Segregação Dinâmica: Modelagem e Mensuração1 Vinicius de Moraes Netto Romulo Krafta Programa de Pós-Graduação em Planejamento Urbano e Regional Universidade Federal do Rio Grande do Sul ÍNDICE SUMÁRIO 1. Introdução 1.1. Crítica das abordagens usuais 2. Representação do panorama social urbano e das formas de apropriação das classes 2.1. Dinâmica das atividades sociais - descrição das rotinas 2.2. Lógicas das formas da apropriação 3. As redes de apropriação social 3.1. Simplificação do quadro social: macro-atratores 3.2. Modelagem da atratividade para o cenário de movimentação social 3.3. Redes de movimentação das classes em função das formas de deslocamento 4. Segregação social e o grau de sobreposição das redes 4.1. É possível modelar o contato entre as classes? 5. Processo algorítmico da modelagem 6. Mensuração do Nível de Segregação Urbana 6.1. Cálculo da segregação de cada trecho axial (trechos de rua) da cidade 6.3. Cálculo da segregação de cada macro-atrator urbano 6.4. Etapas do cálculo da segregação total dos macro-atratores 6.5. Grau de segregação total do sistema urbano (trama de espaços públicos e macro-atratores) 7. Conclusões: O modelo como representação da dinâmica da segregação REFERÊNCIAS SUMÁRIO O fenômeno da segregação urbana pode ser observado nas sociedades caracterizadas por profunda divisão social, como as cidades brasileiras, moldadas pelo mecanismo da segregação social de ordem econômica. A presente pesquisa oferece uma abordagem alternativa para a visão da segregação como processo de afastamento entre classes pela constituição de áreas ou zonas de habitação segregadas: coloca a segregação urbana no panorama de apropriação social sobre a macro-estrutura da cidade; assim, a movimentação e as atividades dos indivíduos podem ser vistas como componentes do processo de segregação. O modelo estabelece, a partir da localização das atividades e habitação, as rotinas de deslocamento e atividade diferenciadas por critério de níveis de renda. As rotinas são constituídas através da montagem da estrutura de percursos/dia típica de classe, em função das diferentes lógicas de percurso e formas de deslocamento (pedestre, veicular privado e coletivo). O tratamento dos atratores (locais de atividades de demanda de fluxo de pessoas) a partir do modelo de centralidade (Krafta, 1991) como locais de destino gera a teia de fluxos intra-urbanos, constituída pela sobreposição das ações de cada indivíduo do sistema urbano no tempo e no espaço da cidade. A separação da teia em redes tipificadas por renda permite a composição das redes dinâmicas sociais distintas, que podem ou não se valer dos mesmos espaços urbanos. A segregação social é assim 1 Este artigo foi originalmente publicado em Netto, V.M. & Krafta, R. (1999) “Segregação dinâmica urbana – modelagem e mensuração” In Revista Brasileira de Estudos Urbanos 1, Vol.1, p.133-152 (ANPUR, Unicamp SP). observada na incompatibilidade ou pouca sobreposição entre as diversas redes dinâmicas em um mesmo espaço urbano, conformando-se assim como fenômeno dinâmico. Esta visão da segregação não como áreas segregadas mas como apropriação dos espaços públicos (locais atratores e trechos axiais de deslocamento) possibilita mensurar o quanto uma cidade é segregada. O modelo mostra o panorama e o nível de segregação urbana, visualizados e mensurados em função do grau de sobreposição das redes (o mapa físico dinâmico da segregação). A medida é gerada pela ponderação da quantidade e comprimento de trechos axiais e atratores apropriados pelas diferentes classes em função da natureza dos usos resultando na propriedade do grau de segregação urbana. ABSTRACT: Social segregation can be observed in societies marked by deep social division. The present work intends to propose a different approach to the phenomenon, usually analised as social distance motivated by segregated areas production. The work treats segregation over urban macrostructure, and incorporate the social movement and activity. The model states upon the dwellings and activities location, the routines of movement (pedestrian, collective or private vehicular forms). The concept of attractors (places of activity) based on the centrality model and (Krafta, 1996) , which demand social flow, generates the complex web of individual appropriation of the urban system. The separation of the web in networks of class appropriation defined by specific income levels generates the notion of social segregation as different dynamic networks, barely superimposed. The whole process gives a dynamic view on the phenomenon. The notion of segregation not as segregated areas but as segregated appropriation on urban spaces (grid and attractors) permits to measure the level of segregation of a town, upon the level of superimposition of the different networks over the same urban macrostructure – resulting in the property of Urban Segregation Level. 1. INTRODUÇÃO O presente trabalho traz os aspectos operacionais referentes a forma como seria possível abordar de maneira analiticamente mais precisa e descritivamente mais ampla o fenômeno da segregação social. Descrições mais acuradas da base conceitual e outras considerações que complementam as aqui desenvolvidas estão tratadas em outro trabalho também submetido a este VIII ENANPUR, com o título de “Retrato dinâmico da Segregação Urbana: Lógicas de Apropriação para uma Mecânica da Segregação”. 1.1. Crítica das abordagens usuais A base conceitual da idéia de segregação dinâmica está na possibilidade e na necessidade de superar as usuais visões de abordagem teórica e respectivas medições, que de fato parecem dizer pouco sobre o fenômeno. Ao passo em que consistem em visões estáticas referentes à áreas relativamente homogêneas de habitação e atividade, não parece ter poder descritivo o bastante para servir de instrumento para informar sobre o nível de contato entre os indivíduos do sistema urbano, considerando que as pessoas usualmente se deslocam para atividades sobre toda a estrutura urbana, informando aparentemente pouco à respeito do real panorama das relações sociais da cidade: os locais onde ocorrem as atividades e interação social, movimentação e as rotinas de trabalho, consumo e lazer. Os zoneamentos definidos nesta abordagem, ainda que sejam úteis como elemento de demonstração das desigualdades sócio-espaciais, aparentemente tem pouca extensão para gerar políticas urbanas de aproximação de classes, por não capta analiticamente os componentes das dinâmicas sociais que geram as demandas de movimento e contato potencial, não demonstrando a mecânica sistêmica que envolve seus componentes, que de fato instalam o problema. As medidas de índice de “clustering” (grau de homogeneidade e forma da área segregada) são importantes sob alguns aspectos como o de prever possibilidades de crescimento destas zonas, como as técnicas de celular autômata, sendo representativos das diferenças de locação das classes, mas apresentam-se limitados enquanto índices da repercussão da segregação na dinâmica social de uma cidade. 