'Desafio, para mim, sempre foi motivador' O Estado de São Paulo 15 de Abril de 2012, 03h10 Cláudio Marques Choques culturais resultantes de fusões e aquisições entraram por acaso na carreira do economista e pós-graduado em marketing Nelson Carneiro, de 43 anos. Mas se tornaram um fator de aprendizado (e crescimento) suficiente para ajudá-lo a chegar ao posto de presidente no Brasil da TP Vison, uma nova empresa resultante de uma joint venture entre as gigantes holandesa Philips e a chinesa TPV e que já chega ao mercado com 3,3 mil funcionários no mundo. Nessa missão, além de comandar a operação da companhia que fabricará as TVs de LCD com a marca Philips, Carneiro também terá a tarefa de alçar a TP Vision entre as maiores do País no segmento. Casado e pai de três filhos, ele fala do desafio e da carreira. A TP Vision começou a atuar? Começou no dia 2 de abril, em Amsterdã. Trata-se de uma joint venture entre a Philips e a TPV, que é um grande produtor global e líder de LCD e monitores. Nessa união, essa nova empresa, a TP Vison, é responsável pela produção, manufatura, marketing e comercialização da TV Philips. Então, estamos dando continuidade ao negócio TV, mas na joint venture. Muda alguma coisa para o consumidor? Ele vai sentir que nós estamos mais competitivos, que traremos mais tecnologia e que estaremos mais ágeis. Mas para ele, o fato de a marca Philips estar lá, não muda muita coisa. Essa mudança é uma novidade na sua carreira? Eu tenho experiência nesses desafios de culturas diferentes, de iniciar o negócio e ter o compromisso de dar um retorno rápido para o investidor, porque quando se faz uma fusão ou aquisição, o investidor busca um retorno mais rápido. Eu tive essa experiência bastante desafiadora, que eu acho que também enriquece bastante. Como foram as experiências? Vou contar um pouco da minha trajetória. Sou economista pela Universidade Cândido Mendes (RJ). E, assim que me graduei, fui fazer pós-graduação em marketing na Universidade da Califórnia (UCLA). Lá, comecei a mudar a minha carreira, pois fui trabalhar em uma empresa japonesa, uma trading, na área comercial. Era responsável para o mercado da América Latina de peças de aviões. Era um negócio bem diferente e na realidade eu entrei por ser brasileiro, pois a companhia estava, na época, negociando com empresas brasileiras. Depois, voltei para o Brasil. Minha intenção era atuar em marketing, já que tinha acabado de fazer uma pós na área. Então, em 1995, eu entrei na Coca-Cola. Qual foi sua posição? Fui gerente de produto, mas fiquei pouco tempo e mudei para a Wella, a empresa alemã de cosméticos. Entrei no marketing e pouco depois mudei para São Paulo para assumir a gerência nacional de vendas. Começou, então, minha participação em processos de fusões e aquisições. A Procter & Gamble comprou a Wella em 2003. Daí, fui para a Procter, primeiro para cuidar da transição e em seguida entrei na área de trading marketing. Em 2005, eu mudei e fui ser country manager da Pfizer Consumo. Pouco tempo depois, a Pfizer vendeu esse setor para a Johnson e Johnson Consumo e fiz carreira lá. Fiquei uns três anos na área de vendas no Brasil e, depois, para a América Latina. No final de 2009, eu estava fora do País e estava interessado em voltar e aí migrei para Philips. Queria ir para um ramo mais dinâmico, vivenciar essa indústria (eletrônica), por isso fui para a Philips ser diretor de vendas. Em meados de 2011, com a negociação da joint já ocorrendo, assumi a divisão de TV como vicepresidente do negócio. E, agora, com a nova empresa eu assumo a presidência da nova companhia e vivencio uma joint venture entre duas culturas bem distintas, a chinesa e a holandesa. Mesmo com toda sua experiência, você acha que a questão cultural vai pesar mais? Não é minha primeira experiência com asiáticos, pois, como eu disse, comecei minha vida profissional