XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012
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INTERCULTURALIDADE E EDUCAÇÃO: DESAFIOS PARA A
REINVENÇÃO DA ESCOLA
Susana Sacavino
Novamerica – PUC –Rio
Diferentes grupos socioculturais invadem os cenários públicos em diversos países
latino-americanos e, particularmente, no contexto brasileiro. Tensões, conflitos,
tentativas de diálogo e negociação entre os diversos atores se multiplicam. Em cada
situação esta problemática adquire uma configuração específica, articulada com as
diversas construções históricas e político-culturais de cada realidade. Neste contexto o
desenvolvimento da educação intercultural constitui certamente nas últimas décadas um
processo complexo, plural e original. O presente trabalho está referido à pesquisa que
realizamos, de março de 2009 a fevereiro de 2012, com o apoio do CNPq, intitulada
“Interculturalidade e Educação na América Latina e no Brasil: saberes, atores e
buscas”. Tem como principal foco a construção de uma perspectiva intercultural capaz
de mobilizar práticas educativas que visem uma educação critica tendo como horizonte
a reinvenção da escola. O texto está estruturado em quatro partes. A primeira parte
apresenta uma aproximação do referencial teórico trabalhado centrado nas contribuições
para o tema do desenvolvimento da interculturalidade na América Latina e no
pensamento de Boaventura de Sousa Santos. A segunda parte, apresenta o processo de
construção do mapa conceitual sobre educação intercultural construído pela equipe de
pesquisa. A terceira parte, visibiliza algumas tensões e desafios para o desenvolvimento
de práticas educativas interculturais no nosso contexto, particularmente no âmbito
escolar. Para finalizar, tecemos algumas considerações sobre a temática abordada com a
convicção de que a educação intercultural é uma tarefa complexa. Para que esta questão
seja trabalhada é fundamental introduzi-la na agenda do debate público de diferentes
âmbitos sociais, especialmente referido à escola e à formação de educadores.
Palavras chaves: Educação Intercultural; Mapa Conceitual; Cotidiano Escolar.
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Diferentes grupos socioculturais invadem os cenários públicos em diversos
países latino-americanos e, particularmente, no contexto brasileiro. Tensões, conflitos,
tentativas de diálogo e negociação entre os diversos atores se multiplicam. Em cada
situação esta problemática adquire uma configuração específica, articulada com as
diversas construções históricas e político-culturais de cada realidade.
A afirmação das diferenças – étnicas, de gênero, orientação sexual, religiosas,
entre outras - se manifesta em todas as suas cores, sons, ritos, saberes, crenças e modos
de expressão. As problemáticas são múltiplas, visibilizadas pelos movimentos sociais,
que denunciam injustiças, desigualdades e discriminações, reivindicando igualdade de
acesso a bens e serviços e reconhecimento político e cultural. Esses movimentos nos
colocam diante da construção histórica do continente, marcada pela negação dos
“outros”, física e/ou simbólica, ainda fortemente presentes nas nossas sociedades.
É neste universo de questões, conflitos e buscas que situamos a emergência da
perspectiva intercultural na América Latina em geral e, especificamente, no Brasil.
Neste processo, redistribuição sócio-econômica e reconhecimento cultural (Fraser,
2001) são pólos que se exigem mutuamente e que compõem bandeiras de luta na atual
dinâmica social e política dos países latino-americanos.
O presente trabalho parte deste universo de preocupações e está referido à
pesquisa que realizamos, de março de 2009 a fevereiro de 2012, com o apoio do CNPq,
intitulada “Interculturalidade e Educação na América Latina e no Brasil: saberes,
atores e buscas”.
