A revolução da nanotecnologia
Ethevaldo Siqueira
Imagine tecidos que não molham, não sujam, nem mancham. São os nanotecidos. Ou
o alumínio, transformado num pó finíssimo, o nanoalumínio, que é um perigoso
explosivo. Ou o ouro nanométrico, que tem propriedades surpreendentes, a começar
de sua cor avermelhada. A prata em nanopartículas é um dos mais poderosos
bactericidas. Os nanocristais de óxido de zinco permitem a fabricação de telas ou
filtros solares invisíveis e que bloqueiam a luz ultravioleta.
No laboratório da USP trabalham 20 pesquisadores
doutores (PhDs), sob a liderança do professor Toma,
envolvidos na pesquisa e no desenvolvimento de
aplicações das propriedades revolucionárias dos
nanomateriais, nanopartículas e nanomoléculas. Esse
laboratório já conquistou mais de uma dúzia de
patentes apenas em 2010. A USP não é a única
universidade com pesquisas avançadas em
nanotecnologia. A Universidade de Campinas, a
UNESP, a Universidade Federal de Minas Gerais e a
PUC-Rio, entre outras, desenvolvem há alguns anos
seus projetos e revelam surpreendentes avanços nessa área.
O Brasil concentra hoje mais de 500 pesquisadores nesse setor de vanguarda. Na
indústria, a experiência brasileira já apresenta os primeiros bons resultados. A
Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) dispõe de um grande
laboratório especializado. Diversas empresas privadas dedicam-se a essa área, entre as
quais a Rhodia, a Brasken e a Plásticos Mueller, as três no Estado de São Paulo, além
de outras em todo o País.
No início, quase ficção
Nanotecnologia é a ciência das coisas muito pequenas. Nánnos é a palavra grega que
quer dizer anão. É a raiz etimológica de nanico, nanismo, nanocefalia e de palavras que
representam submúltiplos, como nanômetro, nanograma, nanossegundo, entre muitas
outras.
O mundo nanométrico é o das partículas que têm menos de 100 nanômetros ou 100
bilionésimos do metro. Um nanômetro (nm) equivale a um bilionésimo do metro
(0,000.000.001 m).
Imagine, leitor, a reação da plateia de cientistas, integrantes da Sociedade Americana
de Física, no Instituto de Tecnologia da Califórnia (Caltech), ao ouvir pela primeira vez,
há 51 anos, o físico norte-americano Richard Feynman falar das possibilidades da
nanotecnologia, no dia 29 de dezembro de 1959, em palestra cujo título era: Existe
muito espaço nas profundezas (There’s plenty of room at the bottom). A palavra
nanotecnologia, entretanto, foi cunhada pelo professor japonês Norio Taniguchi, em
1974.
Um dos recursos decisivos para o progresso da nanotecnologia foi a invenção do
microscópio de tunelamento por varredura por uma dupla de cientistas da IBM, o
alemão Gerd Binnig e o suíço Heinrich Rohrer, ganhadores do Prêmio Nobel de Física
de 1986. Esse microscópio tornou possível a manipulação de átomos e moléculas.
Contemplar a imagem de átomos nesse microscópio é uma experiência inesquecível e
de impacto.
Beleza e resistência
Uma das estruturas nanométricas mais interessantes são os nanotubos de carbono,
descobertos em 1991 pelo cientista japonês Sumio Iijima, e cujas propriedades são
surpreendentes quanto à leveza, resistência e condutibilidade elétrica. Como o
diamante, o grafite e o carvão, os nanotubos são formas alotrópicas do carbono que já
estão sendo empregadas na confecção de materiais de alta resistência e dispositivos
eletrônicos para sensoriamento.
O arredondamento dos nanotubos de carbono conduz aos fullerenos, que são
nanoesferas perfeitas nas quais os átomos
formam arranjos pentagonais e hexagonais, como
uma bola de futebol. A foto mostra o professor
Henrique Toma ao lado de um modelo de
fullereno. A beleza e funcionalidade dessas bolas
de carbono proporcionaram a seus descobridores
Robert F. Curl, Harold W. Kroto e Richard E.
Smalley o Prêmio Nobel de Química de 1996.
Além dessas nanoestruturas, o carbono ainda
forma filmes perfeitos denominados grafenos (foto).
Esses materiais são os condutores elétricos mais finos conhecidos atualmente, e suas
possibilidades de uso na eletrônica são imensas. Seus
descobridores, dois jovens pesquisadores russos Andre
Geim e Konstantinv Novoselov, atualmente na
Universidade de Manchester (Inglaterra), foram laureados
com o Prêmio Nobel de Física de 2010. Na USP, o
laboratório do professor Toma está associando essas
nanoestruturas de carbono com nanopartículas
magnéticas, o que amplia enormemente as possibilidades
de sua utilização.
