O Brasil na Cooperação Internacional para o Desenvolvimento: a atuação brasileira na Cooperação Sul-Sul Autoria: Aline Louise Kerch, Leonardo Gustavo Schneider RESUMO Este artigo tem por objetivo dissertar sobre a atuação do Brasil na Cooperação Internacional para o Desenvolvimento e, mais especificamente, caracterizar a participação brasileira na Cooperação Sul-Sul. Para tanto, num primeiro momento, os autores traçaram um breve histórico sobre o surgimento da Cooperação Internacional e, na continuidade, distinguiram a Cooperação Sul-Sul. Prosseguindo, foi abordada a participação do Brasil na Cooperação Sul-Sul, dando-se destaque aos aspectos mais gerais da atuação do país e, principalmente, seu posicionamento perante este tipo de cooperação. Num último momento, os autores traçaram suas considerações finais. Palavras-chave: Cooperação Internacional para o Desenvolvimento; Cooperação Sul-Sul; Brasil. 1 O Brasil na Cooperação Internacional para o Desenvolvimento: a atuação brasileira na Cooperação Sul-Sul 1 Cooperação Internacional para o Desenvolvimento (CID) O termo “cooperação”, ainda hoje, não consegue ser explicado através de um único e indiscutível conceito. Desta maneira, existem várias definições para o termo, as quais são decorrentes da vastidão conceitual ou teórica com que se abordam diferentes agentes e agências de cooperação – governamentais ou não-governamentais – assim como seus objetivos e pressupostos, entre outros tantos elementos envolvidos (LIMA, 2007). Para Sánchez (2002) a “cooperação” entre as nações teria a intenção de assegurar a paz e promover o desenvolvimento e a justiça, mantendo, dessa maneira, uma ordem social e política legítima. Neste sentido, seria possível alegar que a cooperação internacional existe desde o aparecimento das unidades políticas para as quais associamos a noção de Estado. Em continuidade, acredita-se que a cooperação internacional estaria abalizada “em ações que governos e organizações da sociedade civil de países distintos planejam e executam objetivando fomentar um progresso mais equilibrado e justo no mundo” (SANTOS e CARRION, 2011, p. 1850). Contudo, vale destacar que a noção atual da cooperação internacional, sobretudo no que se refere a ajuda ao desenvolvimento, é recente, com uma história que dura pouco mais de meio século, ou seja, iniciada após a II Guerra Mundial. Assim sendo, e de acordo com Gonçalves (2010, p. 6), “ao tratarmos do tema da CID torna-se necessário distinguir seu significado de termos comumente usados como sinônimos, como ajuda externa”. Também, é muito frequente a utilização do termo “ajuda externa” como expressão similar à cooperação para o desenvolvimento. Entretanto, enquanto o termo “ajuda externa” refere-se à assistência ao desenvolvimento e à assistência militar além de prever uma relação desigual entre doador e receptor (sem que necessariamente seu objetivo seja o desenvolvimento), a “cooperação para o desenvolvimento” objetiva o desenvolvimento que é uma iniciativa comum entre doador e receptor, e onde há a percepção de que dois ou mais interesses coincidem e podem ser alcançados por ambas as partes (AYLLÓN, 2006). Acrescentando às ideias anteriores, Milani (2008) compreende a CID como um regime integrado por atores, tanto governamentais como não-governamentais, baseado em normas e instituições e, também, relacionado ao incentivo de ações coletivas para o desenvolvimento internacional por meio de diferentes setores e atividades – como as áreas da educação, da formação técnica, da saúde, da cooperação científica e tecnológica, de crescimento econômico, da comunicação e dos programas de reforma do Estado e de administração pública. Em continuidade, acredita-se que o surgimento da cooperação internacional no quadro do sistema de relações internacionais logo após a II Guerra Mundial não foi o fruto, tãosomente, de motivações éticas e/ou humanitárias. Segundo o autor Ayllón (2007), a preponderância de uma conjuntura geopolítica determinada pela divisão bipolar do mundo pela guerra é que teria propiciado o nascimento deste tipo de cooperação entre os países. É neste contexto de final de II Guerra Mundial – onde eram manifestos o grande número de vidas perdidas, o de cidades completamente destruídas e os desgastes nas relações entre os Estados – que dá-se o surgimento da Organização das Nações Unidas (ONU)1. A criação da ONU, em 1945, marcou a busca pela prevenção de conflitos internacionais e pela cooperação internacional de uma forma ampla. Neste sentido, ela propôs-se a gerar condições para um novo ordenamento das relações internacionais, alicerçado na paz, na cooperação e na perspectiva de atuação coletiva para o alcance de interesses comuns. Cabe ressaltar ainda que, antes do surgimento da ONU (como uma organização 2 multilateral vinculada à manutenção da paz e da estabilidade mundial), foram feitas diversas conferências internacionais para planejar e organizar o mundo pós-conflito. Dentre as principais, estão as realizadas em plena guerra, no período entre 1939 e 1945. Aliás, foi em um desses encontros (o de Bretton Woods, em New Hampshire, 1944, EUA) que o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial foram criados (LAUDAU, 2008). Contudo, no que diz respeito ao Banco Mundial e a cooperação para o desenvolvimento, Santos e Carrion (2011, p. 1852) asseveram que este “teria nascido com fins de reconstrução. Somente em consequência do esforço de líderes latino-americanos teria sido possível incluir entre os objetivos do banco também o desenvolvimento”. Apesar disso, foi neste cenário de pós-guerra que a cooperação internacional para o desenvolvimento avançou e construiu suas bases. Assim sendo, entre 1945 e 1949, a atenção volta-se para a reconstrução da combalida Europa (ainda devastada pela II Guerra). Neste sentido, o ano de 1948 testemunhou o lançamento do maior