Tem como principal foco a construção de uma perspectiva intercultural capaz de
mobilizar práticas educativas que visem uma educação critica tendo como horizonte a
reinvenção da escola. O texto está estruturado em quatro partes. A primeira parte
apresenta uma aproximação do referencial teórico trabalhado centrado nas contribuições
para o tema do desenvolvimento da interculturalidade na América Latina e as
contribuições de Boaventura de Sousa Santos. A segunda parte apresenta o processo de
construção do mapa conceitual sobre educação intercultural construído pela equipe da
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pesquisa. A terceira parte apresenta algumas tensões e desafios para o desenvolvimento
de práticas educativas interculturais no nosso contexto, particularmente no âmbito
escolar. Para finalizar, tecemos algumas considerações sobre a temática abordada.
Fundamentação teórica
O desenvolvimento da pesquisa teve por base dois eixos principais de referência
para o aprofundamento teórico-metodológico da problemática focalizada.
O primeiro eixo refere-se à interculturalidade. Existem hoje diferentes enfoques
e uma ampla literatura sobre o significado tanto de interculturalidade como de educação
intercultural. Apresentamos alguns desses enfoques trabalhados na pesquisa já referida,
tendo por base autores latino-americanos.
Ansión (2000:44), especialista peruano com significativa produção bibliográfica,
destaca que a interculturalidade não se limita a valorizar a diversidade cultural, nem a
respeitar o direito de cada um a manter sua própria identidade. Busca ativamente
construir relações entre grupos sócio-culturais. Implica uma disposição a aprender e a
mudar no contato com o outro. Não coloca o fortalecimento de identidades como
condição para o diálogo, mas assume que as identidades se constroem na própria tensão
dinâmica do encontro, que se dá também muitas vezes no conflito, mas que se
reconhece como fonte de desenvolvimento para todos.
Também nessa linha Tubino (2005:2), filósofo, também peruano e especialista
nesta temática, afirma que a interculturalidade surge como um discurso que busca criar
condições para o diálogo entre os membros das diversas culturas que coexistem num
país. Propõe uma atitude dialógica e um respeito à diversidade vista como potencial e
como fonte de riqueza.
Este autor diferencia o termo segundo os contextos de referência em:
interculturalidade descritiva ou aplicativa, interculturalidade como princípio normativo,
como fortalecimento da identidade étnica e numa perspectiva ético-política.
A visão de Catherine Walsh (2007), coordenadora do Programa de Estudos
Culturais Latino-americanos da Universidade Andina Simon Bolívar de Quito
(Equador), distingue interculturalidade não crítica e crítica.
Entende como interculturalidade não crítica a que pode ser identificada em
políticas ou programas implementados por alguns governos neoliberais, que respeitam a
particularidade cultural (ou lingüística e cultural), ao mesmo tempo em que enfatizam a
necessidade de aceder ao “verdadeiro” saber da “cultura universal”: o conhecimento que
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provêm da tradição científica euro-usa-céntrica (ou seja, reforça a colonialidade do
saber). O inter aqui significa simplesmente o ato de apreender do próprio e do universal,
uma particularidade hegemônica, oriunda da modernidade convertida em universal.
Trata-se de uma posição que enfatiza uma visão hierárquica que reafirma a
superioridade da cultura ocidental.
A perspectiva da autora em relação com o que define como interculturalidade
crítica está em sintonia com o enfoque que assumimos na pesquisa realizada.
A interculturalidade crítica se coloca como:
uma construção de e desde os grupos/comunidades que tem sofrido uma história de
submissão e subalternização. Uma proposta de um projeto político que também pode
implicar uma aliança com pessoas e grupos que, de igual forma, buscam alternativas à
globalização neoliberal e à racionalidade ocidental, e que lutam tanto para a
transformação social como para criar condições do poder, do saber e do ser muito
diferentes. Pensada desta forma, a interculturalidade crítica não é um processo ou
projeto étnico, nem um projeto da diferença em si mesma. É um projeto de existência,
de vida. (p.7-8)
Neste sentido, a interculturalidade crítica é prática política alternativa à
geopolítica hegemônica, monocultural e mono-racional de construção do conhecimento,
de distribuição do poder e de caráter social. Trata-se de uma ferramenta, uma estratégia
e uma manifestação de uma maneira “outra” de pensar e agir. Um projeto de pensar e
agir que se constrói de baixo para cima, que exige articulação em suas propostas dos
direitos de igualdade com os direitos da diferença.
