PAULO ROBERTO COSTA
SUBSIDIOS PARA A DISCUSSÃO DE PARADIGMAS REFERENTES AO
HOMICIDIO NA CONDUÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR
Belo Horizonte
2008
PAULO ROBERTO COSTA
SUBSIDIOS PARA A DISCUSSÃO DE PARADIGMAS REFERENTES AO
HOMICIDIO NA CONDUÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR
Monografia apresentada ao curso de Especialização em
Transportes e Trânsito do Programa de Pós-Graduação
Lato Sensu do Centro Federal de Educação Tecnológica
de Minas Gerais – CEFET/MG, como requisito parcial à
obtenção do título de Especialista
Orientador: Professor Juracy Ventura
Belo Horizonte
2008
FOLHA DE APROVAÇÃO
Na data de ______ de _______ foi realizada a sessão de avaliação final da
Monografia. A questão do Homicídio na Condução do Veículo Automotor – análise
dos institutos jurídicos do homicídio na condução do veículo automotor, visando
traçar diretrizes que facilitem a identificação de elementos que possam prevenir e
combater o número assustador de homicídios no trânsito brasileiro, vigente do aluno
Paulo Roberto Costa.
Componentes da Banca:
Professor(a) (nome e assinatura)
Professor(a) (nome e assinatura)
Orientador: Professor Juracy Ventura
DEDICATÓRIA
(á Maria José Faria Costa)
Você que viveu de maneira tão intensa cada minuto de minha luta, nessa minha
jornada acadêmica.
Você, mãe, amiga, embora invisível aos meus olhos, não se fez ausente ......... Sua
presença a todo instante me inspirou, me ensinou, me ouve e até em certo momento
me consola pela nossa separação.
Seu exemplo de vida, suas lutas, suas conquistas, suas vitórias, seu sorriso
permanente e seu permanente bom-humor, hão de sempre me acompanhar em
minha jornada e sempre me servido de lição de vida.
A sua maneira peculiar de saborear a vida trouxe para mim a exata convicção de
que nossa missão é a de viver com intensidade cada segundo, atribuindo a ele o
valor do presente dado por Deus.
A saudade que sinto de você não e vazia: é repleta de amor e gratidão por toda sua
dedicação – e que ainda com toda certeza, me dedica, pois para o amor, não existe
distância e nem perda.
Só com sua partida consegui entender que, para aqueles que verdadeiramente
amam, como te amo e como você me ama, não existe adeus, mas até logo.
Até um dia, mãe Maria.
Seja feliz ........
AGRADECIMENTO
O primeiro agradecimento é feito a meus pais Raimundo Liberato Costa (in
memorian), Maria José Faria Costa (in memorian) pela oportunidade de vida e pelos
ensinamentos ministrados.
O meu segundo agradecimento vai para minha família que soube compreender as
dificuldades que passei para conseguir atingir este objetivo.
Também, e com muita satisfação que encontro nestas poucas linhas a oportunidade
de agradecer aos meus professores da Faculdade de Direito, cujo apoio foi
fundamental
para adquirir
confiança
nos momentos
em
que
não
sentia
absolutamente seguro de manifestar publicamente a minha idéias e comentários. De
modo especial aos grandes amigos Professor Marco Antônio Badaró Bianchini,
Professor João Batista, Professor Paolo Mazucato e Professor Humberto Macedo.
Não poderia esquecer da Diretoria do DER/MG na pessoa do Dr. Fernando Janotti,
Dr. Eugênio Botinha, Dr. Mário Campos e Dr. Milton Teixeira Carneiro, pela
confiança neste estudo sério voltado para colaborar na melhoria da prestação do
serviço público ao cidadão.
E por fim, agradecer a todos os colegas em especial a Jackeline, Betânia, Valéria,
Geralda, Davdson e Levi, que de forma direta e indireta colaboram na consecução
da meta traçada.
EPÍGRAFE
“Os analfabetos do século XXI não serão os que não souberem ler e
escrever, mas os que não souberem aprender, desaprender e
reaprender”.
Alvim Toffler
RESUMO
Este estudo objetivou analisar a Legislação Penal vigente, buscando contextualizar a
adequação típica do homicídio na condução de veiculo automotor, como forma de
fornecer amparo técnico e teórico aos estudantes e operadores do direito que atuam
na área do direito penal. Inicialmente fez-se uma análise teórica sobre os conceitos
relevantes ao tema em estudo, dissecando-se os diferentes tipos de dolo e culpa,
relacionando-os aos entendimentos de prestigiados autores da doutrina pátria. Em
um segundo momento foi abordado se a nossa legislação vigente está adequada
nos perfis de prevenir e reduzir o grande número de homicídios praticados na
condução do veiculo automotor. Os demais capítulos seguintes são dedicados ao
estudo pormenorizado da jurisprudência correlacionada à teoria, e se a adequação
típica dos homicídios praticados na condução do veículo automotor é suficiente
dentro dos princípios da prevenção geral e especial da pena.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO.................................................................................................. 01
2 DO CRIME DOLOSO..........................................................................................03
3. DO CRIME CULPOSO..................................................................................... 08
4. DA CULPABILIDADE........................................................................................ 11
4.1 DO ACTIO LIBERA IN CAUSA .......................................................................13
4.2 DA EMBRIAGUEZ ...........................................................................................13
4.3 DA LEI 11.705/2008..........................................................................................22
5. DO HOMICIDIO DOLOSO..................................................................................29
6. DO ART. 302 DO CTB........................................................................................31
7. DA JURISPRUDÊNCIA......................................................................................34
8. CONCLUSÃO.....................................................................................................44
9. BIBLIOGRAFIA................ ..................................................................................47
10. ANEXOS...........................................................................................................49
1 INTRODUÇÃO
O tema central deste estudo versa acerca do crime de homicídio na condução de
veículo automotor, verificando qual o tratamento vem sendo dispensado nesta
circunstância.
O objetivo geral do estudo é analisar a Legislação Penal vigente, buscando
contextualizar a adequação típica do homicídio praticado na condução do veículo
automotor
O objetivo específico se delimita em analisar se a legislação vigente referente ao
assunto estar adequada e se encontra suficientemente munida de recursos para
prevenir e reduzir o grande número de homicídios praticados na condução de
veículo automotor, e se vem recebendo enquadramento em dolo eventual ou da
culpa consciente.
O problema levantado: Qual o enquadramento típico dispensado ao homicídio
praticado na condução de veículo automotor e será este, dentro de um caráter de
prevenção geral e especial da pena, suficiente para conter essa modalidade
delituosa?
A hipótese do nosso trabalho vai ao encontro da dolosidade eventual, por
considerarmos que essa adequação típica é a mais eficiente para conter o grande
número de homicídios praticados na condução do veículo automotor.
Para tanto, faremos uma analise da jurisprudência pátria, verificando qual o
tratamento vem sendo aplicado nos homicídios na condução do veículo automotor
nos dias de hoje.
A metodologia teve como base a dogmática, analisando a legislação penal no que
se refere ao CP, CTB E LEI 11.705/2008 (Lei Seca), bem como a jurisprudência
afeta ao assunto.
A razão da escolha do tema vincula-se à pretensão de dilatar os conhecimentos
acadêmicos do autor e desenvolver percepções e contexto jurídico um tanto quanto
novo no cenário atual. Além disso, ter-se-á a condição de mesclar o Direito Penal e
de Trânsito, buscando esclarecer todas as mudanças ocorridas na legislação acima
descrita, com intuito de efetiva contribuição para futuras discussões diretamente
ligadas ao trabalho, sobre os debates que estão surgindo sobre o dolo em crimes de
trânsito, bem como a interpretação dos novos dispositivos legais, previstos no
Código Penal e Trânsito.
2. DO CRIME DOLOSO
Segundo Rui Stoco (2001, p. 98), o Direito pátrio adotou a Teoria da Vontade para
definir o dolo como sendo a intenção mais ou menos perfeita de praticar um fato que
se conhece contrário à lei. Tanto no dolo como na culpa há ato voluntário do agente,
mas no primeiro caso a conduta já nasce ilícita. No dolo o agente quer a ação e o
resultado, ou, pelo menos, assume o risco de tal resultado, ao passo que na culpa
ele quer a ação, vindo a atingir o resultado por desvio acidental de conduta
proveniente da falta de dever objetivo de cuidado.
As espécies de dolo são:
•
Direto (ou determinado): quando o agente visa certo e determinado resultado;
•
Indireto (ou indeterminado): o agente não se dirige a certo e determinado
resultado; possui duas formas: alternativo – a intenção do agente se dirige a
um ou outro resultado, como, por ex., quando efetua golpes na vítima com
intenção de feri-la ou matá-la; e, eventual – é quando o agente assume o
risco de produzir o resultado; consiste na produção de um resultado danoso
diante do qual o agente não se detém, embora não o deseje, aceitando-o,
porém, como decorrência provável de sua ação.
César Dario Mariano da Silva (2006, p. 8) ressalta o fato de que o crime de
homicídio pode ser praticado de forma direta ou indireta:
No meio direto, como o próprio nome já diz, o sujeito age
diretamente sobre o corpo da vítima. Exemplo: facadas, tiros,
estrangulamento etc. Já no meio indireto, o sujeito embora não
aja diretamente sobre o corpo da vítima, propicia sua morte de
outra forma. Exemplo: abandonar a vítima no meio de um
deserto ou de uma floresta isolada (César Dario Mariano da
Silva, 2006, p. 8).
No que concerne ao homicídio praticado com dolo eventual, o sujeito ativo assume o
risco de produzir o resultado morte ou ao menos tolera, mesmo que não exista a
intenção de matar.
A14 divisão do dolo, na tipologia subjetiva é classificada da seguinte forma:
•
Na Teoria Clássica ou Tradicional: dolo geral e dolo específico (elemento
subjetivo do injusto)
•
Na Teoria Finalista: dolo e elemento subjetivo do tipo
Pode-se dizer que o crime doloso, traduz por excelência, um grande desvalor social,
vez que demonstra que o agente deliberadamente focava a lesão ao bem jurídico.
Assim, conclui-se que dolo é à vontade do agente em realizar o tipo penal, com a
intenção de diminuir em valor social relevante, de um bem jurídico penalmente
tutelado.
Os elementos objetivos do tipo são aqueles destinados à descrição da conduta,
sendo esta, juridicamente relevante.
Afirma Rogério Greco que “os elementos objetivos do tipo, conforme Jescheck, têm
a finalidade de descrever a ação, o objeto da ação e, em sendo o caso, o resultado,
as circunstâncias externas do fato e a pessoa do autor! (Rogério Greco, 2003, p.
188)”.
Os elementos objetivos podem ser descritivos e normativos.
Para Francisco de Assis Toledo, “são objetivos todos aqueles elementos que devem
ser alcançados pelo dolo do agente. Dividem-se em descritivos e normativos”
(Francisco de Assis Toledo, 1994, p. 153-154).
Segundo Rogério Greco, os elementos descritivos e normativos são assim definidos:
Elementos descritivos são aqueles que têm a finalidade de
traduzir o tipo penal, isto é, de evidenciar aquilo que pode, com
simplicidade, ser percebido pelo intérprete, e normativos são
aqueles criados e traduzidos por uma norma de que, para sua
14
Stoco Rui. Tratado da Responsabilidade Civil, 2001, p. 98 – Silva César Dario Mariano, 2006,
Manual de Direito Penal, p.8 – Greco, Rogério. Curso de Direito Penal, 2003, p. 188, Toledo,
Francisco de Assis. Princípios Básicos de Direito Penal,1994, p. 153-154 – Santoro Filho Antônio
Carlos. Fundamentos do Direito Penal,2003, p. 40.
efetiva compreensão, necessitam de uma valoração por parte
do intérprete (Rogério Greco, 2003, p. 188).
Destarte, pode-se afirmar que os elementos objetivos descritivos, visam com que o
agente conheça todos os dados imprescindíveis à distinção da infração penal.
Os elementos normativos, por sua vez:
São os constituídos por termos ou expressões que só adquirem
sentido quando completados por um juízo de valor,
preexistente em outras normas jurídicas ou ético-social
(exemplo: ‘coisa alheia’, ‘propriedade’, ‘funcionário público’,
‘mulher honesta’ etc.) ou emitido pelo próprio intérprete
(exemplo: ‘dignidade’, ‘decoro’, ‘reputação’ etc.) (Francisco de
Assis Toledo, 1994, p. 154).
Os elementos descritivos do tipo se diferenciam dos normativos do tipo, uma vez
que estes necessitam, para a sua compreensão, de um maior aprofundamento no
juízo de valoração jurídico-penal.
Para Antonio Carlos Santoro Filho:
A pura descrição do fato ou da ação é função reservada aos
elementos objetivos do tipo. Os elementos normativos são
aqueles que atribuem um sentido, um valor à ação, aos sujeitos
do delito, ou às circunstâncias de tempo, lugar, modo e meio
de execução (SANTORO FILHO, 2003, p. 40).
Destarte, pode-se afirmar que os elementos normativos do tipo, vão além do que
dispõe a pura e simples descrição objetiva das condutas, é necessário que haja uma
maior valoração daquele, através de normas sociais, morais e mesmo legal, para
uma melhor compreensão da figura típica.