programa de cooperação internacional até então formulado: o Plano Marshall. “O Plano Marshall teve um enorme êxito, tanto sob o prisma econômico (em quatro anos reconstruiu-se o continente, graças à munificência norte-americana e ao esforço europeu), como – e principalmente – sob a ótica geopolítica, pois evitou o avanço do comunismo soviético, para o qual já gravitavam países como Itália e a Grécia, e sucumbiu a Tchecoslováquia” (LAUDAU, 2008, p. 106). O estabelecimento do Plano Marshall levou à criação da Organização Europeia de Cooperação Econômica que, em 1961, “foi sucedida pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), ampliando o número de membros e visando auxiliar os países a atingirem um crescimento econômico e um nível de emprego sustentáveis”, além de aumentar seus padrões de vida e manter a estabilidade financeira (KAPEL, 2009, p. 15). No âmbito latino-americano, dados os impasses das Nações Unidas (obstaculizada, inclusive, pelos vetos soviéticos, e sempre no afã de conter o expansionismo deste mediante a consolidação de uma aliança hemisférica), os Estados Unidos promoveram, em 1948, a criação da Organização dos Estados Americanos (OEA) – versão modernizada da antiga União Pan-Americana de 1910. De acordo com Laudau (2008, p. 107), “a OEA teve uma atuação destacada no plano da cooperação técnica regional” pois, embora possuindo caráter primariamente político, “serviu de foro para a discussão de políticas econômicas de âmbito regional”. Ainda no ano de 1948, no domínio de uma cooperação multilateral, a Assembleia Geral da ONU, através da sua Resolução 200, institui formalmente a assistência técnica para o desenvolvimento econômico. Segundo Kapel (2009, p. 16), esta resolução reforçou a promoção do “progresso econômico e social” que seria um dos pilares centrais na Carta das Nações Unidas2. Além disso, estabeleceu que a assistência deveria se dar com a formação de equipes internacionais encarregadas de aconselharem os governos em seus programas de desenvolvimento econômico: com a formação, no exterior, de profissionais dos países em desenvolvimento; com a formação local destes profissionais através da visita de peritos estrangeiros que ajudassem, inclusive, na organização de instituições técnicas, e; através da provisão de facilidades para auxiliar os governos a obterem pessoal técnico, materiais e estoques (KAPEL, 2009). Seguindo estes pensamentos, e já no ano de 1958, o então presidente brasileiro Juscelino Kubitschek propôs ao governo dos Estados Unidos a Operação Pan-Americana (OPA). A OPA era um grande plano de cooperação destinado, essencialmente, parecido com o Plano Marshall: “a ideia era a promoção do desenvolvimento do continente latinoamericano, mediante reformas estruturais e democráticas para evitar a revolução esquerdista 3 que, insuflada por Moscou, já despontava em vários países” (LAUDAU, 2008, p. 107). Contudo, ainda que considerada pelos EUA um bom plano, a OPA nunca foi colocada em prática. Apesar disso, o seu caráter reformista inspirou o presidente americano Eisenhower a criar, em 1959, o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). Assim, em 1965, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNDU) foi criado. O seu objetivo principal era oferecer o suporte necessário para que os países em desenvolvimento pudessem obter e utilizar de forma eficaz a ajuda externa. Neste mesmo período, o debate Norte-Sul também se intensificou assim como os acalorados e incessantes debates sobre as relações centro-periferia, sobre a dependência entre os países, sobre o subdesenvolvimento, etc. (KAPEL, 2009). Destarte, vislumbra-se que foi a partir dos processos de descolonização e emancipação dos países afro-asiáticos, e da “crescente conscientização do Terceiro Mundo em relação ao seu próprio atraso”, que a temática do desenvolvimento foi ganhando espaço no cenário internacional (KAPEL, 2009, p. 17). Corroborando com estas ideias, Gonçalves (2010, p. 8) acrescenta que, com o nascimento de “novos países – decorrente do processo de descolonização” – e o ingresso destes na ONU, “foi introduzida na agenda multilateral o tema do desenvolvimento, redimensionando o estreito enfoque através do qual a cooperação era concebida no imediato pós-guerra”. No mesmo diapasão, Amorin (apud SANTOS e CARRION, 2011, p. 1852) alertam que “tardiamente (e de maneira incompleta), o desenvolvimento (prioridade dos países mais pobres) inscreve-se como desafio aos projetos de cooperação, juntamente com a manutenção da ordem e da paz”. Todavia, na década de 1970, a eficácia da ajuda prestada passava a ser questionada com maior ênfase. Tanto os doadores de recursos preocupavam-se com o seu mau uso, quanto os receptores questionavam a natureza e o alcance do auxílio prestado. Afora isso, intensificava-se o caráter de interdependência entre os lados envolvidos no processo de cooperação, para fazer desta algo bidirecional. Também nesta década, diversos grupos de discussão começam a fazer menção à cooperação Sul-Sul. Já para os países em desenvolvimento, “as relações de cooperação deveriam impulsionar seus processos de desenvolvimento e não implementar ações de viés assistencialista e de perpetuação de dependência” (VALLER FILHO, 2007, p. 34-38). Nesta nova conjuntura surgiram questionamentos à cooperação, o que fez com que as políticas e as estratégias dos programas de assistência fossem reorientadas. A vinculação do desenvolvimento aos temas sociais, de redistribuição e de governabilidade democrática foi um passo significativo neste momento, modificando inclusive a política de vários países doadores (HIRST e ANTONINI, 2009). Dado que os países do chamado Terceiro Mundo desejavam a alteração da “assistência técnica” pela “cooperação técnica”, retomando o ideal de cooperação em termos mais igualitários, surgia então, em 1974, uma nova forma de