Seminário Sepetiba: Portal do Atlântico Sul
Raphael de Almeida Magalhães
Meus caros companheiros, doutor Eliezer Batista - que, como eu, há muitos
anos sonha com a concretização do projeto de Sepetiba - e Presidente Carlos
Lessa - que iniciou o esforço para construir Sepetiba em 1996, quando o
presidente Fernando Henrique elegeu três projetos tidos como estratégicos
para recuperação da economia do estado do Rio de Janeiro.
O Lessa foi o comandante do projeto de Sepetiba, razão pela qual trouxe de
1996 até hoje a sua paixão, a determinação que o inspira na condução do
banco, para dar concretude ao projeto. Desde aquela época a nossa visão de
Sepetiba era a de um projeto estratégico, como tal um projeto de futuro, que
visava à preparação do País para ingressar no mundo do comércio, no mundo
das trocas internacionais. O Brasil não seria mais um mero produtor de
produtos primários, mas de produtos que, crescentemente, agregassem valor
à produção brasileira, e que transformassem efetivamente o País num ator real
no comércio internacional, no qual a cada ano decaímos, a cada ano andamos
mais para trás.
Se temos hoje um superávit primário na nossa balança comercial, não nos
iludamos, porque ela se constrói muito mais pela contração das importações
do que propriamente pela elevação efetiva do valor das nossas exportações.
Estamos numa economia sabidamente em recessão, não importando nada e
gerando excedentes exportáveis graças a um câmbio que tornou competitivos
os produtos brasileiros em quase todas as áreas.
Sepetiba, desde 1996, foi pensada e concebida como um marco estratégico da
articulação da economia brasileira com a economia mundial. O sistema de
logística descreve a trajetória que um produto faz do ponto inicial A ao ponto
terminal B, e o Porto é uma parte dessa logística - se for feito lá, mas por trás
o sistema continuar desintegrado, faltante, com pontos de estrangulamentos
visíveis na sua trajetória, não se investiu num porto. Gastou-se dinheiro
erradamente.
O Darc fez um bom resumo da contribuição que o BNDES deu para a
construção do Porto de Sepetiba, da plataforma sobre a qual se construíram os
terminais portuários de Sepetiba. Na verdade, o esforço até agora parou aí.
Muito pouca coisa se fez a mais, para que Sepetiba pudesse desempenhar uma
função organizadora do comércio do Brasil com o exterior. As razões desta
passividade diante de um projeto idealizado como estratégico são das mais
variadas naturezas. Uma das mais importantes é que se pensava, em 1996 e
1997, que a economia brasileira fosse ter um curso de crescimento pelo menos
da ordem de 4%, o que exigiria certamente uma manipulação muito maior de
containers ao longo da costa do Sudeste, onde se concentram as indústrias
que produzem valores agregados para a exportação. A economia brasileira
cresceu aquém de dois e, portanto a demanda de serviços de containers ficou
praticamente estagnada. Surgiu uma competição selvagem entre os diversos
portos, disputando uma massa de containeres relativamente modesta.
É claro que esta visão implica arquivar a idéia de um projeto estratégico - um
projeto que não se faz para hoje, mas para hoje, para amanhã e para frente.
Sepetiba que idealizamos em 1996, 1997, estava projetado para 2020, e se
pretendia ter uma taxa de crescimento de 4% ao ano, o que não é supor muito
num país que já cresceu a taxas maiores. Mas o que se supunha é que
Sepetiba operaria, e operará, acredito eu, em 2020, 8. 000. 000 de toneladas,
o que ainda o torna um modesto porto de containers comparado com os
padrões internacionais.
Hoje, todo o comércio brasileiro exterior não alcança mais do que 1.400.000
containers. Sepetiba teria um multiplicador fantástico na projeção até 2020
com o programa de expansão devidamente articulado. Mas pensamento
estratégico desapareceu do dicionário brasileiro, como o presidente Lessa
salientou, e a idéia de que você investe hoje para uma trajetória de futuro sem
desenvolvimento, sem idéia de desenvolvimento, sem idéia de estratégia, sem
idéia de que você tem um futuro a construir que já começa hoje,
evidentemente se perde no histerismo de uma discussão que não tem fim.
O fato é que não se moveu uma palha para a quebra dos pontos de
estrangulamentos comentados por diversos expositores durante o seminário.
