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16 de novembro de 2013
Reflexões sobre a Obra de
Dr. Paulo Cesar Sandler
“Qual o preço de percebermos quem
psicanalíticos.
Referencias,
hipóteses,
somos na realidade? E de percebermos que
inferências e desenvolvimentos que Paulo, tal um
podemos estar sobrevivendo sem viver, tentando
músico de Jazz, improvisa sobre o tema – A obra
ser quem não somos? Quando e como as
de Bion, seus ensinamentos, sua
formulações daquilo que não somos foram
contemporânea de pensar, suas advertências e
tomadas por aquilo que somos? Quando e como
sua forma
o nome de nossas mentiras foi tomado como se
clásiccos, Freud
fosse
psicanálise um estatuto de um saber vivo,
descrição
de
nossa
realidade?
O
desenvolvimento da obra Bacon, Hobbes, Locke,
maneira
de fazer um passeio, relendo os
e Melanie Klein, dando à
humano, científico, artístico, místico e atual.
Voltaire, Helvétius, Diderot, Kant, Goethe em
Paulo, já em sua “Introdução à uma
Freud implicou deixar de considerar o princípio
Memória do Futuro” provoca todos nós, analistas
do prazer/desprazer como se fosse único,
e analistas em formação: “Será que os fenômenos
absoluto. E chegar ao seu contraponto, o
que Bion tenta descrever são fenômenos
princípio de realidade”
simples? Pode ser que as complexidades que
Paulo Cesar Sandler em “Não e
Frustação”
no
e
também devam à natureza destes mesmos
Urgência, A Apreensão da realidade psíquica,
fenômenos. Cada frase de Bion é plena de
volume 4, pag. 47, Editora Imago. Dr. Paulo
mensagens da aventura/desventura humanas.
Cesar Sandler, é paulistano, médico, psicanalista
Bion as formula nas fronteiras da Percepção e da
e analista didata da Sociedade Brasileira de
Verdade; no âmago das atrocidades que o ser
Psicanalise de São Paulo. Autor de vários livros
humano é capaz. E as formulações que Bion fez
de
inglês,
são moldadas no plástico da dúvida, no mistério
especialmente livros dedicados à Obra de
da vida. Paradoxalmente, Bion escreve sobre
psicanalise
seu livro:
em
“Turbulência
muitas pessoas sentem nos livros e idéias de Bion
português
indiano,
coisas simples – exatamente como a psicanálise,
contemporâneo e que desenvolve as teorias de
que é simples. O simples aqui está sendo
Freud
sempre
entendido como elementar e básico... “Perceber”
preocupado com a formação da pessoa do
é apenas o primeiro passo. Comunicar a
Analista.
percepção é o problema seguinte. Seus trabalhos
Wilfred
R.
e
Bion
Melanie
–
e
analista
Klein.
Autor
O recorte que desejo fazer nesse
mais antigos lançavam mão de novas palavras;
momento é, de preferência , sobre A função do
ele desejava que estes termos pudessem
Analista nos escritos de Paulo Sandler, ao
permanecer vazios de significados. ... Nada de
depurar, debruçar horas e horas a fio na obra de
fotografias do fogo – mas o próprio fogo.”
Wilfred Bion, e em seus estudos e escritos
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Reflexões sobre a Obra de Dr. Paulo Cesar Sandler
Carlos de Almeida Vieira
Com isso, Bion, psicanalista indiano nos
de todos nós o que Paulo enfatiza,e agora
é sempre apresentado, e ele o é, como um
recordo, será um desastre para nós analistas, se
“subversivo”, moderno, atonal, preocupado em
lemos e ouvimos tudo isso sem sentir cada
escrever e propor novos arranjos para a pesquisa
palavra, cada conceito. Bion sempre frisou que
psicanalítica e especialmente, preocupado com a
uma coisa é fazer análise, outra completamente
pessoa do Analista. Assim como C. Debussy
diferente e esperada é “sentir e experimentar
falava em suas aulas no Conservatório de Paris:
análise”. No nordeste há uma expressão, que
Ele escrevia, após os mestres conservadores
sempre ouvi desde menino, do querido afro
darem classes de harmonias, suas novas
descendente Café, empregado de meu pai– na
harmonias, suas frases que cognominou de
vida a gente precisar ter “sofrenças”. Anos após,
“frases femininas”, frases em “aberto”, sem
lendo o velho Graça, Graciliano Ramos,
conclusão harmônica. A própria idéia de
encontrei a palavra escrita por sua pena –
instauração! Bion e Paulo, em sua leitura e
sofrença é quando a gente experimenta de corpo,
elaboração mantém esse clima, um clima
alma e razão a alegria e a dor do viver; sofrença
de”suspensão de conceitos fechados, saturados”,
é quando a experiência atravessa por dentro do
preferindo
corpo e da alma.