2.1 Dolo Eventual
No dolo eventual, o agente sabe que o resultado lesivo pode vir a ocorrer, mas age
com indiferença, aceitando-o e assumindo o risco de sua produção. Note-se que
pa15ra que subsista o dolo eventual é essencial que o agente anteveja a
possibilidade do evento danoso (previsibilidade do resultado) e que, ainda assim,
demonstre-se indiferente à sua possível produção, como já foi explicado na teoria do
assentimento (teorias do dolo).
Algumas decisões judiciais identificam o dolo eventual em situações em que não
existe o aspecto volitivo de “aceitação” do dano. Estas decisões tentam amparar-se
nas teorias da representação ou da probabilidade, que não foram recepcionadas no
nosso Código Penal. O professor Bitencourt narra de forma extremamente didática
as diferenças entre as teorias da probabilidade e da vontade:
Para a primeira, diante da dificuldade de demonstrar o elemento volitivo, o querer o
resultado, admite a existência do dolo eventual quando o agente representa o
resultado como de muito provável execução e, apesar disso, atua, admitindo ou não
a sua produção. No entanto, se a produção do resultado for menos provável, isto é,
pouco provável, haverá culpa consciente. Para a segunda é insuficiente que o
agente represente o resultado como de provável ocorrência, sendo necessário que a
probabilidade da produção do resultado seja incapaz de remover a vontade de agir.
Haveria culpa consciente se, ao contrário, desistisse da ação, estando convencido,
calcula mal e age, produzindo o resultado. Como se constata, a teoria da
probabilidade desconhece o elemento volitivo, que é fundamental na distinção entre
dolo eventual e culpa consciente, e que, por isso mesmo, é mais bem delimitado
pela teoria do consentimento.
Damásio de Jesus assevera que o dolo eventual caracteriza-se pela presença de
duas características elementares, a saber: a previsibilidade objetiva, que é a
possibilidade do agente antever que a conduta a ser percorrida poderá produzir um
resultado danoso (devendo esta previsibilidade se nortear pelo discernimento que
um cidadão comum teria na mesma situação); e a anuência do autor para com este
possível resultado (indiferença).
O ilustre promotor Sznick defende entendimento um pouco diferente. Segundo ele,
no dolo eventual, o agente efetivamente quer a produção do resultado, pois, ao
antever a possibilidade de sua ocorrência e, ainda assim insistir na conduta
demonstra desejo pela produção do resultado. Em suas próprias palavras,
No dolo eventual, o agente quer o evento, mesmo que este não seja o objetivo
principal de sua conduta, mas o é secundariamente querido, porque consentido. (...)
15
Jesus Damásio, 2001, Direito Penal: parte geral, p. 288
No dolo eventual o resultado é previsto pelo agente não como fim, mas como
objetivo secundário, que pode resultar da ação criminal e, inobstante isso, não deixa
de realizar a ação. (...) O dolo não é eventual; eventual é o resultado, na sua
ocorrência; isto porque o agente ao prever e admitir o resultado, implicitamente o
quis.
2.2 Dolo Direto
Dolo direto é o dolo propriamente dito. Caracteriza-se pela vontade livre e
consciente de um indivíduo de praticar uma conduta tipificada na legislação penal.
Com efeito, aquele que desfere um tiro de revólver em outrem, com o intuito de
matar essa pessoa, pratica, com dolo direto, um homicídio.
2.1.3. Dolo Indireto
Dolo indireto Art. 18, I, 2ª parte do CP - No dolo indireto, o agente não quer
diretamente o resultado, porém assume o risco de produzi-lo. A vontade é dirigida à
conduta e não ao resultado.
O agente prevê o resultado como possível ou provável e, mesmo assim, resolve agir
de qualquer forma. A previsão da probabilidade do resultado não demove o agente
de atuar, de forma que, assim procedendo, passa a aceitar a sua eventual
ocorrência: a superveniência do resultado se lhe torna indiferente. No dolo eventual,
portanto, o agente conta seriamente com a possibilidade de produzir o resultado
típico, porém, apesar disso, quer agir para alcançar o fim perseguido e se resigna
com a eventual produção do resultado. Exemplos: roleta russa, racha, etc.
Tratamento penal aos crimes cometidos através de dolo direto e dolo eventual - O
Código Penal equipara o dolo direto ao dolo eventual. A doutrina e a jurisprudência
entendem, no entanto, que há maior reprovação no crime cometido através de dolo
direto, o que poderá ser levado em conta pelo juiz na dosagem da pena.
Nem todo crime doloso admite a sua prática através do dolo eventual – Em regra, os
crimes dolosos admitem a sua prática através do dolo direto ou do dolo eventual.
Excepcionalmente, entretanto, alguns crimes exigem a certeza sobre determinado
elemento constitutivo do tipo, afastando o dolo eventual.
Exemplo: o crime de receptação dolosa (art. 180, caput) exige que o agente saiba
que a coisa adquirida seja produto de crime.
3. DO CRIME CULPOSO
Negligência, também conhecida como desatenção ou falta de cuidado ao exercer
certo ato, consiste na ausência de necessária diligência, implicando em omissão
ou inobservância de dever, ou seja, aquele de agir de forma diligente, prudente,
agir com o devido cuidado exigido pela situação em tese.
Já a imprudência, ou melhor, imprevidência, tem a ver com algo mais que mera
falta de atenção, mas ato que pode revelar-se de má-fé, ou seja, com
conhecimento do mal e a intenção de praticá-lo; a ação imprudente é aquela
revestida de dolo – a má-fé concretizada -, e portanto, embora não querida pelo
agente também não revestida de absoluta ausência de intenção.
Melhor explicando, age de forma imprudente aquele que sabedor do grau de risco
envolvido, mesmo assim acredita que seja possível a realização do ato sem
prejuízo para qualquer um; age, assim, além da justa medida de prudência que o
momento requer, excede os limites do bom senso e da justeza dos seus próprios
atos.
Com relação à imperícia, requer-se do agente a falta de técnica ou de
conhecimento, de outra forma, tem-se uma omissão daquilo que o agente não
deveria desprezar, pois consiste em sua função, seu ofício exigindo dele perícia –
uso de técnica que lhe é própria ou exigível até mesmo pelo seu mister. Referese, por fim, a uma falta involuntária, mas também eivada de certa dose de má-fé
com pleno conhecimento de que seus atos poderão vir a resultar em dano para
outrem.
Assim reunidos temos as ações cometidas pelo indivíduo que podem resultar em
dano, não havendo que se falar em boa-fé, nem mesmo de leve relance, posto
que a atitude – ou melhor, a intenção – do agente caracterizou-se e enquadrouse dentro de um dos três tipos aqui descritos. 16
16
Nesta mesma condição estudada até aqui, temos que o indivíduo agiu com a
intenção, com a vontade livre e consciente de consecução do fim colimado, sem
considerar a possibilidade de que sua ação, ou omissão, possa, de qualquer
forma e sob qualquer pretexto vir a resultar em dano a outrem, seu semelhante,
mesmo que esse outro indivíduo possa de qualquer maneira ter contribuído para
tal intento.
Ao Estado cabe o interesse de ver mantido os seus interesses que são, via de
conseqüência, mas não necessariamente aqueles do interesse coletivo qualquer
custo, tendendo de forma mais que exigível a manutenção do equilíbrio do poder,
cujo principal e, por que não dizer, indispensável instrumento seja o ordenamento
jurídico dentro do qual encontrem-se previstas todas as possibilidades que sejam
capazes de gerar efeitos indesejáveis à manutenção deste equilíbrio.
A resultante que se delineia aqui é aquela descrita pelo próprio ordenamento
jurídico, ou seja, toda a vez que o equilíbrio é perturbado por ato que resulte em
dano, deve ser imediatamente restituído, tomando o Estado para si à tutela
jurisdicional com o intuito de preservar não apenas o equilíbrio, mas também sua
manutenção de forma positiva. O dano, aqui encarado como resultante
indesejável e muito menos querida por todos, deve ser reparado sob as formas
previstas pela lei sistema positivo seja sob a forma de indenização, seja sob a
forma de punição, seja por ambas as formas.
3.1 CULPA CONSCIENTE
Culpa Consciente ou Culpa com Previsão
De acordo com Bitencourt, na culpa consciente o agente prevê a possibilidade da
produção do resultado ilícito, todavia, acredita sinceramente que este não venha a
ocorrer. Note-se que não bastará apenas a previsibilidade do resultado para que se
configure a culpa consciente, será também forçoso que o agente não o deseje e se
esforce para que este não ocorra.
A previsão cobrada do agente é a chamada de objetiva, ou seja, a que se seria de
esperar de um cidadão de raciocínio mediano que se encontrasse nas mesmas
condições que ele. Em sua obra explica que
A previsibilidade objetiva se determina mediante um juízo levado a cabo, colocandose o observador (por exemplo, o juiz) na posição do autor no momento do começo
da ação, e levando em consideração as circunstâncias do caso concreto cognocíveis
por uma pessoa inteligente, mais as conhecidas pelo autor e a experiência comum
da época sobre os cursos causais.
Damásio E. de Jesus exemplifica com a hipótese do caçador que avista sua caça
próxima a um confrade e percebe que, atirando no animal poderá acertar em seu
companheiro. Confiando em sua pontaria e acreditando que não o atingirá, dispara
sua arma, matando-o. Perceba-se que o agente não assumiu a possibilidade da
produção do resultado porque acreditava que sua habilidade seria suficiente para
afastá-lo.
Sintetizando, Jesus relata que, para que se configure a culpa consciente devem
estar presentes:
1º) vontade dirigida a um comportamento que nada tem com a produção do
resultado ocorrido (...); 2º) crença sincera de que o evento não ocorra em face de
sua habilidade ou interferência de circunstância impeditiva, ou excesso de confiança
(...); 3º) erro de execução.
Ressalva ainda que a culpa consciente é equiparada à inconsciente, sendo a pena
in abstract igual para as duas espécies, pois, “tanto vale não ter consciência da
anormalidade da própria conduta, quanto estar consciente dela, mas confiando,
sinceramente, em que o resultado lesivo não sobrevirá”.
4. DA CULPABILIDADE
Segundo Fernando Capez (2000) relata que, para
Conforme o autor, não se trata de elemento do crime, mas pressuposto para
imposição de pena, porque, sendo um juízo de valor sobre o autor de uma infração
penal, não se concebe possa, ao mesmo tempo, estar dentro do crime, como seu
elemento, e fora, como juízo externo de valor do agente. Para censurar quem
cometeu um crime, a culpabilidade deve estar necessariamente fora dele.
Artur de Brito Gueiros Souza (2004) afirma que a culpabilidade é o juízo de valor
negativo ou reprovação do autor pela realização não justificada de um fato típico,
fundado no poder agir de outro modo.
Para a Doutrina Majoritária a culpabilidade é sempre o fundamento (pois, liga-se à
noção de retributividade prevista no artigo 59, in fine do CP) e limite de pena
(prende-se ao princípio da culpabilidade), sendo possível sua gradação.
A culpabilidade é apenas limite da pena, em função da prevenção geral e especial,
não sendo o fundamento da pena. A culpabilidade seria apenas uma das condições
necessárias para a imposição da pena, ao lado da necessidade preventiva da
sanção penal. A culpabilidade deve recair sobre o fato individual e não sobre uma
conduta de vida individual (culpabilidade de caráter ou de autor).
De acordo com Fernando Capez (2000), as causas que excluem a imputabilidade
são quatro:
•
doença mental;17
•
desenvolvimento mental incompleto;
•
desenvolvimento mental retardado;
•
embriaguez completa proveniente de caso fortuito ou força maior.
O caso fortuito e a força maior afastam a culpabilidade, pois o caso fortuito
caracteriza-se pela imprevisibilidade do dano, embora evitável, enquanto a força
maior caracteriza-se pela inevitabilidade do dano, embora previsível. Apenas o caso
fortuito excluiria a culpabilidade, pois a força maior excluiria a própria ação humana,
assim como a coação física irresistível.
17
Fernando Capez. 2000 Curso de Direito Penal. V. 1. Parte Geral – Artur de Brito Gueiros de Souza.
2004 Revista Brasileira de Ciências Criminais. N. 49, jul/ago. p. 9-38.
Artur de Brito Gueiros Souza (2004) afirma que o fundamento material do conceito
de culpabilidade é a reprovabilidade, que está baseada na capacidade de livre
decisão do sujeito (que, segundo alguns autores, nada mais é do que a tradução
jurídica do conceito teológico do “livre arbítrio”).
Entretanto, segundo o autor, ocorre que a tese da liberdade de “agir de outro modo”
própria do conceito de culpa é indemonstrável, na prática. Se “pena” pressupõe
“culpa” e a reprovação própria da culpabilidade assenta num fundamento
indemonstrável, então a culpabilidade não poderia, cientificamente, servir de
fundamento da pena – esta conclusão acarretou naquilo que os autores
contemporâneos chamam de “crise” do conceito de culpabilidade, demandando a
busca de um outro fundamento (científico) para a reprovabilidade do autor do injusto
típico.
Artur de Brito Gueiros Souza (2004) apresenta como elementos da culpabilidade a
imputabilidade, o conhecimento da ilicitude do fato e a exigibilidade de
comportamento diverso.
A imputabilidade é a capacidade de livre autodeterminação, ou seja, o conjunto de
condições pessoais que dão ao agente a faculdade de escolha (de atuar de modo
distinto de como atuou), permitindo, assim, que lhe seja juridicamente imputada à
prática de um fato punível. A capacidade geral de culpabilidade engloba a
compreensão do injusto e a determinação da vontade conforme o direito.
