O IMPEDIMENTO DO VEREADOR SERVIDOR NA COMPOSIÇÃO DAS COMISSÕES PROCESSANTES NOS PROCESSOS DE CASSAÇÃO DE MANDATO DE PREFEITO Profa. Cristiane Vitorio Gonçalves Professora da Faculdade de Educação, Administração e Tecnologia de Ibaiti-FEATI/UNIESP. Especialista em Direito do Estado pela Universidade Estadual de Londrina. Palavras-chave: Direito Constitucional e Administrativo; Poder Legislativo; Vereador, Comissão Parlamentar de Inquérito. Os impedimentos e suspeição de membros de comissão processante alicerçam-se no pressuposto legal de isenção e imparcialidade que deve envolver todo o julgamento de um procedimento administrativo. Romeu Felipe Bacellar Filho (2013, p. 437), afirma que “ A Comissão Processante assume a posição de verdadeiro juiz da prova, os que exerce, com exclusividade, a função instrutória”. O jurista acrescenta que (2013, p. 399): Quanto ao plano de imparcialidade, o juiz natural e a autoridade imparcial. A imparcialidade substancia requisito subjetivo, ligada diretamente à pessoa do julgador imparcial é quem julga sem paixão, reto, justo e não sacrifica a verdade ou a justiça a conveniências particulares. Nenhum homem pode ser juiz de sua própria causa.” Em outras palavras, um juiz não pode decidir um caso que tenha uma classe de interesse capaz de constituir verdadeiro motivo de parcialidade. É direito de todo o cidadão, seja como acusador ou acusado, de ter o desenvolvimento e julgamento de um procedimento administrativo isento de parcialidade que comprometa a sua lisura, a ponto de justificar o culpado ou prejudicar o inocente. Eis o que ensina Antônio Carlos Alencar Carvalho (2011, p. 345-346) Em virtude do pressuposto legal de isenção e imparcialidade dos integrantes da comissão de sindicância e processo administrativo disciplinar, é de todo inconveniente e prejudicial à apuração impessoal, sob a ótica do interesse público, que os servidores que desempenharão o ofício de coleta de provas e de formalização de uma peça acusatória contra o funcionário acusado tenham sua atuação comprometida pela parcialidade, seja para justificar o culpado para prejudicar o inocente, consequências indesejáveis para o bom exercício do poder disciplinar da administração Pública,o qual não pode resultar de paixões, amores, ódio, preconceito, inimizades ou antipatias pessoais. (GRIFO NOSSO) Ana Paula Oliveira Ávila (apud CARVALHO, 2011, p. 346) defende que a previsão do impedimento e da suspeição se origina da pressuposição da possibilidade de a atuação do administrador ser afetada por interesses impertinentes às finalidades públicas e visa a evitar o favorecimento pessoal e as aspirações diversas do interesse público. Portanto, para assegurar à justiça e legitimidade das decisões administrativas, é que se prevê hipóteses de suspeição e de impedimento, como ensina Matheus Carvalho (2013, p. 1065): No que tange à suspeição e ao impedimento, são hipóteses de afastamento da competência originária, como forma de garantia da imparcialidade das decisões administrativas, o que é indispensável à justiça e legitimidade destas decisões. Romeu Felipe Bacellar Filho (2013, p. 400), também leciona neste sentido Como a parcialidade do julgador pode vir a alterar sua competência, quando a lei fixa presunções de parcialidade absoluta (impedimentos) ou relativa (suspeições) esta concretizando o princípio constitucional do juiz natural. Nesse diapasão o Decreto-Lei nº 201/1967, em seu artigo 5º, inciso II, prevê que os vereadores impedidos não podem integrar a Comissão Processante e, consequentemente, estarão impedidos de votar no recebimento e julgamento da denúncia, in verbis: “Art. 5º - O processo de cassação do mandato do Prefeito pela Câmara, por infrações definidas no artigo anterior, obedecerá ao seguinte rito, se outro não for estabelecido pela legislação do Estado respectivo: I - A denúncia escrita da infração poderá ser feita por qualquer eleitor, com a exposição dos fatos e a indicação das provas. Se o denunciante for Vereador, ficará impedido de votar sobre a