Anais do 5º Encontro do Celsul, Curitiba-PR, 2003 (855-860)
FORMAS PARA TRABALHAR COM OS GÊNEROS NOTÍCIA E ENTREVISTA EM SALA DE
AULA
Luzinete Carpin NIEDZIELUK (Universidade Federal de Santa Catarina)
ABSTRACT: This research presents the results of teaching practices accomplished in the fundamental
and medium teach prioritizing the work with the language through the journalistics discourse, of the
genres news and interview. As presupposed theorical we used the ideas of Bakhtin and Vygotsky to
understanding the language as interaction, in that make part of the game the social relationships.
KEYWORDS: text; discourse; Bakhtin
0. Introdução
Uma das formas para trabalhar com os gêneros notícia e entrevista em sala de aula é através da
construção de um jornal porque este como atividade escolar apresenta-se como uma forma alternativa
para o ensino de Língua Portuguesa. Nesta comunicação iremos mostrar alguns processos construtivos
partindo do desafio de construir jornais com alunos. Esta comunicação constitui-se no resultado de uma
prática de docência em três classes, primeiramente em uma classe de 5ª série vespertino, na Escola Básica
Hilda Theodoro (1997) e, após, em duas classes de segundo grau, turmas 2ª A e 2ª B/noturno, no Colégio
Henrique Veras (1998), em Florianópolis (SC).
O trabalho objetivava apresentar uma forma alternativa para o ensino de Língua Portuguesa cuja
proposta, junto aos alunos, foi a construção de um jornal. Como pressupostos teóricos usamos as idéias de
Bakhtin e Vygotsky, por entender a linguagem como interação, em que faz parte do jogo as relações
sociais. Procuramos criar situações pedagógicas que envolvessem a comunidade escolar e local, e, através
do estímulo às trocas sociais, iniciamos o trabalho com a produção de textos jornalísticos. A metodologia
utilizada enfatizou o papel de mediação do professor no processo de ensino-aprendizagem, em que os
métodos e estratégias utilizadas proporcionaram aos alunos a emergência da autoria. O aluno tinha a
oportunidade de interagir, procurando solução, experimentando, pesquisando, inventando e descobrindo
novas formas de gênero em uma relação individual e coletiva.
1. Prelúdio: Projeto de um jornal
Ensinar a produzir textos com textos tanto de alunos quanto textos publicitários, jornalísticos,
instrucionais é uma tarefa que exige muita convicção por parte do docente. Primeiramente, porque há uma
certa resistência em determinadas classes escolares e, também, pelo fato de que os alunos estão
habituados a trabalhar com a tipologia textual fundamental, que é a descrição, narração e dissertação. O
fato de se introduzir novas construções lingüísticas, como nesse caso, o estilo da linguagem jornalística,
especificamente o da entrevista e o da notícia, esta que se fundamenta sobre o “lead”, possibilita aos
alunos um repensar sobre a linguagem, isto é, eles trabalham com a linguagem em funcionamento.
Faria apoia-se nas constatações de Perini dizendo que, segundo o autor, a escola deve levar os
estudantes “a manejar uma linguagem técnica e jornalística, pelo menos como leitores” e, ainda, que a
escola deve colocar “objetos mais realistas para o ensino de língua”1. Refletindo sobre as colocações de
Perini, percebemos que a linguagem jornalística possibilita aos alunos uma maior compreensão da
aproximação entre a oralidade e a escritura, entre o ler e escrever.
Antes de iniciarmos esta proposta junto aos alunos, foi realizada uma pesquisa/diagnóstico através
de um questionário para que percebêssemos as preferências relativas a leitura e a produção textual de
nossos sujeitos. Com isso, constatamos que naquele universo a maioria dos alunos não tinha o hábito de
leitura, não lia jornal nem tampouco outros tipos de periódicos e, em sua casa, seus pais também não
compravam jornais, nem tinham o hábito de assistir ao “telejornal” na TV. Para os alunos do período
noturno isto é perfeitamente compreensível, o que nos chocou foi o fato de os alunos do período
vespertino nos informarem que tanto eles quanto seus pais só assistiam a programas de lazer, como, por
exemplo, “Hebe Camargo”, “Faustão”, desenhos. Passamos, então, a estimulá-los a assistir ao telejornal
e a ler as notícias nos jornais tanto locais quanto de outros estados para que percebessem as diferenças na
transmissão da notícia tanto nos telejornais quanto no jornalismo impresso. Os instruímos para que
observassem a importância do tema em destaque, a espetacularização do fato, o sensacionalismo
1
Ver: Maria Alice Faria, O jornal na sala de aula, p. 11.