interação entre os países do Sul que denominou-se Cooperação Técnica entre os Países em Desenvolvimento (CTPD) – também entendida como Cooperação Horizontal (KAPEL, 2009, p. 19). Denominada, deste 2004, como Unidade Especial para a Cooperação Sul-Sul, a unidade foi criada para, além de promover, também coordenar e dar suporte a este tipo de cooperação. De acordo com Santos e Carrion (2011), até a década de 1980, a ajuda internacional era vista como um fator desencadeador de desenvolvimento. Contudo, esta visão começa a modificar-se ao emergir uma nova contextualização das relações internacionais no período compreendido entre o final dos anos 1980 e o início dos anos 1990. Para as autoras, o período do pós-Guerra Fria retratou o desmoronamento de um sistema hegemônico e da sua correspondente distribuição de poder. Assim, já nos anos 1990, a apreensão teria se direcionado ao ambiente político e estrutural dos estados porque se concluiu que, sem uma adequação nesse sentido, os recursos 4 poderiam ser desperdiçados em projetos que não visavam ao longo prazo. “Os recursos provenientes da ajuda internacional começariam, então, a ceder lugar de maneira a privilegiar os fluxos de capital privado” (SANTOS e CARRION, 2011, p. 1853). Neste sentido, destaca-se que, a década de 1990, foi o período de Pós Guerra Fria onde a maioria dos países, incluindo os EUA (a única superpotência restante), encontrava-se pressionada a ajustar sua agenda de política externa para um novo cenário que emergia sob o signo da cooperação e da universalização dos regimes políticos e econômicos liberais (PECEQUILO, 2008). As visões que embasavam estas avaliações eram relacionadas à criação de uma “Nova ordem mundial” sustentada na liderança dos EUA e na governança multilateral, na qual se destacava o papel mediador das Nações Unidas (ONU), e a premissa do “fim da história” (PECEQUILO, 2008, p. 137). Na América Latina, este processo foi conhecido como a “década perdida”. Mesmo o Brasil, que desenvolvera sua agenda autônoma, não conseguiu escapar da hiperinflação, da estagnação, da instabilidade, das pressões da comunidade internacional nos “novos temas” meio ambiente, proliferação e direitos humanos. Destarte, no início dos anos 90, a visão de que era preciso retomar o eixo bilateralhemisférico preponderou sobre a ideia da correção dos rumos através de uma postura globalmultilateral. Por trás desta ação de retomar o eixo bilateral-hemisférico, a lógica era sustentada em dois pilares: o primeiro defendia que, com o fim da bipolaridade, o cenário tornara-se unipolar e; o segundo, avaliava que as agendas prévias foram deficientes em promover este intercâmbio, levando ao isolamento frente o Primeiro Mundo (PECEQUILO, 2008). Neste sentido, Afonso e Fernandes (2005) afirmam que a segunda metade dos anos 1990 teria havido uma forte transição de economias, anteriormente planejadas, para economias de mercado. Afora isso, a crise financeira asiática, no ano de 1997, “e o desencadeamento de outras crises na América Latina e na Rússia teriam provocado a inversão das tendências de longo prazo de redução da pobreza, fazendo com que esta temática reaparecesse como o principal objetivo da ajuda para o desenvolvimento” (SANTOS e CARRION, 2011, p. 1854). Com relação ao papel do Brasil nesta modalidade de cooperação, é possível entender que ela é relativamente recente. Inicialmente, o país se insere como receptor da cooperação, sobretudo da cooperação técnica para o desenvolvimento nos anos 1960. Segundo Cervo (1994), a cooperação técnica passou a ser percebida, no Brasil, como cooperação para o desenvolvimento. Para tanto, foram criadas condições para o aproveitamento favorável das iniciativas, tais como: a inserção racional da cooperação técnica na política exterior, a implantação de agências internas bem preparadas em termos de recursos humanos e de equipamentos, além da flexibilização para aceitar fins próprios e não-próprios da cooperação proveniente dos países avançados. Nesse sentido, a cooperação passou a fazer parte da prática política do país. Assim sendo, ao longo das últimas décadas, o Brasil desenvolveu novas abordagens de CTPD, as quais podem ser caracterizadas pelo seu distanciamento da agenda do eixo vertical e, por retomar as parcerias horizontais. De acordo com Pecequilo (2008, p. 139), o objetivo brasileiro de alcançar reconhecimento político “teve o foco deslocado do consentimento para um incremento de participação, em particular na ONU, tendo como base a defesa da reforma do Conselho de Segurança e a candidatura brasileira a um assento permanente”. 5 2 A Cooperação Sul-Sul (CSS) De modo geral, Cooperação Sul-Sul (CSS) é um conceito utilizado para designar “um amplo conjunto de fenômenos relativos às relações entre países em desenvolvimento – desde a formação temporária de coalizões no âmbito das negociações multilaterais até o fluxo de investimentos privados” (LEITE, 2010, p. 1). Nesse sentido, o termo é empregado de modo abrangente fazendo referência à diversidade de relações do Brasil com outros países do Sul, englobando coalizões e parcerias estratégicas, por exemplo. No entanto, para os especialistas na área, a CSS é referente a uma modalidade de cooperação específica realizada entre países em desenvolvimento que faz parte da ampla Cooperação Internacional para o Desenvolvimento – CID (LEITE, 2010). Avulta-se também que, a Cooperação Sul-Sul (CSS) – também conhecida como Cooperação Técnica entre Países em Desenvolvimento (CTPD) ou Cooperação Horizontal – não é uma novidade visto que sua origem pode ser atribuída aos anos 1950 e 1960, período de criação do Movimento dos Países Não-Alinhados (MNA) e do Grupo dos 77 (G-77) que buscavam alcançar a autodeterminação e afastar-se da grande influência política e econômica dos países dominantes no sistema internacional (JOY-OGWU, 1982). Neste