2. REPRESENTAÇÃO DO PANORAMA SOCIAL URBANO E DAS FORMAS DE APROPRIAÇÃO DAS CLASSES A representação dos processos de relacionamento dinâmico entre as atividades sociais e o plano físico disposto no território, assim como relacionamento entre os elementos físicos em si (Conzen apud Krafta, 1994) é representado pelo conceito de centralidade (Krafta, 1991; 1994). A centralidade é uma propriedade morfológica referente a atratividade entre “matéria urbana”, isto é, a relação entre as formas construídas (arquiteturas) de um sistema urbano. As formas construídas apresentam tensão entre si por consistirem em locais de atividade ou de conteúdo social. O processo de interação espacial entre as formas construídas envolve a interação de todas as formas construídas entre si, como uma combinação de conjuntos de pares ligados pelos espaços públicos da cidade. A centralidade enquanto propriedade morfológica consiste na propriedade dos espaços públicos de estarem posicionados como menor caminho entre todos os conjuntos de pares de formas construídas do sistema urbano, e se relaciona ao grau de interação ou tensão de cada forma construída com todas as demais (Krafta, 1994). A tensão entre duas formas construídas é distribuída entre os trechos de espaços públicos (ou linhas axiais – decomposição do comprimento da rua no maior número possível de retas interligadas, representando as inflexões do traçado da rua que fazem parte das rotas possíveis entre formas construídas). Assim, os menores caminhos assumirão valores de tensão mais elevados que caminhos mais longos, sendo definidos como espaços mais centrais entre o conjunto de pares. A tensão total de cada espaço axial é o somatório de todas as parcelas de tensão alocadas a ele na relação entre as formas construídas (Krafta, 1994). O sistema de interação entre as variáveis morfológicas de um dado conjunto corresponde ao sistema de atividades urbano. Essa abordagem analítica da estrutura urbana toma cada arquitetura como local de atividade ou atrator. A cidade como estrutura de viabilização de atividades de diversas naturezas pode ser representada por um sistema de locais de origem (habitações) e os locais que amparam as atividades (atratores). A diferenciação dos pontos como sendo de origem ou destino corresponde a lógica de relação entre formas construídas como sendo pontos de oferta e de demanda de serviços ou bens de alguma natureza. Assim, o conjunto total de formas construídas de uma cidade é inicialmente dividido em dois subconjuntos. Entre os elementos dos dois conjuntos oferta-demanda ocorre a tensão de interação espacial potencial, descrita na alcançabilidade dos menores caminhos possíveis (Krafta, 1996). A formação de pares é orientada para descrever de forma mais acurada o sistema de atividades da cidade, como um sistema de atratividade entre locais de demanda (habitações). A divisão do conjunto de formas construídas em pontos origem-destino coloca a possibilidade de assumir a tensão morfológica original da centralidade como uma analogia ou aproximação à idéia de fluxo social, considerando que os atratores demandam certo nível de movimento entre si e os pontos de origem. A relação de tensão entre pontos é relativamente análoga ao caráter de fluxo “potencial”, porque a tensão consiste na possibilidade de alcance entre cada local de habitação para todos os locais de atividade, e de cada local de atividade para todos os locais de habitação, condicionado pela lógica dos menores caminhos possíveis. Entretanto, para a analogia ganhar precisão, a representação do fluxo deve possuir outros componentes observáveis no fenômeno real além da alcançabilidade e localização topológica: um local de atividade tem eventualmente maior atratividade que outros sobre um conjunto de pontos de origem, como função de seu porte e natureza das atividades desenvolvidas. A maior carga de um atrator em relação à concorrência e a sua área de influência provoca alterações e heterogeneidades no conjunto de interações possíveis entre formas construídas. A segunda característica se relaciona à composição de pares temporariamente fechados de habitação e atividade, isto é, considerar que cada local de habitação se relaciona apenas à determinados locais de atividade ao dia (variável conforme classe, como veremos a seguir). Se considerará aqui apenas a primeira característica referente a carga de cada atrator como função do número de pessoas ao utilizá-lo ao dia; a característica da interação seletiva ou “casamento” de pares exige formas distintas de modelagem das utilizadas neste trabalho, e é objetivo para futuro desenvolvimento. Na compreensão da dinâmica das atividades e do modo como esta se insere no processo produtivo da sociedade, a cidade pode ser imaginada como um organismo onde, sobre uma base física que viabiliza fluxos e deslocamentos de pessoas e produtos de consumo, os indivíduos deste sistema vem e vão, executam tarefas, utilizam lugares para interação e convívio, para consumo de alimentos e bens. A cidade é o cenário desta multiplicidade de ações. Cada ação individual é inserida no processo de produção, que altera virtualmente todo o sistema da sociedade. Assim, o produto que um indivíduo consume é manufaturado em um local que demanda a mão-de-obra de outros indivíduos, os quais viabilizam suas atividades através da renda obtida, permitindo seu próprio consumo em outros locais de venda, e assim sucessivamente – um processo de elevada complexidade que se entrelaça em diversas escalas, materializado no próprio giro da moeda no mercado de produção e consumo. A ação do indivíduo é sistêmica, amarrada a todas os demais; sua ação pode envolver qualquer uma das áreas da produção, interferindo como subproduto indireto outros processos individuais. Esse emaranhado de ações dos indivíduos na cidade, entretanto, pode ser compreendida através de representações que preservem, ainda que de forma análoga, a lógica complexa da quantidade de elementos envolvidos e das relações processuais entre estes. Compreender o panorama social significa apreender essa complexidade sistêmica ao ponto de podermos representá-la, e confrontar essas representações teóricas com o fenômeno. Tal quadro social pode ser simplificado como um conjunto de atividades desenvolvidas em diversos locais da cidade, os quais demandam a movimentação de indivíduos a partir dos locais de habitação. As atividades e movimentações intra-urbanas