denúncia e de integrar a Comissão processante, podendo, todavia, praticar todos os atos de acusação. Se o denunciante for o Presidente da Câmara, passará a Presidência ao substituto legal, para os atos do processo, e só votará se necessário para completar o quorum de julgamento. Será convocado o suplente do Vereador impedido de votar, o qual não poderá integrar a Comissão processante. II - De posse da denúncia, o Presidente da Câmara, na primeira sessão, determinará sua leitura e consultará a Câmara sobre o seu recebimento. Decidido o recebimento, pelo voto da maioria dos presentes, na mesma sessão será constituída a Comissão processante, com três Vereadores sorteados entre os desimpedidos, os quais elegerão, desde logo, o Presidente e o Relator.” De sorte que no Decreto-Lei nº 201/1967 só se estabelece impedimento ao Vereador denunciante. Nesse viés, tem sido o entendimento manifesto pelo Tribunal de Justiça do Estado do Paraná: DECISÃO: ACORDAM os Desembargadores integrantes da Quinta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em conhecer do recurso de apelação e lhe negar provimento, nos termos do voto. EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INVALIDADE DE ATO JURÍDICO, CUMULADA COM AÇÃO DE RESPONSABILIZAÇÃO POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA.APLICAÇÃO DO DISPOSTO NO ART. 135 DO CPC PARA EMBASAR A DENUNCIA DO MINISTÉRIO PÚBLICO. IMPOSSIBILIDADE.VEREADORES QUE PARTICIPARAM DA COMISSÃO PROCESSANTE E DO JULGAMENTO DE PROCESSO DE OUTRO VEREADOR. AUSÊNCIA DE VEDAÇÃO LEGAL, ATÉ PORQUE NÃO SE ENCONTRAM ENTRE AS EXCEÇÕES PREVISTAS NO DECRETO Nº 201/67, ART. 5º, I E ARTIGO 31, §§1º E 2º DO CÓDIGO DE ÉTICA E DECORO PARLAMENTAR DA CÂMARA MUNICIPAL. DECISÃO LIMINAR EM CAUTELAR SUSPENSA EM SEDE DE AGRAVO DE INSTRUMENTO. AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE OU IMPROBIDADE NA CONDUTA DOS APELADOS. SENTENÇA 2MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.Inaplicável o disposto no artigo 135 do CPC para as suspeições no caso em tela, mas sim apenas os regramentos específicos para tal, como os impedimentos constantes do artigo 5º, I, do Decreto-lei nº 201/67, e artigo 31, §§ 2º e 3º do Código de ética e Decoro Parlamentar da Câmara Municipal.Não há qualquer vedação na legislação específica de que o Vereador, não sendo denunciante ou denunciado, não possa participar da Comissão Processante e Julgamento de outro Vereador.Em decorrência do efeito suspensivo concedido em sede de agravo, não havia também impedimento à participação dos apelados na Comissão Processante e no Julgamento do Vereador Rodrigo Gouvêa.Assim vale dizer que, ainda que a conduta dos apelados não tenha sido a mais adequada, esta por si só não é capaz de embasar decreto condenatório por ato de improbidade administrativa, até porque não havia qualquer impedimento legal para a participação de ambos na Comissão Processante e após no julgamento do processo instaurado em face do Vereador 3Rodrigo Gouvêa, além do que estavam acobertados pelo efeito suspensivo concedido no Agravo de Instrumento nº 688614-2. Apelação Cível nº 1165827-2, da Região Metropolitana de Londrina Foro Central de Londrina, 2ª Vara da Fazenda Pública. Apelante: Ministério Público do Estado do Paraná. Apelados: Câmara Municipal de Londrina e outro. Relator: Des. Luiz Mateus de Lima. Revisor: Des. Adalberto Jorge Xisto Pereira. DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO.PROCESSO DE CASSAÇÃO DE VEREADOR COM BASE EM INFRAÇÃO POLÍTICO-ADMINISTRATIVA. ALEGAÇÃO DE IMPEDIMENTO. OBSERVÂNCIA DO INCISO I DO ARTIGO 70 DA LEI ORGÂNICA DO MUNICÍPIO DE PIRAÍ DO SUL.IMPARCIALIDADE DO JULGAMENTO.a) Nos termos do inciso I do artigo 70 da Lei Orgânica do Município de Piraí do Sul, é impedido de votar sobre a denúncia e de integrar a comissão processante o vereador que tenha sido autor da denúncia por infração político-administrativa.b) No caso, Júlio Cezar Dalcol foi o Autor da denúncia por infração político-administrativa, visando à cassação do mandato do Impetrante, ou