sentido, Leite (2011, p. 56) destaca que a Conferência de Bandung, ocorrida em abril de 1955, é considerada o “marco no despertar das populações dominadas para a plena consciência de sua força e possibilidades”. Logo, é possível afirmar que a Conferência de Bandung foi responsável pela formação de uma primeira identidade própria dos povos do Terceiro Mundo. O espírito de Bandung iria transcender o contexto afro-asiático e as questões eminentemente políticas. O ator coletivo, forjado no conceito de cooperação Sul-Sul em abril de 1955, sofreria mudanças quantitativas e qualitativas no curso dos anos posteriores, ao incorporar maior número de países, não só afro-asiáticos, mas também latino-americanos, e ao adotar agenda econômica cada vez mais pronunciada e complexa. À medida que a onda da independência política se alastrava, contemplando a quase totalidade da Ásia e da África, reivindicações, como o fim do colonialismo, passavam a ser satisfeitas. Os jovens países percebiam, todavia, que o fim do jugo colonial não rompia os laços da dependência. Persistia a subordinação econômica efetiva, expressa na condição de subdesenvolvimento, quadro compartilhado pelos países da América Latina (LEITE, 2011, p. 56). A relativa marginalização favoreceu a consolidação da identidade comum dos países latino-americanos, tendo como marco, a criação da Cepal. O Brasil respondeu a esse desafio, no governo Kubitschek, com a proposta da Operação Pan-Americana (OPA), definida com precisão como a primeira iniciativa brasileira feita com base em “um estado de consciência verdadeiramente latino-americano” (SANTOS, 2005, p. 12). Vale lembrar que as bases para a Cooperação Sul-Sul começaram a ser, efetivamente, erigidas somente em 1978, quando foi elaborado o Plano de Ação de Buenos Aires no âmbito da Organização das Nações Unidas (ONU). De acordo com Pino e Leite (2009, p. 17) “[...] essa modalidade de cooperação passou a ser vista como mais eficiente na promoção do desenvolvimento por três razões principais: pela maior aplicabilidade de soluções concebidas nos países do Sul (é o caso, por exemplo, da tecnologia para a produção de alimentos em zonas tropicais, desenvolvida nos países localizados nessa região); pelo deslocamento das atividades de pesquisa nos países industrializados para o setor privado, impossibilitando sua transferência gratuita ou a baixo custo; pela ausência ou grau reduzido das condicionalidades (macroeconômicas ou de governança) ligadas à assistência provida pelos países em desenvolvimento (PINO e LEITE, 2009, p. 17). 6 Segundo Lopes (2008, p. 8), “o encontro em Buenos Aires serviu para sistematizar, ainda que de forma limitada, o discurso sobre CTPD, e contribuiu, também, para sugerir uma concepção diferente de cooperação internacional”. Neste sentido, o Plano de Ação de Buenos Aires estabeleceu e avançou o princípio fundamental da Cooperação Técnica entre Países em Desenvolvimento (CTPD) que é a horizontalidade. O princípio da horizontalidade demonstrava-se como uma alternativa à verticalidade presente na cooperação Norte-Sul, marcada por relações assimétricas e pela transferência unilateral de conhecimento. A partir de ese momento la Cooperación Técnica entre Países en Desarrollo adquiere una mayor relevancia pues los países pasan a considerarla como un elemento cada vez más importante para la promoción del desarrollo. En concreto, la CTPD pasa a entenderse como una dimensión más dentro da Cooperación Internacional, una modalidad de cooperación al desarrollo que complementa a la Cooperación Técnica tradicional (XALMA, 2008, p.14). Contudo, após o impulso conferido à CSS na década de 1970, os anos 1980 marcaram uma fase de inflexão. Devido à crise econômica que atingiu diversos países da região, não foram realizadas muitas ações de cooperação entre os países em desenvolvimento. “Além das dificuldades econômicas, soma-se como uma limitação para avançar a CTPD o número restrito de países capazes de prestar cooperação e liderar o processo de disseminação dessas Ações” (PUENTE, 2010, p. 80). Assim, foi apenas na década de 1990 que a CSS retomou sua fase de expansão. Esta retomada só foi possível pois os países afetados pela crise financeira voltaram a se fortalecer e, por sua vez, recuperavam suas capacidades internas, tornando a utilizar a CSS como um importante instrumento para o desenvolvimento. Por recomendação do PNUD (e, também, devido à iniciativa de países do Sul), no final desta década, a CSS ganhou maior espaço nos foros internacionais, o que pôde ser percebido por meio das diversas conferências internacionais realizadas sobre o tema (XALMA, 2008; PUENTE, 2010). Atualmente, a CSS se encontra em processo de expansão, sendo protagonizada por diversos países, cujas iniciativas vêm sendo intensificadas. Neste âmbito, é possível destacar o papel dos países de renda média, que perderam espaço como receptores de Ajuda Oficial ao Desenvolvimento (AOD) e passaram a repassar suas experiências nos setores econômico, social e político a outros países em desenvolvimento (por meio da cooperação técnica), adotando um papel ativo e cada vez mais importante na transferência de capacidades entre países em desenvolvimento. A América Latina vem exercendo lugar central neste âmbito com diversos países, entre eles o Brasil, participando de inúmeras ações de cooperação que objetivam o desenvolvimento econômico e social de outros países. Países em desenvolvimento de outras regiões, como China, Índia e Coréia do Sul, também fazem parte do grupo que compartilha conhecimento em setores de especialidade3. Em suma, os países em desenvolvimento que haviam se beneficiado da cooperação técnica recebida passaram a desempenhar uma nova função nos últimos anos: serem protagonistas na prestação da Cooperação Sul-Sul (PUENTE, 2010, p. 83). 