De acordo com Artur de Brito Gueiros Souza (2004), sem a imputabilidade, entendese que o sujeito carece de liberdade de escolha e, conseqüentemente, de faculdade
para comportar de outro modo, com o que não é capaz de culpabilidade, sendo,
portanto, inculpável (ou exculpável).
No que diz respeito ao conhecimento da ilicitude do fato, para que um fato contrário
ao direito possa ser reprovado ao autor, será necessário que conheça ou possa
conhecer as circunstâncias que pertencem ao tipo e à ilicitude. Ao conhecimento da
realização do tipo (dolo ou culpa) deve-se acrescentar o conhecimento (real ou
possível) da antijuridicidade do fato.
4.1 DO ACTIO LIBERA IN CAUSA
Como já abordado anteriormente, para que se caracterize o dolo indireto será
necessário identificar que o autor do fato tinha condições de prever o evento
desastroso e, mesmo assim, prosseguiu de forma indiferente.
As opiniões sobre a incidência do dolo eventual aos crimes de trânsito gerados em
virtude de condutores embriagados são antagonicamente diferentes. Parte dos
doutrinadores sustenta que, mesmo que o condutor esteja totalmente entorpecido —
“fora de si” — no momento do sinistro, responderá pela produção do resultado a
título de dolo, eis que ao começar a consumir bebida alcoólica sabia que poderia
perder a consciência sobre seus atos. Sustentam ainda que os malefícios da
ingestão de bebidas alcoólicas são regularmente alvo de campanhas educativas
institucionais, e já são de conhecimento público, não podendo o autor escusar-se de
sua conduta por alegar desconhecimento dos efeitos nocivos da bebida.
Ademais, o Código Penal adotou a teoria da actio libera in causa, que preceitua
que não deixa de ser imputável quem se pôs em situação de inconsciência ou de
incapacidade de autocontrole, dolosa ou culposamente, e nessa situação comete
crime.
Todavia, para um melhor discernimento sobre o assunto, é necessário o
entendimento sobre as diferenciações doutrinárias existentes
4.2 DA EMBRIAGUEZ
O ato de conduzir veículo automotor sob a influência de álcool (ou outra substância
entorpecente de efeitos análogos) constitui não só uma infração administrativa de
trânsito (art. 164 da Lei 9.503/97, com nova redação dada pela Lei 11.275/06), como
também crime autônomo (neste caso existe a necessidade materializar-se o “perigo
de dano”), conforme o art. 306 da Lei 9.503/97.
Enquanto a infração de trânsito do art. 164 é reprimida com pena de multa
pecuniária e suspensão do direito de dirigir, o crime do art. 306 é punido com pena
de detenção, de seis meses a três anos. Todavia, assim como nos casos
anteriormente analisados, o foco deste estudo não é a infração administrativa, tão
pouco o crime autônomo.
A condução de veículo automotor sobre efeito de bebida alcoólica será analisada
aqui tão somente como fator desencadeador para crimes de trânsito, constituindose, neste caso, em agravante para os crimes de homicídio culposo e de lesão
corporal culposa (arts. 302, § único, V; e art. 303, § único c/c art. 302, § único, V,
todos da Lei 9.503/97).
O ato de conduzir veículo automotor embriagado é, tal qual o ato de dirigir o veículo
em excesso de velocidade, uma conduta que isoladamente, não acarreta per si na
incidência de dolo eventual em caso de sinistro.
É lógico concluir que se houver ingestão de bebida alcoólica por parte do condutor, e
este não apresentar nenhuma alteração em seu estado de consciência, continuando
a guiar seu veículo com destreza e cautela, não há que se falar em culpa ou dolo
direto ou indireto, eis que, neste caso, será um elemento irrelevante em caso de
acidente.
A ingestão de bebida alcoólica apenas passa a ter relevância para o estudo da
responsabilização penal quando provoca alterações no estado de consciência e/ou
atenção do usuário. Neste sentido, havendo alteração do estado de consciência e
atenção do indivíduo, fatalmente haverá um comprometimento de sua habilidade,
que via de regra culminará na prática de ações imprudentes e/ou negligentes à
direção e, ocorrendo um sinistro, certamente este se dará não apenas em virtude da
mera embriaguez, como já explicado, mas cumulado a outras ações imprudentes,
tais como a condução do veículo com excesso de velocidade, ultrapassagem
forçada, transitar pelo acostamento, pela contramão de direção, etc.
Até mesmo o crime autônomo previsto no art. 306 só subsistirá se a conduta
externada pelo condutor gerar perigo de dano concreto, fato que se cristalizará
através de condutas imprudentes ou negligentes.
Neste mesmo sentido posicionou-se o Des. Nilton M. Machado, ao afirmar que
A embriaguez do motorista envolvido em acidente, sendo caracterizadora do crime
previsto no art. 306, do CTB, não resulta, por si só, em presunção de culpa em
relação a eventual lesão corporal ou morte advinda do evento. Para reconhecimento
da culpa do motorista embriagado há que se demonstrar, objetivamente, por
elemento concreto e visível, tenha agido com imprudência, imperícia ou negligência
(.TJ/SC, Apelação Criminal no 1998.018158-5, julg. em 24/03/99.18).
4.2.1 .EMBRIAGUEZ VOLUNTÁRIA SIMPLES
A embriaguez voluntária simples, nada mais é do que a gerada em virtude do
consumo excessivo de álcool por livre disposição do agente. É o caso típico do
indivíduo que vai a uma confraternização entre amigos, uma festa e se embebeda.
Muitas vezes este indivíduo não tem antecedentes criminais ou histórico de
violência, mas ao beber demais e retornar à sua residência dirigindo, patrocina um
crime de trânsito (atropelamento de pedestres sobre o passeio ou colide
frontalmente com outro veículo ao efetuar uma manobra arriscada).
Este tipo de embriaguez será causa de aumento da pena em caso de homicídio
culposo ou lesão corporal culposa praticados na direção de veículo (art. 302, §
único, V, lei 9.503/97), contudo, não aumentará ou atenuará a pena caso o fato
criminoso tenha previsão no Código Penal. Também não será causa de exclusão da
punibilidade do agente, pois o próprio Código Penal preceitua em seu art. 28, II que
“não excluem a imputabilidade penal a embriaguez, voluntária ou culposa, pelo
álcool ou substância de efeitos análogos”.
Como dito anteriormente, existe corrente que defende que o indivíduo envolvido em
crime, nestas circunstâncias, deve responder pela modalidade dolosa do crime, eis
que, embora não tivesse o animus necandi, quando iniciou sua bebedeira tinha
pleno domínio de suas faculdades e a previsibilidade de que, se bebesse, poderia
perder seu autocontrole e realizar uma barbaridade. Desta mesma forma
manifestou-se o professor de medicina legal Dr. Rinaldo Pellegrini ao afirmar que:
18
TJ/SC, Apelação Criminal no 1998.018158-5, julg. em 24/03/99.
O ébrio, que cometeu crime, é punível porque era livre na sua atuação relativamente
ao fato inicial, isto é, ao primeiro anel da cadeia que constituiu, a seguir, o nexo de
causalidade entre a embriaguez e o crime; a sucessiva atividade criminosa do
agente, ainda que alheada ao controle deste, foi, portanto, provocada por uma ação
‘voluntária’ (o abuso inconsiderado do álcool), que resultou na embriaguez e à qual
pode ser referido o evento.
Na defesa desta mesma corrente pronunciou-se o desembargador Souza Varella:
Motorista que em rodovia de grande movimento, dirige seu veículo em alta
velocidade e embriagado, vindo a atropelar ciclista. "Urge sejam considerados
dolosos (dolo eventual), levando-se em conta que o motorista, na fase inicial e parte
do processo de ingestão de bebida alcoólica, permaneça lúcido e consciente,
portanto, em condições de avaliar que, se continuar a beber e vier a assumir a
direção de veículo motorizado, poderá causar resultados danosos, mas mesmo
assim não renuncia à ação, ao contrário, anui à possibilidade de produzir um evento
antijurídico" (Neuton Dezoti - Professor em Botucatu - Univ. Est. Paulista - in RT vol.
623/407).
Em contraposição a esta perspectiva, existe corrente doutrinária que sustenta que
os crimes (incluindo-se os de circulação), praticados por cidadãos em estado de
embriaguez voluntária simples, só poderão ser penalizados a título de culpa, eis que
um dos requisitos necessários para a caracterização do dolo (ainda que eventual) é
19
a previsibilidade do evento, não sendo razoável esperar que o indivíduo que vai a
confraternização beber com amigos detenha a previsibilidade de que horas mais
tarde poderá vir a atropelar e matar alguém em decorrência daquela conduta.
O agente não queria cometer o ato e nem tão pouco era indiferente à sua produção
quando iniciou a ingerir álcool. Por não haver assentimento e, tão pouco,
previsibilidade, não haveria que se falar em crime doloso, apenas culposo (se
houver previsão legal).
19
PELLEGRINI, Rinaldo apud CAMARGO,Marcelo Ferreira de. Embriaguez e responsabilidade penal.
Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 344, 16 jun. 2004. Disponível em:<http://jus2.uol.com.br/doutrina
/texto.asp 5342>.Acesso em:31out.2006. 16:00 h. TJ/SC, Apelação Criminal n o 2002.008110-3, julg.
em 25/06/02. GRECO, opus citatum, p. 224.
Nesta esteira manifesta-se Rogério Greco:
(...) Não se pode partir do princípio de que todos aqueles que dirigem embriagados e
com velocidade excessiva não se importem em causar a morte ou mesmo lesões em
outras pessoas. O dolo eventual, como visto, reside no fato de não se importar o
agente com a ocorrência do resultado por ele antecipado mentalmente, ao contrário
da culpa consciente, onde este mesmo agente, tendo a previsão do que poderia
acontecer, acredita, sinceramente, que o resultado lesivo não venha a ocorrer. No
dolo eventual, o agente não se preocupa com a ocorrência do resultado por ele
previsto porque o aceita. Para ele, tanto faz. Na culpa consciente, ao contrário, o
agente não quer e nem assume o risco de produzir o resultado porque se importa
com a sua ocorrência. O agente confia que, mesmo atuando, o resultado previsto
será evitado (...) Com isso queremos salientar que nem todos os casos em que
houver a fórmula embriaguez + velocidade excessiva haverá dolo eventual. Também
não estamos afirmando que não há possibilidade de ocorrer tal hipótese. Só a
estamos rejeitando como uma fórmula matemática, absoluta. (...) Imagine o exemplo
daquele
que,
durante
a
comemoração
de
suas
bodas
de
prata,
bebe
excessivamente e, com isso, se embriaga. Encerrada a festividade, o agente,
juntamente com a sua esposa e três filhos, resolve voltar rapidamente para a sua
residência, pois que queria assistir a uma partida de futebol que seria transmitida
pela televisão. Completamente embriagado, dirige em velocidade excessiva, a fim
de chegar a tempo para assistir ao início do jogo. Em razão do seu estado de
embriaguez, conjugado com a velocidade excessiva que imprimia em seu veículo,
colide o seu automóvel com um outro e com isso causa a morte de toda a sua
família. Pergunta-se: Será que o agente, embora dirigindo embriagado e em
velocidade excessiva, não se importava com a ocorrência dos resultados? É claro
que se importava.
Também existe corrente que defende que o momento em que o indivíduo começa a
ingerir bebida alcoólica não se configura a execução do crime propriamente dito,
mas mero ato preparatório, eis que, sendo interrompido, não restará nada a punir,
nem mesmo a título de culpa. Desta forma, falta ao agente o elemento subjetivo em
relação a um crime certo e determinado, uma vez que, no momento em que se
embriaga, não tem sequer a previsão de que irá cometer um delito.
O elemento subjetivo existe somente em relação à embriaguez (o ato de embriagarse é livre), porém, esta não é causa do delito.
Desvinculando-se o consumo da bebida alcoólica da conduta que gerou o acidente,
não haverá respaldo para acusação com fulcro em dolo indireto, sendo obrigatória à
qualificação com fulcro na culpa, modalidade imprudência ou negligência.
4.2.2 EMBRIAGUEZ VOLUNTÁRIA PREORDENADA
Ocorre quando o indivíduo se entorpece voluntariamente para “criar coragem”, livrarse dos freios morais e éticos impostos pela sociedade, para então cometer um crime
que, se estivesse sóbrio, possivelmente não teria coragem para fazer a efeito.
Esta hipótese se coaduna perfeitamente com a teoria da actio libera in causa, eis
que neste caso, o agente literalmente “se pôs” em situação de embriaguez, devendo
responder por seu ato. Há previsibilidade e consentimento no evento, eis que sua
execução é premeditada e que o agente realmente deseja a produção do resultado.
Ademais, a embriaguez preordenada qualifica o crime, majorando sua pena (caso o
fato delituoso esteja previsto no Código Penal), uma vez que o próprio Código Penal
determina expressamente em seu art. 61, II, l que “são circunstâncias que sempre
agravam a pena, quando não constituem ou qualificam o crime ter o agente
cometido o crime em estado de embriaguez preordenada”.
