O ASSISTENTE TÉCNICO NO PROCESSO JUDICIAL Tereza Rodrigues Vieira "Ao longo da história processualística brasileira, a figura do assistente técnico sofreu importantes modificações no tocante às suas funções no processo, sendo inegável a segurança que a sua presença traz à parte que o contratou, quando da apresentação do laudo pericial requerido pelo juiz." É indiscutível a importância da prova para se chegar à verdade dos fatos alegados em um processo judicial. Assim, no caso de o julgador não possuir conhecimentos próprios de outras áreas que lhe permitam formar um convencimento mais apurado acerca da matéria controvertida, deverá nomear perito para a elaboração de laudo técnico contendo as conclusões a respeito da(s) coisa(s) avaliada(s). Como forma de tutelar o direito das partes, o Código de Processo Civil prevê a indicação de assistente técnico, no prazo de cinco dias após a intimação do despacho de nomeação do perito pelo juiz (art. 421, § 1º, I), incumbindo-lhe apresentar parecer sobre as conclusões do perito, inclusive formular os quesitos que entender necessários para o deslinde da causa. Por ser de confiança da parte que o nomeou, o assistente técnico não está sujeito à impugnação por impedimento ou suspeição (CPC, art. 422). Há, contudo, controvérsias na doutrina quanto à sua presença no processo judicial. Para alguns, é dispensável a sua indicação para atuar no feito; para outros, traz serenidade às partes, por auxiliar no esclarecimento de pontos controvertidos da perícia judicial. Como ainda pendem dúvidas acerca da matéria, indagamos:Pode o perito judicial recusar-se a aceitar a presença do assistente técnico no processo? O parecer elaborado pelo assistente técnico merece a confiança do juízo? É possível o juiz basear sua decisão no parecer apresentado pelo assistente técnico, deixando de acolher o laudo pericial? 1 ANTECEDENTES HISTÓRICOS O Código de Processo Civil de 1939 designava "perito" o que o atual Código (Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973) denomina "assistente técnico". A Lei nº 8.455, de 24 de agosto de 1992, que promoveu mudanças no CPC relativamente à prova pericial, definiu essa figura como sendo de confiança da parte, não estando, por isso, sujeita a impedimento ou suspeição. Na vigência do Código de Processo Civil de 1939, incumbia a cada uma das partes apresentar laudo pericial sobre a matéria controvertida. Em caso de dúvida, cumpria ao juiz nomear um "perito desempatador" para possibilitar-lhe formar suas convicções. Tal rigor era totalmente inócuo, já que cada perito se manifestava segundo os interesses de quem o tinha indicado, havendo, por isso, constante divergência entre o laudo apresentado pela parte autora e aquele juntado aos autos pela parte ré, obrigando-se o juiz a nomear "perito desempatador". O processo então passava ao largo dos princípios que devem norteá-lo: celeridade e economia processual. O Código de Processo Civil em vigor, instituído pela Lei nº 5.869/73, criou a figura do assistente técnico que, no entanto, podia escusar-se do encargo ou ser recusado por impedimento ou suspeição, mediante impugnação da parte contrária, dirigida ao juiz da causa, ao qual era facultado substituí-lo por carecer de conhecimento técnico ou científico, ou quando, sem motivo legítimo, deixasse de prestar compromisso. Havendo acordo quanto à matéria controvertida, perito e assistente técnico deveriam elaborar laudo único e nele apor suas assinaturas. No caso de divergência de opiniões, caberia a cada um apresentar laudo separadamente, fundamentando-o do modo devido. O Código de Processo Civil previa a entrega dos laudos em cartório dez dias antes da audiência de instrução e julgamento. Se o assistente não o apresentasse no prazo estipulado, ainda assim realizar-se-ia audiência. 2 a Como visto, o assistente técnico era tido como um subperito e não auxiliar da parte no processo (MALACHINI, 1997). A partir das modificações introduzidas pela Lei nº 8.455, de 1992, o perito constitui-se elemento da confiança do juiz, atuando o assistente técnico como auxiliar da parte que o contratou, sem qualquer relevância para a parte contrária ou para o juízo a sua presença nos autos. E mais: de acordo com a redação atual, apenas o perito pode ser recusado por impedimento ou suspeição (CPC, arts. 422 e 423). Sob a égide desta Lei, o perito deverá apresentar o laudo técnico em cartório no prazo fixado pelo juiz, pelo menos vinte dias antes da audiência de instrução e julgamento (CPC, art. 433), cabendo ao assistente técnico, na forma do parágrafo único desse dispositivo, na redação dada pela Lei nº 10.358/01, oferecer seu parecer