificilmente escapar da Tunísia. Ela notou que, segundo a Líbia, as
indicações dadas à Corte eram exatas, mas que as coordenadas precisas da Concessão nº 137 não foram
submetidas à Corte por nenhuma das partes de forma que a Tunísia não teria condição de assegurar a situação
exata da concessão líbia a partir das peças do processo e outros documentos então submetidos à Corte. A
Corte devia, entretanto, pesquisar se nesse caso a Tunísia tinha meios de obter de outras fontes as coordenadas
exatas da concessão e, se afirmativo, se era de seu interesse fazê-lo. Em caso afirmativo, a Corte não
acreditou que a Tunísia pudesse citar essas coordenadas como um fato desconhecido como aduz o artigo 61,
parágrafo 1º, do Estatuto. Após ter examinado as possibilidades que tinha a Tunísia de obter essas
informações e disso ter deduzido que a Tunísia poderia obter as coordenadas exatas dos limites de concessão
e que era de seu interesse obtê-las, a Corte concluiu que uma das condições essenciais de admissibilidade de
um pedido de revisão, presente no artigo 61, parágrafo 1º, do Estatuto - a da ignorância não culposa de um
fato novo - não foi satisfeita.
A Corte entendeu ser útil pesquisar em seguida se o fato relativo às coordenadas da concessão seria
"de natureza a exercer uma influência decisiva", como exigia o artigo 61, parágrafo 1º. Ela ressaltaou que,
segundo a Tunísia, a coincidência dos limites das concessões líbias e da Permissão Tunisiana de 1966 é um
"elemento essencial da delimitação ... e verdadeiramente a ratio decidendi da sentença". A visão da Tunísia
do caráter decisivo dessa coincidência decorre de sua interpretação do dispositivo da sentença de 1982. Isso,
segundo a Corte, comportou duas partes distintas: na primeira, a Corte estabeleceu o ponto de partida da linha
de delimitação - esse ponto se encontra na interseção do limite do mar territorial das partes e de uma linha que
ela chama de "linha determinante", partindo do ponto de fronteira de Ras Ajdir e passando pelo ponto 33° 55'
N 12° E -; na segunda, a Corte acrescentou que a linha é orientada segundo um azimute aproximado e que
esse azimute corresponde ao ângulo formado pelo limite das concessões mencionadas. Ela definiu em seguida
a linha de delimitação propriamente dita como dirigindo-se a partir desse ponto de interseção em direção
nordeste segundo o mesmo ângulo (26° aproximadamente) passando pelo ponto 33° 55' N 12° E.
A Corte constatou que o dispositivo da sentença enunciava um único critério preciso para o traçado
da linha de delimitação, a saber, que esse devia passar pelos dois pontos expressamente definidos. As outras
menções não faziam parte da descrição da linha de delimitação, elas serão retomadas no dispositivo apenas a
título de explicação e não de definição da "linha determinante".
A Corte examinou, em seguida, a questão de saber se teria chegado a outra sentença se tivesse tido
conhecimento das coordenadas exatas da Concessão nº 137. Ela fez quanto a isso três observações. Em
primeiro lugar, a linha resultante da outorga de concessões petrolíferas não era de forma alguma a única
consideração tomada pela Corte e o método indicado por ela para chegar a uma delimitação eqüitativa
decorria, na verdade, de uma ponderação de diversas considerações.
Em segundo lugar, o argumento tunisiano de que o fato das concessões líbias não emparelharem a
oeste com o limite tunisiano teria conduzido a Corte, se ela o tivesse conhecido, a adotar uma providência
diferente procedente de uma interpretação restrita do termo "alinhado" empregado no dispositivo da sentença
de 1982. É evidente que utilizando esse termo a Corte não pretendia dizer que os limites das concessões
consideradas se emparelhariam perfeitamente no sentido de que não haveria nem sobreposição nem extensão
do leito marinho livre entre os limites. Aliás, ela sabia, a partir do que foi pronunciado no caso, que o limite
líbio era uma linha reta (seguindo um azimute de 26°) e o limite tunisiano uma linha em escada, que criava
ora vazios ora sobreposições. O limite tunisiano seguia uma direção geral de 26° a partir de Ras Ajdir e é com
essa direção geral que o limite da concessão líbia era alinhado segundo a Corte.