O Brasil acumula diversos avanços e pesquisas nessa área,
porém estão sob cláusula de sigilo da Petrobrás. O professor Toma dispõe-se, “algum
dia, a falar a respeito”.
Natureza inspira quase tudo
Uma das maiores fontes de inspiração da nanotecnologia é a natureza. Eis alguns
exemplos visuais de natureza nano: as cores do arco-íris e das asas da borboleta, as
gotas de orvalho resvalando livremente sobre as folhas da planta loto (lótus), a forte
aderência das patas da lagartixa em superfícies lisas e o brilho iridescente das conchas
e madrepérolas. Que relação há entre eles? A resposta é simples: todos têm como
denominador algum fenômeno típico do mundo nanotecnológico, que explica não
apenas seu comportamento, mas também suas propriedades, a exemplo das cores
exóticas, dureza, repulsa à água e outras características.
Não é sem razão, portanto, que a maioria das
descobertas da nanotecnologia tem relação com
algum fenômeno da natureza. Vejamos o caso da
planta aquática loto. Sobre ela, gotículas brilhantes de
orvalho ou de chuva ficam dançando, pois a água não
consegue ficar parada sobre a superfície de suas folhas
e acaba carregando todos os detritos de sujeira, num
exemplo natural de material autolimpante. A indústria
aproveita essa propriedade para criar tecidos e outros produtos que repelem a água
ou por ela têm afinidade.
A nanotecnologia nos ensina a colorir sem pigmentos ou tintas, graças ao fenômeno da
difração da luz, produzido por materiais nanoestruturados. Esses materiais atuam
como uma rede de difração que só deixa passar a luz de um comprimento de onda que
coincida com o espaçamento das unidades repetitivas desse material, ou seja, múltiplo
deles.
Também nesse caso a indústria já trabalha com a utilização de cores nano, para
produzir revestimentos coloridos sem o uso de pigmentos. Ou com materiais que
mudam de cor por estímulos físicos ou químicos, como no chamado efeito camaleão,
propriedade que é empregada nos chamados cristais fotônicos, que exibem diferentes
cores em função de uma voltagem aplicada, para uso em propaganda, nos grandes
painéis externos ou outdoors.
Biomoléculas ou nanorrobôs?
Um velho sonho dos cientistas tem sido
produzir máquinas em escala molecular, ou
seja, nanorrobôs. O cientista norte-americano,
Eric Drexler, do Instituto de Tecnologia de
Massachusetts (MIT), um dos maiores
entusiastas das possibilidades da
nanotecnologia, foi um dos primeiros a sugerir
a construção dos nanorrobôs (na foto, uma
concepção artística). Ele imaginou a
construção de uma máquina montadora
universal, concebida para a manipulação de
átomos um a um, possibilitando a construção de estruturas e replicadores que fariam
múltiplas suas próprias cópias.
Até hoje, a ciência não conseguiu criar robôs em escala manométrica. E talvez não
venha a consegui-lo nos próximos 30 anos. A natureza, no entanto, tem algo melhor e
mais prático do que nanorrobôs, diz o professor Henrique Toma: “O melhor exemplo
de nanomáquina conhecida está dentro de nós: são as biomoléculas. São elas que
impulsionam a vida. Drexler não explorou adequadamente o fato de as menores
máquinas e sistemas de memória serem biológicos, como é o caso do DNA (ácido
desoxirribonucleico)”.
Rumo à nanoeletrônica
Por volta de 2025, a nanotecnologia ingressará no mundo da
eletrônica, ou melhor, da nanoeletrônica, com a produção de
nanochips, na era pós-silício. Conforme prevêem os
especialistas, em cerca de 15 anos, a microeletrônica chegará
aos limites da tecnologia de silício e precisará dar um grande
salto nanotecnológico para produzir chips ainda menores, mais complexos e mais
poderosos do que os mais avançados de hoje (foto). É provável que, nessa mesma
época, a ciência tenha criado as nanobaterias, capazes de fornecer 100 vezes mais
energia do que as baterias atuais.
Bem antes dos nanochips, teremos já em 2011 avanços como o
dos monitores de vídeo com a tecnologia dos LEDs orgânicos
(foto), ou seja, dos diodos orgânicos emissores de luz (OLEDs, de
Organic Light Emitting Diodes), que trarão nova beleza às
imagens de alta definição da TV digital.
Por volta de 2030, entretanto, o mundo deverá chegar à redução extrema das
dimensões dos componentes para a escala molecular. “Aí, então”, prevê o professor
Henrique Toma, “a nanotecnologia e a eletrônica deverão passar do mundo inorgânico
para o orgânico ou biológico.”