Quanto ao segundo eixo do referencial teórico, foi centrado no aprofundamento
das relações entre interculturalidade, educação e democracia. Nele privilegiamos as
contribuições do sociólogo português Boaventura Sousa Santos, com o qual temos
mantido uma interlocução intensa nos últimos anos em relação a temas como direitos
humanos, a tensão entre igualdade e diferença, entre democracia e multiculturalismo.
Consideramos que seu pensamento oferece elementos inovadores e especialmente
oportunos para se pensar as questões da interculturalidade em contextos como os dos
diferentes países da América Latina, em que a articulação entre políticas de igualdade e
de reconhecimento constitui um aspecto fundamental para a afirmação dos processos
democráticos.
Este autor trabalha em vários de seus textos a questão da tensão entre igualdade
e diferença, isto é, da passagem da afirmação da igualdade ou da diferença para a da
igualdade na diferença. Não se trata de, para afirmar a igualdade, negar a diferença, nem
de uma visão diferencialista absoluta, que relativize a igualdade. A questão está em
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como trabalhar a igualdade na diferença, e aí é importante mencionar o que Santos
(2006) chama de o novo imperativo transcultural, que no seu entender deve presidir
uma articulação pós-moderna e multicultural das políticas de igualdade e diferença:
“temos o direito a ser iguais, sempre que a diferença nos inferioriza; temos o direito de
ser diferentes sempre que a igualdade nos descaracteriza” (p. 462).
É nessa dialética entre igualdade e diferença, entre superar toda a desigualdade
e, ao mesmo tempo, reconhecer as diferenças culturais, que os desafios dessa
articulação se colocam. Para este autor, é fundamental para esta articulação o diálogo
intercultural. Esse diálogo vai exigir o desenvolvimento do que denomina uma
hermenêutica diatópica, assim concebida:
A hermenêutica diatópica baseia-se na idéia de que os topoi de uma dada cultura, por
mais fortes que sejam, são tão incompletos quanto a própria cultura a que pertencem
[...]. O objetivo da hermenêutica diatópica não é, porém, atingir a completude – um
objetivo inatingível – mas, pelo contrário, ampliar ao máximo a consciência de
incompletude mútua através de um diálogo que se desenrola, por assim dizer, com um
pé numa cultura e outro noutra. Nisto reside seu caráter diatópico (Santos, 2006, p.
448).
A construção democrática assentada na afirmação dos direitos humanos supõe o
diálogo intercultural, que, por sua vez, exige o exercício da hermenêutica diatópica. Esta
constitui uma tarefa complexa e desafiante, que está dando apenas seus primeiros
passos. São poucos os autores e as iniciativas que se colocam nesta perspectiva. Por
outro lado, as concepções dominantes sobre o diálogo intercultural se situam, em geral,
numa perspectiva liberal e focalizam com freqüência as interações entre diferentes
grupos socioculturais de modo superficial, sem enfrentar a temática das relações de
poder que as perpassam. A concepção de Boaventura Sousa Santos sobre o diálogo
intercultural, suas condições e limites, ofereceu uma perspectiva especialmente
instigante e provocativa para a nossa pesquisa.
Tendo como referência esses dois eixos teóricos entendemos que a
interculturalidade é concebida como um processo e uma estratégia ética, política e
epistêmica. Nesta perspectiva os processos educativos são fundamentais. Através deles
se questiona a colonialidade presente na sociedade e na educação, se desvela o racismo
e a racialização das relações, se promove o reconhecimento de diversos saberes e o
diálogo entre diferentes conhecimentos, combate-se as diferentes formas de deshumanização, promovem-se a construção de identidades e o empoderamento de pessoas
e grupos excluídos, favorecendo processos de construção coletiva na perspectiva de
projetos de vida pessoal e de sociedades “outras” (Walsh 2007).