seja, a referida denúncia não foi proposta pela Vereadora Tânia Dátola de Mello, motivo pelo qual não há impedimento.c) Vale ressaltar, ainda, que, nos termos da Lei Orgânica do Município de Piraí do Sul, o fato de a Vereadora Tânia Dátola de Mello ter ajuizado Ação Popular pelos mesmos fatos que deram origem à denúncia por infração político-administrativa não a torna impedida de votar e participar da comissão processante.d) Isso porque, o ordenamento jurídico proíbe a afronta ao sistema acusatório, o que só ocorreria se a Vereadora Tânia Dátola de Mello ajuizasse a denúncia por infração políticoadministrativa e participasse da comissão processante, ou seja, fosse acusadora e julgadora no mesmo processo.e) Portanto, não houve ofensa ao artigo 70, inciso I, da Lei Orgânica do Município de Piraí do Sul, que veda a acusação e o julgamento da infração político-administrativa pela mesma pessoa, preservando-se a imparcialidade das decisões.2) SENTENÇA REFORMADA EM REEXAME NECESSÁRIO.REEXAME NECESSÁRIO N.º 1020424-7, DA COMARCA DE PIRAÍ DO SUL; Impetrante: ANTONIO EL ACHKAR; Impetrados: DALNEY JOSÉ MACIEL BUENO e MARCOS KRUBNIKI; Relator: Des. LEONEL CUNHA Contudo, é de se ter em consideração que o referido Decreto-Lei foi publicado em 27 de fevereiro de 1967, portanto sob a égide da Constituição Federal de 1967 e da legislação infraconstitucional vigente. Apesar de ter sido recepcionada pela Constituição Federal de 1988, hoje sua aplicação e interpretação deve ser feita sob as diretrizes da Constituição e legislação infraconstitucional vigente. Observe-se que ao se referir à natureza jurídica da infração político-administrativa, Hely Lopes Meirelles (1997, p. 571) ensina: Trata-se de um processo político-administrativo (e não legislativo), de natureza para judicial e de caráter punitivo, por isso mesmo sujeito aos rigores formais e à garantia de ampla defesa..... Portanto, em se tratando o processo de cassação de um verdadeiro procedimento administrativo, aplica-se a ele, subsidiariamente, as normas da legislação que especifica normas gerais do processo administrativo. Eis o que dispõe o art. 69 e o §1º do art. 1º da Lei Federal nº 9784, de 29 de janeiro de 1999: Art. 69. Os processos administrativos específicos continuarão a reger-se por lei própria, aplicando-se-lhes apenas subsidiariamente os preceitos desta Lei. Art. 1o Esta Lei estabelece normas básicas sobre o processo administrativo no âmbito da Administração municipal direta e indireta, visando, em especial, à proteção dos direitos dos administrados e ao melhor cumprimento dos fins da Administração. § 1o Os preceitos desta Lei também se aplicam aos órgãos dos Poderes Legislativo, quando no desempenho de função administrativa. A doutrina expõe sobre o assunto: Toda vez que houver uma legislação específica tratando de determinado processo administrativo, a lei 9784/99 será aplicada somente de forma subsidiária a este regramento. (CARVALHO, 2014, p. 1061) No mesmo sentido, Romeu Felipe Bacellar Filho (2013, p. 440-441), ao tratar do processo disciplinar ensinou sobre a utilização analógica da Lei Federal nº 9.784 de 29 de janeiro de 1999, quanto ao impedimento e suspeição, leia-se: Em boa hora, a Lei n. 9784/99 trouxe regras sobre impedimento e suspeição de autoridades administrativas que, por força do art.69, aplicam- se subsidiariamente aos processos administrativos especiais, como é o processo administrativo disciplinar. Assim, deve-se aplicar a todos os procedimentos administrativos os impedimentos e suspeições previstos nas leis que disciplinam o processo administrativo, mesmo quando não haja sua previsão na lei específica, diante da aplicação subsidiária da lei geral. No caso em tela pode se aplicar as Leis Municipais de processo administrativo, que semelhantemente a Lei Federal nº 9.784 de 29 de janeiro de 1999, em sua maioria dispõe as seguintes causas de impedimento e suspeição, vejamos: Art. 18. É impedido de atuar em processo administrativo o servidor ou autoridade que: I - tenha interesse direto ou