Estes pontos estão identificados desde 1996. Estão na ferrovia, na rodovia, na
deficiência dos serviços de trânsito dos produtos que se comercializa, na
inexistência de um processo de informatização que transforme um contrato de
compra e venda para o exterior ou de importação num documento único, sem
barreiras e sem processo burocrático, estão na eliminação do papel com a
produção de um comércio eletrônico... Tudo isto imobiliza. E tudo isto dá uma
das mais expressivas demonstrações de atraso no País, nesta área que é o
custo da logística brasileira.
Cinco bilhões e setecentos milhões de dólares é o preço do nosso atraso, da
nossa não-competição, do nosso retardo num projeto cuja idéia central é
recuperar a nação como um produto de todos nós - não eventualmente por
detentores do poder aqui e lá. Esta é a questão que me põe e que me traz
Sepetiba na alma, desde o momento em que nos convencemos de que este é
um projeto organizador do espaço brasileiro.
Todos aproveitarão se houver um hubport no Brasil. Sem uma política
portuária que defina com clareza assunções dos portos brasileiros, nenhum se
beneficiará se nenhum deles conseguir ser um porto competitivo para servir ao
comércio internacional, que avança dramaticamente em velocidade de navios,
em capacidade de carga de navios, em velocidade de embarque e
desembarque de navios. Estamos a reboque do comércio internacional, dos
portos do Norte mundial. e com uma deficiência de serviços profundamente
comprometedora da capacidade de competição dos produtos brasileiros.
Se não houver uma política portuária clara, que defina quem é hub, quem é
feeder, que defina quais são os investimentos prioritários para que a curto
prazo a economia brasileira possa melhorar a sua competitividade em produtos
de valor agregado, nós não sairemos do lugar. Repetiremos, daqui a dois ou
três anos, esta listagem de pontos de estrangulamento nesse sistema e
continuaremos marginais no sistema internacional de comércio.
Para terminar, gostaria de dizer que, nas circunstâncias atuais em que se
encontra a economia brasileira, ou conseguimos ampliar largamente o nosso
saldo de comércio - não pela contração das importações, mas pelo aumento do
saldo pela exportação de produtos de valor agregado - ou estamos condenados
a ser absolutamente dependentes dos humores de um sistema financeiro
internacional, que obrigará o País a não poder ter nenhuma forma de política
pública, de política que enfrente a questão do crescimento, a questão da
justiça social.
Este suspiro do dólar se deu pela taxa de juros estratosférica que o País está
praticando. No momento em que saírem com a mesma velocidade, estes
dólares que entraram... Eles saem porque são dólares à vista e é impossível
que você consiga construir um modelo em que o País realmente domine a sua
dinâmica interna.
Tenho certeza que Sepetiba, cruzando na ponta do Pacifico com outro porto,
significará também a transversabilidade, o corte da América do Sul pelo meio,
criando as condições para o que o professor e presidente Lessa chamou de "os
Estados Unidos da América do Sul". Precisamos disso, precisamos nos
fortalecer, fortalecendo laços e alianças da América do Sul, como vem fazendo
com a absoluta prioridade o Itamarati sob o governo Lula. Sepetiba é um
passo fundamental para que isso ocorra. Mas não adianta, num sistema de
logística integrado, não termos todos os elementos - se faltar um, a logística
está comprometida. Se tiver porto e não tiver a ferrovia, está comprometida;
se tiver a ferrovia, tiver o porto e não tiver a rodovia, está comprometida; se
não tiver o centro de logística, está comprometida; se não tiver a transmissão
de dados à distância, também. Esta é a visão sistêmica que tem que orientar
uma tomada de decisão claramente política, com uma definição de rumo e de
destino, para obter evidentemente os recursos que o BNDES pode mobilizar.
Dependemos atualmente dos concessionários privados que ocupam toda essa
cadeia de logística, em cada um desses serviços. Os portos de Sepetiba têm
concessionários privados, a ferrovia está privada, a rodovia está privada. Faço
daqui um apelo do fundo da alma, para que todos entendam que a concessão
do serviço não é uma doação do poder público a particulares, mas um encargo
dos particulares para com o interesse público. Eles precisam acordar ao apelo
que o BNDES faz aqui, e ao significado deste encontro, para que, por favor,
tomem investimentos e façam os financiamentos, mas executem este conjunto
de medidas para que o Brasil, de alguma maneira, possa ter uma forma de
auto-determinação em relação à sua brutal dependência externa. Muito
obrigado.
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