Em terceiro lugar, o que a Corte julgou importante no "alinhamento" dos limites de concessão, não é
simplesmente o fato de que a Líbia havia aparentemente limitado sua Concessão de 1968 de maneira a não
invadir a Permissão Tunisiana de 1966, mas sim que as duas partes tinham admitido usar como limite das
permissões ou concessões outorgadas por elas uma linha correspondente mais ou menos àquele traçado de
Ras Ajdir e fazendo um ângulo de 26° com o meridiano. Essa escolha levava a pensar que na época uma linha
a 26° era tida com eqüitativa pelos dois Estados.
Resultou do precedente que as provas produzidas sobre os limites da Concessão nº 137 não
diminuíram em nada o raciocínio seguido pela Corte em 1982. Isso não eqüivale a dizer que, se as
coordenadas da Concessão nº 137 foram claramente indicadas à Corte, a redação da sentença de 1982 seria
imutável. Talvez certas definições possam ter sido dadas. Mas para que um pedido de revisão seja aceito, não
é suficiente que o fato novo invocado tenha permitido à Corte, se ela dele teve conhecimento, mostrar-se mais
especifica em sua sentença, é ainda preciso que esse fato tenha sido "de natureza a exercer uma influência
decisiva". Longe de constituir tal fato, a definição das coordenadas exatas da Concessão nº 137 não teriam
mudado a sentença da Corte quanto ao primeiro setor da delimitação. Em conseqüência, a Corte só pôde
concluir que o pedido tunisiano de revisão não podia ser admitido, de acordo com os termos do artigo 61 do
Estatuto.
Pedido de interpretação para o primeiro setor da delimitação (parágrafo 41 ao 50)
No caso da Corte não julgar admissível o pedido de revisão, a Tunísia apresentou um pedido
subsidiário de interpretação para o primeiro setor da delimitação fundado no artigo 60 do Estatuto. A Corte
examinou primeiramente uma exceção de incompetência levantada pela Líbia. Esta afirmou que, se
esclarecimentos ou explicações são necessários, as partes devem retornar juntas perante a Corte, conforme o
artigo 3° do compromisso com base no qual a Corte foi demandada originariamente1. A questão se põe então
sobre a ligação entre o procedimento consagrado pelo artigo 3º do compromisso e a possibilidade de uma ou
outra parte pedir unilateralmente a interpretação de uma sentença em aplicação do artigo 60 do Estatuto. Após
ter estudado as teses das partes, a Corte concluiu que a existência do artigo 3º do compromisso não cria
obstáculo ao pedido de interpretação apresentado pela Tunísia com base no artigo 60 do Estatuto.
A Corte examinou em seguida se o pedido tunisiano preenche as condições de admissibilidade,
permitindo seu prosseguimento. Ela considerou que existe um contra-memorial entre as partes sobre o sentido
1
O artigo 3º do compromisso dispõe: "No caso do acordo mencionado no artigo 2º não ser alcançado dentro de um
período de seis meses, renovável de comum acordo a contar da data do pronunciamento da decisão da Corte, as duas
partes deverão retornar juntas perante a Corte e demandar quaisquer explicações ou esclarecimentos que facilitariam a
tarefa das duas delegações de chegar a uma linha separando os dois setores da plataforma continental, e as duas partes se
conformarão com a decisão da Corte assim como com suas explicações e esclarecimentos".
e alcance da sentença de 1982, posto que elas não concordaram sobre se a indicação dada na sentença de
1982, segundo a qual a linha passa pelo ponto 33° 55' N 12° E, constitui ou não uma sentença de força
obrigatória: a Líbia sustentou que sim, o que a Tunísia negou. Ela decidiu então pela admissibilidade do
pedido tunisiano de interpretação relativamente ao primeiro setor.
A Corte especificou em seguida o alcance do princípio da res judicata nas circunstâncias do caso
específico. Ela principalmente observou que, mesmo se as partes não a encarregaram de traçar a linha de
delimitação, elas se comprometeram a aplicar os princípios e regras indicadas pela Corte na sua sentença.