indireto na matéria; II - tenha participado ou venha a participar como perito, testemunha ou representante, ou se tais situações ocorrem quanto ao cônjuge, companheiro ou parente e afins até o terceiro grau; III - esteja litigando judicial ou administrativamente com o interessado ou respectivo cônjuge ou companheiro. Art. 19. A autoridade ou servidor que incorrer em impedimento deve comunicar o fato à autoridade competente, abstendo-se de atuar. Parágrafo único. A omissão do dever de comunicar o impedimento constitui falta grave, para efeitos disciplinares. Art. 20. Pode ser argüida a suspeição de autoridade ou servidor que tenha amizade íntima ou inimizade notória com algum dos interessados ou com os respectivos cônjuges, companheiros, parentes e afins até o terceiro grau. Art. 21. O indeferimento de alegação de suspeição poderá ser objeto de recurso, sem efeito suspensivo. Como se vê, não há nenhuma hipótese específica e expressa, seja na legislação específica (DL 201/67) ou subsidiária (L9784/99), que estabeleça diretamente o impedimento ou suspeição do vereador servidor público, em participar da comissão processante de investigação e julgamento do prefeito. Mas, ao se referir sobre o impedimento de atuar em processo administrativo servidor ou autoridade que tenha interesse direto ou indireto na matéria, pode ser aplicado no caso vertente, sob o ponto de vista da interpretação de José dos Santos Carvalho Filho (2013, p. 140), ao afirmar o seguinte: será direto o interesse quando não houver dúvida de que a autoridade desejaria ver a matéria tratada de determinada forma e indireto resultará de uma série de indícios de que o agente receberá vantagem ou sofrerá prejuízo conforme a solução imprimida a matéria em questão. De sorte que, é de se reconhecer a ocorrência de impedimento sempre que a situação concreta gerar indícios de possibilidade de recebimento de vantagens ou de sofrimento de prejuízo. No caso sob estudo, o vereador servidor do Poder Executivo que atua em comissão processante que julga o Prefeito acusado, a quem está direta ou indiretamente subordinado, por manter vinculo jurídico com a Administração direta do Município, o qual é administrado pelo denunciado, pode receber vantagens ou de sofrer prejuízos. Indiscutivelmente, no caso de um voto contrário ao Prefeito, poderá, em tese, gerar uma perseguição funcional, enquanto que um voto favorável poderá gerar o recebimento de uma vantagem funcional, situações, que assente de dúvidas compromete a imparcialidade do Edil. Léo da Silva Alves (1999, p. 71) pondera que “Quem promove a instrução de um processo deve estar afastado de qualquer condição que possa reduzir sua liberdade de conduta ou que possa constranger sua ação.” Não bastasse isto, a manutenção de imparcialidade no julgamento de um procedimento administrativo ou judicial é pressuposto de sua validade e eficácia, por constituir um dos pilares do Estado Democrático de Direito. Desta feita, a imparcialidade e isenção no julgamento do procedimento administrativo assume tanta relevância que deve se reconhecer hipóteses de impedimento e suspeição, mesmo quando não arroladas na legislação administrativa pertinente, conforme leciona Ana Paula Oliveira Ávila (apud CARVALHO, 2011, p. 346), vejamos: Ana Paula Oliveira Avila encima de tal forma a importância da imparcialidade na atuação da Administração Pública que defende a possibilidade de arguição de hipóteses de suspeição administrativa pertinente. E Carvalho(2011, p. 346) arremata: De fato, casos haverá em que, a despeito de não ter sido expressamente previsto em lei, será evidente a inconveniência da atuação de certos servidores para a imparcial e isenta apuração dos fatos. No mesmo sentido, refere-se a lição de Waldo Fazzio Júnior (2007, p. 328): Malgrado o silêncio do Decreto-lei n. 201/67, é intuitivo que o Presidente da Câmara, seu representante legal, judicial e regimental, não pode integrar a Comissão Processante, incumbindo-lhe manter a imparcialidade magistral na direção do processo de