Tratando-se de homicídio ou lesão corporal culposas praticadas na direção de
veículo, será aplicada apenas a qualificadora do art. 302, § único, V, não se
aplicando o dispositivo do Código Penal por aplicação do princípio da especificidade
(princípio adotado na solução de conflitos aparente de normas).
4.2.3 EMBRIAGUEZ CULPOSA
Ocorre quando o indivíduo, fazendo uso de substância alcoólica, não tendo a
intenção de se entorpecer, perde o controle e se embriaga. O fato da embriaguez
não ser desejada é irrelevante para o direito penal, pois o que terá relevância será
se a embriaguez se deu em virtude da livre disposição de vontade, ou se foi imposta
coercitivamente por outrem. Neste caso, o agente responderá pela embriaguez
voluntária.
4.2.4 EMBRIAGUEZ FORTUITA
Ocorre quando o indivíduo é levado ao estágio de embriaguez involuntariamente por
fazer uso de uma substância entorpecente sem o conhecimento do potencial
entorpecente e despersonalizante da substância. Ocorre em trotes de faculdades,
quando são misturadas substâncias alcoólicas a refrigerantes e dadas aos calouros
sem o conhecimento destes, provocando-lhes estado de embriaguez.
Se a embriaguez é total, a punibilidade do agente é excluída, por expressa
determinação do Código Penal (art. 28, §1o), o qual preceitua que
É isento de pena o agente que, por embriaguez completa, proveniente de caso
fortuito ou força maior, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz
de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse
entendimento.
Todavia, se a embriaguez é parcial, será apenas causa de redução da pena (art. 28,
§2o do Código Penal), eis que
A pena pode ser reduzida de um a dois terços, se o agente, por embriaguez,
proveniente de caso fortuito ou força maior, não possuía, ao tempo da ação ou da
omissão, a plena capacidade de entender o caráter ilícito do fato ou de determinarse de acordo com esse entendimento.
4.2.5 EMBRIAGUEZ POR FORÇA MAIOR OU “FORÇOSA”
Ocorre quando uma força externa obriga o agente ao consumo de substancia
entorpecente. É o caso do cidadão que é obrigado a ingerir aguardente durante
cárcere privado, para contar suas senhas bancárias aos seus algozes.
O indivíduo que é acometido de embriaguez por força maior é protegido pelos
mesmos dispositivos legais estudados no item anterior, pois a situação,
juridicamente, se equivale à embriaguez fortuita.
4.2.6 EMBRIAGUEZ PATOLÓGICA
A embriaguez patológica é reconhecida como doença pela Organização Mundial da
Saúde. Trata-se de uma disfunção cerebral que ocasiona transtorno da consciência,
também conhecido no ramo da psicopatologia por “estado crepuscular”. Diferenciase da embriaguez normal pelo fato de que, neste caso, a ingestão de pequenas
quantidades de álcool ocasionam um estado de excitação exagerada e descargas
comportamentais agressivas.
Também são quatro as espécies de embriaguez apontadas por Capez (2000):
•
embriaguez não acidental, que se subdivide em: voluntária, dolosa ou
intencional (completa ou incompleta); culposa (completa ou incompleta);
•
embriaguez acidental: pode decorrer de caso fortuito ou força maior (completa
ou incompleta);
•
patológica;
•
preordenada.
De acordo com o autor, a embriaguez não acidental jamais exclui a imputabilidade
do agente, seja voluntária, culposa, completa ou incompleta. Isso porque ele, no
momento em que ingeria a substância, era livre para decidir se devia ou não o fazer.
A conduta, mesmo quando praticada em estado de embriaguez completa, originouse de um ato de livre-arbítrio do sujeito, que optou por ingerir a substância quando
tinha possibilidade de não o fazer. A ação foi livre na sua causa, devendo o agente,
por essa razão, ser responsabilizado. Trata-se da teoria da actio libera in causa
(ações livres na causa).
Fernando Capez (2000) afirma que se considera, portanto, o momento da ingestão
da substância e não o da prática delituosa. Essa teoria ainda configura resquício da
responsabilidade
objetiva
em
nosso
sistema
penal,
sendo
admitida
excepcionalmente quando for absolutamente necessário para não deixar o bem
jurídico sem proteção.
O art.28, II do CP trata da embriaguez, voluntária ou culposa, pelo álcool ou
substância de efeitos análogos, prescrevendo que estas espécies de embriaguez
não excluem a imputabilidade.
No que diz respeito à embriaguez por caso fortuito (beber sem querer, por exemplo)
ou força maior (ser obrigado a beber, por exemplo) tratadas no art. 28,§ 1º e § 2º do
CP excluirá a imputabilidade se for completa, determinando que o agente, no
momento da ação ou omissão, torne-se inteiramente incapaz de entender o caráter
ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.
A embriaguez por caso fortuito ou força maior importará redução de pena se for
incompleta, determinando que o agente, no momento da omissão, não possuía a
plena capacidade de entender o caráter ilícito do fato ou determinar-se de acordo
com esse entendimento. Não exclui a imputabilidade.
A embriaguez, que é um distúrbio físico-mental que decorre da intoxicação por
álcool ou substância análoga, pode ser:
•
incompleta – fase da excitação (a partir de 0,8 g/ml de sangue);
•
completa – fase de depressão (cerca de 3 g/ml de sangue);
•
comatosa – fase de letargia (cerca de 4 a 5 g/ml de sangue). Equipara-se à
completa.
A embriaguez por caso fortuito ou força maior também é chamada de acidental. Já a
embriaguez voluntária ou culposa é chamada de não acidental.
•
voluntária: dolosa, querida. Se preordenada, constitui circunstância agravante
(art. 61, II, l do CP).
•
culposa: o estado de embriaguez é previsível.
4.3 DA LEI 11.705/2008
A referida lei, como se sabe, instituiu entre nós a “tolerância zero” de álcool para os
condutores de veículos automotores. Para tanto, além da proibição de comércio de
bebidas “na faixa de rodovia federal ou em terrenos contíguos à faixa de domínio
com acesso direto à rodovia”, foram redefinidas a infração administrativa e criminal
para os que estiverem a dirigir sob influência de álcool. Além disso, foram retiradas
as medidas despenalizadoras em caso de crime de embriaguez no volante, alterada
a ação penal do crime de lesão corporal culposa na direção de veículo automotor,
que passou a ser pública incondicionada (alterações decorrentes da nova redação
do artigo 291), quando o causador do acidente estiver embriagado, participando de
racha, ou em velocidade excessiva. Por fim, foram retiradas as causas de aumento
decorrente da embriaguez nos crimes de homicídio culposo e lesão corporal culposa
na direção de veículo automotor (revogação do inc. V, par. único, art. 302, CTB).
Deixando de lado os debates sobre a correção e rigor das medidas implementadas,
o fato é que a alteração no Código de Trânsito é uma realidade e vem causando,
como
não
poderia
deixar
de
ser,
caloroso
debate
sobre
seu
alcance.
Inicialmente, a referida lei antes de ser promulgada e publicada merecia maior
reflexão, a fim de evitar ou pelo menos diminuir as discussões judiciais que serão,
por fim, inevitáveis.
Neste sentido, não entendemos o motivo pelo qual foi suprimido o período de
vacatio legis, intervalo de tempo entre a publicação e a vigência da lei para
conhecimento de seu teor pela sociedade. No caso, a Lei n. 11.705/08 teve vigência
imediata a partir de sua publicação (art.8º).
Observe-se que a Lei Complementar nº 95/98 que “dispõe sobre a elaboração,
redação, alteração e consolidação das leis” determina em seu artigo 8º: “A vigência
da lei será indicada de forma expressa e de modo em contemplar prazo razoável
para que dela se tenha amplo conhecimento, reservada a cláusula ‘entra em vigor
na data de sua publicação’ para as leis de pequena repercussão”.
Em que pese à relatividade do conceito “pequena repercussão”, crê que a matéria
tratada pela Lei n. 11.705/08, até pela discussão que ensejou, não pode ser assim
considerada.
Diversas questões controvertidas emergem do texto legal.
Inicialmente, causa estranheza à penalidade fixa imposta pelo art. 165 que, em todo
e qualquer caso de embriaguez estabelece multa (multiplicada cinco vezes) e
suspensão por 12 (doze) meses da habilitação. Deste modo, seja a pessoa
surpreendida conduzindo normalmente seu veículo após ter tomado uma taça de
vinho no almoço, ou dirigindo em ziguezague completamente embriagada após sair
de uma boate, a punição (administrativa) será rigorosamente idêntica, o que em
última análise fere o princípio da proporcionalidade e até o bom senso.
Antes da nova lei, o artigo 261 do CTB, complementado pela resolução nº 182/05 do
CONTRAN, estabelecia a forma de aplicação da penalidade. Era considerada a
gravidade do fato, as circunstâncias em que foi cometida a infração e os
antecedentes do motorista para se determinar o prazo da suspensão (art. 16, Res.
182/05 - CONTRAN). A penalidade variava de acordo com a gravidade da infração e
os antecedentes do motorista, sendo que, se primário, o motorista embriagado
ficava sujeito à pena de suspensão de 4 (quatro) a 12 (doze) meses. Se reincidente,
a suspensão era a máxima prevista, 12 (doze) meses. Com a penalidade fixa
determinada pela nova lei, resta derrogado o artigo 261 do CTB e a citada resolução
(em relação à infração da embriaguez).
No que se refere à medida administrativa de “recolhimento da habilitação”
decorrente da infração, considerando o disposto no artigo 269, § 1º (“A ordem, o
consentimento, a fiscalização, as medidas administrativas e coercitivas adotadas
pelas autoridades de trânsito e seus agentes terão por objetivo prioritário a proteção
à vida e à incolumidade física da pessoa”), acreditamos que deve ser momentânea e
decorrente de um juízo de cautelaridade para impedir que o motorista embriagado
possa dirigir novamente. Por isso, acreditamos que o recolhimento deverá perdurar
até o motorista se restabelecer da embriaguez. O recolhimento definitivo imediato
acarretaria punição antecipada, violando princípios constitucionais básicos (devido
processo legal e ampla defesa, por exemplo) e o próprio procedimento previsto no
Código de Trânsito. Com efeito, o art. 265 do CTB estipula: “As penalidades de
suspensão do direito de dirigir e de cassação do documento de habilitação serão
aplicadas por decisão fundamentada da autoridade de trânsito competente, em
processo administrativo, assegurado ao infrator amplo direito de defesa”. Assim, O
recolhimento imediato (sem devolução) só é autorizado para os casos excepcionais
de habilitação vencida há mais de 30 (trinta) dias (art. 162, V), ou em casos em que
haja suspeita sobre sua autenticidade (art.272).
Outra determinação controversa e para nós claramente inconstitucional é a
determinação expressa no art. 277, parágrafo 3º, que estabelece aplicação das
penalidades e medidas administrativas referentes à embriaguez, caso motorista se
recuse a se submeter “aos testes de alcoolemia, exames clínicos, perícia ou outro
exame que, por meios técnicos ou científicos, em aparelhos homologados pelo
CONTRAN, permitam certificar seu estado”. Esse comando contraria uma gama de
garantias fundamentais como presunção da inocência, proibição de autoincriminação, decorrente do direito do silêncio, dignidade da pessoa humana. Ainda
quando for evidente a embriaguez, sem a concordância do motorista nenhuma prova
pode ser realizada, sob pena de ser considerada ilícita. É, como se diz, o preço de
viver num Estado democrático de direito. Nessa linha, entendemos que o motorista
que se recuse a realizar o teste do bafômetro ou exame de sangue não poderá
sofrer qualquer conseqüência por assim agir. Não poderá, por exemplo, ser
processado por crime de desobediência (art.330,CP).
Além
de inconstitucional, o
disposto
no
referido
parágrafo é
totalmente
desnecessário, pois o parágrafo 2º, do mesmo artigo 277 concede autonomia e
discricionariedade ao agente de trânsito para constatar a embriaguez por meio de
outras provas admitidas em direito. Cabe, portanto, ao agente responsável pela
diligência relatar os sinais que, em seu entendimento, indicam a embriaguez
(constatação de hálito etílico, dificuldade na deambulação etc.) e, se for o caso,
autuar o motorista.
Sem prejuízo da infração administrativa, o motorista infrator poderá também
responder por crime tipificado no art. 306, desde que surpreendido dirigindo com
concentração alcoólica superior a 6 (seis) decigramas de álcool por litro de sangue.
Em matéria criminal, importante não esquecer, o princípio da legalidade se
sobressai, logo o fato considerado criminoso (fato material) deve ter perfeito
ajustamento à conduta descrita na lei, o chamado enquadramento típico (ou juízo de
tipicidade).
Partindo desta premissa, parece que o legislador dificultou sobremaneira esse
enquadramento típico ao vincular a embriaguez criminosa a um determinado nível
de concentração alcoólica no sangue. Em suma, ao se exigir para caracterização do
crime a condução do veículo com concentração “igual ou superior a 6 (seis)
decigramas” de álcool por litro de sangue, apenas os testes e exames periciais
(etilômetro ou exame de sangue) passam a servir como prova, na medida em que
são os únicos meios de determinar de maneira específica a graduação alcoólica no
sangue do motorista.
Pensamos que a nova redação do dispositivo é mais benéfica que a anterior, pois
acrescentou nova elementar (“concentração igual ou superior a 6 (seis) decigramas
por litro de sangue”) inexistente antes, ou seja, trata-se de novatio legis in melius a
impor sua aplicação retroativa, na forma do art. 5º, XL da CF/88 e do art. 2º, par.