3 A Atuação do Brasil na Cooperação Sul-Sul (CSS) Conforme já foi mencionado anteriormente neste artigo, a CSS não é uma novidade na agenda da política externa brasileira. O Brasil desde a década de 1970 vem atuando na CSS entre países em desenvolvimento. Contudo, Gonçalves (2010, p. 5) alerta que foi, ainda que de maneira tímida, “durante o início do século XXI, devido em grande parte às mudanças ocorridas na ordem internacional, que esta modalidade de cooperação ganha grande 7 importância na agenda externa nacional”. Todavia, aceita-se como sendo sim, a década de 1970, o marco da inserção do Brasil na CSS porque foi, neste período, que o país iniciou, efetivamente, sua oferta de ajuda a diversos países em desenvolvimento. De acordo com Gonçalves (2012, p. 4), foi nesta época que “começou-se a estruturar um programa de cooperação brasileira ao exterior, que ganhou força com a instituição da CTPD no âmbito da Organização das Nações Unidas (ONU)”. Neste sentido, Gonçalves (2010) afiança que a participação do Brasil na CTPD foi motivada pela percepção que o governo da época (no período de pós-Guerra Fria) teve da ordem internacional e do papel que cabia a sua política externa. Desde então, e ao longo de todo o século XX, o Brasil vem construindo em sua identidade nacional, um papel de mediador no curso das oportunidades geradas pelo fortalecimento do multilateralismo na agenda internacional. Segundo Leite (2011), seu êxito nesse papel de mediador depende, não somente, da conjuntura externa e das oportunidades e restrições geradas pelo meio internacional como, também, do talento da diplomacia brasileira em explorar as mais diversificadas possibilidades de ação. Assim, acredita-se que, movido por essa percepção, o Brasil buscou aproximar-se dos países do Sul, promovendo alianças e acordos com parceiros estratégicos na tentativa de reduzir a assimetria nas relações com países mais poderosos e aumentar a capacidade de negociação brasileira, buscando encontrar, assim, “um espaço diferenciado de atuação no reordenamento do pós-Guerra Fria” (PECEQUILO, 2008, p. 150). Para a Agência Brasileira de Cooperação - ABC (2013), o estágio de desenvolvimento atual atingido pelo país, dentre as diversas nações que foram beneficiadas de forma intensa pela cooperação internacional nas ultimas décadas, fez com que órgãos brasileiros fossem solicitados com maior frequência por países interessados em sua experiência, bem como por organismos internacionais. No que tange a Cooperação Sul-Sul, o Brasil mantém relações de cooperação técnica com América Latina, Caribe e África, com atuações pontuais na Ásia (Timor Leste, Afeganistão e Uzbequistão), Oriente Médio (Líbano e Territórios Palestinos) e Oceania. Em 2008, a ABC foi responsável por 236 projetos e atividades de cooperação técnica Sul-Sul, favorecendo mais de 56 países. Contudo, vale destacar que, a política de cooperação internacional brasileira é encarada como uma política de Estado pelo Governo. Esta visão fez com que “a cooperação técnica brasileira tenha sido, ao longo de muitos anos, definida no âmbito de atividades exclusivas do Estado” – este detendo o monopólio na formulação e na condução das iniciativas concernentes à área (VALLER FILHO, 2007, p. 19). Ainda hoje, essa prevalência governamental na condução da cooperação técnica brasileira é existente, entretanto, vem sendo relativizada. Na atualidade, as atividades oficiais de Cooperação Sul-Sul brasileira mobilizam diversos setores sociais4, o que sinaliza uma tendência de descentralização nesta área e que está inserida dentro de um processo mais amplo de politização da política externa brasileira. Segundo o relatório "Cooperação Brasileira para o Desenvolvimento Internacional: 2005-2009", no respectivo período foram realizados investimentos de R$ 2,9 bilhões. Desse montante, 76% correspondeu a contribuições para organismos internacionais e bancos regionais e o restante (assistência humanitária, bolsas de estudo e cooperação técnica) totalizou 24%. Mais especificamente, a assistência humanitária e cooperação técnica vem alcançando aumentos contínuos absolutos expressivos, passando de R$ 28,9 milhões em 2005 (7,53% o investimento anual) para R$ 184,8 em 2009 (25,51% do investimento anual). Entre os maiores recebedores de Assistência Humanitária do Brasil entre 2005 e 2009 foram Cuba, Haiti e Território Palestino (ver Figura 01). 8 Receptores Valor Percentual Cuba 33.523.648,54 21,59 Haiti 29.840.307,15 19,21 Território palestino 19.943.464,16 12,84 Honduras 15.646.603,87 10,07 Paraguai 6.258.347,56 4,03 Bolívia 6.122.786,66 3,94 Guiné Bissau 5.409.910,10 3,48 Jamaica 3.928.526,00 2,53 Argentina 2.849.023,02 1,83 Peru 2.219.346,84 1,43 Equador 2.154.393,43 1,39 Nicarágua 2.047.781,37 1,32 Organizações internacionais 13.938.107,92 8,97 Demais países 11.419.858,24 7,35 Figura 01. Maiores receptores de Assistência Humanitária Internacional Fonte: Informações do site da Agência Brasileira de Cooperação. Disponível em http://www.abc.gov.br, 2013. Lima (2005) ressalta que conhecer a inserção geopolítica do Brasil é crucial para se compreender a definição de seus interesses nacionais, entendidos os últimos como as orientações substantivas das políticas internacionais do país, bem como a visão da elite pertencente à comunidade de política externa. Na opinião da autora “ [...] um dos principais vetores da inserção internacional do país tem sido sua localização no Hemisfério Ocidental, historicamente uma área da projeção de poder e influência e cultural dos Estados Unidos, mas que, com exceção da II Guerra Mundial, de escasso valor estratégico na política externa daquele país. Por outro lado, o Brasil tem se deparado com um contexto geopolítico regional estável, uma vez que já no final do século XIX e início do XX, havia resolvido a seu favor praticamente todos os conflitos territoriais com seus vizinhos, a ponto de se