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A construção do mapa conceitual sobre educação intercultural
Tendo presente a pluralidade de concepções de educação intercultural já
mencionadas, assim como o referencial teórico por nós privilegiado, consideramos
importante construir coletivamente o mapa conceitual que orientaria nossos trabalhos.
Segundo Novack (1998), mapa conceitual é um recurso esquemático que
graficamente ajuda a representar um conjunto de significados conceituais incluídos
numa estrutura de proposições, que serve como uma ferramenta para organizar e
representar conhecimento e para a aprendizagem. O mapa conceitual permite identificar
e representar relações entre diferentes conceitos numa área particular de conhecimentos.
(Arellano e Santoyo, 2009:42)
A questão focal que orientou nossos trabalhos foi: em que consiste a educação
intercultural?
O passo inicial consistiu em definir as categorias básicas. Depois de vários
encontros, chegamos a assumir consensualmente que eram as seguintes:
Figura1
Educação Intercultural
Categorias Básicas do Mapa Conceitual
SABERES E
SUJEITOS E ATORES
CONHECIMENTOS
ATORES
EDUCAÇÃO
INTERCULTURAL
PRÁTICAS
POLÍTICAS
SOCIOEDUCATIVAS
PÚBLICAS
A primeira categoria, sujeitos e atores, refere-se à promoção de relações tanto
entre sujeitos individuais, quanto entre grupos sociais integrantes de diferentes culturas.
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A interculturalidade fortalece a construção de identidades dinâmicas, abertas e plurais,
assim como questiona uma visão essencializada de sua constituição. Potencia os
processos de empoderamento, principalmente de sujeitos e atores inferiorizados e
subalternizados e estimula os processos de construção da autonomia num horizonte de
emancipação social, de construção de sociedades onde sejam possíveis relações
igualitárias entre diferentes sujeitos e atores socioculturais.
Quanto à categoria de saberes e conhecimentos, convém ter presente que há
autores que empregam estes termos como sinônimos, enquanto outros os diferenciam e
problematizam a relação entre eles. O que chamamos conhecimentos estaria constituído
por conceitos, idéias e reflexões sistemáticas que guardam vínculos com as diferentes
ciências. Estes conhecimentos tendem a ser considerados universais e científicos, assim
como a apresentar um caráter monocultural. Quanto aos saberes, são produções dos
diferentes grupos socioculturais, estão referidos às suas práticas cotidianas, tradições e
visões de mundo. São concebidos como particulares e assistemáticos. Com Koff (2009,
p. 61) acreditamos que, para além de uma discussão se os termos saber e conhecimento
são sinônimos ou não, podem ou não ser usados indistintamente, o mais importante é
considerar a existência de diferentes saberes e conhecimentos e descartar qualquer
tentativa de hierarquizá-los. Neste sentido, a perspectiva intercultural procura estimular
o diálogo entre os diferentes saberes e conhecimentos, trabalha a tensão entre
universalismo e relativismo no plano epistemológico, assumindo as tensões e conflitos
que emergem deste debate.
A categoria práticas socioeducativas referida à interculturalidade, exige colocar
em questão as dinâmicas habituais dos processos educativos, muitas vezes
padronizadores e uniformes, desvinculados dos contextos socioculturais dos sujeitos
que delem participam e baseados no modelo frontal de ensino-aprendizagem. Favorece
dinâmicas participativas, processos de diferenciação pedagógica, a utilização de
múltiplas linguagens e estimulam a construção coletiva.