único, do CP.
Já houve manifestação neste sentido no TJDF (20080020061592HBC, Relª. Desª.
Sandra de Santis. Des. Mario Machado - voto minoritário. Data do Julgamento
03/07/2008
–
informativo
n.
150
TJDF).
Ficou
consignado
na
ementa:
“O voto minoritário concedeu a ordem para trancar a ação penal por atipicidade da
conduta, sob o fundamento de que deve ser aplicada a nova redação do artigo, nos
termos da Lei nº 11.705/2008, por ser mais benéfica ao réu, uma vez que exige para
a tipificação penal a comprovação técnica de que o condutor do veículo estava
dirigindo com a concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a seis
decigramas,
sendo
insuficiente
para
tanto
o
simples
exame
clínico”.
Apesar de essa posição restar vencida (o Tribunal não concedeu a ordem de hábeas
corpus), acreditamos ser a melhor interpretação.
Outra questão controversa é saber se basta à constatação da concentração de
álcool no sangue acima do nível exigido pelo tipo legal, ou se necessário que a
ingestão alcoólica influencie a forma de condução do veículo? Em última análise, o
crime nessa nova roupagem é de perigo abstrato e de mera conduta, ou ainda de
perigo concreto, a exigir a exposição da incolumidade de outrem a perigo como
anteriormente.
Parece claro, concorde-se ou não, que o legislador pretendeu estabelecer que a
simples conduta de dirigir embriagado (na dosagem definida na lei) é crime,
independentemente de qualquer situação fática a indicar que alguém sofreu ou
poderia sofrer algum risco em decorrência da conduta, ou seja, um crime de perigo
abstrato em que a ofensa é presumida pela lei.
Porém, enxergam alguns que, ao estabelecer na segunda parte do tipo penal que é
criminosa a conduta de conduzir veículo automotor “sob a influência de qualquer
outra substância psicoativa que determine dependência”, tornou-se exigível também
a demonstração da “influência” da ingestão de bebida alcoólica na forma de
condução. Argumenta-se, ainda, que na infração administrativa (art. 165) exige-se
“dirigir sob influência de álcool”, logo, com muito mais razão na infração criminal, a
condução do veículo deve ser influenciada pela ingestão de álcool, ou seja, caso o
motorista conduza seu veículo de forma regular mesmo após a ingestão de bebida
alcoólica
em
nível
considerado
criminoso
não
haverá
o
crime..
Em sentido oposto, temos a posição do promotor paulista Renato Marcão, para
quem o crime é de perigo abstrato:
“A Lei nº 11.705, de 19 de junho de 2008 deu nova redação ao caput do art. 306 do
Código de Trânsito Brasileiro e deixou de exigir a ocorrência de perigo concreto. O
legislador passou a entender que conduzir veículo na via pública nas condições do
art. 306, caput, do Código de Trânsito Brasileiro, é conduta que, por si,
independentemente de qualquer outro acontecimento, gera perigo suficiente ao bem
jurídico tutelado, de molde a justificar a imposição de pena criminal. Não se exige
mais um conduzir anormal, manobras perigosas que exponham a dano efetivo a
incolumidade de outrem, cabendo neste contexto a jurisprudência definir o alcance
do tipo legal”.
No que toca à equivalência dos testes de alcoolemia para efeito de caracterização,
foi editado o Decreto nº 6.488, de 19 de junho de 2008 que estabeleceu uma
tolerância de 2 (dois) decigramas por litro de sangue ou um décimo de miligrama por
litro de ar para todos os casos (o que, segundo os entendidos, é quase nada) e
definiu que 3 (três) décimos de miligrama por litro de ar expelido dos pulmões
equivalem a 6 (seis) decigramas de álcool por litro de sangue.
A alteração do art. 291 impede a aplicação dos institutos da composição civil de
danos e transação penal para o crime de embriaguez ao volante (art. 74 e 76, Lei
9.099/95). Agora tais institutos são reservados apenas para a lesão corporal culposa
na direção de veículo automotor, mas apenas quando o motorista não estiver
embriagado, nem participando de racha ou “demonstração de perícia em manobra
de veículo automotor”, nem transitando em velocidade superior permitida para a via
em 50 km/h (cinqüenta quilômetros por hora).
O mesmo artigo tornou inexistente a exigência de representação (art. 88, Lei
9.099/95) para apuração do crime de lesão corporal culposa na direção de veículo
automotor quando ocorrer alguma das exceções acima, ou seja, a ação penal para
esses casos passa a ser pública incondicionada.
Em relação ao crime de embriaguez, por ser um crime sem vítima definida, não
houve mudança, pois sempre se entendeu que era inaplicável a representação para
apuração desse crime.
Há de se destacar que a mudança do referido artigo não trouxe mudanças
significativas, pois com a ampliação do conceito de crime de menor potencial
ofensivo consagrado pela Lei n. 11.313/06, os crimes de lesão corporal culposa na
direção de veículo automotor simples (art. 302, caput, CTB) e racha (art. 308, CTB)
passaram à condição de crimes de menor potencial ofensivo, pois não possuem
pena superior a 2 (dois) anos. Assim, em resumo, afastou-se a possibilidade de
aplicação de tais institutos (composição civil e transação) para o crime de
embriaguez (que possui pena máxima de 3 (três) anos de detenção) e para os
crimes de lesão corporal quando incidirem as causas de aumento (falta de
habilitação, em faixa de pedestre, ausência de socorro pelo motorista, ou no
exercício de profissão de transporte de passageiros).
Contudo, ao retirar a embriaguez do motorista como causa de aumento (reflexo da
revogação do inciso V do parágrafo único do art. 302 pelo art. 9º da Lei n. 11.705/08)
criou-se a seguinte situação: caso um motorista embriagado atropele um transeunte
vindo a lesioná-lo, sendo a embriaguez a fonte determinante da imprudência e se
não ocorrerem àquelas situações de aumento de pena (falta de habilitação regular
etc.) poderá ser beneficiado por todos os institutos despenalizadores, pois terá
praticado um crime de lesão corporal culposa na direção de veículo automotor
simples (art. 302, caput, CTB) que, como dito acima, é crime de menor potencial
ofensivo a ser julgado pelos Juizados Especiais Criminais e, por conseqüência,
admitindo a composição civil de danos e, em tese, a transação. Ressaltamos, a
lesão corporal culposa na direção de veículo automotor simples é crime de menor
potencial ofensivo que deve ser julgado na forma da Lei nº 9.099/98 por expressa
disposição constitucional (art.98,I,CF/88).
Para os casos de lesão corporal culposa na direção de veículo automotor, quando
houver os impedimentos decorrentes da embriaguez, racha ou da velocidade
excessiva, o parágrafo 2º, do artigo 291 determina que seja “instaurado inquérito
policial para investigação criminal”, indicando, a contrario sensu que, não ocorrendo
às situações impeditivas, deverá ser obedecido o mesmo rito da Lei n. 9.099/95,
com apuração prévia por termo circunstanciado e rito próprio da Lei n. 9.099/95.
Sobre a revogação da causa de aumento decorrente da embriaguez do motorista
imaginamos que intenção do legislador possa ter sido a “criação” de concurso
material entre os crimes de lesão corporal culposa na direção de veículo automotor
(e no de homicídio culposo na direção de veículo também) e o de embriaguez ao
volante. Entretanto, tal concepção esbarra no entendimento pacífico de que o crime
de dano (no caso, a lesão corporal ou homicídio culposo na direção de veículo
automotor) absorve o crime de perigo (a embriaguez ao volante).
Essa retirada da embriaguez do motorista como causa de aumento na lesão corporal
e no homicídio de trânsito também não significa, como têm sido propalado por um
sem-número de jornalistas, que com a entrada em vigor nova lei qualquer lesão ou
homicídio envolvendo motorista embriagado será considerado doloso. Nessa seara,
não houve qualquer alteração e continua a valer a máxima de que, em justiça
criminal, “cada caso é um caso”, logo, todas as circunstâncias do acidente devem
ser apuradas (velocidade e estado do veículo, comportamento da vítima, local, grau
de embriaguez, etc) para classificar o fato como intencional ou não.
A alteração do art. 296 foi no sentido de retirar do juiz a faculdade de aplicação da
penalidade de suspensão da permissão ou habilitação para dirigir, tornando-a
obrigatória quando o réu for reincidente específico em crimes de trânsito.
Por fim, cabe louvar o veto governamental à tentativa de alteração da redação do
artigo 301 que autorizava a prisão em flagrante do motorista embriagado, que
estivesse participando de racha ou que estivesse em velocidade excessiva mesmo
quando prestasse socorro à vítima. Ao justificar o veto, foi bem ressaltado “que não
há razão para se excepcionar tal regra, porquanto que direcionada para a
preservação da vida”.
5. DO HOMICIDIO DOLOSO
Desde muito tempo, a humanidade procura proteger o bem mais precioso do ser
humano, ou seja, a vida. Em épocas remotas, essa proteção era feita impondo-se
sanções ao indivíduo que se sentisse no direito de destruir a vida de outrem.
A título de exemplo pode-se citar Regis Prado (2007, p. 57) o qual afirma que:
O Direito Penal Canônico, que muito contribuiu para civilizar as
práticas brutais germânicas, classificava o homicídio como
delicta mixta, já que violava as duas ordens (religiosa e laica).
O julgamento incumbia ao tribunal que primeiro tivesse
conhecimento de sua prática. Pela igreja, o homicídio era
punido com as denominadas poene temporales (Regis Prado,
2007, p. 5720).
O autor afirma ainda que:
Durante a Idade Média, o homicídio era usualmente punido
com pena de morte, sobretudo, quando qualificado
(homicidium qualificatum ou deliberatum) - v.g., parricídio,
emboscada, envenenamento, latrocínio e assassinato. Com o
período humanitário, defende-se o tratamento mais benévolo
aos acusados de homicídio comum, ocorrendo à gradativa
substituição da pena capital pela prisão celular, cumulando
com trabalhos forçados (Regis Prado, 2007, p. 57).
Nos dias atuais, essa proteção é assegurada pela nossa Constituição Federal,
conforme dispõe o art. 5º, caput, in verbis:
Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de
20
Prado Luiz Regis. Curso de Direito Penal, 2007, p. 57-62.
qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e estrangeiros
residentes no País, a inviolabilidade do direito à vida, à
liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade.
Todo e qualquer indivíduo tem o direito de gozar e desfrutar da vida, sem distinção
de qualquer espécie; é o Estado quem tem o dever de proteger, por se tratar de um
dos direitos indisponíveis do homem.
A tutela por parte do Estado visa não somente a proteção, mas também a
preservação do ser humano, uma vez que a vida possui um valor social inestimável.
Dá-se a proteção da vida, desde o momento de seu início, com o parto, até a sua
extinção, que é caracterizada com a morte.
Quando um indivíduo, de alguma forma, destrói a vida humana de outrem, temos,
assim, a conduta tipificada como homicídio, a saber, art. 121 do Código Penal, in
verbis:
Art. 121. Matar alguém:
Pena - reclusão, de 6 (seis) a 20 (vinte) anos.
O sujeito ativo, no delito acima mencionado, pode ser qualquer ser humano e o
sujeito passivo qualquer pessoa viva.
No crime de homicídio, a conduta típica consiste em matar alguém. Neste caso, não
há necessidade de saber quais motivos levaram o agente a cometer o crime, uma
vez que o tipo é objetivo, não exigindo assim, uma finalidade específica do sujeito
ativo.
Para Regis Prado (2007, p. 62):
No delito de homicídio, o conhecimento do dolo compreende a
realização dos elementos descritivos e normativos, do nexo
causal e do evento (morte), da lesão ao bem jurídico, dos
elementos da autoria e da participação, dos objetivos das
circunstâncias agravantes, atenuantes e qualificadoras que
supõem uma maior ou menor gravidade do injusto (art. 121, §
2º, III e IV do CP) e dos elementos acidentais do tipo objetivo
(Regis Prado, 2007, p. 62).
O artigo 18 do Código Penal, em seu inciso I, estabelece que o crime é considerado
doloso “quando o agente quis o resultado (teoria da vontade) ou assumiu o risco de
produzi-lo (teoria do assentimento)”.
6. ARTIGO 302 DO CTB
Com efeito, o art. 302 diz respeito a pratica de homicídio culposo na direção de
veículo automotor, cuja pena é de detenção, de dois a quatro anos, e suspensão ou
proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.21
A culpa é entendida como sendo a ausência do dever de cuidado objetivo,
caracterizado pela imprudência, negligência ou imperícia. É o desvio padrão do
Homem Médio. Como exemplo, pode-se citar o dito “Homem Médio” procura, ao
dirigir um automóvel, não atropelar os pedestres e respeitar os sinais de trânsito.
A imprudência é considerada como uma conduta ativa, como, por exemplo, quando
se trafega em alta velocidade em uma via pública. Já a negligência é tida como
sendo uma conduta passiva, ou seja, quando o motorista não toma cuidados de
manutenção com seu veículo. A imperícia diz respeito à falta de habilidade técnica.
