Exclusão e alteridade: de uma
nota de imprensa a uma nota
sobre deficiência mental
Ricardo Burg Ceccim
A construção da segregação da
deficiência mental
• Em Esparta, crianças com deficiências físicas
ou mentais eram consideradas sub-humanas,
e sua eliminação e abandono estavam em
consonância com os ideais atléticos, estéticos
e a potência de guerreiros.
• Até a difusão do cristianismo, aquele com
deficiência não tinha alma e não era pessoa.
• Ao longo da Idade Média é que se tornarão
pessoas e passarão a ser conhecidos como
filhos de Deus, e entregues Às igrejas e
conventos – explorados ou cuidados como
expiação redentora.
• No Século XIV, Eduardo II da Inglaterra cria a
Prerrogativa Regis (1325) – os bens passam
para o Rei e este zelará por seus cuidados. Aos
loucos, contemplados na mesma lei, cabiam
os cuidados sem o ressarcimento em bens.
• É a primeira lei que distingue doente de
deficiente mental.
• As pessoas com deficiência adquirem o status
de seres humanos e de criaturas de Deus, o
que lhes dá direito a sobreviver e receber
cuidados para a manutenção da vida.
• Atitudes contraditórias se desenvolvem diante
das pessoas com DM: um eleito de Deus ou
um representante do castigo divino: um
anjinho ou um pára-raios da vingança
celestial.
• A ética cristã termina por reprimir o assassínio
ou a exposição e entabula o dilema caridadecastigo, a ambigüidade proteção-segregação.
• Século XV – Inquisição que manda às fogueiras
os hereges (loucos, adivinhos e “pessoas” com
DM)
• No Século XVI, Paracelsus e Cardano, aludem a
DM como doença ou vitimização de forças
sobre-humanas, cósmicas ou não, e dignas de
tratamento e complacência – patologia
cerebral
• A jurisprudência inglesa, em 1534, define DM
e loucura como doença ou resultado de
infortúnios naturais e propõe critérios de
identificação da DM, considerando bobo ou
idiota de nascimento a pessoa:
• que não puder contar até 20 moedas;
• não puder dizer quem era seu pai ou sua
mãe;
• Não puder dizer quantos anos tem,
• ou que não puder conhecer e compreender
letras mediante ensino.
No Século XVIII, na Europa aparece a alternativa
ideal para lidar com o problema da DM: a
segregação nos leprosários.
• As pessoas com DM não podiam mais serem punidas
e nem abandonadas.
• Porém cuidar delas era dispendioso e prejudicial à
família e ao poder público.
• Paracelsus, Cardano e John Locke determinavam que
podiam ser treinadas ou educadas, que aprendiam e
tinham direito a isso.
Velasquez - 1656
Todas as crianças com diagnóstico de DM
tinham como indicação os hospícios, onde eram
abandonadas e completamente esquecidas e
isoladas de oportunidades de ensino e
educação.
• JEAN ITARD – médico que se destacou pelas
descobertas no campo da fala e da audição, recebeu
a guarda de um menino capturado na floresta e que
vivia há 12 anos como selvagem, conhecido como
Victor de L’Aveyron, ou O Selvagem de Aveyron.
Itard acreditava nas idéias de Rousseau, de Condillac ou
Locke – o homem não nasce como homem, mas é
construído como homem. Victor aprendeu hábitos, a
falar, rudimentos de escrita e respostas a testes de
inteligência - DMProfunda
• Os determinantes da DM são então
procurados também na história das
experiências da pessoa com deficiência.
• Willis, Pinel e Esquirol marcam o fim do
dogma na teoria da DM,que passa a ser
tratada como patologia cerebral e sugerida ao
campo da medicina moral.
A história da DM se bifurca: de um lado a
psiquiatrização, e de outro, a Educação Especial.
• A DM segue estudada pela medicina e tratada
como orgânica e medicalizável e,
paralelamente, pela pedagogia, ainda que por
muitos médicos, estudiosos das didáticas.
• Edouard Seguin (1846), médico, estudioso de
didática, denuncia, segundo Pessoti, a hegemonia
doutrinária da medicina sobre a DM que marca todos
os diferentes comportamentos em uma mesma
matriz, não procurando relações causais e uma teoria
do desenvolvimento. O modelo médico e unitário,
fatalista e asilar-segregador, nega a educabilidade
das crianças com DM por patologia do organismo
biológico.
• A obstinação de Seguin levou-o a implantar a
Educação Especial, lançando as bases da
compreensão psicogenética da aprendizagem na DM.
Em 1857, emerge com Morel, a teoria eugenista
– o Tratado das Degenerescências.
• Teoria abrangente, alarmista, vaga, de difusão
ampla nos ambientes médicos.
O conceito da degenerescência e degradação vem normalizar
a sociedade com a sansão médica, uma medicina das reações
patológicas em que a degenerescência é a processualidade da
degradação da natureza – perda da perfeição.
• As teorias eugenistas produziram cultura, seu regime
de verdade ganhou o senso comum e ressonância
ante o doente, o deformado e toda a sorte de
pessoas com deficiência.
Estatuto de verdade – pessoas com DM são
portadoras do princípio degradador, e uma
ameaça à segurança pública e à saúde das
famílias e povoações.
•
-
Sentimentos difundidos ao longo da história:
rejeição;
medo;
asco;
segregação.
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