Adeus fibras ópticas
Num mostruário, o professor Henrique Toma exibe tubos e frascos com amostras de
nanopartículas de ouro, dissolvidas em água. Uma pequeníssima quantidade desse
líquido já dá a coloração avermelhada característica. A eletrônica do futuro deverá
utilizar muito esse ouro nanométrico, pois cada nanopartícula de ouro tem muitos
elétrons em sua superfície. Quando a luz incide sobre esses elétrons, eles se propagam
como ondas. É esse efeito da luz que produz o espalhamento luminoso, um fenômeno
fascinante aos olhos do cientista.
Outro efeito interessante ocorre quando duas partículas de ouro nanométrico se
juntam: a luz muda de cor e passa de vermelho para azul. Isso ocorre porque os
elétrons dessas partículas começam a trocar informações. Nesse momento, a luz se
propaga por intermédio dessas nanopartículas. É um fenômeno típico do estado de
plasma. “Prevejo, então”, diz o professor Henrique Toma, “que, num futuro próximo,
não usaremos mais fibras ópticas. Faremos um circuito de nanopartículas e a luz será
distribuída em todo o percurso delas.”
A grande vantagem do ouro nanométrico sobre a fibra óptica é que ele é fenômeno
químico, enquanto a fibra é uma coisa física, com certas limitações, como a falta de um
meio de controle, exceto mudar o percurso da luz.
Com o ouro nanométrico, podemos aprisionar a luz, desviá-la, multiplicar sua
frequência, mudar, portanto, sua cor. Poderemos fazer quase tudo que quisermos com
a luz.
As lições das conchas
Uma das paixões do professor Toma é estudar as conchas, que ele considera uma das
maravilhas da natureza. “Algumas têm pigmentos como o caroteno, o mesmo que dá a
cor avermelhada da cenoura. Como explicar a presença de um material orgânico numa
estrutura como essa, de carbonato de cálcio? É que existe uma camada orgânica muito
bem organizada nas conchas que faz os cristais de carbonato de cálcio se alojarem
dentro dessas estruturas, conferindo-lhes essa rigidez.”
O aspecto mais interessante desse material das conchas está no nacre, ou nacrita, uma
variedade de caulim, que, quando examinado ao microscópio, mostra toda a sua
nanoestrutura. E mais: pode ser substituído por fosfato (no lugar do carbonato de
cálcio), formando uma espécie de matriz óssea.
Sobre esse material tratado com fosfato, os cientistas fazem crescer células-tronco,
pois ele é um material natural, como se fosse um pedaço de osso.
Com ele, são feitos implantes, tanto para restauração óssea
quanto para a produção de células-tronco de várias tonalidades.
Até há pouco, a ciência não compreendia por que as conchas são
tão rígidas, nem por que elas exibem tanta variedade e tanta
mudança de cores, além de outras características.
Um inesperado mar de petróleo
A nanotecnologia poderá, talvez, duplicar a produção das jazidas de petróleo
conhecidas em todo o mundo. Mesmo naquelas consideradas esgotadas. Com a
tecnologia atual, a indústria não extrai mais do que 30% do petróleo das jazidas,
porque 70% do óleo permanece no subsolo, impregnado nas rochas, em especial
naquelas formadas de carbonato de cálcio (CaCO3), como um líquido dentro de
esponjas.
O Brasil prepara-se para retirar o máximo possível desses 70% de petróleo que ainda
permanecem nas jazidas. A USP desenvolve uma pesquisa, pioneira no mundo, que
pode ter impacto revolucionário, visando à retirada do petróleo contido nas rochas
porosas, com financiamento da Petrobrás.
E deverá conseguir esse objetivo graças a uma propriedade da magnetita, um minério
de ferro muito conhecido. Embora se pareça com os demais óxidos de ferro, só a
magnetita tem propriedades magnéticas que interessam para essa aplicação, porque
esse pó adere ao petróleo, que se transforma, assim, numa mistura magnética,
passível de ser atraída por um ímã. A ideia central dos pesquisadores da USP é extrair o
petróleo das entranhas porosas de carbonato de cálcio usando nanopartículas de
magnetita, ou um processo semelhante.
Será algo como usar um superímã, que, aliás, já existe. O minério sintetizado, em
nanoescala, como um pó finíssimo, apresenta um grau de magnetização
extremamente elevada.
Aplicações do superímã
Além da possibilidade de viabilizar a extração de petróleo das rochas porosas, esse
nanopó de magnetita deverá ter grandes aplicações em biotecnologia e medicina.