trabalhando numa empresa japonesa nos Estados Unidos. Então, eu já vivenciei essa cultura oriental muito processual, hierárquica, e foi uma experiência muito bem sucedida, eu gostei muito. Acho que o processo de fusão e aquisição vai ocorrer cada vez mais no mundo. É uma vivência que não dá para recusar e a chance que se tem de passar por isso é enorme e tem de se adaptar rápido. O que é mais difícil para quem comanda esse processo? É preciso ter clareza do que são os valores da nova cultura, para não confundir. Às vezes, os valores são bastante diferentes e é preciso lembrar sempre, de novo, que numa fusão ou aquisição o acionista vai cobrar resultado muito rápido. Não dá para argumentar que ainda há adaptação, não. Ele acabou de botar muito dinheiro na empresa e quer retorno o mais rápido possível. Então, tem de saber que esse é um momento de grande desafio mesmo, que vai ter pressão mais alta. E a pressão é mais dura. Foi anunciado que o objetivo da nova empresa é alcançar a segunda posição no mercado de TVs até 2014. O que significa? O que eu posso afirmar agora é que a TP Vision veio para crescer e estar entre as três maiores do mercado. Eu não vou confirmar essa posição nesse período curto mencionado, mas vou afirmar que queremos estar entre as três maiores do mercado. Temos ambições de crescimento e de rentabilidade. Qual é o tamanho do mercado? O mercado de TVs no Brasil é calculado em torno de 12 milhões de telas de TVs de LCD. É um mercado que tem uma tendência de crescimento muito grande. Isso ocorre porque a penetração de TV é muito alta, acima de 90% da população. Mas também porque ainda há muita televisão de tubo e agora existe tecnologia muito diferente, LCD e LED. Então, há um grande movimento de mudança, dos que têm TV de migrarem para esse tecnologia. Copa do Mundo, Olimpíada, crescimento da renda podem acelerar esse movimento. Então, hoje temos um mercado que faz o mundo inteiro olhar para cá. Nós temos claramente, na TP vision, que o Brasil é um dos países para crescimento. Pelos motivos que expôs, você acha que é mais fácil hoje ser presidente de uma empresa no Brasil do que na Europa, que passa por uma crise? São desafios diferentes. Os dois têm aquela pressão pelos resultados, porque, na realidade, quando um (Brasil ou Europa) não está bem, o outro tem de compensar. Então, hoje o país emergente está atraindo investimento, mas ele tem de dar retorno alto. Mas eu prefiro estar no lugar de mais investimento do que no que num lugar de escassez de investimento. O que foi mais importante na hora de escolher a equipe? Na equipe que se reporta diretamente a mim, eu tenho 50% que vieram da Philips e 50% vieram do mercado. Busquei muito o perfil do negócio, de a pessoa ser dinâmica. Não precisava, necessariamente, conhecer televisão, mas sim saber trabalhar em modelos dinâmicos, no qual é preciso crescer muito, tornar o negócio mais rentável, tomar decisões difíceis em pouco tempo. O estilo e o perfil que eram muito importantes. Numa nova empresa, não se tem todas as respostas, algumas delas vão sendo descobertas ao longo do caminho. É preciso ter um estilo empreendedor muito grande e ter uma perseverança muito grande, porque as coisas não estão lá. Você não pode apertar o botão e ligar para um outro departamento e dizer "faz". Não, o outro departamento não existe. Então, tem de ir lá e fazer. É preciso ter esse perfil e eu busquei profissionais com essa característica. Você se enquadra nesse perfil? Sim, porque desafio para mim sempre foi motivador. Tanto que o grande motivador para aceitar esta proposta foi o desafio e a oportunidade de fazer algo significativo. Que vai ser relevante para mim, para a empresa, para a marca, para o mercado. Porque a marca Philips é uma marca muito querida e todo mundo espera que ela cresça. A oportunidade de poder fazer isso é fantástica.