MILITARIZAÇÃO DE BEBÊS 1-Pamela Druckerman, autora do livro “Crianças francesas não fazem manha” é uma americana que se encantou com o fato das crianças francesas não chorarem. Ela descreve o método que tem em A Pausa o seu fundamento essencial. No livro, ela descreve uma francesa típica chamada Alessandra. Eis um pequeno trecho do livro Na França as crianças não choram: “Alessandra, cujas filhas dormem a noite toda desde que ainda estavam no hospital, diz que é claro que não ia correndo para cima delas no mesmo segundo em que choravam. Às vezes ela esperava de cinco a dez minutos antes de pegá-las. Queria ver se elas precisavam dormir entre ciclos de sono ou se alguma coisa as estava incomodando: fome, fralda suja ou apenas ansiedade... Alessandra é extremamente calorosa. Não estava ignorando seus bebês recém-nascidos… estava observando-os… Ela acreditava que quando choravam, estavam dizendo alguma coisa a ela. Durante A Pausa ela observava e escutava. (Ela acredita que há uma outra razão para A Pausa: ensiná-los a ter paciência)”(p.58). Dr. Cohen, o pediatra, mentor das ideias do livro em pauta diz: “Minha primeira intervenção é para dizer que, quando seu bebê nasce, você não precisa pular em cima dele à noite” (p.56). 2-Bion, em 1959, ou seja, há quase meio século atrás, escreveu o seguinte: A violência de um paciente para comigo era “uma reação ao que ele sentia como sendo uma atitude defensiva hostil, de minha parte. A situação analítica provocou em minha mente a sensação de presenciar uma cena extremamente antiga. Sentia que o paciente experimentara na infância uma mãe que correspondia zelosa às demonstrações emocionais do bebê. Esta resposta zelosa continha um elemento de um impaciente “não sei o que há com essa criança”. Minha dedução foi de que a mãe, para entender a criança, deveria ter tratado o choro do bebê como algo mais do que uma exigência da presença dela. Do ponto de vista do bebê, ela deveria pôr para dentro de si, e, portanto experimentar, o medo de que o filho estivesse morrendo. Era este medo que a criança não conseguia conter. Esforçava-se ela por cindi-lo e afastá-lo, junto com a parte da personalidade em que se encontrava o mesmo, e projetá-lo dentro da mãe. A mãe compreensiva é capaz de experimentar a sensação de pavor – com a qual esse bebê se esforçava por lidar através da identificação projetiva – e, ainda assim, manter uma visão equilibrada. Este paciente tivera de lidar com uma mãe que não conseguia tolerar experimentar tais sensações e que reagia ora barrando-lhes o ingresso, ora tornando-se presa de uma ansiedade que decorria da introjeção das sensações do bebê. Esta última reação, creio eu, deve ter sido rara; predominava a negativa ao ingresso. Para alguns, essa reconstrução parecerá excessivamente fantasiosa. A mim não parece forçada, e é a resposta a quem possa objetar que se dá demasiado relevo à transferência a ponto de se excluir a devida elucidação das recordações precoces. (Estudos Psicanalíticos Revisados p.96) 3-Freud e Melanie Klein, há mais tempo ainda, escreveram que criança mimada ou descuidada não pode dar em boa coisa. 4-Bion, Pamela Bion e a babá. Paulo Marchon O primeiro gênio da família parece ter sido Wilfred. A mãe dele era fria e distante – pelo menos, na descrição de Bion. Mas, parece que, não obstante esta distância, ela conseguiu ter “reverie” suficiente para aceitar os pavores de morte do menino Wilfred, tanto que, na idade madura, Bion pôde descobrir a teoria da “Reverie” materna e criar uma obra que, para muitos, atinge a genialidade. Bion confessa em sua autobiografia, o sofrido episódio com sua filha Partênope – cuja mãe falecera no seu parto. Meses depois, quando Partênope estava ainda aprendendo a engatinhar, ocorreu o fato. Nesta época, Bion estava bem de vida material, seu consultório estava em franca atividade. Já havia obtido importantes medalhas, fruto de sua brilhante passagem pelo curso médico. Não obstante esta razoável situação profissional, Bion escreveu: “Eu me sentia como nunca havia me sentido antes; paralisado e insensível. Que algo estava errado, devia estar, ficou-me claro em um fim-de-semana, quando eu estava sentado no gramado, perto da casa, e Partênope estava se arrastando perto de um canteiro de flores, do lado oposto do gramado. Ela começou a me chamar; queria que eu fosse lá. Permaneci sentado. Depois ela começou a se arrastar em minha direção. E me chamava como se esperasse que eu fosse buscá-la. Permaneci sentado. Ela continuou a se arrastar e agora seus chamados ficavam perturbadores.Permaneci sentado. Fiquei olhando: ela continuava na dolorosa jornada através da vasta extensão, como deve ter lhe parecido, que a separava de seu papai. Permaneci sentado, mas me senti amargo, irritado, ressentido. Por que ela estava fazendo isto comigo ? Não tão audível era a questão: “Por que você faz isto com ela ?”. A babá não podia agüentar e foi lá buscá-la. “Não”, eu disse, “deixe-a se arrastar. Não vai lhe fazer nenhum mal”. Ficamos olhando a criança a se arrastar dolorosamente. Ela estava chorando com amargura, mas se agarrou bravamente à sua tentativa de vencer a distância. Eu me sentia como se estivesse preso por uma prensa. Não. Eu não iria lá. Finalmente a babá, olhando-me atônita em um relance, ignorando a minha proibição, foi buscá-la. O encanto quebrouse. Fui libertado. O bebê parou de chorar e estava sendo reconfortado por braços maternais. Mas eu, eu havia perdido minha criança. Espero que não haja vida futura. Eu havia pedido a Betty [ primeira esposa de Bion e mãe de Partênope ] que ela tivesse um bebê; sua concordância em me atender custou-lhe a vida. Eu havia prometido cuidar da criança. Não era uma promessa para Betty; era uma promessa inesperada para mim mesmo. Foi um choque, um choque terrível, descobrir tão profunda crueldade em mim mesmo. Desde então me vêm à mente as palavras de Shakespeare: “Ninfa, nas tuas orações, não te esqueças de todos os meus pecados” ( Bion, 1985, p. 70 ). Partênope também, na idade madura, depois do pai já haver escrito este episódio, iniciou a alçar uma carreira psicanalítica extremamente promissora, quando sua vida, bem como a do filho, foi ceifada em um terrível acidente de carro. Será que poderíamos estar realçando uma função, não apenas do pai, mas também da Psicanálise, ou seja, do mundo que substitui a mãe, de um mundo que pode se tornar “especialíssimo”. Bion analisou-se com John Rickman e Melanie Klein. Há criticas suas a Melanie Klein, porém a admiração para com seus analistas é evidente. Por outro lado, com a Psicanálise tornou-se ótimo pai, levando-o inclusive a confessar para o mundo este terrível episódio com a filha. Admitimos também que o carinho desenvolvido com a análise para com os filhos – Partênope inclusive – pode ter ajudado a estimular o núcleo rítmico da teoria de Henrique Honigsztejn, seja em Bion, seja em sua filha.