A quarta categoria, políticas públicas, aponta para as relações dos processos
educacionais e o contexto político-social em que se inserem. A perspectiva intercultural
reconhece os diferentes movimentos sociais que veem se organizando, afirmando e
visibilizando em torno de questões identitárias, defende a articulação entre políticas de
reconhecimento e de redistribuição, não desvinculando as questões socioeconômicas das
culturais e apóiam processos de construção democrática que atravessem todas as
relações sociais, do micro ao macro, na perspectiva de uma democracia radical.
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Tendo presente as categorias básicas do mapa conceitual e as subcategorias de
cada uma delas, passou-se a propor palavras de ligação entre elas. Estas articulações
entre as categorias principais e as sub-categorias está dada por ações como por exemplo:
reconhece, constrói, valoriza, visibiliza, promove, fortalece, articula, estimula,
potencializa, etc. (Anexo 1).
É importante destacar que a interculturalidade mobiliza processos dinâmicos em
várias direções, cheios de criatividade e tensões e em permanente construção. Processos
enraizados nos diversos universos culturais atuais, caracterizados por questões de poder
e pelas grandes desigualdades sociais, políticas e econômicas. Este tal vez é o maior
desafio da interculturalidade e também da educação intercultural, não ocultar as
desigualdades, as contradições e conflitos das sociedades atuais, mas trabalhar com e
intervir neles.
Educação intercultural: desafios para as práticas escolares
Consideramos que o que está em questão hoje quando aprofundamos o debate
sobre a interculturalidade na América Latina é a própria possibilidade de construção de
estados pluriétnicos, plurilinguísticos e, inclusive, plurinacionais, assim como o
reconhecimento, construção e diálogo entre diferentes saberes e a afirmação de uma
ética em que a diferença cultural, a justiça, a solidariedade e a capacidade de construir
juntos se articulem. Trata-se de uma problemática complexa e controvertida.
Certamente a educação ocupa um lugar fundamental nesta construção.
Temos procurado identificar e enumerar alguns dos desafios que temos de
enfrentar se quisermos promover uma educação intercultural, crítica e emancipatória,
orientada a desenvolver um processo de reinvenção da escola. Assinalamos alguns,
agrupados em torno de determinados núcleos que consideramos fundamentais.
O primeiro está relacionado à necessidade de desconstrução. Para a promoção
de uma educação intercultural nesta perspectiva é necessário penetrar no universo de
preconceitos e discriminações que impregna – muitas vezes com caráter difuso, fluido e
sutil – todas as relações sociais que configuram os contextos em que vivemos, entre os
quais a escola. A ‘naturalização’ é um componente que faz em grande parte invisível e
especialmente complexa essa problemática. Promover processos de desnaturalização e
explicitação da rede de estereótipos e pré-conceitos que povoam nossos imaginários
individuais e sociais de educadores, como de nossos alunos, é um elemento fundamental
sem o qual é impossível caminhar. Outro aspecto imprescindível é questionar o caráter
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monocultural e o etnocentrismo que, explícita ou implicitamente, estão presentes na
escola e nas políticas educativas e impregnam os currículos escolares; é perguntar-nos
pelos critérios utilizados para selecionar e justificar os conteúdos escolares, é
desestabilizar a pretensa “universalidade” e “neutralidade” dos conhecimentos, valores e
práticas que configuram as ações educativas.
Um segundo núcleo de preocupações se relaciona à articulação entre igualdade
e diferença no nível das políticas educativas, assim como das práticas pedagógicas. Esta
preocupação supõe o reconhecimento e a valorização das diferenças culturais, dos
diversos saberes e práticas e a afirmação de sua relação com o direito à educação de
todos/as. Reconstruir o que consideramos ‘comum' a todos e todas, garantindo que nele
os diferentes sujeitos socioculturais se reconheçam, assegurando, assim, que a igualdade
se explicite nas diferenças que são assumidas como referência comum, rompendo, dessa
forma, com o caráter monocultural da cultura escolar.