concordando com as conclusões do perito ou, em caso contrário, apontando as razões de sua divergência, no prazo comum de dez dias, após intimadas as partes da apresentação do laudo pericial. Diz-se, daí, que o assistente técnico se transformou numa espécie de "fiscal" do perito judicial. Fato é que, em determinadas situações, uma segunda opinião é sempre bem-vinda, valendo destacar a prudência da parte que o contratou para atuar no feito. O ASSISTENTE TÉCNICO E A PROVA PERICIAL Em havendo mais de uma área de conhecimento especializado, o juiz poderá determinar a nomeação de mais de um perito, ficando as partes livres para indicar mais de um assistente técnico (WAMBIER et al., 2003). Se por acaso houver dúvida em relação à perícia já realizada, o juiz, de ofício ou a requerimento da parte, poderá determinar que se realize uma nova perícia, a qual terá por objeto a mesma matéria que deu ensejo à primeira, cujos resultados não foram suficientes para esclarecê-la. Notese que a segunda perícia tem por escopo elucidar fatos não devidamente esclarecidos pela primeira, complementando-a. 3 Mas nada impede que assistentes e peritos prestem esclarecimentos ao juiz, por ocasião da audiência de instrução e julgamento, sobre as coisas que tiverem informalmente examinado ou avaliado, desde que a natureza do fato o permita (CPC, art. 421, § 2º). Indispensável registrar que, após a reforma do Código de Processo Civil, o assistente técnico passou a elaborar parecer, e não laudo. Assim, seus atos culposos ou dolosos, em prejuízo das partes, são sopesados como delitos perpetrados por particulares. A relação direta entre a parte e o assistente impõe àquela cuidado na escolha do profissional para prestar-lhe auxílio no processo, em especial quanto aos conhecimentos específicos necessários à elaboração de parecer sobre o laudo apresentado pelo perito. PARECER TÉCNICO EXTRAJUDICIAL A Lei nº 8.455/92 deu nova redação ao art. 427 do Código de Processo Civil, para permitir às partes instruírem a petição inicial e a contestação com pareceres técnicos ou documentos elucidativos acerca da matéria controvertida, possivelmente com a finalidade de evitar a nomeação de perito pelo juiz e conseqüente demora na prestação jurisdicional e aumento nas custas processuais. Há, no entanto, quem defenda que a apresentação de parecer técnico por uma das partes, quando não impugnada pela parte contrária, implica em se ter "como verdadeiros os fatos afirmados pelo autor" (CPC, art. 319). Entendemos nós que um único parecer técnico suscita dúvidas, muito embora o juiz possa convencer-se da veracidade das conclusões acerca da matéria fática, confiando na idoneidade do parecerista. E, embora se assemelhe à prova documental, não deixa de ser perícia, um meio de esclarecimento dos aspectos técnicos ou científicos relativos aos fatos ocorridos (NEGRÃO, 2004). No processo contencioso, há quem entenda que o acatamento de parecer técnico pelo juiz, quando apresentado por uma das partes apenas, fere o princípio do contraditório por produzir prova sem a participação da 4 parte contrária. Desta forma, é aconselhável a nomeação de perito judicial, podendo o magistrado apreciar tal documento visando formar suas convicções a respeito da lide. A PROVA PERICIAL E O PRINCÍPIO DO LIVRE CONVENCIMENTO Provar significa possibilitar ao juiz formar, de imediato ou não, sua convicção sobre os fatos alegados pela parte autora. Evidente, porém, que não se pode esperar do magistrado conhecimentos extraordinários sobre todos os assuntos, carecendo, assim, de provas capazes de auxiliá-lo na formação do seu convencimento a respeito de determinado fato. Daí a possibilidade de o juiz decretar a realização de perícia, quando a entender imprescindível à melhor solução do litígio, proporcionando às partes segurança quanto ao que vier a ser decidido (CPC, art. 421). De conformidade com o princípio do livre convencimento, o juiz tem plena liberdade para apreciar as provas, atendendo aos fatos e circunstâncias constantes nos autos, ainda que não alegados pelas partes, cabendo-lhe declinar, na sentença, os motivos que formaram seu convencimento (CPC, art. 131). Destarte, não está o juiz adstrito ao laudo pericial apresentado pelo perito nomeado por ele, podendo basear sua decisão no parecer elaborado pelo assistente técnico, já que não há falar na prevalência de uma prova em detrimento de outra. Em tese, o parecer técnico e o laudo pericial situam-se no mesmo patamar. Na maior parte das vezes, porém, o juiz fica adstrito ao laudo, em razão da desconfiança do parecer elaborado pelo auxiliar da parte, tido por vezes como parcial e de veracidade duvidosa. Na verdade, a atividade de julgar impõe ao magistrado o uso da lógica e da razão, aliado à sua experiência como julgador, para proferir decisão fundada nas provas que induziram o seu convencimento, afastando aquelas de certeza insuficiente. 