cassação. Deverá agir como juiz fosse, porque como juiz deverá pronunciar-se a final. Ana Paula Oliveira Ávila (apud CARVALHO, 2011, p. 347) apresenta formas de parcialidade: A pessoal, que compreende a esfera de interesses pessoais sentimentais ou financeiros do agente público; a sistêmica, que se relaciona com as disposições do indivíduo pelo fato de ele pertencer a uma dada classe social, ou ter vida pregressa, trabalhar em certo segmento, a contaminar as ações e pontos de vista da pessoa. Além de todos os fundamentos apresentados, deve-se considerar também que um dos princípios que regem a Administração Pública é o da hierarquia, que segundo Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2010, p. 70) assim se explica: Em consonância com o princípio da hierarquia, os órgãos da administração Pública são estruturados de tal forma que se cria uma relação de coordenação e subordinação entre uns e outros, cada qual com atribuições definidas na lei. Na mesma senda Flávia Cristina Moura de Andrade (2012, p. 23) leciona: Os órgãos da administração Pública são estruturados, organizados com relação de coordenação e subordinação entre eles. Com base nesta disposição, os subordinados devem obedecer às ordens expedidas pelos superiores, salvo os manifestamente ilegais. Certo é que o Chefe do Poder Executivo Municipal, é o Prefeito, o qual encontra-se no ápice do organograma administrativo dos Municípios. Nesta qualidade, o Prefeito encontra-se na coordenação administrativa, como superior hierárquico dos servidores, que por sua vez, encontram-se na posição de subordinados. Assim, é evidente a relação de subordinação do servidor público em relação ao gestor público, ficando em condição passível tanto de favorecimento quanto de perseguição, razão pela qual a participação do servidor em comissão processante que julga seu superior hierárquico é no mínimo suspeita face ao temor que o cercará de contrariar seu chefe, o que macula a imparcialidade necessária. Portanto, a comissão processante deve ser formada por integrantes de grau hierárquico igual ou superior ao acusado, os quais, “livres de injunções políticas e conhecedores do serviço, oferecem a presunção de proceder sereno e competente” (BARROS JUNIOR, 1972, p. 182). Nesta senda, pode-se citar Antônio Carlos Alencar Carvalho (2011, p. 342) que afirma que “os membros do colegiado processante ou investigativo não podem ser hierarquicamente inferiores ou subordinados ao servidor sindicado ou acusado.” Marcello Caetano (apud CARVALHO, 2011, p. 342) destaca que “O instrutor deve ser escolhido entre funcionários de categoria ou classe superior à do arguido ou da mesma categoria com maior antiguidade.” Romeu Felipe Bacellar Filho (1998, p. 321-322) destaca que “devido à hierarquia, como base legal disciplinar, a imparcialidade exigirá a também que os servidores estáveis – componentes da comissão ostentem condição funcional igual ou superior à do indiciado.” Ivan Barbosa Rigolin (1995, p. 256) também endossa que mesmo no silêncio da lei, é de melhor alvitre que todos os membros da comissão sejam de nível hierárquico igual ou superior ao do acusado, evitando-se constrangimentos de um superior ser julgado por um inferior. Diógenes Gasparini (2000, p. 788) ensina que “os membros das comissões devem ser estáveis e de categoria hierárquica, no mínimo igual à do acusado.” Diante dos ensinamentos acima colacionados, assente de dúvidas é de se aplicar à formação de comissão processante o mesmo princípio aplicado ao procedimento administrativo, tendo em vista que o objetivo é o mesmo atender o princípio hierárquico como instrumento assecuratório da imparcialidade e isenção exigida para investigar e julgar alguém. Ora mesmo sendo Vereadores, continuam sendo servidores municipais, com vinculo jurídico com a administração direta e indireta, principalmente quando continuam no exercício das atividades de servidor, e nesta qualidade continuam, direta ou indiretamente, sob o poder hierárquico com o Prefeito, que é o gestor e atual Chefe