Um dos problemas da engenharia genética hoje em dia é o reaproveitamento das
enzimas após a catálise. Não há como recuperar a enzima. Ela fica no meio daquela
massa. A solução encontrada consiste em imobilizar a enzima nessas partículas de
magnetita. No final, concluído o processo catalítico, a enzima é capturada com um ímã
minúsculo, para ser usada novamente em outro processo.
Se o pesquisador conseguir usar duas vezes a enzima, seu preço cairá pela metade. Se
conseguir utilizar dez vezes, o custo será de um décimo do atual. Do ponto de vista
econômico é algo extraordinário.
Na medicina, uma aplicação possível será usar esse pó magnético para conduzir,
orientar e controlar a liberação de medicamentos, para que eles atuem em locais
específicos do corpo humano. Ou para ação prolongada em determinado órgão ou
local do organismo, pelo tempo necessário. Vale lembrar que o óxido de ferro não
causa nenhum dano ao paciente, pois o organismo o elimina.
Esse nanopó magnético já é usado para melhorar a imagem dos exames feitos por
tomografia. A resolução torna as imagens até 100 vezes melhores do que as
convencionais. A USP já patenteou tanto o processo quanto o pó nanométrico de
magnetita, desenvolvidos nos laboratórios do Instituto de Química da USP. Seu preço
não ultrapassa alguns centavos por grama. Em breve ele substituirá o material hoje
utilizado, muito mais grosseiro, e que custa cerca de US$ 1.700 (ou R$ 3 mil) por
mililitro. Uma enorme economia.
Pesquisas em curso no Hospital das Clínicas de São Paulo testam outras aplicações
possíveis desse pó nanométrico de magnetismo em medicina, inclusive no diagnóstico
de células cancerosas.
Um sensor sobre a pele
Outra experiência em medicina é a do uso de nanofios, como
sensores, sobre a pele. Se apanharmos dois nanofios de carbono e
os colocarmos na pele, o paciente nem sentirá. Os fios entram em
contato com todo o sistema sanguíneo, sensoriam açúcar e
oxigênio, medindo sua concentração. O mais interessante, no
entanto, é que o oxigênio e o açúcar que existem no sangue são
suficientes para alimentar uma célula de combustível (nanobateria),
que pode ser colocada como se fosse um pequeno selo sobre a
pele. Qualquer dispositivo que houver nesse selo funciona com a energia do próprio
organismo.
Esse selo pode fornecer muitas informações sobre nosso organismo, como
temperatura, teor de aminoácidos, teor de açúcar. Ou seja, esses sensores poderão
dizer como está nossa saúde. A energia para esse selo funcionar será fornecida por
essas biocélulas de combustível.
Nanotecnologia e biotecnologia constituem uma aproximação muito promissora.
Graças às técnicas nano, os cientistas já podem conhecer com muito maior segurança
e rapidez as informações contidas no DNA, bem como decodificá-las, crivá-las,
remendá-las e enxergá-las. Nada disso é ficção, pois essas nanoferramentas já existem.
A prata que salva milhões
Como revestimento antibacteriano na face interna dos potes, talhas e moringas de
cerâmica, a prata coloidal salvou milhões de vida no Brasil e no mundo. Essa técnica,
denominada processo Salus de esterilização da água, foi introduzida por Robert
Hottinger, professor de bioquímica da antiga Escola Politécnica, que atualmente faz
parte da USP, nas décadas de 1910 e 1920, muito antes que o mundo soubesse o que é
nanotecnologia.
A USP vem aprimorando ainda mais esse processo, incorporando a prata a membranas
de plástico (polímero). É curioso o fato que o revestimento criado por Hottinger
acabou em desuso nas últimas décadas, provavelmente porque muita gente se
recusava a comprar os potes e moringas de barro revestidos com tinta de prata
coloidal, por achá-los feios devido à sua cor interna preta.
Hoje, as nanopartículas de prata estão retornando, incorporados em películas e
recipientes de plásticos, exatamente por causa de sua propriedade antibacteriana.
Nessa forma, a suposta toxicidade decorrente da exposição a pequenos teores de
prata tem sido por vezes questionada, principalmente por órgãos reguladores, como a
Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). O professor Toma lembra,
entretanto, que os talheres e utensílios de prata sempre foram empregados no uso
doméstico, sem maiores consequências.
Os plásticos ou polímeros antibacterianos, embora contenham menos de 1% de prata,
podem fazer a assepsia total de tudo que for colocado sobre sua superfície. É algo
muito econômico. Além de estar impregnada no polímero, a prata impede a formação
do biofilme, no qual as bactérias se alojam.
A indústria poderá produzir com vantagem saquinhos de plástico reutilizáveis, para
viagem, frascos e embalagens para leite, saquinhos de soro e outras bolsas plásticas
que garantem a esterilização total desses utensílios e maior durabilidade.
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