No caso de qualquer uma dessas situações mencionadas, e havendo vítimas fatais
no acidente, o condutor do veículo automotor será acusado de Homicídio Culposo,
ou seja, cometeu (realizou, executou, praticou) um ato extremo sem ter a intenção
ou vontade de fazê-lo, mas que por ter agido com imprudência, negligência ou
imperícia, acabou por praticar tal ato.
No parágrafo único deste artigo, estabelece que, no homicídio culposo cometido na
direção de veículo automotor, “a pena é aumentada de um terço à metade, se o
agente”:
I - não possuir Permissão para Dirigir ou Carteira de
Habilitação;
II - praticá-lo em faixa de pedestres ou na calçada;
Jus Navigandi, Teresina, ano 12, n. 1820, 25 jun. 2008. Disponível em:
<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=11432>. Acesso em: 16 nov. 2008
21
III - deixar de prestar socorro, quando possível fazê-lo sem
risco pessoal, à vítima do acidente;
IV - no exercício de sua profissão ou atividade, estiver
conduzindo veículo de transporte de passageiros;
V- Estiver sob a influência de álcool ou substância tóxica ou
entorpecentes de efeitos análogos (Incluído pela Lei
11.275/2006).
Com relação ao inciso III deste parágrafo, este dispositivo somente é aplicado é
aplicado ao condutor do veículo que tenha agido de forma culposa, caso contrário o
crime cometido será tipificado no art. 304.
Neste caso, o socorro deverá ser possível de ser efetivado sem risco pessoal para o
condutor, como, por exemplo, ameaça de agressão, grande movimentação de
veículos etc. e quando o agente puder concretizá-lo, tendo meios para tanto. Dessa
forma, se o agente não possuir condições de efetuar o socorro ou quando também
ficou lesionado no acidente de forma a não poder ajudar a vítima, não terá aplicação
o dispositivo.
O instituto igualmente não será aplicado se a vítima for, de imediato, socorrida por
terceira pessoa.
No que diz respeito ao inciso IV deste parágrafo, o instituto será aplicado mesmo
que o veículo de transporte de passageiros esteja vazio; quando estiver no trajeto
até a empresa após o término da jornada; e, as vítimas não necessitam estar no
interior do veículo para que sejam alcançadas pelo presente dispositivo.
Também com a entrada em vigor do CTB, a legislação penal, referente às normas
quanto ao uso do veículo automotor, aplicável aos crimes e contravenções
praticadas no trânsito, era altamente permissiva, deixava de contemplar diversas
anti-sociais à segurança do trânsito, bem como favorecia sempre ao infrator.
Como exemplo maior deste favorecimento, a extinção da punibilidade pela
prescrição da ação penal vinha sendo ao longo dos anos, um dos principais
instrumentos de defesa dos responsáveis pelos acidentes.
As autoridades, pesquisadores, doutrinadores, profissionais de imprensa e
expressivas lideranças já pregavam desde a década de 80 a necessidade de um
código contendo tipos penais que abrangessem a todos os crimes de trânsito.
Com o advento da Lei 11.275/06, o artigo 302, parágrafo único, do CTB passou a
conter, em seu inciso V, mais uma causa de aumento de pena, ou seja, o condutor
que se envolvesse em homicídio culposo na direção de veículo automotor teria sua
pena aumentada de um terço até metade acaso estivesse sob a influência de álcool
ou de substância tóxica ou entorpecente de efeitos análogos. Essa causa de
aumento de pena se estendia também ao agente que cometesse lesão corporal
culposa na direção de veículo automotor, nos moldes do artigo 303, que, em seu
parágrafo único, fazia referência às mesmas causas de aumento de pena previstas
no artigo 302.
Porém, a lei 11.705, de 19 de junho de 2008, modificou radicalmente tais disciplinas,
revogando expressamente o inciso V do parágrafo único do art. 302 do CTB, bem
como deu nova redação ao artigo 306 daquele diploma, passando a exigir a
concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 (seis) decigramas,
para que alguém seja responsabilizado pelo crime ali previsto, permitindo, por outro
lado, que esteja apenas sob a influência de qualquer outra substância psicoativa
(que
não
o
álcool)
e
que
determine
dependência
para
essa
mesma
responsabilização administrativa
7. JURISPRUDÊNCIA
As decisões judiciais, em regra, reafirmam os mesmos conceitos e princípios já
abordados. Todavia, mesmo dominando a base teórica e conceitual que envolve o
tema, sua aplicação na prática demonstra-se complexa e exige muita cautela por
parte do magistrado quando da análise de sua aplicabilidade.
RELATÓRIO:
1. PHS foi denunciado, (...) como incurso no disposto pelo art. 121,
caput, do Código Penal e art. 62 da Lei das Contravenções Penais,
em face dos fatos (...):
(...) o denunciado PHS, dirigindo o caminhão Merdes-Benz(...),
embriagado, atropelou conscientemente e matou Arneu Rieger,
ocasionando-lhe múltiplas fraturas na cabeça e no tronco com
desorganização total da massa encefálica. (...) o denunciado dirigia
o
veículo
Mercedes-Benz
em
direção
a
Três
Passos,
vagarosamente. Repentinamente, o denunciado trocou de pista,
ficando na contramão, mas sempre em direção à cidade de Três
Passos e, nessa posição, atropelou a vítima, que caminhava junto à
sarjeta. JLE, que tudo presenciara, correu ao local, pois o caminhão
parara, mas permanecia funcionando. Ao ver a vítima caída, junto ao
rodado esquerdo do caminhão, JLE bateu na cabine do caminhão e
disse ao denunciado: Pare que tem gente debaixo do caminhão. Dito
isto, o denunciado tentou arrancar o veículo e não conseguiu,
deixando o caminhão recuar meio metro, aproximadamente. Então,
arrancou acelerando fortemente o veículo e passou sobre o corpo da
vítima.
JLE continuou gritando e correu atrás do caminhão, pedindo que o
denunciado parasse, mas não foi atendido. Nessa ocasião, JLE viu a
placa do caminhão, que era XB-0534. Ao retornar à sua mão de
direção (lado direito da estrada), o denunciado quase atropelou a
menina CMS que transitava naquele local.
2. Ao final, foi pronunciado nos termos da pretensão ministerial(...).
VOTO DO RELATOR:
A prova indica que o réu foi advertido pela testemunha JLE, sobre a
presença de uma pessoa sob o caminhão e que, apesar dessa
advertência, não tomou nenhuma providência no sentido de evitar o
acidente. Ao contrário, deu partida ao veículo.
Ora, Sr. Presidente, esse desinteresse pela sorte daquela que
viria a ser a vítima é que extrema, que caracteriza a diferença
entre dolo eventual e culpa consciente. O réu demonstrou
nenhuma importância pelo que poderia ocorrer. Não se trata de ter
confiado não ocorresse o resultado, porquanto o que existe nos
autos até o momento está a indicar ter havido, realmente, um
desinteresse real pela sorte da vítima. E isso é o quantum satis para
deixar caracterizado o dolo eventual. Trata-se, a pronúncia, de uma
peça
de
cognição
incompleta,
cabendo
assim,
ao
Júri,
posteriormente, examinar a correção, ou não, da tese acusatória.
Meu voto é no sentido da confirmação da decisão de pronúncia.
Presidente (Des. Marco Aurélio C. M. Oliveira):
Ouvindo o voto de V. Exa., lembrei-me daquela velha lição de
Nelson Hungria: Toda vez que o réu age na dúvida, a sua conduta
gravita na órbita do dolo eventual. (...) De maneira que quanto a
esse fundamento, em relação a esse ponto de vista, acompanho a
manifestação do eminente Relator.
O Des. Cristovam Daiello Moreira
De acordo. Acredito até que ele não agiu na dúvida, agiu indiferente
à dúvida.
Através de uma análise minimamente atenciosa é possível perceber
que se trata de hipótese de ocorrência de dolo eventual pois, ao
contrário da maior parte dos casos submetidos ao judiciário, neste é
facilmente identificável a indiferença com que a agente agiu com
relação à produção do resultado morte da vítima.
Mesmo após ter sido alertado por um transeunte da existência de
uma pessoa caída próxima às rodas do veículo, o condutor acelerou
o veículo, passando por sobre o corpo da vítima, eliminando
qualquer possibilidade de sobrevivência, evidenciando assim sua
anuência do agente para com o resultado. A previsibilidade do
evento também fica comprovada pelo fato do condutor estar
embriagado, o que demonstra que, assumiu os riscos de um
possível evento, uma vez que os efeitos do álcool sob a
coordenação do motorista são notórios.
Tese 261
CRIMES DE TRÂNSITO – SUSPENSÃO DA HABILITAÇÃO PARA
DIRIGIR – MOTORISTA PROFISSIONAL – POSSIBILIDADE
O fato de o réu ser motorista profissional não o isenta de sofrer a
imposição da pena de suspensão da habilitação para dirigir, porque sua
cominação decorre de expressa previsão legal (artigo 302 do Código de
Trânsito Brasileiro), que não faz nenhuma restrição nesse sentido.
(D.O.E., 09/05/2007, p. 40)
EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DA SEÇÃO
CRIMINAL DO EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
TP 228
CRIME DE TRÂNSITO - SUSPENSÃO DA HABILITAÇÃO PARA DIRIGIR MOTORISTA PROFISSIONAL - POSSIBILIDADE.
O FATO DE O RÉU SER MOTORISTA PROFISSIONAL NÃO O ISENTA DE
SOFRER A IMPOSIÇÃO DA PENA DE SUSPENSÃO DA HABILITAÇÃO PARA
DIRIGIR, PORQUE SUA COMINAÇÃO DECORRE DE EXPRESSA PREVISÃO
LEGAL (ART 302 DO CTB), QUE NÃO FAZ NENHUMA RESTRIÇÃO NESSE
SENTIDO.
O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO, nos
autos da APELAÇÃO CRIMINAL Nº 798.868.3/7-0000-000,
Comarca de Santos, em que é apelante JOSÉ CÍCERO DA SILVA,
vem perante Vossa Excelência, com fundamento no artigo 105,
III, alíneas “a” e “c”, da Constituição da República, artigo 255, §
2o, do RISTJ, artigo 26 da Lei nº 8.038/90 e artigo 541 e § único
do Código de Processo Civil, interpor RECURSO ESPECIAL
para o Colendo SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, pelos
motivos adiante aduzidos:
1 – A HIPÓTESE EM EXAME
JOSÉ CÍCERO DA SILVA foi condenado, por infração ao artigo 302
da Lei nº 9.503/97 (Código Brasileiro de Trânsito) a cumprir pena de
02 (dois) anos e 06 (seis) meses de detenção, em regime aberto, e
mais à suspensão da habilitação para dirigir veículo automotor pelo
prazo de 01 (um) ano e 06 (seis) meses, substituída a privativa de
liberdade por restritivas de direito, consistentes na prestação de
serviços à comunidade, na forma a ser estabelecida pelo E. Juízo
das Execuções Criminais, e prestação pecuniária, fixada em 04
(quatro) salários-mínimos, revertidos em benefício dos dependentes
da vítima (r. sentença de fls. 104/108).
Inconformado, o sentenciado interpôs apelação, suscitando
preliminar de nulidade processual, decorrente da falta de advogado
quando de seu interrogatório judicial e do não deferimento de prova
pericial requerida. No mérito, postulou absolvição, ao argumento de
insuficiência probatória. (fls. 127/136).
Contrariado o reclamo (fls. 138/142), sobreveio o parecer ministerial
de fls. 156/159, no sentido do desprovimento.
Contudo, a Egrégia 11ª Câmara A do 6º Grupo da Seção Criminal
do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo proferiu a seguinte
decisão (fls. 165):
"DERAM PARCIAL PROVIMENTO, PARA EXCLUIR A
PENA DE SUSPENSÃO DA HABILITAÇÃO PARA
DIRIGIR VEÍCULOS AUTOMOTORES, MANTIDA, NO
MAIS, A R. SENTENÇA. V.U.”, de conformidade com o
voto do Relator, que integra este acórdão.
O julgamento foi presidido pelo(a) Desembargador(a)
ANTONIO MANSSUR e teve a participação dos
Desembargadores ADALBERTO J.Q. T. CAMARGO
ARANHA FILHO, JÚLIO CAIO SALLES
São Paulo, 15 de dezembro de 2006
IVO DE ALMEIDA
Relator”
Eis o voto do eminente Relator (fls. 166/172):
“Nos termos da respeitável sentença de fls. 105/108,
JOSÉ CICERO DA SILVA foi condenado às penas de
dois anos e seis meses de detenção (substituída por
prestação de serviços à comunidade e prestação
pecuniária) e mais um ano e seis meses de suspensão
da habilitação para dirigir veículos automotores, por
incurso no artigo 302, caput, do Código de Trânsito
Brasileiro.
Inconformado, apela (fls. 120).
Alega, preliminarmente, nulidade do processo a partir do
interrogatório, afirmando que o ato foi realizado sem a
presença de Advogado. Prossegue em seu arrazoado,
sustentando que nulidade também haveria pela falta de
perícia técnica no local do acidente. No mérito, persegue
a absolvição, à vista da insuficiência de prova acusatón'a
(fls. 127/136).
O recurso foi contra-arrazoado (fls. 138/142).
A douta Procuradoria Geral de Justiça propõe a
manutenção do decisório recorrido, negando-se, por
conseqüência, provimento ao apelo.
É o relatório.
O recurso comporta parcial provimento, nos termos que
constarão adiante.