um
pensamento
que
vai
se
desenvolvendo a partir da experiência e
observação da realidade factual e
Os livros de Paulo Sandler, hoje lidos
psíquica.
por esse mundo afora, já escritos em várias
Outro dia, ouvia uma entrevista de um
línguas, o que hoje agradecemos, alguns ainda
franciscano, Frei Chico, de Diamantina – ele
não traduzidos para o português, infelizmente!,
dizia de uma maneira simples e profunda: “A
têm uma importância vital para a formação e
verdade não começa com a Teoria. A verdade
desenvolvimento dos analistas. Paulo, com
começa com a experiência de observar a
cuidado, precisão de conceitos, com uma cultura
realidade sensorial e psíquica. “Intuí nessas
humanística,
palavras que a “função analítica”, tema de um
artística, oferece ao mundo psicanalítico uma
dos livro de Paulo, começa com a capacidade de
obra que a meu ver, já se faz necessária nos
cheirar, olhar, ouvir com a alma e não com os
programas dos Institutos de Psicanálise. Fazendo
olhos da face, os pedaços, os caquinhos,
uma releitura permanente da obra de Freud;
fragmentos da linguagem do analisando. A partir
traduzindo, clareando e realizando o pensamento
de viver, experimentar a equipagem da função
bioniano; juntando tudo isso com uma cultura nas
analítica, da capacidade negativa (ausência de
áreas de filosofia, matemática, física, literatura,
julgamento de valores, abstinência disciplinada,
música. responde ao.
filosófica,
teórica,
clínica
e
livres de fatores autoritários; da capacidade
Como meu olhar recai na preocupação
positiva(Compaixão, verdade, capacidade de
da formação de analistas, tema que me dedico
acolher e conviver com a dor psíquica, tolerância
nesse últimos anos, fiz a escolha de trazer, direta
aos
a
e indiretamente onde repousam essas questões no
preocupação e importância no desenvolvimento
2º. Volume dessa obra de Paulo- “Função
da função analítica. Por mais óbvio e conhecido
Analitica e função do Analista”.
paradoxos),
nosso
Paulo
enfatiza
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16 de novembro de 2013
falhas
Destaco os sintomas das dificuldades ou
sonhados
na
interpretação e os fenômenos de transformações,
paramnesia”
função
do
analítica:
analista,
a
“extensa
teorizando
dos
analisandos;
a
atenção
e
para
a importância da noção de continente-conteudo,
esconder a verdade de sua ignorância; pouca ou
tudo isso requer um analista que esteja cuidando
às vezes nenhuma capacidade de apreender e
sempre da sua “função analítica”.
observar a natureza alucinatória do fenômeno
Usarei agora, para falar do nosso autor,
transferencial; a falta de reconhecimento de que
Paulo Sandler, metáforas que recolhi da
a identificação projetiva é uma fantasia e a perda
Literatura, afinal, essa é a linguagem escolhida
da
observacional,
por Bion na “Memória do Futuro”, uma
transformando sua fala em respostas sedutoras
linguagem literária para realizar seus pontos de
dando respostas formais. Ouso acrescentar que,
vista acerca da psicanálise.
capacidade
intuitiva
e
dificuldades como essas e outras, como pouca ou
Escolhi de três autores, recortes da arte
quase nenhuma capacidade para sonhar, associar
de lidar com a literatura e a poesia; seus métodos
livremente e manter a atenção flutuante versus
de escrita e de capacidade de observação do
uma psicanálise longitudinal, explicativa, às
fenômeno humano, e seus cuidados com sua
vezes pedagógicas, tem transformado a prática
paixão – a literatura. M.H.Abrams em seu belo
psicanalítica numa pseudoanálise ou numa
livro “O Espelho e a Lâmpada, uma teoria
psicoterapia com “cara” de psicanálise.