consistem numa substancial parte da dinâmica social de uma cidade, se considerarmos que todos esses locais são utilizados para o desenvolvimento das relações sociais, envolvendo níveis específicos de contato e de interação em cada um deles. Estes são basicamente: 1 - locais de consumo e lazer: envolve alimentação, eventualmente consumo de bens e vestuário, atividades de lazer como, bares, espaços públicos abertos (praças, feiras, espaços de esportes, rua), cinemas, shopping centers, teatros, escolas de samba, etc. sob o ponto de vista do usuário consumidor, variável em espécie e quantidade em função de classe social e poder aquisitivo; 2 - locais de prestação de serviços sob o ponto de vista do usuário: como escritórios, hospitais, postos de saúde, etc.; 3 - locais de trabalho ou estudo sob o ponto de vista do trabalhador ou estudante: como locais de comércio (incluindo os anteriormente descritos), fábricas, escritórios de prestação de serviço; escolas, universidades, etc.; 4 - locais utilizados como distribuidores de fluxo social, como paradas de ônibus, terminais rodoviários, estações de metrô, aeroportos, etc. sob o ponto de vista do usuário. 2.1. Dinâmica das atividades sociais - descrição das rotinas As lógicas de fluxo na cidade se relacionam principalmente as possibilidades de menor caminho entre dois pontos a partir das diferentes formas de transporte. As movimentações típicas se referem a certos exemplos de movimentação entre o conjunto de locais de atividade e os de habitação. Nesse sentido tende a haver sempre um grau de funcionalidade na dinâmica de fluxos e atividadesi[i] às quais o cidadão está envolvido. À princípio podemos considerar a movimentação das pessoas na cidade em tipos: deslocamentos entre o local de habitação para o de trabalho ou estudo, para locais de consumo e lazer, para locais de prestação de serviço ou ainda de distribuição – e os movimentos resultantes da combinações destes locais. Essas categorias devem enquadrar qualquer atividade. Deslocamentos funcionais típicos de classes sociais Os objetivos de deslocamentos são semelhantes para as classes sob estudo. Tanto o indivíduo de baixa renda quanto de média e alta renda (CM/A) mais comumente sai de sua casa até o local onde desempenha suas atividades. Na CM/A existe a possibilidade de desempenhar o trabalho no próprio local de habitação, enquanto que o trabalho para o indivíduo CB tende a ser fixo à estrutura de produção (por geralmente fornecer trabalho físico). Grosso modo, podemos considerar a estrutura “habitação/trajeto/local de trabalho” independentemente do grau de fragmentação axial do percurso do trajeto. Análogo para o lazer, a principal diferenciação para classes distintas está no maior número de lugares que o indivíduo de CM/A pode utilizar no mesmo período de tempo que o indivíduo de CB, em função de suas facilidades de deslocamento e facilidades econômicas de consumo. As rotinas de lazer da CM/A envolvem uma gama de locais provavelmente maior que para a CB; daí a importância e demanda do uso do automóvel para deslocamentos entre pontos. Rotinas de uso do espaço urbano Atividades e deslocamentos diários: A fixação das faixas de tempo e do número de atividades de consumo conformadas para o espaço disponível do dia. Tanto as atividades de produção quanto a de consumo tendem a se realizar em faixas de tempo relativamente delimitadas. A rotina observável consiste, grosso modo, em atividades voltadas para o trabalho, acompanhamento dos filhos e suprimento no período de segunda a sexta-feira, e atividades de lazer no fim de semana. Mesmo relativamente flexível e variado, este parece o molde mais freqüente. 2.2. Lógicas das formas da apropriação Análise a partir dos espaços axiais (trechos retilíneos de espaço público) percorridos: Deslocamentos urbanos típicos da classe de média renda: Longas movimentações típicas de classes média a alta podem utilizar a princípio todas as ruas da cidade. Os usos mais freqüentes se relacionam à posição relativa dos diversos locais de atividade que compõem as rotinas diária, semanal, mensal e demais movimentações que escapam à padrões de repetição periódico. A flexibilidade de movimentação e o relativamente alto número de atividades desempenhadas ao dia, semana, etc. amplifica as possibilidades de disposição do tecido urbano. A localização das atividades não é necessariamente próxima às residências (ainda que a proximidade seja desejável, não será empecilho de uso ou critério de redução significativa do número de atividades). Deslocamento veicular: tende a ser complexo, com o percurso de quantidade relativamente alta de espaços axiais urbanos (relativamente análogo a um trajeto pedestre). Diferente do percurso pelo transporte coletivo, as distâncias percorridas pelo veículo individual não se dão basicamente numa única via principal, devido a possibilidade de combinações e de formação de trajetos pessoais. O uso do automóvel permite relativa economia de tempo, e sem a obrigatoriedade dos longos trajetos por uma linha axial, o percurso até o destino tende a ser mais direto, aumentando a facilidade de deslocamento sobre a trama urbana. Deslocamento pedestre dos indivíduos de classes de média e alta renda: limitadas a raios curtos em relação à residência; a dependência (e por conseqüência o uso dos espaços abertos é menos freqüente que o dos grupos de menor renda, que utilizam mais intensamente os espaços abertos como locais para interação social. As atividades e os cenários da interação social para grupos de renda mais alta, por haver a possibilidade de escolha e longos deslocamentos, não dependem de proximidade espacial, sendo escolhidos sobre amplas áreas o tecido urbano, cujo acesso é incorporado na rotina de movimentação. Deslocamentos urbanos para indivíduos das classes de baixa renda tenderão à se limitar aos espaços percorridos pelas linhas de transporte coletivo disponível, que consiste numa espécie de segunda malha de apropriação com acessos a malha de espaços públicos determinados (paradas de ônibus), que estabelecem locais de influência da parada sobre trechos de tecido para acesso pedestre. Atividades de trabalho e passeio eventual ocorrerão segundo essas possibilidades. percurso da rota de transporte coletivo: Trajeto linear pré-determinado e fixo pelas rotas do transporte coletivo. Grande parte dos trajetos se dão nas vias principais de distribuição, radiais e transversais. A configuração física do trajeto tende a ser linear. As trajetórias são fixadas e os espaços percorridos estão limitados basicamente às radiais e trechos iniciais e finais de trajeto específicos do bairro. O trajeto deve procurar ser o mais direto e reto possível (por economia de consumo de combustível, desgaste de