Sobre dados numéricos por ela formulados, cada elemento deve ser lido em seu contexto, o que permite
determinar se a Corte pretendeu uma enunciação precisa ou simplesmente uma indicação sujeita a certas
variações.
A Tunísia expôs que, em se tratando do primeiro setor, seu pedido de interpretação visa "obter
esclarecimentos principalmente sobre a hierarquia a ser estabelecida entre os critérios adotados pela Corte,
levando em consideração a impossibilidade de aplicar simultaneamente esses critérios para determinar o
ponto de partida da linha de delimitação". Ela sustentou que o limite a ser considerado para o estabelecimento
de uma linha de delimitação pode ser apenas o limite sudeste da Permissão Tunisiana de 1966. A Corte já
explicou, a propósito do pedido de revisão, que a sentença de 1982 enuncia para os fins da delimitação um
único critério preciso para o traçado da linha: essa deve ser uma linha reta que passe pelos dois pontos
expressamente definidos. O pedido tunisiano de interpretação repousa sobre um erro de apreciação quanto ao
alcance do dispositivo da sentença de 1982. A Corte considerou, por conseguinte, que não lhe é possível
atender ao pedido da Tunísia sobre a interpretação da sentença a esse respeito, e que não há nada a acrescentar
ao raciocínio sobre a admissibilidade do pedido de revisão quanto ao sentido e ao alcance da sentença de 1982
(ver os parágrafos 32 a 39 da sentença).
Pedido de retificação de erro material relativo ao primeiro setor da delimitação (parágrafos 51 e 52)
Sobre o pedido tunisiano de retificação de erro material, apresentado a título subsidiário e
pretendendo substituir as coordenadas 33° 55' N, 12° E por outras, a Corte considerou que ele coincide com a
opinião expressa pela Tunísia de que a escolha desse ponto pela Corte resultava da aplicação de um critério a
partir do qual a linha de delimitação não devia invadir a Permissão Tunisiana de 1966. No entanto esse não é
o caso, e o ponto em questão foi escolhido como meio prático e concreto de definir a linha seguindo um
azimute de 26° com relação a Ras Ajdir. Assim sendo, parece que o pedido tunisiano procede de um erro de
apreciação e, portanto, não tem objeto. Não há porque tratar mais desse assunto.
Pedido de interpretação para o segundo setor da delimitação (parágrafo 53 ao 63)
A Corte abordou em seguida o pedido de interpretação da sentença de 1982 apresentado pela Tunísia
sobre o segundo setor da delimitação. De acordo com aquela sentença, a linha de delimitação do primeiro
setor deve ser traçada "até que ela encontre o paralelo do ponto mais ocidental da costa tunisiana entre Ras
Kapoudia e Ras Ajdir, a saber, o ponto mais ocidental da linha costeira (linha de baixa-mar) do Golfo de
Gabès". Além desse paralelo, a linha de delimitação deve refletir a mudança radical na direção do litoral
tunisiano marcado pelo Golfo de Gabès. Nenhuma coordenada, mesmo aproximada, foi indicada no
dispositivo da sentença para localizar o que, segundo a Corte, constitui o ponto mais ocidental do Golfo de
Gabès. "É aos peritos", diz a sentença, "que cabe estabelecer as coordenadas exatas, mas a Corte acredita que
esse ponto se encontra aproximadamente a 34° 10' 30" de latitude norte".
A Tunísia sustentou que a coordenada 34° 10' 30" N indicada na sentença não se impõe às partes de
forma imperativa, posto que ela não foi repetida no dispositivo. A Líbia entretanto afirmou que, a Corte já
tendo feito seus próprios cálculos, ao ponto exato encontrado pelos peritos comporta uma margem "de alguns
segundos", no máximo. Desta forma, a Corte considerou, sobre as condições de admissibilidade do pedido
que ela deve primeiramente examinar, que há litígio entre as partes sobre a força obrigatória da sentença de
1982. Também lhe pareceu que a Tunísia visava obter um esclarecimento da Corte sobre "o sentido e o
alcance do que foi decidido" sobre esse ponto na sentença de 1982. A Corte considerou admissível o pedido
tunisiano de interpretação relativo ao segundo setor.