Quanto ao terceiro núcleo, ele se relaciona com o resgate dos processos de
construção das identidades socioculturais, tanto no nível pessoal como coletivo. Um
elemento fundamental nesta perspectiva são as histórias de vida e da construção dos
diferentes indivíduos e comunidades. É muito importante esse resgate das histórias de
vida e que elas possam ser contadas, narradas, reconhecidas, valorizadas como parte de
processo educacional. Este aspecto se relaciona também ao reconhecimento e à
promoção do diálogo entre os diferentes saberes, conhecimentos e práticas dos
diferentes grupos culturais.
Um último núcleo tem como eixo fundamental promover experiências de
interação sistemática com os ‘outros’: para sermos capazes de relativizar nossa própria
maneira de situar-nos diante do mundo e atribuir-lhe sentido, é necessário que
experimentemos uma intensa interação com diferentes modos de viver e expressar-se.
Não se trata de momentos pontuais, mas da capacidade de desenvolver projetos que
suponham uma dinâmica sistemática de diálogo e construção conjunta entre diferentes
pessoas e/ou grupos de diversas procedências sociais, étnicas, religiosas, culturais etc.
Exige também reconstruir a dinâmica educacional. A educação intercultural não pode
ser reduzida a algumas situações e/ou atividades realizadas em momentos específicos
nem focalizar sua atenção exclusivamente em determinados grupos sociais. Trata-se de
um enfoque global que deve afetar todos os atores e todas as dimensões do processo
educativo, assim como os diferentes âmbitos em que ele se desenvolve. No que diz
respeito à escola, afeta a seleção curricular, a organização escolar, as linguagens, as
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práticas didáticas, as atividades-extraclasse, o papel do/a professor/a, a relação com a
comunidade etc.
Outro elemento de especial importância se refere a favorecer processos de
“empoderamento”, principalmente orientados aos atores sociais que historicamente
tiveram menos poder na sociedade, ou seja, tiveram menores possibilidades de influir
nas decisões e nos processos coletivos. O “empoderamento” começa por liberar a
possibilidade, o poder, a potência que cada pessoa tem para que ela possa ser sujeito de
sua vida e ator social. Outro aspecto fundamental é a formação para uma cidadania
aberta e interativa, capaz de reconhecer as assimetrias de poder entre os diferentes
grupos culturais e de trabalhar os conflitos e promover relações solidárias.
O desenvolvimento de uma educação intercultural na perspectiva apresentada
neste texto é uma questão complexa, atravessada por tensões e desafios. Exige
problematizar diferentes elementos do modo como hoje, em geral, concebemos nossas
práticas educativas e sociais.
Considerações finais
O desenvolvimento da educação intercultural na América Latina constitui
certamente nas últimas décadas um processo complexo, plural e original.
Consideramos que o desafio fundamental está em vincular as propostas de
educação intercultual à perspectiva da interculturalidade crítica. Trata-se de uma tarefa
complexa, pois na maioria dos países em que a interculturalidade foi introduzida nas
políticas públicas, em geral e, especificamente no âmbito educacional, predomina uma
abordagem aditiva, em muitos casos folclorizante, que se limita a introduzir
componentes das culturas de grupos sociais considerados “diferentes”, particularmente
indígenas e afro-descendentes, no currículo escolar.
Para que esta questão seja trabalhada é fundamental introduzi-la na agenda do
debate público de diferentes âmbitos sociais. No caso da educação, esta discussão ainda
está muito pouco presente nas instituições responsáveis pela formação de educadores, o
que constitui um grande obstáculo para o seu desenvolvimento. No entanto, existe uma
sensibilidade e uma visibilização crescentes das diferenças nas práticas escolares muitas
vezes a partir de situações conflitivas, o que permite afirmar que o debate sobre a
educação intercultural está chamado a se afirmar, mesmo através da polêmica e do
confronto de posições, e constitui um componente importante nos processos de
reinvenção da escola, Isto é, de construção de uma educação escolar que apresente
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propostas significativas para se enfrentar os desafios colocados pela sociedade
contemporânea.
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Anexo 1
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