equipamento, tempo da viagem, relação viagem/número de passageiros, etc.), seguindo a posição e geometria das radiais ao centro, e vice-versa. A apropriação dos espaços urbanos com a variação e combinação de linhas segue restrita às vias de transporte. A quantidade de espaços percorridos é limitada à esses espaços, variáveis no limite do tempo/dia gasto para deslocamento e em função da composição de trajetos radiais. O percurso dos espaços urbanos é dependente da existência dos trajetos de transporte coletivo que superem as distâncias entre local de moradia e de trabalho, e do cobrimento da rede de transporte à malha urbana. É freqüente que se localizem entre as vias principais de acesso intra-urbano áreas habitacionais menos servidas por transporte coletivo de acesso possivelmente mais dificultado sem o uso do automóvel. Deslocamentos pedestres do indivíduo de baixa renda: O movimento pedestre para classes de baixa renda serão freqüentemente restringidos pelas grandes distâncias urbanas típicas das metrópoles, contendo-se assim às raios relativamente curtos de poucos quarteirões em torno do local de habitação. Atividades de consumo, lazer, contato e interação social tenderão à ocorrer na área limitada usualmente por essas características. Trecho percorrido da habitação até o local da parada do ônibus, de poucas quadras: o raio de caminhada em todas as direções a partir do ponto de tomada de ônibus não excede normalmente poucas quadras (em função da cobertura das linhas de ônibus aos bairros). Estes deslocamentos pedestres consistem de trechos de espaços axiais (trechos de ruas) percorridos relativamente fragmentados. Esse caminho de fragmentos axiais dos espaços do bairro são montados individualmente, da habitação até o local do transporte. À grosso modo, um número maior de encontros entre pessoas tende à ocorrer quanto mais próximo à parada. 3. AS REDES DE APROPRIAÇÃO SOCIAL 3.1. Simplificação do quadro social: macro-atratores O quadro social de uma cidade poderá ser descrito suficientemente mesmo se não considerar a presença de todos os atratores do sistema urbano, como pequeno comércio de uso local com baixa demanda de fluxo. O panorama de fluxos sociais sobre a macro-estrutura urbana, usualmente não captados pela abordagens usuais à segregação, é condicionada substancialmente pelos macro-atratores, atratores estruturadores dos movimentações sociais. Em outras palavras, poucos equipamentos urbanos estruturam as rotinas sociais de grande parte da população, enquanto cenários para suas atividades de trabalho, consumo, lazer, etc. Esses equipamentos urbanos, por serem responsáveis por essa estruturação de fluxos - enquanto atratores/distribuidores (como paradas de ônibus) ou grandes equipamentos utilizados por largas partes da população (como universidades, shopping centers, certas praças, etc.) – parecem portanto capazes de descrever com razoável representatividade as rotinas de movimentação e atividade das populações Os macro-atratores demandam fluxo de pessoas de classes distintas para desempenhar as funções referentes à estrutura de posições de trabalho e a função de consumo. Dessa forma, classificar atratores por público alvo é um elemento importante na consideração de um modelo de movimentação social que capte e demonstre as diferenças de movimentação e rotinas entre as populações das classes sociais. 3.2. Modelagem da atratividade para o cenário de movimentação social O modelo consiste, conforme visto, em uma aproximação ao panorama de fluxos entre os pontos de origem, de destino e distribuição de uma cidade. Descrito o conjunto de pares O-D que compõem as redes de apropriação das classes, o modelo espalha a carga de movimento (atratividade) demandada por cada macro-atrator sobre a estrutura de espaços públicos. A tensão inicial de centralidade distribuída para os trechos dos caminhos possíveis entre cada par O-D (Krafta, 1994; 1996) desse modo ganha o “reforço” da influência do macro-atrator no cenário de movimentação, definido através do uso da quantidade de pessoas à utilizá-lo como parâmetro de demanda de fluxo. Cada macro-atrator considerado é introduzido no processo de modelagem com um “peso” referente a sua capacidade de gerar demanda de fluxo. O peso é simplesmente o dado do número médio de pessoas ao dia à utilizar o ponto como local de atividade. Ao considerar o conceito de macro-atratores, esse dado não requer o levantamento de uma massa grande de dados - tratam-se de atratores estruturais das rotinas sociais, presentes em um número relativamente pequeno face ao grande número de pontos do sistema. Como no modelo de centralidade, o peso de atratividade é distribuído entre os trechos que compõem todos os menores caminhos aos pontos de origem. Atratores de capacidade variada distribuirão maiores ou menores valores à esse trechos de espaço público, carregando os trechos axiais recebem o valor de atratividade referente a sua proximidade para cada atrator do sistema. Assim, grandes atratores como shopping centers carregarão consideravelmente a estrutura viária e os pontos de origem próximos à ele (à poucos passos topológicos). Cada atrator relaciona a todos os origens, e cada origens a todos os atratores. A maior carga de um atrator em relação aos demais provoca alterações e heterogeneidades no conjunto de interações possíveis entre formas construídas. O quadro final dessas influências de atratividade termina por ser bastante complexo, onde cada ponto interfere sobre o panorama geral – atendendo aos princípios teóricos da noção de sistema. A capacidade de demanda de um macro-atrator representa seu nível de influência sobre os pontos de origem, e portanto pode servir como relação para chegarmos à noção de carregamento de fluxo no caminho entre eles. A atratividade é tratada como medida de quantidade de pessoas a usar o atrator. A distribuição desse valor no trajeto para os locais de origem pode ser considerada um parâmetro da quantidade de pessoas a se movimentar naquele trajeto. O valor de atratividade distribuído nas pareações de um atrator para conjunto de pontos de origem, entretanto, se mantém na tensão entre cada par - sendo dividido apenas internamente nos trechos entre cada para O-D. Assim, todo atrator tem uma mesma área de influência – que muda apenas na intensidade definida pela atratividade considerada. Para o valor de atratividade de um local sobre os demais ser utilizado como medida de fluxo mais próximo ao real, seu valor deve ser dividido entre todos os caminhos possíveis ao conjunto de locais de destino. O modelo nesse estágio de desenvolvimento operará com o parâmetro de atratividade, para efeito de simulação aproximada do panorama de movimentação. A co-presença de classes simultaneamente no mesmo local (ainda que sob papéis distintos) é considerada na atração exercida pelo local como uma aproximação de sua importância no cenário de trabalho e consumo no contexto urbano. Assim, a atratividade é considerada na modelagem tanto para a categoria e classe de consumidores quanto para a categoria/classe de trabalhadores a utilizar o atrator. Dessa forma, cada atrator é considerado como local de contato potencial entre classes distintas. 