Nulidade alguma há a ser proclamada nos autos.
Ao tempo do interrogatório judicial do apelante (fls.
70/75), não vigia a Lei 10.792/03, que deu nova
conformação ao referido ato processual, cercando-o de
maiores garantias ao acusado.
Até então, não se via o interrogatório como autêntica
prova de defesa, senão como ato privativo do juiz penal,
o que dispensava a presença de Advogado.
Daí porque, no caso dos autos, não houve irregularidade
alguma que pudesse ensejar a nulidade do processo a
partir de então.
Ademais, a condenação não se acha escorada em
qualquer trecho daquele depoimento do apelante.
Em segundo lugar, a inexistência de perícia no local do
fato também não contamina a prova dos autos.
É inegável a utilidade da vistoria pericial no local do
evento, como forma de melhor esclarecer os fatos e
alcançar a verdade.
Lastima-se, por isso, a conduta negligente da autoridade
policial, que deixou de requisitar tal perícia, lavrando
mero termo circunstanciado, manifestamente incabível,
na hipótese do artigo 302 do CTB.
Todavia, sua falta não acarreta nulidade alguma.
Ao mérito.
A respeitável sentença recorrida bem analisou as provas
disponíveis e decretou, com acerto, a condenação.
Não é de se supor existir qualquer defeito no semáforo,
pois caso isso tivesse ocorrido, outros acidentes teriam
acontecido no local.
Bem de ver, ainda, que a testemunha ADELMAR (fls.
96/99) escapou por pouco de ser atingida pelo caminhão
dirigido pelo apelante, que veio, em seguida, a colher a
motocicleta pilotada pela vítima fatal.
Referida testemunha prestou depoimentos uniformes e
detalhados em duas oportunidades, gerando, portanto,
forte credibilidade quanto a seu conteúdo.
Trata-se, portanto, de depoimento idôneo, apto a dar
suporte a uma condenação.
Aliás, não é a quantidade de testemunhas que determina
a convicção do julgador, mas a qualidade de cada um
dos depoimentos. Ainda que seja um único circunstante,
seu relato, quando idôneo, poderá ser suficiente para
motivar a condenação,
É o caso dos autos.
Por último, cabe apenas um reparo na pena imposta,
ressalvada a convicção do proficiente Magistrado
sentenciante.
Sendo o apelante motorista profissional, a imposição da
pena de suspensão da habilitação para dirigir veículos
automotores implicará, na prática, em negar-lhe o direito
de trabalhar.
Isso comprometeria sua subsistência.
Tal entendimento, é sabido, sofre fortes críticas da
jurisprudência, que mal-compara tal situação com a
imposição da pena privativa de liberdade, na qual o
agente também se vê privado de desenvolver tarefas
que provejam seu sustento.
Todavia, tal analogia não se aplica, neste caso. A um,
porque a pena de suspensão da habilitação para dirigir
veículos automotores, sendo cumulativa com a privativa
de liberdade (no caso do artigo 302 do CTB), não tem a
mesma vocação repressiva e emblemática. A dois,
porque, na privativa de liberdade, o Estado assegura ou pelo menos deveria fazê-lo - a subsistência do
encarcerado e de seus familiares, provendo as
necessidades do primeiro e concedendo auxílio reclusão
previdenciário aos segundos,
Sendo assim, suprime-se tal penalidade, mantendo-se,
porém, a privativa de liberdade, substituída,
corretamente, por duas restritivas de direito.
É o que fica decidido.
Posto isso, meu voto dá parcial provimento ao recurso,
apenas para excluir a pena de suspensão da habilitação
para dirigir veículos automotores, mantendo-se, no mais,
a respeitável sentença recorrida.”
A causa foi decidida por Tribunal Estadual que julgou
Apelação, não se tratando de reexame de prova e, sim, de
questão estritamente jurídica. O v. acórdão negou vigência
ao art. 302 da Lei nº 9.503/97 (Código Brasileiro de Trânsito)
e divergiu de julgado de outro Tribunal, legitimando,
destarte, a interposição do presente recurso especial, pelas
alíneas “a” e “c” do permissivo constitucional.
2 - NEGATIVA DE VIGÊNCIA AO ART. 302
BRASILEIRO DE TRÂNSITO (lEI Nº 9.503/97)
DO CÓDIGO
Segundo conhecida lição do saudoso Ministro ALIOMAR
BALEEIRO, perfeitamente ajustável à hipótese em exame,
“denega-se vigência à lei não só quando se diz que esta não
está em vigor, mas também quando se decide em sentido
diametralmente oposto ao que nela está expresso” (RTJ
48/788).
A Egrégia Corte Paulista, optou por aplicar, à conduta do réu,
capitulada no artigo 302 do Código de Trânsito Brasileiro, tão-
somente a pena privativa de liberdade, substituída por restritivas
de direitos, afastando a imposição da suspensão da habilitação
para dirigir veículo automotor, corretamente lançada na r.
decisão de primeiro grau, argumentando que “Sendo o
apelante motorista profissional, a imposição da pena de
suspensão da habilitação para dirigir veículos automotores
implicará, na prática, em negar-lhe o direito de trabalhar” .
(fls. 170)
O artigo 302 da mencionada Lei nº 9.503/97, encontra-se assim
redigido:
“Praticar homicídio
automotor”:
culposo
na
direção
de
veículo
Penas – detenção, de dois a quatro anos, e suspensão ou
proibição de se obter a permissão ou a habilitação para
dirigir veículo automotor “. (grifo nosso)”.
Como se vê, o legislador entendeu conveniente e necessário
que a resposta penal à conduta entelada fosse dupla, impondo,
de um lado, a pena privativa de liberdade, e, de outro, a
suspensão do direito de dirigir, o que se evidencia pela
existência da conjunção aditiva “e”.
Caso a pretensão fosse ensejar ao aplicador da lei a escolha
entre uma ou outra espécie de reprimenda, o tipo legal
certamente ostentaria a conjunção alternativa “ou”.
Sob outro prisma, o citado preceito legal não excepcionou
qualquer categoria de motorista, como consignado no v.
acórdão, que entendeu inaplicável a suspensão imposta quando
se cuide de motorista profissional.
Aliás, é conhecido o brocardo jurídico no sentido de que “onde
a lei não distingue, nem o intérprete deve distinguir” (“Ubi
lex non distinguist, nec interpress distinguere debet”).
Este, inclusive, é o posicionamento adotado pelo Colendo
Superior Tribunal de Justiça, expresso nas seguintes ementas:
“RECURSO ESPECIAL. CRIME DE TRÂNSITO.
HOMICÍDIO CULPOSO. APLICAÇÃO CONCOMITANTE
DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE COM A DE
SUSPENSÃO OU PROIBIÇÃO DO DIREITO DE DIRIGIR
VEÍCULO.
OBRIGATORIEDADE.
MOTORISTA
PROFISSIONAL. CAUSA DE AUMENTO DE PENA.
1. O art. 302, caput, da Lei nº 9.503/97, por tratar de
hipótese evidentemente mais reprovável, além da
sanção corporal, impõe concomitantemente a pena de
suspensão da habilitação ou proibição de obter a
permissão para dirigir veículo automotor.
2. Segundo o disposto no inciso IV, do parágrafo único,
do art. 302, o fato de ser o infrator motorista
profissional, ao invés de se constituir como uma
regalia, afigura-se como causa de aumento de pena,
uma vez que, segundo Damásio Evangelista de Jesus,
“nessa hipótese é maior o cuidado objetivo necessário,
mostrando-se mais grave o seu descumprimento” (in
Crimes de Trânsito, 5ª edição, 2002, p. 91).
3. Recurso provido para determinar a aplicação da
pena de suspensão ou proibição do direito de dirigir
veículo automotor ao réu, bem como a majorante
prevista no inciso IV, do parágrafo único, do art. 302,
do Código de Trânsito Brasileiro.”(Resp. 685084/RS, 5ª
Turma, Rel. Min. LAURITA VAZ, j. 01/03/2005, pub. DJU de
28.03.2005, p. 309).
CRIMINAL. RESP. DELITO DE TRÂNSITO. HOMICÍDIO
CULPOSO. OITIVA DOS PERITOS E EXAME MÉDICO.
INDEFERIMENTO.
LIVRE
CONVENCIMENTO
MOTIVADO. SUBSTITUIÇÃO DA PENA CORPORAL
POR DUAS RESTRITIVAS DE DIREITO ALÉM DA
SUSPENSÃO DA HABILITAÇÃO PARA DIRIGIR.
POSSIBILIDADE. SUBSTITUIÇÃO DA LIMITAÇÃO DE
FINAIS DE SEMANA POR PRESTAÇÃO PECUNIÁRIA.
IMPOSSIBILIDADE.
MOTORISTA
PROFISSIONAL.
SUSPENSÃO DA HABILITAÇÃO PARA DIRIGIR.
POSSIBILIDADE.
PRESCRIÇÃO
DA
PENA
DE
SUSPENSÃO DA HABILITAÇÃO PARA DIRIGIR.
INOCORRÊNCIA. RECURSO DESPROVIDO.
I – As provas produzidas têm a finalidade de convencer
o juízo da causa, que tem o poder de discernir quais
diligências serão relevantes para o deslinde da causa,
diante do princípio do livre convencimento motivado.
II – Não constitui ilegalidade o indeferimento do pedido
de oitiva e acareação dos peritos oficiais e particular,
se não evidenciada a necessidade da diligência
requerida, ainda mais em se tratando de feito em que a
polícia especializada realizou perícia técnica no local
dos fatos, logo após o acidente, a qual foi corroborada
pelas demais prova dos autos.
III – Do mesmo modo, o indeferimento do pedido de
exame médico no condutor do ônibus envolvido no
acidente não viola a Lei Processual Penal, se a
desnecessidade
fundamentada.
da
medida
restou
devidamente
IV - Não afronta o art. 44, § 1º, do Código Penal, a
aplicação de duas penas restritivas de direito,
substitutivas da pena privativa de liberdade, cumuladas
com a pena de suspensão da habilitação para dirigir
veículo automotor.
V – É incabível a substituição da pena de limitação de
finais de semana por prestação pecuniária, se o pleito
substitutivo restou fundamentadamente afastado pelo
Tribunal a quo, diante da análise das circunstâncias do
caso concreto.
VI – O fato de o réu ser motorista profissional não o
isenta de sofrer a imposição da pena de suspensão da
habilitação para dirigir, porque sua cominação decorre
de expressa previsão legal (art. 302 do CTB), que não
faz nenhuma restrição nesse sentido.
VII - De acordo com o artigo 118 do Código Penal, as
penas mais leves prescrevem com as mais graves.
Assim, a pena de suspensão da habilitação para dirigir
veículo automotor imposta cumulativamente com a
privativa de liberdade prescreve no prazo desta.
VIII – Não decorrido o prazo prescricional das penas
mais graves – restritivas de direito aplicadas em
substituição à pena privativa de liberdade -, não há que
se falar em prescrição da pena mais leve – suspensão
da habilitação para dirigir.
IX – Recurso desprovido “(Resp. 628730/SP, 5ª Turma,
Rel. Min. GILSON DIPP, j. 24/05/2005, pub. DJU de
13.06.2005, p. 333)
8. CONCLUSÃO
O tema central deste estudo versou a acerca do crime de homicídio na condução de
veículo automotor, verificando qual o tratamento vem sendo dispensado nesta
circunstância.
Percebe-se que este problema vem atormentando a sociedade brasileira há algumas
décadas e desde então, apesar de criarem vários mecanismos eficientes de
combate à violência no trânsito, chegou-se ao número expressivo de 700
(setecentas) mudanças no CTB.
Ressalte-se, todavia, que nem todas as modificações proporcionadas por nossos
legisladores atenderam às expectativas técnico-jurídicas dos profissionais de trânsito
que, mais do que ninguém, almejam uma legislação justa, equilibrada e coesa.
Nesse contexto, podem-se citar algumas modificações significativas implantadas,
quais sejam, uma reclassificação das infrações de trânsito, em que se passou a
aplicar sanções mais severas para determinadas condutas, dada a sua gravidade,
como forma de desestimular e punir condutas nocivas ao trânsito.
Nada menos importante foi abordagem voltada para o cidadão, no qual atribuiu-se
a este o direito de peticionar e interferir junto ao Sistema Nacional de Trânsito,
propiciando-se a este a participação ativa nas questões problemáticas inerentes ao
trânsito, prestigiando-se a previsão constitucional do direito de peticionar junto aos
órgãos públicos na defesa de seus interesses e da própria sociedade em que
convive.
Um dos problemas que vem ganhando proporções na mídia e está atormentando a
população brasileira, é a alta incidência de condutores embriagados dirigindo em via
pública. A conseqüência disso, são catastróficos acidentes e incontáveis vítimas.
Uma rápida análise da legislação nos levaria à falsa premissa de que os crimes de
circulação serão culposos por excelência, eis que o nosso CTB não contempla
nenhuma hipótese de crime doloso em seu capitulo XIX, destinados ao tratamento
dos crimes de trânsito.