do Executivo Municipal. Não bastasse isto, por fim, é de se argumentar que o art. 2º da Lei Federal nº 9.784 de 29 de janeiro de 1999, estabelece que a Administração Pública terá, dentre outros, atender o princípio da finalidade (impessoalidade). Art. 2o A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência. Romeu Felipe Bacellar Filho (1998, p. 201) aponta o reflexo do princípio da impessoalidade no processo administrativo em razão da exigência de imparcialidade da autoridade decisória, sob o fundamento do juiz natural que conceitua como: (…) autoridade imparcial, que julga com objetividade, sem paixão, de forma reta, justa, que não sacrifica a verdade ou a justiça em nome de conveniências particulares, abrangendo as autoridades que acusam, instruem ou proferem decisão no feito punitivo. Léo da Silva Alves (1999, p. 71), como já citado neste parecer, também se manifesta sobre o princípio da impessoalidade/finalidade e proclama: “Quem promove a instrução de um processo deve estar afastado de qualquer condição que possa reduzir sua liberdade de conduta ou que possa constranger a sua ação.” A imparcialidade é um princípio implícito no processo administrativo, de sorte que os julgadores devem ser imparciais e isentos no julgamento dos ilícitos administrativos, pois a imparcialidade esta ínsita na ideia de justiça, de modo que sua presença é necessária em toda a atividade de julgamento em qualquer área do Poder Público. Carvalho (2011, p. 264) ministra que: Autoridades e servidores impedidos ou suspeitos para exercer suas atribuições, em virtude de ostentarem algum tipo de circunstâncias pessoal ou motivo que lhes subtraia a plena isenção para apreciar a responsabilidade disciplinar do acusado, seja com a tendência de inocentar ou de culpar imotivadamente, não podem compor comissões processantes ou sindicantes, nem instaurar ou julgar processos administrativos punitivos ou sindicâncias. E diga-se que em se tratando de impedimento este é “objetivamente demonstrável, não dependendo da oitiva de sentimento ou independência psicológica ou emocional da parte do servidor considerado impedido, por força da lei.” (CARVALHO, 2011, p. 351) Não bastasse isto, é de se defender a aplicabilidade do princípio da moralidade no processo administrativo, o qual exige à atuação administrativa a lealdade e de boa-fé, ou seja, exige-se ética na atividade administrativa. Vejamos a lição de Romeu Felipe Bacellar Filho (2013, p. 198): A afirmação da moralidade administrativa como princípio da administração pública juridiciza a ética na atividade administrativa. Induz o conceito de boa administração, da moral administrativa especializada em face da moral comum. Parafraseando o Ministro Marco Aurélio, “o agente não só tem que ser honesto e probo, mas tem que mostrar que possui tal qualidade. Como mulher de Cesar.”(GRIFO NOSSO) Brilhantemente José dos Santos Carvalho Filho (2013, p.54), ao discorrer sobre o princípio da moralidade no processo administrativo afirma que o administrador deve se afastar de todos fatores de natureza pessoal que possam interferir no âmbito da moralidade de sua conduta, o que assente de dúvida aplica-se à formação da Comissão Processante. Assim como não se pode prescindir do princípio da legalidade, também é irrecusável o princípio da moralidade. Moralidade significa probidade, honestidade, respeito aos valores éticos e jurídicos da sociedade. Não se trata da moral como ciência pura, mas da moral jurídica em que os padrões de conduta se entremeiam com as normas legais. Na eterna lição de HAURIOU, cabe ao administrador distinguir o bem do mal, o justo do injusto, o lícito do ilício, o honorável do desonorável. Quando não o faz, incide em desvio de poder e dá ensejo à invalidação de sua conduta. No processo administrativo, como de resto em toda a sua atividade administrativa, a moralidade desempenha papel de extrema importância que deverá estar presente em cada decisão a ser proferida pela autoridade administrativa. Para perfeito atendimento ao postulado, cabe