3.3. Redes de movimentação das classes em função das formas de deslocamento O posicionamento dos macro-atratores de transporte público, de consumo e trabalho definidos por classe e atratividade, e atrelados à malha de espaços públicos da cidade, gera as redes de movimentação segregadas a partir da sua alcançabilidade aos locais de habitação. Redes de transporte público e movimento pedestre para grupos de baixa renda A rede de transporte é modelada como uma segunda rede de movimentação intraurbana, de forma a ser selecionada e utilizada para deslocamentos longos entre pontos de origem e destino frente a possibilidade de deslocamentos pedestres. A demanda de fluxo gerado por um macro-atrator é condicionada pela sua posição em relação à trama de transporte coletivo, responsável pela parte mais significativa dos acessos intra-urbanos para populações de baixa renda. O acesso destas populações aos locais de atividade serão modelados com os mesmos critérios da cidade real: locais próximos à habitação podem ser percorridos com movimento pedestre; locais mais facilmente acessados através das linhas de transporte serão “cooptados” pelas paradas ou estações (atratores de distribuição de fluxos de pessoas) inseridas no modelo, utilizando os trajetos e composição de linhas mais curto entre pontos de origem-destino, com o uso das paradas ou estações mais próximas ao destino. O modelo efetua a pareação entre cada habitação e atividade definidos como CB. Em seguida, testa possibilidades de menores caminhos tanto para a trama de espaços públicos utilizadas na rede de movimento pedestre quanto para a rede de transporte coletivo. A distância topológica (número de espaços axiais) entre o local de origem e o macro-atrator de atividade para ambas as redes é comparada. Assim, para locais distantes, a tendência de uso da rede de transporte público é maior. A relação entre a rede de trajetos do transporte público e os locais de origem e destino se dá da seguinte forma: 1 – localiza menores caminhos para movimento pedestre entre local de habitação e de atividade para a trama de espaços públicos; contagem do número de passos topológicos ou linhas axiais percorridas; 2 – localiza menores caminhos até atrator/parada de ônibus; localiza menor caminho possível na rede de transporte coletivo; seleciona atrator/parada com menor caminho para local de destino; conta número de passos topológicos ou linhas axiais percorridas; 3 – escolhe menor trajeto entre o movimento pedestre e o por veículo público. Efetua o par origem-destino. Na consideração da formação de pares entre todos os pontos de origem e de destino para o padrão de movimento típico das populações de baixa renda, a simulação dos movimentos entre pares leva em conta a área coberta por cada parada de ônibus ou estação de metrô por movimento pedestre – o raio de abrangência de cada parada/estação. O raio de abrangência será limitado a um número específico de passos topológicos, de forma análoga à área de influência destes atratores/ distribuidores na cidade. Portanto, a alcançabilidade entre dois pontos CB ficará limitada aos pontos cobertos pelas paradas/estações que compõem a rede de movimentação de transporte coletivo. A modelagem contempla as possibilidades de movimento tanto pedestre quanto veicular, e faz a “decisão” entre ou e outra, conforme um critério de facilidade e otimização de percurso. O conjunto de espaços públicos cobertos pela trama de transporte público consiste numa representação aproximada do cenário urbano real de apropriação potencial de espaços para indivíduos de baixa renda. Entretanto, a fricção de tempo, custo da viagem, número de atividades desempenhadas (função da renda) não permite assumir esse cenário como plenamente disponível ao indivíduo singular, mas como um panorama de apropriação possível ao grupo social como todo. Rede de transporte veicular e movimento pedestre para média e alta renda A movimentação veicular privada utiliza, grosso modo, a mesma flexibilidade de movimento pedestre, com a vantagem de romper com a fricção imposta pela distância). A rede considerada na representação dos trajetos entre locais de atividade e habitação a trama de espaços públicos. A trama pedestre, analogamente à veicular, ocorre potencialmente sobre todos os espaços públicos. Entretanto, a composição de pares através de movimento pedestre será modelada com a propriedade de limite de raio de alcance idêntica a imposta pelo movimento pedestre para CB. Assim, a efetivação de pares em distâncias superiores à um determinado número de passos topológicos utilizará preferencialmente o automóvel. 4. SEGREGAÇÃO SOCIAL E O GRAU DE SOBREPOSIÇÃO DAS REDES As redes de movimentação devem ser sobrepostas com o objetivo de demonstrar simultaneamente o panorama de apropriações sociais por classes distintas. A representação as rotas de movimentação descritas pelas classes a partir dos locais de habitação e atividade sobre o tecido urbano permite visualizar o uso dos espaços pelas redes das classes consideradas, como um “mapa dinâmico”, no qual os movimentos e atividades assumem uma representação gráfica como linhas e pontos. A sobreposição de redes distintas sobre o mesmo trecho de espaço público indica que aquele espaço apresenta co-presença de classes diferentes, representando locais urbanos com contato visual entre indivíduos socialmente diferentes. A co-presença se torna contato potencial apenas quando há sobreposição de redes pedestres de diferentes classes, sendo espaços mais valorizados sob o ponto de vista da necessidade de interação de classes. Espaços axiais que apresentarem-se sobrepostos por uma única rede podem ser considerados espaços segregados. A graduação de segregação dos espaços pode ser modelada a partir dos valores de atratividade de cada rede acumulada em cada trecho axial. Essa graduação pode ser do zero (como vimos, com a presença de uma única rede no espaço axial) ao equilíbrio de co-presença e apropriação dos espaços, quando o espaço é pluralmente ocupado pelas classes. Esse raciocínio é análogo para a questão dos locais de atividade. Dessa forma, uma cidade bastante segregada, com grande ausência de contatos entre classes sociais, apresentará pequeno número de linhas axiais ou/e atratores sobrepostos, com pouco ou nenhuma