Entretanto, através da análise sistêmica da legislação penal, utilizando-se dos
conceitos do CP, será possível a capitulação do homicídio na condução do veículo
automotor, desde que observada a existência de 2 (duas) circunstâncias
elementares: a previsibilidade do evento danoso e consentimento, ainda que
implícito, do agente na produção do resultado. Restando caracterizada apenas a
previsibilidade do evento, não há o que se falar em homicídio doloso na condução
de veículo automotor, mas em mera culpa na modalidade consciente, pois a vontade
do agente é de suma importância para a classificação do delito. Torna-se também
imprescindível saber se o agente agiu com dolo ou culpa, visto que nenhum réu vai
confessar a previsão do resultado, a consciência da possibilidade ou da
probabilidade de sua causação, bem como a consciência do consentimento, pois
para obter a precisão quanto ao tipo subjetivo e certificar se o autor agiu com dolo
eventual e culpa consciente, será necessário a apreciação de todos os elementos e
circunstâncias do fato concreto.
Embora a capitulação com base no homicídio na condução de veículo automotor
requeira a existência das citadas circunstâncias, são raras as decisões judiciais que
acolhem a hipótese de dolo (ainda que indireto), nas circunstâncias onde não é
materializado a previsão do evento e/ou o assentimento do agente.
Tivemos ainda, como hipótese de trabalho que a adequação típica do homicídio
praticado na condução do veículo automotor, como doloso seria o tratamento mais
condizente como forma de prevenir esta modalidade delituosa.
No entanto, após análise jurisprudencial sobre o assunto, verificamos que os
tribunais têm se posicionado de forma contrária ao nosso entendimento, no sentido
que crime somente será doloso se presente os requisitos da previsibilidade.
Por fim, embora as punições previstas em lei transpareçam brandura e são
aparentemente incompatíveis com a gravidade dos atos praticados pelos que
delinqüem, tais decisões, em regra, objetivam a imposição de pena mais pesada ao
autor do crime, com respaldo legal e total respeito à doutrina, no entanto,
reafirmamos nessa presente, no sentido de que deva ser dispensado um tratamento
mais rigoroso ao homicídio na condução do veículo automotor, como forma de
previnir e reprimir o grande número de homicídios praticados no trânsito.
Esperamos que este trabalho possa contribuir para aqueles que se dedicam ao
estudo deste tema, que se apresenta como problema contemporâneo e de grande
complexidade.
9. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal. V. 1, Parte Geral. São Paulo: Saraiva,
2000.
GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: parte geral. Rio de Janeiro: Impetus,
2003.
GRECO, Rogério opus citatum, p. 224.
PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro. 6. ed. v. 2. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2007.
SANTORO FILHO, Antônio Carlos. Fundamentos do Direito Penal. São Paulo:
Malheiros, 2003.
SILVA, César Dario Mariano da. Manual de Direito Penal. 3. ed. v. 2. Rio de
Janeiro: Forense, 2006.
SOUZA, Artur de Brito Gueiros. Espécies de sanções penais: uma análise
comparativa entre os sistemas penais da França e do Brasil. Revista Brasileira de
Ciências Criminais. n. 49, jul./ago., 2004, p. 9 – 38.
STOCO, Rui. Tratado de Responsabilidade Civil: responsabilidade civil e sua
interpretação doutrinária e jurisprudencial. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2001.
TOLEDO, Francisco de Assis Toledo. Princípios Básicos de Direito Penal. 5. ed.
São Paulo: Saraiva, 1994.
VIEIRA, João Alfredo Medeiros. Estudo sobre o Homicídio. 2. ed. Santo André-SP:
LEDIX, 2005.
JESUS, Damásio, 2001, Direito Penal: parte geral, p. 288
PELLEGRINI, Rinaldo apud CAMARGO,Marcelo Ferreira de. Embriaguez e
responsabilidade penal. Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 344, 16 jun. 2004.
Disponível
em:<http://jus2.uol.com.br/doutrina
/texto.asp
5342>.Acesso
em:31out.2006. 16:00 h.
VANILO Vignola: É Sargento da Polícia Militar de Santa Catarina. Bacharel em
Direito pela Universidade para o Desenvolvimento do Alto Vale do Itajaí – UNIDAVI.
Pós-Graduado “lato sensu”, especialização em “Gestão de Trânsito”, pelo Instituto
de Certificação e Estudos de Trânsito e Transportes/SC em convênio com a
Universidade Estácio de Sá/SC. Pós-Graduando “lato sensu”, especialização em
Direito de Trânsito, pela Faculdade Anita Garibaldi - CESUSC.
Lei 9.503/97, com nova redação dada pela Lei 11.275/06
Lei 11.705/2008 (Lei Seca)
TJ/SC, Apelação Criminal no 1998.018158-5, julg. em 24/03/99.
RESP. 685084/RS, 5ª Turma, Rel. Min. LAURITA VAZ, j. 01/03/2005, pub. DJU
de 28.03.2005, p. 309).
10. ANEXOS
Presidência da República
Casa Civil
Subchefia para Assuntos Jurídicos
LEI Nº 11.705, DE 19 DE JUNHO DE 2008.
Mensagem de Veto
Conversão da Medida Provisória nº 415, de
2008
Altera a Lei 9.503, de 23 de setembro de 1997,
que ‘institui o Código de Trânsito Brasileiro’,
e a Lei . 9.294, de 15 de julho de 1996, que
dispõe sobre as restrições ao uso e à
propaganda de produtos fumígeros, bebidas
alcoólicas, medicamentos, terapias e
defensivos agrícolas, nos termos do § 4o do art.
220 da Constituição Federal, para inibir o
consumo de bebida alcoólica por condutor de
veículo automotor, e dá outras providências.
O PRESIDENTE DAREPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e
eu sanciono a seguinte Lei:
Art. 1o Esta Lei altera dispositivos da Lei 9.503, de 23 de setembro de 1997, que
institui o Código de Trânsito Brasileiro, com a finalidade de estabelecer alcoolemia 0
(zero) e de impor penalidades mais severas para o condutor que dirigir sob a influência
do álcool, e da Lei 9.294, de 15 de julho de 1996, que dispõe sobre as restrições ao uso
e à propaganda de produtos fumígeros, bebidas alcoólicas, medicamentos, terapias e
defensivos agrícolas, nos termos do § 4o do art. 220 da Constituição Federal, para
obrigar os estabelecimentos comerciais em que se vendem ou oferecem bebidas
alcoólicas a estampar, no recinto, aviso de que constitui crime dirigir sob a influência de
álcool.
Art. 2o São vedados, na faixa de domínio de rodovia federal ou em terrenos
contíguos à faixa de domínio com acesso direto à rodovia, a venda varejista ou o
oferecimento de bebidas alcoólicas para consumo no local.
§ 1o A violação do disposto no caput deste artigo implica multa de R$ 1.500,00
(um mil e quinhentos reais).
§ 2o Em caso de reincidência, dentro do prazo de 12 (doze) meses, a multa será
aplicada em dobro, e suspensa à autorização de acesso à rodovia, pelo prazo de até 1
(um) ano.
§ 3o Não se aplica o disposto neste artigo em área urbana, de acordo com a
delimitação dada pela legislação de cada município ou do Distrito Federal.
Art. 3o Ressalvado o disposto no § 3o do art. 2o desta Lei, o estabelecimento
comercial situado na faixa de domínio de rodovia federal ou em terreno contíguo à faixa
de domínio com acesso direto à rodovia, que inclua entre suas atividades a venda
varejista ou o fornecimento de bebidas ou alimentos, deverá afixar, em local de ampla
visibilidade, aviso da vedação de que trata o art. 2o desta Lei.
Parágrafo único. O descumprimento do disposto no caput deste artigo implica
multa de R$ 300,00 (trezentos reais).
Art. 4o Competem à Polícia Rodoviária Federal a fiscalização e a aplicação das
multas previstas nos arts. 2o e 3o desta Lei.
§ 1o A União poderá firmar convênios com Estados, Municípios e com o Distrito
Federal, a fim de que estes também possam exercer a fiscalização e aplicar as multas de
que tratam os arts. 2o e 3o desta Lei.
§ 2o Configurada a reincidência, a Polícia Rodoviária Federal ou ente conveniado
comunicará o fato ao Departamento Nacional de Infra-Estrutura de Transportes - DNIT
ou, quando se tratar de rodovia concedida, à Agência Nacional de Transportes Terrestres
- ANTT, para a aplicação da penalidade de suspensão da autorização de acesso à rodovia.
Art. 5o A Lei . 9.503, de 23 de setembro de 1997, passa a vigorar com as
seguintes modificações:
I - o art. 10 passa a vigorar acrescido do seguinte inciso XXIII:
“Art. 10. .......................................................................
.............................................................................................
XXIII - 1 (um) representante do Ministério da Justiça.
...................................................................................”(NR)
II - o caput do art. 165 passa a vigorar com a seguinte redação:
“Art. 165. Dirigir sob a influência de álcool ou de qualquer outra substância psicoativa
que determine dependência:
Infração - gravíssima;
Penalidade - multa (cinco vezes) e suspensão do direito de dirigir por 12 (doze) meses;
Medida Administrativa - retenção do veículo até a apresentação de condutor habilitado e
recolhimento do documento de habilitação.
...................................................................................”(NR)
III - o art. 276 passa a vigorar com a seguinte redação:
“Art. 276. Qualquer concentração de álcool por litro de sangue sujeita o condutor às
penalidades previstas no art. 165 deste Código.
Parágrafo único. Órgão do Poder Executivo federal disciplinará as margens de tolerância
para casos específicos.”(NR)
IV - o art. 277 passa a vigorar com as seguintes alterações:
“Art. 277. .....................................................................
.............................................................................................
§ 2o A infração prevista no art. 165 deste Código poderá ser caracterizada pelo agente de
trânsito mediante a obtenção de outras provas em direito admitidas, acerca dos notórios
sinais de embriaguez, excitação ou torpor apresentados pelo condutor.
§ 3o Serão aplicadas as penalidades e medidas administrativas estabelecidas no art. 165
deste Código ao condutor que se recusar a se submeter a qualquer dos procedimentos
previstos no caput deste artigo.”(NR)
V - o art. 291 passa a vigorar com as seguintes alterações:
“Art. 291. .....................................................................
§ 1o Aplica-se aos crimes de trânsito de lesão corporal culposa o disposto nos arts. 74, 76
e 88 da Lei 9.099, de 26 de setembro de 1995, exceto se o agente estiver:
I - sob a influência de álcool ou qualquer outra substância psicoativa que determine
dependência;
II - participando, em via pública, de corrida, disputa ou competição automobilística, de
exibição ou demonstração de perícia em manobra de veículo automotor, não autorizada
pela autoridade competente;
III - transitando em velocidade superior à máxima permitida para a via em 50 km/h
(cinqüenta quilômetros por hora).
§ 2o Nas hipóteses previstas no § 1o deste artigo, deverá ser instaurado inquérito policial
para a investigação da infração penal.”(NR)
VI - o art. 296 passa a vigorar com a seguinte redação:
“Art. 296. Se o réu for reincidente na prática de crime previsto neste Código, o juiz
aplicará a penalidade de suspensão da permissão ou habilitação para dirigir veículo
automotor, sem prejuízo das demais sanções penais cabíveis.” (NR)
VII - (VETADO)
VIII - o art. 306 passa a vigorar com a seguinte alteração:
“Art. 306. Conduzir veículo automotor, na via pública, estando com concentração de
álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 (seis) decigramas, ou sob a influência de
qualquer outra substância psicoativa que determine dependência:
.............................................................................................
Parágrafo único. O Poder Executivo federal estipulará a equivalência entre distintos testes
de alcoolemia, para efeito de caracterização do crime tipificado neste artigo.”(NR)
Art. 6o Consideram-se bebidas alcoólicas, para efeitos desta Lei, as bebidas
potáveis que contenham álcool em sua composição, com grau de concentração igual ou
superior a meio grau Gay-Lussac.
Art. 7o A Lei . 9.294, de 15 de julho de 1996, passa a vigorar acrescida do
seguinte art. 4o-A:
“Art. 4o-A. Na parte interna dos locais em que se vende bebida alcoólica, deverá ser
afixado advertência escrita de forma legível e ostensiva de que é crime dirigir sob a
influência de álcool, punível com detenção.”
Art. 8o Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
Art. 9o Fica revogado o inciso V do parágrafo único do art. 302 da Lei 9.503, de 23 de
setembro de 1997.
Brasília, 16 de junho de 2008; 187o da Independência e 120o da República.
LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA
Tarso Genro
Alfredo Nascimento
Fernando Haddad
José Gomes Temporão
Marcio Fortes de Almeida
Jorge Armando Felix
Déca
A
CUSTO POR PESSOA
ACIDENTES SEM VÍTIMAS
= R$ 16.840,00
ACIDENTES COM VÍTIMAS LESIONADAS
= R$ 84.200,00
ACIDENTES COM VÍTIMAS FATAIS
= R$ 421.000,00
Fonte: IPEA
Pr
Tax
envolve
10
9
Norte
Nordeste
Taxa por 100 mil
8
Sudeste
Sul
7
Centro-Oeste
6
Brasil
Ajuste Norte
5
Ajuste Nordeste
4
Ajuste Sudeste
Ajuste Sul
3
Ajuste CentroOeste
Ajuste Brasil
2
1
0
1995
1996
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1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
Ano
Taxas padron
Recife,
45
40
Br asi l
F
1. 024
Col et ad
M
Região
S
Mortal
20 a 39 anos
0 a 14 anos
1 00%
80%
60%
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paulo roberto costa