A Tunísia deu grande importância ao fato de que o paralelo 34° 10' 30" indicado pela Corte corta a
costa na embocadura de um uádi2. Reconhecendo que há próximo a esse paralelo um ponto onde as águas do
mar penetram até uma longitude mais ocidental que qualquer dos outros pontos considerados, a Tunísia não a
levou em consideração e fixou à 34° 05' 20" N (Cartago) o ponto mais ocidental sobre a linha da costa do
Golfo de Gabès. Explicando os motivos da rejeição apresentados, a Corte ressaltou que por "ponto mais
ocidental da linha costeira (linha de baixa-mar) do Golfo de Gabès" ela entendeu simplesmente o ponto, sobre
a costa, que se encontra mais a oeste que qualquer outro ponto da mesma costa e que tem a vantagem de ser
objetivamente definível. Quanto à presença de um uádi nos arredores da latitude mencionada pela Corte, esta
reenvia à noção conhecida de "linha de baixa-mar". Ela não pretendeu se referir ao ponto mais ocidental das
linhas de base a partir das quais o comprimento de mar territorial foi ou poderia ter sido medido, e a idéia de
que ele poderia se referir a tais linhas de base para excluir de sua definição de "ponto mais ocidental" um
ponto situado na embocadura de um uádi deve ser considerada como insustentável.
Quanto ao peso a ser dado à menção, feita pela Corte, à latitude 34° 10' 30"N na sentença de 1982, a
Corte afirmou que ela tomou essa atitude como definição prática do ponto com relação ao qual a inclinação da
linha de delimitação deveria mudar. A definição não vinculava as partes, e é significativo a esse respeito,
primeiramente, que a palavra "aproximadamente" fora utilizada para descrever essa latitude e, em seguida,
que o dispositivo da sentença não fazia menção a ela. Além disso, o cuidado de determinar as coordenadas
exatas do "ponto mais ocidental" foi deixado aos peritos. Disso advém que a Corte não poderia atender a
demanda da Tunísia de situar o ponto mais ocidental a 34° 05' 20" N (Cartago). Ela formalmente decidiu em
1982 que caberia aos peritos estabelecer as coordenadas exatas e seria incompatível com essa sentença que a
Corte especificasse que uma coordenada precisa constitui o ponto mais ocidental do Golfe de Gabès.
Assim sendo, a Corte forneceu algumas indicações aos peritos, dizendo que eles deveriam localizar
sobre a linha de baixa-mar o ponto mais ocidental com a ajuda dos mapas disponíveis, desconsiderando toda
linha de base reta, e procedendo, se necessário, a um trabalho in loco, esse ponto situando-se ou não em um
canal de maré ou na embocadura de um uádi e podendo ou não ser considerado como marca de uma mudança
de direção da costa.
Pedido concernente ao perito (parágrafo 64 ao 68)
Durante o procedimento oral, a Tunísia apresentou um pedido subsidiário pretendendo que fosse
indicado um perito com o propósito de determinar as coordenadas exatas do ponto mais ocidental do Golfo de
Gabès. A Corte observou a esse respeito que ela somente poderia acatar o pedido tunisiano se lhe fosse
indispensável determinar as coordenadas desse ponto para estar apta a decidir sobre as questões que lhe foram
submetidas. Entretanto, cabe à Corte julgar um pedido de interpretação de uma sentença anterior e ela já
especificou em 1982 que não pretendia determinar essas coordenadas com precisão, deixando esse cuidado
aos peritos das partes. Na época, ela se absteve de designar um perito, cabendo a ela apenas indicar um
elemento necessário em sua sentença sobre o método prático a utilizar. Sua sentença a esse respeito está
coberta pela autoridade da res judicata. Isso não impediria as partes de retornar perante a Corte para lhe pedir
conjuntamente que indicasse um perito, mas elas deveriam fazê-lo por via de acordo. A Corte concluiu que
não pode no momento indicar um perito a fim de determinar as coordenadas exatas do ponto mais ocidental
do Golfo de Gabès.