ao administrador abstrair-se de fatores de natureza pessoal que possam interferir no âmbito da moralidade de sua conduta. Tudo o que estiver sob sua competência deve ser desempenhado visando apenas o interesse público, porque é este, e exclusivamente este, o alvo a ser por ele buscado. Pelo exposto é de se concluir pela existência de impedimento na atuação do Vereador, servidor do Poder Executivo, na composição da Comissão Processante no procedimento de cassação do Prefeito, por violação dos princípios da imparcialidade, da impessoalidade e da moralidade, e neste sentido indispensável faz-se a citação do mestre Celso Antônio Bandeira de Mello (2010, p. 959): Violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma qualquer, a desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra. Isto porque, com ofendê-lo, abatem-se as vigas que o sustêm e alui-se toda a estrutura nela esforçada Quanto ao momento de arguição do impedimento, este deve ser arguido na primeira oportunidade que se apresenta para se manifestar no processo. De início, não se pode reconhecer interesse de agir de manifestar sobre impedimento de vereadores na peça denunciante, pois no sorteio determinado pelo art.5º, inciso II do Decreto-Lei nº 201/1967, tanto poderia ter sido constituído uma comissão sem a presença do Vereador servidor, quanto o próprio Vereador poderia assim se declarar. Além do mais, no momento do sorteio e constituição da Comissão Processante, em sessão plenária, não há previsão para manifestação do interessado deflagrador. Por outro lado, a efetiva constituição da comissão processante se dá com a expedição e publicação da portaria de sua constituição, quando de fato surgirá o interesse de agir de arguição do efetivo impedimento. Não bastasse isto, considerando a inexistência de previsão legal para manifestação processual do interessado deflagrador no reconhecimento do impedimento ou suspeição, deve ser apresentado no prazo razoável de 05 (cinco) dias (art. 24 da Lei nº 9784/99), a contar da publicação da portaria de constituição da comissão. Todavia, destaque-se que diante de reconhecimento da situação de impedimento não há margem de escolha da autoridade administrativa que nomeou, que estará diante de um ato vinculado de substituição do integrante impedido, eis o ensinamento de Carvalho (2011, p. 351): A autoridade administrativa que nomeou o acusado deve praticar ato vinculado de substituição do membro da comissão processante em situação de impedimento, sem margem para qualquer esfera discricionária de consideração sobre a conveniência e oportunidade de o servidor nomeado continuar a atuar nessa condição. Em caso de indeferimento da arguição caberá recuro no prazo de 10 (dez) dias (art. 59 da Lei nº 9784/99), que será encaminhado à própria autoridade responsável pela decisão recorrida, que na hipótese de sua manutenção, remeterá o processo administrativo à autoridade competente para reapreciação (art. 56, §1º, Lei nº 9784/99). Por fim, concluo que o fato do vereador ser servidor público do Poder Executivo local, e estar na ativa, sob a subordinação hierárquica direta do Prefeito denunciado, a sua atuação na Comissão Processante prejudica e macula os princípios da imparcialidade, moralidade, impessoalidade e hierárquico, gerando impedimento para atuar na respectiva comissão. Referências: ALVES, Léo da Silva. Questões relevantes da sindicância e do processo disciplinar. Brasília: Brasília Jurídica, 1999. ANDRADE, Flávia Cristina Moura de. Direito Administrativo. 6. Ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2012. BACELLAR FILHO, Romeu Felipe. Processo Administrativo disciplinar. 4. Ed. São Paulo: Saraiva, 2013. BACELLAR FILHO, Romeu Felipe. Princípios constitucionais do processo administrativo disciplinar. São Paulo: Max Limonad, 1998. BARROS JÚNIOR, Carlos S. de. Do poder disciplinar na Administração Pública. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1972. CARVALHO, Antônio Carlos Alencar. 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