presença de uma classe nos espaços ocupados predominantemente por outra – como podemos ver com freqüência em nossas ruas. Cidades onde exista alto grau de contato entre classes tenderão a apresentar considerável número de ruas e/ou locais de atividades de uso, apresentando redes dinâmicas de classe bastante sobrepostas e compatíveis em relação aos locais de atividade e aos espaços das ruas. Não há uma correlação perfeita entre quantidade de atratores segregados e trechos axiais, já que mesmo havendo co-presença d classes em todos os atratores de uma cidade, o uso dos espaços axiais pode apresentar áreas segregadas em função das diferentes formas de transporte, os caminhos que tendem a ser percorridos como movimento natural (Hillier e Hanson, 1984) na estrutura sintática urbana a partir da posição dos pontos de habitação das respectivas classes. Assim atratores e trechos axiais são considerados conjuntamente, porém preservados enquanto entidades, pelo papel funcional que desempenham e a natureza distinta dos contatos que propiciam. A visualização das redes dinâmicas das classes, a priori elementos abstratos, pode ocorrer de forma bastante simples pela representação das redes por cores distintas. Como exemplo, considerando a divisão apenas em CB e CA/B (a partir das diferenças de lógicas e padrões de apropriação das redes de transporte), as redes segregadas de classes são aqui representadas como azuis (CB) e vermelhos (CA/B) são representações e precisas urbano. 4.1. É possível modelar o contato entre as classes? Existem duas possibilidades de modelagem: Caminho A) O modelo considera apenas a co-presença das classes nos mesmos espaços públicos das classes nos mesmos espaços públicos, mas não considera as formas de contato efetivo possibilitado através de movimento pedestre das classes nos mesmos espaços. Nesse caso, o modelo não pode ser considerado como uma aproximação ao panorama de contatos sociais potenciais (com possibilidade de encontro social e troca de informação nos espaços públicos), mas de co-presença de classes. Nesse caso, as redes pedestres para as classes média e alta não requerem modelagem. Caminho B) O contato entre os indivíduos por meio de deslocamento diferentes (pedestre, veicular público e privado) são considerados. Espaços onde ocorram contatos pedestres entre classes recebem maior valorização, por apresentarem condições efetivas à possibilidade de contato social. O modelo, ao manipular essa diferença na forma de apropriação do espaço e contato, se mostra uma aproximação mais acurada do problema da segregação. Formas de movimento e transporte e sobreposição das redes O uso dos espaços públicos de circulação deve considerar algumas diferenças e peculiaridades: a sobreposição de redes sobre uma mesma rua ocorre freqüentemente sob diferentes formas de transporte e deslocamento, gerando diferenças de contato com os espaços abertos e com outros indivíduos. Essas diferenças na forma de deslocamento moldam sobremaneira (são absolutamente determinantes) na configuração da rua como possível palco do contato e interação social. Formas diferentes de uso, como transporte em veículos privados para as classes médias e altas, e veículo coletivo ou pedestre para as classes mais baixas, divisão comum em nossas cidade, provoca, ainda que compartilhem dos mesmos espaços, uma cisão nas possibilidades relacionais entre classes. A sobreposição de usos dos mesmos espaços não corresponde em nossas cidades necessariamente a contato potencial e interação entre classes – a questão das formas de transporte e graus de contato indivíduo-espaço e indivíduo-indivíduo tem de ser consideradas. Ainda que o contato ocorrido através de meios diferentes (sobreposição das redes mas sob formas de transporte distintas) seja evidentemente melhor do que a ausência, é bastante coerente afirmar que esse contato tende a não ser gerador de contato mais contundentes e possibilidade de troca de informação. 5. PROCESSO ALGORÍTMICO DA MODELAGEM 1. Entrada listagem/locação dos pontos de habitação para cada trecho axial Pontos origem acessados por linhas axiais das ruas Atributos de classe social segundo os padrões de movimentação: vermelhos (renda alta), azuis (renda baixa) – ou à definir pelo usuário (utilizando os mesmos dois padrões básicos) 2. Entrada listagem/locação dos atratores, classificados por classe social, categorizados por: Consumo/lazer Trabalho/estudo Distribuição/transporte Ponderação do parâmetro de atratividade do atrator [média nro. pessoas/dia no atrator] 3. Entrada da rede axial dos espaços públicos 4. Entrada da rede axial espaços percorridos por transporte público 5. Gera atratividade para cada par origem-destino segundo classe Estabelece rota de caminhos possíveis entre cada macro-atrator e cada local de habitação segundo classe (pontos compatíveis) e padrão de movimento na trama Distribui carga de atração pelos trechos axiais entre macro-atrator e locais de habitação Acumula carga de atração em cada caminho possível em cada trecho axial (como no modelo de centralidade – Krafta, 1991) Atratores de grupos de alta renda (vermelhos) utilizam possibilidades de caminho em todo o sistema urbano Atratores de grupos de baixa renda (azuis) utilizam possibilidades de menor caminho considerando a trama axial de transporte coletivo Verifica se resta algum par: se sim, repete passos desta etapa 6. Contagem do acúmulo de carga de atratividade/apropriação em cada trecho axial em função da proximidade entre atrator e pontos de habitação e número de vezes que o trecho é rota comum; 7. Verifica se o trecho axial é utilizado por duas ou mais classes: Se sim: aplica o coeficiente de interação social para diferentes formas de transporte. Se não: guarda valor de segregação associado à linha axial 8. Mensuração panorama de sobreposição de classes em trechos axiais e atratores de toda a trama do sistema; 9. Saída dos dados: Tabelas dos parâmetros e valores de segregação parcial e total da cidade Tabela da ponderação de segregação dos espaços axiais da trama urbana Tabela da ponderação de segregação dos macro-atratores urbanos Valor da segregação total da cidade considerando trama e macro-atratores 10. Plotagem mapa axial das redes dos padrões vermelho (alta renda) e azul (baixa) 6. MENSURAÇÃO DO NÍVEL DE SEGREGAÇÃO URBANA A presente abordagem da segregação como processo dinâmico representado como modelos de movimento social permite visualizar o panorama das atividades e dinâmicas sociais segregadas e a forma como se apresentam sobre a estrutura urbana e em relação entre si, assim como permite a quantificação destes níveis de sobreposição das redes de uso comum entre diferentes classes dos mesmos espaços abertos (ruas, praças, feiras, etc.) e