5 A perícia é, portanto, apenas um meio de prova, não estando o juiz vinculado ao laudo apresentado pelo perito por ele nomeado, apesar da presunção de veracidade inerente à espécie. Caso suas convicções o induzam a entender diferentemente das conclusões do perito, poderá inclusive requisitar uma nova perícia, para dissipar eventual dúvida. A propósito, esclarece LOPES (2004) que, em razão do excesso de trabalho, é comum o julgador restringir-se ao laudo pericial, utilizando-se de justificativas simplistas para afastar o parecer elaborado pelo assistente técnico, conforme adiante transcritas: "[...] ‘as críticas dos assistentes não me convenceram do desacerto das conclusões do perito’ ou ‘o perito respondeu com vantagem às objeções levantadas contra o laudo oficial’ ou, ainda, ‘rejeito as críticas dos assistentes em razão de seu natural interesse em beneficiar as partes’ ou, finalmente, ‘aceito as conclusões do perito judicial, que estão em harmonia com o conjunto das provas’." Embora a verdade científica apontada pelo laudo pericial facilite o dia-a-dia do juiz, a prova pericial precisa ser analisada em consonância com as situações descritas no processo, e, quando acolhida, deve a sentença justificar sua admissão de modo consistente. Somos compelidos a discordar dos autores que não atribuem valor ao parecer do assistente técnico. A título de ilustração, transcrevemos excertos de julgados em que ressai a importância desses pareceres para a formação do convencimento do magistrado. Com parecer favorável do Ministério Público, sentença proferida pelo Juiz de Direito LUÍS EDUARDO SCARABELLI, da Primeira Vara de Família do Foro Regional do Tatuapé-SP, nos autos do Processo nº 583.08.2005.100767-3, j. 13.03.07: “Destarte, levando-se em consideração os pareceres médico e jurídico, assim como os demais elementos de prova, consubstanciados em fotografias e precedentes jurisprudenciais, inafastável a procedência da pretensão inicial”. No mesmo sentido, após o Ministério Público opinar pela procedência do pedido, sentenciou o Juiz de Direito ADILSON DE ANDRADE, Titular da Segunda Vara Cível do Foro Regional do JabaquaraSP, nos autos do Processo nº 003.00.009613-2: “Ante a farta prova 6 documental produzida, especialmente o parecer médico-legal e o douto parecer da lavra da i. Dra. Tereza (...), defiro o pedido de fls..". Destarte, asseveramos que os pareceres têm seu valor, especialmente quando agregados a outras provas. CONSIDERAÇÕES FINAIS Ao longo da história processualística brasileira, a figura do assistente técnico sofreu importantes modificações no tocante às suas funções no processo, sendo inegável a segurança que a sua presença traz à parte que o contratou, quando da apresentação do laudo pericial requerido pelo juiz. Todas as provas constantes de um processo encontram-se num mesmo patamar, diferenciando-se, contudo, no que diz respeito à sua força probante, podendo o juiz utilizar como fundamento de sua decisão aquela que mais se aproxima da verdade real. Assim, cabe apenas ao julgador, amparado por suas convicções, decidir se o parecer poderá ou não ser acolhido como base para a sentença. Não é raro encontrar assistente técnico com conhecimento superior ao do perito público, uma vez que muitos destes não investem na carreira, em decorrência dos baixos salários pagos pelo Estado. Ainda assim, é comum o parecer elaborado pelo profissional contratado pela parte não ser acolhido pelo juiz. O assistente técnico merece confiança, independentemente de agir no processo por vontade da parte que o contratou. Imperioso é não olvidar que também ele está atrelado a uma profissão que possui normas éticas que devem ser respeitadas. 7 BIBLIOGRAFIA LOPES, João Batista. Efetividade do Processo e Prova Pericial. Revista Dialética de Direito Processual, nº 21, São Paulo, dez. 2004, pp. 89-95. MALACHINI, Edson Ribas. Perícia Antecipada. Assistente Técnico Auxiliar das Partes. Inexistência de Impedimento; Prazo para Respectiva Indicação. Revista do Processo, v. 22, nº 87, São Paulo: RT, jul.-set. 1997. NEGRÃO, Theotonio; GOUVÊA, José Roberto. Código de Processo Civil e Legislação Processual Civil em Vigor. São Paulo: Saraiva, 2004, pp. 481 a 501. WAMBIER, Luiz Rodrigues; ALMEIDA, Flávio Renato Correia de. Curso Avançado de Processo Civil: teoria geral do processo e processo de conhecimento. 6. ed., v. 1, São Paulo: RT, 2003, v. 1, pp. 481-491 e 500501. 8