autodenominar um “país geopoliticamente satisfeito” (LIMA, 2005, p.27). Vale mencionar ainda, que a cooperação técnica em duplo sentido, recebida e prestada pelo Brasil (esta última grandemente ampliada nos últimos vinte anos), teve expressivo estímulo quando o Itamaraty criou, por iniciativa do então chanceler Luiz Felipe Lampreia, a Agência Brasileira de Cooperação (ABC). Segundo Gonçalves (2012, p. 6), “o início formal da interlocução entre os atores governamentais e sociais sobre o tema da cooperação internacional ocorreu em um encontro organizado por iniciativa da ABC”, em 1989, “com financiamento do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD)”. O “Encontro Nacional de ONGs sobre Cooperação e Redes, contou com a participação de cinco agências internacionais, seis embaixadas, cinquenta ONGs brasileiras e cinco internacionais, além de representantes do Governo brasileiro” (OLIVEIRA, 1999, p.65). Assim sendo, e segundo dados da Agência Brasileira de Cooperação (ABC, 2013), o Brasil atualmente coopera nas seguintes regiões*: Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP); Cotton-4; América do Sul, América Central e Caribe; Cooperação Brasil e Timor Leste (ver Figura 02). Região PALOP País Angola Início das Atividades 11 de junho de 1980 Situação Atual Sete projetos de cooperação em execução e três projetos em negociação nas áreas de saúde e educação. Existem demandas em análise nas áreas de meio ambiente, geoprocessamento, geologia, saúde, energia, urbanização e segurança pública. 9 Cabo Verde 28 de abril de 1977 Guiné-Bissau 18 de maio de 1978 Moçambique COTTON-4 Benin Burkina Faso Chade Mali AMÉRICA DO SUL Não informado a data. A partir do ano de 2003. Argentina 9 de abril de 1996 Bolívia 20 de julho de 1998 Chile julho de 1990 Colômbia 31 de outubro de 1973 Equador 09 de fevereiro de 1982 Guiana 15 de setembro de 1981 12 de agosto de 1988 Em 2011 foram executados de dezoito projetos de cooperação técnica, totalizando 1,5 milhões de dólares americanos provenientes do Brasil. A cooperação técnica brasileira apoiou a construção de material didático para os cursos técnicos de hotelaria, inovação ao atendimento de crianças com deficiência nas escolas públicas, atendimento das crianças prematuras cabo-verdianas (por meio da implantação do primeiro Banco de Leite Humano no continente africano) Em 2011 foi assinado o Ajuste Complementar ao Acordo Básico de Cooperação Técnica e Científica entre governo brasileiro e de Guiné-Bissau para o projeto de "Implantação e implementação de unidade de processamento do pedúnculo do caju e outras frutas tropicais na GuinéBissau” e prospectados outros três projetos (dois na área de saúde e um na agricultura). Até o ano 2011, o programa bilateral de cooperação técnica entre Brasil e Moçambique era composto por vinte e um projetos em execução e nove em processo de negociação. Neste mesmo ano, foram assinado seis novos projetos: "Modernização da Previdência Social de Moçambique”; "Capacitação Jurídica de Formadores e Magistrados”; "Implantação de Banco de Leite Humano e de Centro de Lactação em Moçambique”; "Apoio a Implantação do Centro de Tele-saúde, da Biblioteca, e do Programa de Ensino a Distância em Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente de Moçambique”; entre outros. O Brasil tem auxiliado de forma decisiva, os países africanos produtores de algodão para o desenvolvimento do setor cotonícola. No final de 2011, o programa bilateral contava com projetos nos temas de pecuária, agricultura, trabalho e emprego, geologia, meio ambiente e saúde. Ainda em andamento encontram-se projetos como " Fortalecimento do Programa de Controle da Dengue" e " Transferência de Cultivares e Técnicas para o Melhoramento das Batatas" Foram elaborados nove projetos nas áreas de saúde, meio ambiente, desenvolvimento social, educação, e cultura. Entre eles os seguintes projetos: Apoio ao Programa Multissetorial Desnutrição Zero; Apoio à Administração do Trabalho: Estrutura e Gestão da Inspeção do Trabalho; Controle do Bicudo do Algodão e Caracterização da Área Livre de Praga entre outros. Atualmente o Brasil apóia o projeto de Apoio Técnico para a Implementação da Televisão Digital no Chile As principais áreas de cooperação entre Brasil e Colômbia são a agricultura e o meio ambiente. Na primeira, destacamse, na pauta bilateral, projetos nas áreas de incremento da produção de bicombustíveis. Na cooperação em tema de meio ambiente, ressalta-se a parceria com o Centro Nacional de Prevenção e Combate aos Incêndios Florestais do IBAMA Foram desenvolvidos projetos nas áreas de agricultura, saúde, desenvolvimento social, trabalho infantil, hidrologia florestal, entre outros. Em 2011 estão sendo analisados projetos de cooperação técnica, nas áreas de mapeamento geológico, certificação fitossanitária e erradicação da mosca da fruta (este último 10 em negociação). Em 2011, os projetos de cooperação tinham enfoque nas 27 de outubro áreas de agricultura, educação, fortalecimento institucional, Paraguai de 1987 formação profissional, migração, patrimônio e cultura, saúde e segurança pública. Atualmente existem 20 projetos em execução, dois em 8 de outubro Peru processo de assinatura, nove em negociação e dois 1975 concluídos, nas áreas agrícola, aquícola e saúde. Atualmente Os projetos em execução abarcam áreas de 12 de junho de grande importância para ambos os países, tais como Uruguai 1975 agropecuária, saúde e vigilância sanitária, educação, defensoria, meteorologia, nutrição e segurança pública. Em 2012, foram concluídos dois projetos de cooperação técnica entre Brasil e Venezuela: "Apoio ao Plano de 16 de maio de Desenvolvimento Sustentável para Favelas de Caracas" e Venezuela 1974 "Desenvolvimento Institucional do Instituto de Altos Estudos de Saúde Pública Dr. Arnoldo Gabaldón”. O Brasil tem prestado cooperação de agricultura, saúde, 30 de Costa Rica serviços postais, bicombustíveis, modernização do setor de dezembro de energia e modernização de sistemas de saneamento básico e 1999. tratamento de água. 15 de maio de O Programa é caracterizado pela horizontalidade, ou seja, México 1975 ambos os países ofertam e recebem cooperação técnica. AMÉRICA Em 2011, o programa de cooperação bilateral entre Brasil e CENTRAL Nicarágua contava com 7 (sete) projetos em execução. Tais 30 de como: Capacitação em cadeia produtiva da mandioca; Plano Nicarágua dezembro de de Energização Rural vinculado ao desenvolvimento Local; 2008 Fortalecimento da Política Pública de Prevenção à Violência Juvenil. 