Para o futuro, a Corte relembrou que as partes têm a obrigação de concluir um tratado para fins de
delimitação. Elas devem velar para que a sentença de 1982 seja executada de maneira a resolver
definitivamente a controvérsia e, por conseguinte, agir de maneira que seus peritos se engajem
verdadeiramente para determinar as coordenadas do ponto mais ocidental, levando em consideração as
indicações dadas na sentença.
2
Nota do tradutor: Rio pelo qual as águas só correm na estação das chuvas nas regiões desérticas do Norte da
África e da Ásia.
Dispositivo da sentença da Corte
A Corte,
A. Por unanimidade,
Declara inadmissível, o pedido apresentado pela República Tunisiana em virtude do artigo 61 do Estatuto da
Corte pretendendo a revisão da sentença tomada pela Corte em 24 de fevereiro de 1982;
B. Por unanimidade,
1) Declara admissível o pedido apresentado pela República Tunisiana em virtude do artigo 60 do Estatuto da
Corte para fins de interpretação da sentença de 24 de fevereiro de 1982, uma vez que ela concerne ao primeiro
setor da delimitação visada nessa sentença;
2) Declara, a título de interpretação da sentença de 24 de fevereiro de 1982, que o sentido e o alcance da parte
dessa sentença que se refere ao primeiro setor da delimitação deve ser compreendido conforme os parágrafos
32 a 39 da presente sentença;
3) Entende não poder atender a demanda apresentada pela República Tunisiana em 14 de junho de 1985
relativa a esse primeiro setor;
C. Por unanimidade,
Entende que o pedido de retificação de um erro material formulado pela República Tunisiana não tem objeto e
que então não lhe cabe decidir sobre esse assunto;
D. Por unanimidade,
1) Declara admissível o pedido apresentado pela República Tunisiana em virtude do artigo 60 do Estatuto da
Corte para fins de interpretação da sentença de 24 de fevereiro de 1982, uma vez que ela concerne ao "ponto
mais ocidental do Golfo de Gabès";
2) Declara, a título de interpretação da sentença de 24 de fevereiro de 1982:
a) que a menção de "34° 10' 30" N aproximadamente" que figura no parágrafo 124 dessa sentença constitui
uma indicação geral da latitude do ponto que parece ser, segundo a Corte, o mais ocidental sobre a linha
costeira (linha de baixa-mar) do Golfo de Gabès, sendo deixado aos cuidados dos peritos das partes
estabelecer as coordenadas exatas desse ponto; e que a latitude 34° 10' 30" não seria, então, destinada a
obrigar ela mesma as partes, mas servia para esclarecer o que foi decidido com força de coisa julgada no
parágrafo 133, C, 3, da referida sentença;
b) que a menção, feita no parágrafo 133, C, 2, dessa decisão, do "ponto mais ocidental da costa tunisiana entre
Ras Kapoudia e Ras Ajdir, a saber o ponto mais ocidental da linha costeira (linha de baixa-mar) do Golfo de
Gabès", e a menção análoga feita no parágrafo 133, C, 3, devem ser entendidas como visando o ponto dessa
linha costeira que se encontra mais a oeste sobre a linha de baixa-mar;
c) que pertencerá aos peritos das duas partes, utilizando para tanto todos os documentos cartográficos
disponíveis e procedendo, se necessário, a um trabalho ad hoc in loco, de estabelecer as coordenadas exatas
desse ponto, esse ponto situando-se ou não em um canal de maré ou na embocadura de um uádi e podendo ou
não ser considerado como marca de uma mudança de direção da costa.
3) Entende que a demanda da República Tunisiana segundo a qual "o ponto mais ocidental do Golfo de Gabès
está situado na latitude 34° 05' 20" N (Cartago)"não pode ser atendida;
E. Por unanimidade,
Entende, no que concerne à demanda apresentada pela República Tunisiana em 14 de junho de 1985, que não
cabe, no momento, à Corte indicar um perito a fim de determinar as coordenadas exatas do ponto mais
ocidental do Golfo de Gabès.
Download

Casos Conteciosos 1984