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excessivo, a polêmica, a seriedade, isto é, eles deveriam observar as condições de produção das notícias.
Através da socialização, os alunos iniciaram reflexões sobre o uso que se faz da linguagem, sobre as
diversas possibilidades de transmitir um mesmo fato, mostramos a eles a “intencionalidade” da linguagem
e como as notícias não são neutras. Essas reflexões não se limitavam aos textos, mas ampliavam-se ao
mundo que nos cerca.
2. Processo: trabalhando com gêneros a partir da construção de um jornal
Após, o fato de termos refletido com os alunos sobre as notícias apresentadas nos telejornais e a
leitura das notícias escritas em jornais, levamos para a sala de aula um “boneco de jornal” e
demonstramos em um jornal local as manchetes em destaque, o local do editorial, do conselho editorial,
suas respectivas funções, o espaço para as notícias, as entrevistas e demais espaços ocupados nos jornais.
Como atividade, os alunos recortaram em jornais uma manchete, um editorial, um conselho
editorial/expediente, uma notícia, uma entrevista e algo que mais lhes agradasse. Isso tudo deveria ser
colado no boneco do jornal,2 e os alunos se estimularam muito com essa atividade, pois desconheciam
essas informações.
O trabalho de escritura de notícias iniciou-se a partir do lead3 . Mesmo demonstrando várias vezes
que a notícia é organizada composicionalmente usando-se o lead, os alunos demoraram a compreender
isso, tanto os de 5ª série quanto os de segundo grau. Após muito trabalho de escritura e reescritura, os
alunos conseguiram apreender e se apropriar deste gênero, a notícia. A partir daí, eles se estimularam a
escrever notícias das próprias atividades internas da instituição. O próximo passo foi o de trabalhar com a
organização composicional da entrevista. Essa, talvez, por fazer parte da oralidade dos mesmos (da
conversação diária), e de ser o objeto utilizado no espaço de interlocução da sala de aula no interagir
aluno + aluno e aluno + professor, foi compreendida de imediato. Entretanto, esta atividade na 5ª série era
direcionada aos interesses da comunidade escolar e, a temática escolhida pelos alunos foi “saúde”
constituindo-se em eixo norteador do trabalho. Primeiramente, os alunos pesquisaram sobre saúde, após
elegeram seus entrevistados e elaboraram as perguntas. Em seguida foram a campo com seus gravadores,
transcreveram as perguntas/respostas, reescreveram e entregaram para publicação. No segundo grau, os
alunos entrevistaram pessoas que fazem parte da cultura local, como rendeiras, pescadores, artistas
plásticos e jogadores de futebol. Eles próprios publicaram o seu jornal e o venderam aos professores e a
pessoas envolvidas com a comunidade local, objetivando arrecadar dinheiro para formatura.
3. Formas para se trabalhar com o gênero notícia
Após termos explicado o funcionamento do gênero notícia aos alunos, distribuímos a notícia
intitulada “Colisão mata dois na BR 101”, publicada em um jornal local, o Diário Catarinense, em 10-0490. Após, solicitamos aos educandos que preenchessem as perguntas que formam o lead. Abaixo
apresentaremos a notícia em sua íntegra e o quadro esquemático do lead. Observem:
COLISÃO MATA DOIS NA BR 101
Duas pessoas morreram e uma ficou gravemente ferida no acidente ocorrido às 20,30 de quintafeira na BR 101, Km 43, perto de Palhoça. O Volks de Porto Alegre, placa POA-3492, ao tentar
ultrapassar outro veículo, bateu de frente com o Volks de Palhoça, de placa KY8634.
Morreram no local o motorista do auto de Palhoça PCT e OPJ.
O motorista do carro de Porto Alegre, causador do acidente, CPO, sofreu graves ferimentos e foi
removido para o Hospital de São José. (DC, 10-04-1990)
2
Nas turmas de segundo grau, suprimiu-se o boneco de jornal, apenas demonstraram-se os espaços que
estas informações ocupam no jornal, para que visualizassem a diagramação. Essas turmas visitaram um
jornal local e observaram o processo de editoração.