1º de março de Atualmente, são executados oito projetos em duas grandes Panamá 1983 áreas: agropecuária e saúde. Figura 02. Ações de Cooperação do Brasil em Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP); no Cotton-4; na América do Sul e na América Central Fonte: Informações do site da Agência Brasileira de Cooperação. Disponível em http://www.abc.gov.br, 2013. Ressalta-se que, além dos países citados no Quadro 2, o Brasil mantém, também, ações no Caribe e no Timor Leste. No primeiro, mais especificamente, existem acordos de cooperação com Belize, Granada, Haiti, Jamaica e Santa Lúcia (AGÊNCIA BRASILEIRA DE COOPERAÇÃO - ABC, 2013). Já, no plano mais abrangente da agenda da política externa brasileira, há um amplo consenso, entre os operadores diplomáticos e as elites em geral, na crença de que o país está destinado a ter um papel significativo na cena internacional e a expectativa do reconhecimento desta condição pelas grandes potências, em função de suas dimensões continentais, de suas riquezas naturais e da “liderança natural” entre os vizinhos (SOUZA, 2002, p. 19-21). Para Lopes (2008, p. 102) a “CTPD empreendida pelo Brasil parece querer escapar das armadilhas da cooperação Norte versus Sul, e faz um esforço em transformar o discurso da ajuda em um discurso de cooperação e parceria”. Assim, sem deixar de reconhecer a importância da cooperação recebida, o discurso brasileiro sobre CTPD parece incorporar a experiência de país recebedor para avançar em seu papel de prestador, “como se o país houvesse captado a CTI do Norte, processado sua assimilação e adaptação, e se dispusesse a repassá-la ao Sul (CERVO, 1994) Neste sentido, com o passar dos anos, visualiza-se que a cooperação horizontal brasileira evoluiu significativamente, não apenas em termos de números de projetos implementados, mas também na quantidade de parceiros nacionais, tanto estatais como da sociedade civil, envolvidos na prestação da cooperação junto ao Governo brasileiro. Passados 11 trinta anos, Pino e Leite (2009, p. 17) corroboram declarando que o Brasil “se consolidou como um dos protagonistas nas iniciativas de Cooperação Sul-Sul”. Saraiva (2008) sustenta que as iniciativas de CSS têm ocupado um papel cada vez mais destacado nas iniciativas da política externa brasileira. De acordo com Garcia (2000), a aspiração pelo reconhecimento internacional é perseguida pelo Brasil através de sua presença ativa nos fóruns multilaterais, desde a segunda metade do século XIX, quando surgiram os primeiros esforços de coordenação multilateral e, posteriormente, na constituição das Ligas das Nações. Seguindo esta mesma linha de pensamento, Cervo (1994) sublinha que, no Brasil, a Cooperação Técnica Internacional acabou por ser incorporada à política exterior do país como uma de suas variáveis permanentes, passando a mobilizar grande número de entidades internas e externas ocupadas com a difusão ou a utilização de técnicas. Dentre as principais contribuições brasileiras, Pino e Leite (2009) destacam o engajamento na transferência de um conjunto de conhecimentos técnicos e de soluções que tiveram impacto positivo sobre o desenvolvimento nacional e que podem ser replicados em países com desafios semelhantes. “Essa transferência se faz em uma ampla gama de setores e mobiliza uma diversidade de parceiros nacionais, entre ministérios, secretarias, fundações, universidades, centros de pesquisa, empresas e ONGs” (PINO e LEITE, 2009, p. 17) . De acordo com Gonçalves (2010, p. 13) “a nova conjuntura internacional após o 11 de setembro de 2001 fez com que a diplomacia brasileira”, “repensasse a forma de inserção internacional do país”, o que levou a uma “maior aproximação com os países do Sul e o fortalecimento do multilateralismo”. Essa nova estratégia é delineada de forma a inserir o Brasil no sistema internacional agindo de acordo com um papel mais ativo e consistente, mas também respeitando as limitações que enfrenta um país em vias de desenvolvimento (Saraiva, 2008). Segundo Lopes (2008), a partir de 2004, os Relatórios da CTPD brasileira estabelecem as seguintes prioridades: a) compromissos assumidos em viagens do Presidente da República e do Chanceler; b) países da América do Sul; c) Haiti; d) países da África, em especial os Palops, e Timor-Leste; e) demais países da América Latina e Caribe; f) apoio à CPLP e; g) incremento das iniciativas de cooperação triangular com países desenvolvidos (através de suas respectivas agências) e organismos internacionais. Saraiva (2007, p. 48) acrescenta que o Brasil persegue uma perspectiva de apoio aos regimes internacionais, e “a aceitação da ideia da democracia como valor universal contribuiu para que a diplomacia brasileira estabelecesse um consenso em torno da vinculação entre democracia, integração regional e perspectivas de desenvolvimento nacional”. Compartilhando da mesma opinião, Villa (2004) assevera que o Brasil, sem abrir mão dos princípios da não-intervenção, buscou incluir em sua agenda a defesa da democracia e atuar em face de cada caso de crise. Por fim, segundo o chanceler Celso Amorim, “o Brasil sempre pautou pela nãointervenção nos assuntos internos de outros Estados ... Mas ... o preceito da não-intervenção deve ser visto à luz de outro preceito, baseado na solidariedade: o da não indiferença.”6 Segundo Oliveira (2005, p. 21) “é com base nesta formulação que a diplomacia desempenha um papel ativo com vistas a solução de crises regionais”. 