fechados (macro-atratores de trabalho, consumo, etc.). A quantificação é um componente da modelagem dos locais enquanto atratores e distribuidores de fluxos de pessoas: a influência dos atratores sobre uma determinada quantidade de ruas e áreas habitacionais bem como áreas de concorrência a outros atratores/equipamentos de mesma natureza (ocaso da oferta de serviços e bens) é determinado pela distribuição da carga de atração do local de atividade pelas vias da cidade. Assim, a quantidade de uso de uma trecho axial é função do grau de atração/número de pessoas à utilizar determinada rua para deslocar-se entre os locais de atividade e habitação. Considerando as diferenças de padrão e forma de apropriação, podemos entender o uso da rua como local de composição/sustentação dos movimentos segregados, como parte do cenário da ocorrência da segregação urbana. A fim de demonstrar o valor de segregação de cada trecho axial isolada da cidade no panorama social geral da cidade, os trechos são ponderados com um determinado valor de segregação social: de um valor nulo (apresentando uso comum entre classes) ao grau 1 (com máximo de separação entre classes). O panorama de segregação da cidade leva em conta o nível de segregação de cada rua gerando o número de ruas utilizada de modo segregado em relação ao total de ruas e trechos axiais do sistema. 6.1. Cálculo da segregação de cada trecho axial (trechos de rua) da cidade a) Parâmetro de apropriação segregada/co-presença de classes: Medida de dispersão de usos do trecho axial para classes. Se relaciona a quantidade de pessoas que uso a rua por classe – ou o total de quantidade de pessoas a usar a rua é separada em quantidades de pessoas/classe e ponderada em relação ao total. Pn = C1-C2 An onde: n = numero do trecho axial (n = I {1...n} (inteiros de 1 a n) Pn = parâmetro de co-presença de classes An = parâmetro de apropriação do trecho axial (atratividade) C1 = parâmetro de fluxo modelada para Classe 1 C2 = parâmetro de fluxo modelada para Classe 2 condição: 0<Pn<1 Se Pn=0, trecho axial sem segregação (C1n-C2n)/ An=0 C1n=C2n (uso comum daquele espaço) Se Pn=1, trecho axial com o máximo de segregação (C1n-C2n)/ An=1 C1n=0ou C2n=0 (ausência de uma classe naquele espaço) b) Parâmetro de formas de contato entre classes: Indica as diferenças ou compartilhamento de forma de uso da rua. Diferenças de exposição à rua são componentes que não contribuem para a interação de classes, ainda que exista o contato visual parcial. Esse é o único componente do cálculo que é arbitrado como uma escolha entre dois parâmetros: formas de contato entre classes diferentes contém mais segregação que contatos diretos pedestre-pedestre; portanto não há reforço de integração/interação social Contato pedestre-pedestre: αn = 1 Contato pedestre-veículo, etc.: αn = 2 c) Valor de segregação axial: É o resultado final do impacto dos aspectos analisados e mensurados para cada trecho axial n avaliado. É importante colocar que todos os parâmetros anteriores são calculados a partir dos fluxos modelados, não havendo necessidade de entrada de dados extensiva. SAn = Pn . αn onde: SAn = Valor de segregação do trecho axial αn= parâmetro de forma de contato 6.2. Etapas do cálculo da segregação do total dos trechos axiais (ruas) da trama a) Total do Parâmetro de apropriação segregada: Pt=∑ Pn/∑An b) Total do Parâmetro de formas de contato entre classes: αt=∑αn/Na c) Total do valor de segregação axial urbano (segregação total dos trechos axiais) SAt = ∑ Pn . ∑αn ∑An Na onde: SAt = Nível de segregação da trama urbana Na = número total de trechos axiais do sistema urbano Se Pn=0, o valor de segregação no trecho será nulo. Se Pn>0, então o valor de segregação será multiplicado pelo parâmetro da forma de contato (αn). Se αn=1, há uso comum da rua, e o Pn é suficiente para informar o San SAn=Pn Se αn=2, há uso da rua sob formas distintas (C1 pedestre e C2 veicular, por exemplo), então duplica o valor de Pn. SAn = 2Pn Tabela de cálculo dos parâmetros de segregação e do valor de segregação axial parcial e total TRECHO AXIAL (n) 1 PARÂMETRO PARÂMETRO VALOR DE APROPRIAÇÃO/ DE FORMA DE APROPRIAÇÃO SEGREGAÇÃO ATRATIVIDADE CONTATO SEGREGADA SOCIAL AXIAL ENTRE (An) (Pn) (San) CLASSES (α αn) An = C1n+C2n Pn = (C1-C2) αn=1 ou 2 SAn = Pn . αn /An 2 ... n ∑ An TOTAL ∑ Pn / ∑An ∑α / Na SAt = ∑ Pn . ∑α ∑An Na 6.3. Cálculo da segregação de cada macro-atrator urbano SMn= Mn Nm onde: n = numero do macroatrator (n = I {1...n} (inteiros de 1 a n) Nm = número total de macro-atratores no sistema urbano At = atratividade do macro-atrator (demanda de pessoas/dia) Mn = C1-C2 At onde: At = Apropriação do macro-atrator (nro pessoas/ATRATIVIDADE) C1 = quantidade de indivíduos modelada para Classe 1 C2 = quantidade de indivíduos modelada para Classe 2 6.4. Etapas do cálculo da segregação total dos macro-atratores a) Total do Parâmetro de apropriação segregada: b) Total do valor de segregação axial urbano (segregação total dos trechos axiais) SMt = ∑ Mn ∑At onde: SMt = Nível de segregação do total de macro-atratores Tabela de cálculo dos parâmetros de segregação e do valor de segregação para o macro-atrator isoladamente e para o total de macro-atratores na cidade MACRO- APROPRIAÇÃO VALOR DE ATRATOR (n) 1 2 ... n TOTAL E ATRATIVID. DO MACROATRATOR (At) Atn = C1n+C2n SEGREGAÇÃO NO MACROATRATOR (SMn) (C1-C2)/Atn ∑ At ∑ Mn / ∑At 6.5. Grau de segregação total do sistema urbano (trama de espaços públicos e macro-atratores) Existe uma grau correlação entre o grau de segregação dos atratores e aquele espalhado pelas ruas da cidade. As cargas de fluxos sociais modelada para as ruas é decorrência das cargas de fluxo geradas pelos atratores. Entretanto, cada trecho axial de cada rua está sujeito à atratividade gerada por todos os locais de atividade/distribuição do sistema. A modelagem dos locais de atração/distribuição é interessante por que consistem nos locais de interação social, isto é, os locais com mais probabilidade de encontro social estático e troca de informação, condições mínimas de convívio entre os indivíduos – ao passo que as ruas são locais de encontro potencial (Hillier e Hanson, 1984) mas limitados como locais de interação e convívio. STS= (Sat . SMn) STS = (∑ ∑ Pn . ∑αn) . ∑ SMn ∑An N ∑At onde: SMt = Nível de segregação do total de macro-atratores SAt = Nível de segregação da trama urbana At = atratividade do macro-atrator (demanda de pessoas/dia) SAn = Valor de segregação do trecho axial αn= parâmetro de forma de contato CONCLUSÕES: O MODELO COMO REPRESENTAÇÃO DA DINÂMICA DA SEGREGAÇÃO As lógicas estruturais dos traçados típicos das redes são baseados nas lógicas de deslocamento dos indivíduos, baseado nos caminhos possíveis ponderados pela carga de