3
Lead é é o primeiro parágrafo da notícia, é o relato do fato principal de uma série, o que é mais
importante ou mais interessante. Constitui-se num esquema estrutural básico para compor uma notícia.
Deve-se responder as seguintes indagações: Quem? O que? Quando? Como? Onde? Por que?
Luzinete Carpin NIEDZIELUK
Perguntas
O quê?
Quem?
Quando?
Onde?
Como?
Por quê?
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Assunto
Outra forma de se trabalhar com o gênero notícia é o de distribuir aos alunos o lead preenchido e a
partir das suas informações, os educandos devem escrever a sua notícia. Vejamos:
Perguntas
Por quê?
Quem?
O quê?
Quando?
Onde?
Assunto
Por estarem decepcionados com o Incra4;
Os Sem-Terra, mais de sessenta famílias;
Invadiram a fazenda de propriedade de Olsen Participações Ltda., iniciando uma nova luta
pela posse da terra;
Desde o início de abril;
Em Timbó Grande.
3.1 Texto escrito pela aluna
Outra possibilidade é a de levar aos alunos para assistirem um filme educativo ou um programa na
televisão e solicitar aos mesmos que noticiem este fato para os demais colegas da sala em que estudam.
Observem:
Para nossa surpresa, a primeira tentativa de escritura desta notícia feita por alguns alunos veio em
forma de narração e não de relato como esperávamos. Retrabalhamos este conteúdo e, então, estes alunos
conseguiram compreender a organização composicional do relato. Observem:
4
Esta notícia foi publicada no periódico ANCapital, em 08-04-97.
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4. Formas para se trabalhar com o gênero entrevista
Entrevista é aqui compreendida composicionalmente como um texto apresentado sob a forma de
pergunta e resposta. A entrevista, assim como, outros gêneros, como, por exemplo, a conversação diária,
fazem parte da natureza dialógica do sentido e da linguagem, por isso os educandos, como já dito
anteriormente, a compreenderam de imediato.
Na quinta série vespertino, no processo de interação ensino-aprendizagem, após realizadas as
pesquisas sobre assuntos, como problemas na coluna, pessoas fumantes, alcoolismo, relação alimentaçãosaúde e medicina natural, os alunos elegeram esses temas para suas entrevistas e elaboraram as perguntas.
Quanto aos alunos do ensino médio, estes priorizaram pessoas que fazem parte da cultura local,
como, por exemplo, rendeiras, pescadores, artistas plásticos e jogadores de futebol. Convém ressaltar que
solicitamos aos alunos da quinta série vespertino que as entrevistas fossem precedidas por um “texto de
abertura”. Entendemos que as entrevistas feitas pelos alunos classificam-se no que os especialistas
chamam de entrevista “de ilustração”, isto é, aquela que levanta aspectos biográficos do entrevistado: que
registra suas idéias, gostos, trajes, seu modo de falar, o ambiente em que vive, etc.
Observem dois exemplos das entrevistas:
5ª Série Vespertino - 2º Ensino Médio
ALCOOLISMO PREJUDICA AS PESSOAS
ENTREVISTA
Hoje (21/05/97), estou entrevistando o seu JLC, ele
é alcoolatra desde os 27 anos. Ele está assim há dez
anos.
G- Qual é seu nome?
J- JLC
G- Há quanto tempo você tem esse vício?
J- Há dez anos.
E- Qual é o seu nome? Onde nasceu?
A- AAS, tenho 19 anos. Nasci e moro na Costa da
Lagoa e todos me conhecem por XX.
E- Em que time iniciou sua carreira?
A- Iniciei minha carreira no Juvenil do Figueirense.
E- Com que idade interessou-se pela carreira de
jogador?
A- Comecei a ter interesse pelo Futebol desde
pequeno.
E- Por que escolheu o Figueirense?
A- Escolhi o Figueirense por ser mais econômico
para mim e oferecer maiores oportunidades para me
profissionalizar.
E- É possível sobreviver com seu salário?
A- Com o que eu ganho é possível sobreviver, não
muito bem, mas dá para levar a vida.
E- Você já tem seguro de alguma parte do seu
corpo?
A- Não tenho seguro de nenhuma parte do meu
corpo, mas pretendo fazer o mais rápido possível.
G- Como você começou esse vício?
J- Através de amigos.
G- Você teve algum incentivo de parentes?
J- Sim, de minha ex-esposa.
G- Você pretende parar com esse vício algum dia?
J- Sim, daqui a um ano.