4 Considerações Finais O tema da Cooperação Sul-Sul ainda causa estranhamento entre alguns os pesquisadores da administração, inclusive àqueles que estudam organizações e políticas públicas internacionais. Contudo, há um considerável e crescente número de estudos e pesquisas que vêm sendo desenvolvidos a fim de compreender sua dinâmica e as possíveis 12 formas de cooperação entre os países do sul. No Brasil, o início das ações de cooperação iniciaram-se há décadas atrás e, com os passar dos anos, tais iniciativas de CSS têm ocupado um papel de cada vez mais destaque nas iniciativas da política externa do país. Atualmente, com o objetivo de fazer do Brasil um país mais atuante e com uma participação mais consistente no âmbito internacional, ações de governos anteriores são retomadas, novas parcerias são firmadas, novos projetos são elaborados, etc.. Nota-se que, nos últimos anos, houve um salto quantitativo e qualitativo nas ações de cooperação brasileira nos países em desenvolvimento e que, mesmo ainda, sendo tímida se comparada a de outros países, a participação do Brasil vem sendo continuamente ampliada e vinculada a ações positivas e para o bem. Contudo, vale enfatizar que nosso país, ao apoiar os regimes internacionais “do norte” e aceitar o “conceito ocidental” de democracia como valor universal, pode vir a não atingir todos os seus objetivos ou, também, obter resultados diferentes dos almejados inicialmente. Nesse sentido, sublinha-se que cada nação possui suas características locais e peculiaridades e é, neste momento de cooperação, que podem surgir divergências entre as culturas, mesmo estas pertencendo “ao sul”: atritos entre “os de fora” e os “de dentro”; entre o receptor e o doador. O Brasil, apesar de estar engajado há muitos anos no âmbito da cooperação internacional para o desenvolvimento, precisa agir de uma forma mais consciente e reflexiva: fugindo dos padrões “do norte”. O país deve buscar elaborar ações dentro de um programa de cooperação sul-sul que levem em consideração aspectos regionais da localidade para a qual irá cooperar. Além disso, faz-se necessária uma maior participação da sociedade brasileira no que tange poder opinar sobre os programas de cooperação, saber onde e como os recursos são gastos, quais os objetivos e os resultados alcançados. Certamente, existem desafios para a cooperação mas, na maioria das vezes, os piores obstáculos não chegam “de fora”, e sim “de dentro”. Por fim, apesar de algumas ressalvas e cientes de que aspectos importantes da atuação brasileira na CSS não conseguiram ser abordados com a devida profundidade neste artigo (dada a limitação de páginas), os autores acreditam que o Brasil tem um enorme potencial para contribuir com a mudança substantiva do debate internacional sobre cooperação pois crêem, intimamente, que a CSS é, acima de tudo, uma maneira privilegiada de associar discurso e ação. Notas 1 As Organização das Nações Unidas (ONU) é uma organização internacional composta atualmente por 192 Estados membros. Seus principais órgãos são: a Assembleia Geral, o Conselho de Segurança, o Conselho Econômico e Social, a Corte Internacional de Justiça e a Secretaria. Além destes, a ONU conta com 15 agências e outros programas e organismos. A organização trabalha com uma ampla gama de temas, tais como: desenvolvimento sustentável, meio-ambiente, proteção aos refugiados, desarmamento, promoção da democracia e dos direitos humanos, desenvolvimento econômico e social, entre outros. 2 Assinada na cidade de São Francisco (EUA) em 26 de junho de 1945, a Carta das Nações Unidas é formada por 111 artigos, divididos em 19 capítulos. Propõe que a organização atue como um centro que harmonize os esforços das nações para alcançar seus objetivos comuns. Explicita como sendo os seus princípios: a igualdade de soberania entre os membros, a boa fé, a resolução pacífica de controvérsias e a prestação de ajuda. 3 Conforme destaca Puente (2010, p 92), “apesar da força da retórica, muito presente desde sempre no contexto da cooperação Sul-Sul (...), a CTPD que vem sendo praticada por alguns países do Sul reproduz certos padrões da cooperação tradicional”. Os casos da China, Índia e Coréia do Sul seriam, segundo o autor, exemplos dessa assertiva, devido à forte presença de elementos estratégico-ideológicos que compõem as motivações da cooperação prestada e a própria eleição dos países recipiendários das ações. Entretanto, similaridades culturais e 13 históricas e uma dimensão solidária não são excluídas como possíveis motivações, embora em grau reduzido. 4 Como entidades privadas cooperantes na atualidade é possível destacar: a ONG Alfabetização Solidária (AlfaSol); a ONG Pastoral da Criança; a ONG Missão Criança; o Instituto Mazal; a ONG Pracatum; o fórum de organizações da sociedade civil Articulação no Semi-Árido Brasileiro; os hospitais Albert Einstein e SírioLibanês; a Sociedade Brasileira de Queimaduras e a de Urologia; as Associações Nacionais de Esportes, como a Associação de Técnicos de Futebol, e as organizações privadas de interesse público pertencentes ao sistema S, como o SENAI, o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE) e o Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (SENAC). 5 Segundo a Agência Brasileira de Cooperação - ABC (2013), o Brasil atualmente coopera nas seguintes regiões: Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP); Cotton-4; América do Sul, América Central e Caribe; Cooperação Brasil e Timor Leste (Quadro 02). 6 Citado por OLIVEIRA, Marcelo Fernandes de. 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