romântica e tradição crítica”, Edidora UNESP,
Os livros de Paulo, sua “fé” numa
citando a metáfora de “transbordamento” de
pesquisa permanente em busca da “realidade
Wordsworth, escreve:”Agora a direção aponta
última”, o inconsciente, reforçam a idéia de que,
para o artista: o foco de atenção está na relação
nesses tempos de cultura da atividade, do
dos elementos da obra com seu estado mental, e
consumo excessivo, da “descrença” no pensar
a sugestão, sublinhada pelo termo “espontâneo”,
como experiência emocional, precisamos cuidar
é que a dinâmica do transbordamento é inerente
da nossa “paixão”. A psicanálise que Paulo nos
ao poeta e, talvez, fora do seu controle, entenda-
passa em toda sua obra é uma psicanálise viva,
se, vinda do inconsciente... transbordamento,
profunda, da relação analista-analisando, e
significa o interior transformado em exterior, e
principalmente do cuidado com a observação
isso remete à palavra “expressão” que em
clínica. Em sua leitura da contribuição de Bion à
alemão(Ausdruck)
função analítica, Paulo faz questão de frisar que:
pressionado para fora como se houvesse uma
o principal ponto que diz respeito ao analista é a
força estranha a nós”.
significa
“o
interior
é
evidencia da experiência emocional dentro da
Na leitura dos livros de Paulo encontro
sessão; aquilo que Freud falava do que “estava
uma postura e um cuidado com a arte de
ocorrendo, o “aqui e o agora”. Isso nos remete a
psicanalizar, e um método de escrita que me
considerar que a associação livre e a atenção
lembra João Cabral de Melo Neto, Carlos
flutuante dos dois parceiros; a experiência
Drummond de Andrade e Graciliano Ramos. Do
permanente
primeiro
de
viver
a
transferencia-
uma
preocupação
antecipada
de
“preparar de antemão o arcabouço do livro, o seu
contratransferencia; o sonhar os sonhos não
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Reflexões sobre a Obra de Dr. Paulo Cesar Sandler
Carlos de Almeida Vieira
alcance, do que escrever aleatóriamente os
espaço./ Chega mais perto e contempla as
poemas que irão lhe dar volume.
palavras/ Cada uma/ tem mil faces secretas sob a
-João Cabral de Melo Neto dedicou à
face neutra/ e te pergunta, sem interesse por
sua filha Inez os versos seguintes:
resposta,/ pobre ou terrível, que lhe deres:
“Certa poesia, mesmo quando impressa/
Truxestes a chave? Repara: ermas de melodia e
guarda o ininteligível do pensamento/ ou a
conceito/ elas se refugiam na noite, as palavras./
caligrafia original, e a compreensão/ precisa ser
Ainda úmidas e impregnadas de sono,/ rolam
desentranhada da “letra de médico”./ O que é
num rio difícil e se transformam em desprezo.”
dito, o não dito, tem que ser decifrado/ ou
Finalmente, do terceiro, Graciliano
adivinhado, mas nem tudo se esclarece:/ há mal
Ramos, o maior rigor da escrita literária da nossa
entendidos, interditos, palavras e sentido/
Literatura,
incompreensíveis, lacunas, que perduram/ e
Sandler:
perguntam sem remédio, sem receita.”
termino minha saudação a Paulo
“Deve-se escrever da mesma maneira
Do segundo, Drummond, o sentimento
como as lavadeiras lá de Alagoas fazem seu
do mundo e a preocupação por procurar a poesia:
oficio. Elas começam com uma primeira lavada,
“Penetra surdamente no reino das
molham a roupa suja na beira da lagoa ou do
palavras./ lá estão os poemas que esperam ser
riacho, torcem o pano, molham-no novamente,
escritos./ Estão paralisados,
há
voltam a torcer. Colocam o anil, ensaboam e
desespero,/ há calma e frescura na superfície
torcem uma, duas vezes. Depois enxáguam, dão
intata./ Ei-los sós e mudos, em estado de
mais uma molhada, agora jogando a água com a
dicionário./ Convive com teus poemas, antes de
mão. Batem o pano na lage ou na pedra limpa, e
escrevê-los./ Tem paciência, se obscuros. Calma,
dão mais uma torcida e mais outra, torcem até
se te provocam./ Espera que cada um se realize e
não pingar do pano uma só gota. Somente depois
consume/ com seu poder de palavra/ e seu poder
de feito tudo isso é que elas dependuram a roupa
de silêncio./ Não forces o poema a desprender-se
lavada na corda ou no varal, para secar. Pois
do limbo./ Não colhas no chão o poema que se
quem se mete a escrever devia fazer a mesma
perdeu./ Não adules o poema. Aceita-o/ como ele
coisa. A palavra não foi feita para enfeitar, brilhar
aceitará sua forma definitiva e concentrada/ no
como ouro falso: a palavra foi feita para dizer”.
mas não
Carlos de Almeida Vieira
Psicanalista Didata IPA SPB/SPRPE/NPA
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data de publicação: 16/11/2013
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