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G- Você não acha que sua saúde está sendo E- Com quantos anos você pretende abandonar a
prejudicada?
carreira?
J- Sim, mas não consigo parar com esse vício.
A- Não tenho previsão de abandonar a carreira tão
cedo, pois a minha posição de goleiro favorece para
que eu possa ficar até mais tarde.
G- Você incentiva outras pessoas a ter esse vício?
E- O que está achando da seleção dessa Copa do
J- Não.
Mundo?
A- A respeito da Seleção Brasileira, sem dúvida a
melhor do planeta, com certeza irá trazer o
Pentacampeonato para todos nós brasileiros.
E- Fale um pouco de sua carreira.
A- No começo foi muito difícil, mas com o passar
do tempo, foi melhorando e hoje, graças a Deus,
está de bom a melhor. Apesar de começar no
Figueirense, tive passagem pelo Flamengo e
Botafogo (RJ) e Marcílio Dias (Itajaí). Continuo
melhorando para conseguir alcançar os meus
objetivos.
5. Considerações finais
A utilização do jornal na sala de aula constitui-se em um novo paradigma de ensino-aprendizagem
proporcionando aos alunos uma maior liberdade na escritura; deixam de ter a preocupação com a
sistematização gramatical, embora ela esteja presente o tempo todo, o que faz a diferença é o fato de não
estarmos demonstrando a regência, a concordância, através de frases feitas e, sim, através de assuntos
relacionados ao cotidiano dos alunos, assuntos mais próximos de suas reais necessidades.
Cabe ressaltar que o fato de introduzirmos o jornal na sala de aula e priorizarmos os gêneros
notícia e entrevista não significa que devemos deixar de trabalhar com outros gêneros, como, por
exemplo, os literários ou os escolarizados etc. O jornal, a nosso ver, é sugerido como mais uma
possibilidade para o processo educativo pedagógico em aulas de língua portuguesa.
Deve-se entender a atividade da construção de um jornal como uma atividade dialógica, na qual as
trocas sociais são realizadas em um interagir constante, possibilitando aos alunos a aprendizagem, a
construção do conhecimento através de suas próprias experiências, alargando este universo e somatizando
as experiências dos outros.
A atividade como um todo é um contínuo processo de ler - escrever - reescrever e,
conseqüentemente, um constante refletir sobre a linguagem e sobre o mundo. A feitura do jornal pelos
alunos torna-se um espaço conquistado pelos mesmos e, neste, podem demonstrar as suas reivindicações
perante a escola e perante a sua própria comunidade - por que não?
Gostaria de ressaltar que nesta experiência com os gêneros notícia e entrevista, em sala de aula,
praticamente não tocamos nas questões sócio-discursivas e ideológicas dos mesmos. Enfatizamos mais as
questões imanentes dos gêneros, mesmo trabalhando a sua organização composicional/textual, seu estilo.
Este fato deveu-se ao momento histórico em que foi realizada a experiência (1997 e 1998), porque, neste
período, o trabalho com os gêneros dentro da perspectiva da teoria enunciativa bakhtiniana, ainda estava
se desenhando dentro dos documentos oficiais, dentro dos Parâmetros Curriculares Nacionais.
RESUMO: Esta pesquisa apresenta os resultados de práticas de docência realizadas no ensino
fundamental e médio priorizando o trabalho com a linguagem através do discurso jornalístico, dos
gêneros notícia e entrevista. Como pressupostos teóricos usamos as idéias de Bakhtin e Vygotsky, por
entender a linguagem como interação, em que faz parte do jogo as relações sociais.
PALAVRAS-CHAVE: texto; discurso; Bakhtin
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BAKHTIN, Mikhail. Marxismo e filosofia da linguagem. São Paulo: Hucitec, 1979.
_____ . Estética de la creación verbal. Trad. Tatiana Bubnova. 2. ed. México: Siglo Veintiuno, 1985
ERBOLATO, Mário E. Técnicas de Codificação em Jornalismo. 4. ed. Petrópolis: Vozes, 1985
FARIA, Maria Alice Faria. O jornal na sala de aula. São Paulo: Contexto, 1989.
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FOLHA DE S. PAULO. Manual geral de redação. 2. ed. São Paulo: Folha de S. Paulo, 1987
REGO, Teresa Cristina. Vygotsky Uma perspectiva histórico-cultural da educação. 6. ed. Rio de Janeiro:
Vozes, 1995.
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