atratividade dividida no número de trechos axiais (o que carregará mais aqueles trajetos mais curtos entre dois pontos, seguindo o modelo de Centralidade – Krafta, 1991; 1994), e nas formas de transporte disponíveis aos locais mapeados. As seguintes conclusões podem ser extraídas do modelo: A representação gráfica dos elementos dinâmicos componentes da vida coletiva urbana e o processo de atração e demanda de serviços, bens e trabalho representa esquematicamente o panorama da vida social urbana. A modelagem das redes sociais segregadas permite enxergar a segregação social como componentes do panorama social, vista assim como diferentes subdinâmicas dentro da dinâmica social geral (assentadas sobre lógicas, complexidades e padrões distintos condicionadas por diferentes patamares de poder aquisitivo). As redes dinâmicas típicas de classe podem ser visualizadas sobre a trama urbana. Os espaços que compõem a estrutura e os principais cenários urbanos utilizados pelas respectivas classes podem ser visualizados. Pontos positivos do modelo Permite manipular com relativa precisão o caráter social dinâmico e sistêmico da cidade, através do tratamento das rotinas sociais e da interação potencial (tensão)[R] entre formas construídas categorizadas por classe social. Essa abordagem permite representar o caráter abstrato da segregação (do qual consiste o fenômeno) contida na movimentação e nas atividades sociais, visualizáveis geograficamente, assumida em tempo real e presente em virtualmente todos os espaços urbanos. Manipula o aspecto espacial da segregação ocorrer virtualmente em todo lugar público, assumindo a movimentação intra-urbana dos indivíduos como componente que supera zonas específicas. O panorama de fluxos sociais sobre a macro-estrutura urbana, cuja influência pode romper a noção de restrição de áreas segregadas, característica usualmente não captada pela abordagens usuais à segregação, é representado pela idéia de macroatratores como atratores estruturadores dos movimentações sociais, Permite inferir a quantidade de uso de cada rua da cidade por uma e outra classe. Como vimos, as classes sofrerão agregação em função de semelhança de objetivos e padrões de realização a partir de semelhança de forma de transporte, e semelhança de localização destes e dos pontos de habitação e uso comum de pontos de atividade. A segregação é assim mensurável a partir do grau de sobreposição das redes nos espaços urbanos – o quanto e quais os espaços sobrepostos são frente ao número total de espaços do sistema urbano utilizado por diferentes classes/redes. A segregação assim é tida como redes dinâmicas de apropriação urbana pouco sobrepostas – como podemos ver nas representações gráficas do trabalho. Avaliação de impactos de novos equipamentos: As alterações na estrutura urbana podem afetar o panorama social geral e o panorama de segregação em uma cidade. O modelo desenvolvido permite medir seus impactos, sendo potencialmente útil para o planejamento Limitações do modelo O número de atividades típicas de classe não é captado no modelo proposto, que se restringirá à descrição do panorama de espaços utilizados pelas populações em suas dinâmicas, gerando um cenário de movimentação social bastante semelhante ao da cidade real. Não descreve as rotinas nem o panorama social com precisão. Apenas descreve o quadro possibilidade de apropriação de classes, como um quadro potencial de espaços apropriáveis, por não efetivar “casamentos temporários” entre local de habitação e um número limitado locais de atividade, simulando por exemplo a rotina diária. Ao considerar a tensão entre cada local de habitação com todos os atratores, o modelo representa o cenário de possibilidades de interação espacial/social – não simulando assim as rotinas sociais. O modelo é pouco sensível para movimentos de escala local (pequenos movimentos intra-urbanos), por considerar o panorama de movimentos através de macro-atratores, locais que estruturam ou demandam intenso fluxo envolvendo a escala urbana em nível macro. Contudo, à grosso modo, tal limitação pode ser minimizada pela ocorrência proporcionalmente menor de habitações de classes diferentes próximas entre si. Futuros desenvolvimentos do trabalho Modelo multistop do panorama social urbana e redes segregadas A segunda característica dos diferentes padrões de movimentação/atividade entre as diferentes classes é o número de ações realizadas no dia em diferentes pontos da cidade. Classes mais altas tenderiam a usar mais de um atrator ao dia (como para trabalho, consumo 1, consumo 2) em áreas não necessariamente próximas a sua residência (comportamento transpacial – Hillier e Hanson, 1984), comportamento diferente daquele das populações de baixa renda. Seria um ponto para o modelo se fosse possível demonstrar essas diferenças. Essa segunda característica pode ser apreendida pela introdução das “rotinas” ou lógicas de rotinas típicas de classe. Assim, o número e posição dos atratores/dia utilizados pode ser considerados. Pode ser feito através da limitação e “escolha” do número de macro-atratores utilizados por um indivíduo, com um número de fluxos determinado a partir de um único ponto de origem. A relação de exclusividade entre atrator e origem se dá em função da posição topológica (dependente apenas da distância relativa de número de conexões entre os pontos, independendo do tamanho ou angulações entre ruas da trama). A carga de atratividade maior de um atrator gerará a cooptação daquele ponto de origem. Isso geraria um modelo do panorama das rotinas segregadas que demonstraria claramente os padrões de movimentação – ainda que em ampla escala as sobreposições dos movimentos individuais gere a complexa rede de movimentação similar a do modelo O/C. Além disso, exigiria rotinas mais complexas (mas possíveis de serem feitas) de “escolha” de atrator, de posição, limitação do número de atratores tendo como resultado os traçados das rotas (a hipótese considera formas poligonais para grupos de alta renda (o tamanho dos polígonos pode variar para classes média e alta em função da posição mais/menos segregada/espraiada na área da cidade) e formas lineares gerando “Vs” de amplos movimentos para grupos de menor renda, com rotas mais complexas à nível local (raio em torno da habitação). Seria um modelo que exporia didaticamente as diferenças de padrão, útil quando demonstrado para poucos indivíduos. Exigiria também a fixação gráfica (como output) dos pontos de origem e de atração. REFERÊNCIAS GIDDENS, A (1976) New Rules of Sociological Method. Nova York, Basic Books. HARVEY, D (1973) Social Justice and the City. Baltimore John Hopkins University Press; London, Edward Arnold. 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