A PARTICIPAÇÃO DAS MULHERES NAS FORÇAS ARMADAS BRASILEIRA: UM DEBATE CONTEMPORÂNEO Lauciana Rodrigues dos Santos (PPGCS/ Unesp – Marília,SP, Brasil). Orientador: Dr. Paulo Ribeiro Rodrigues da Cunha. Palavras-Chave: Gênero, Inserção feminina e Forças Armadas. Introdução O presente estudo, objetiva recuperar algumas produções intelectuais sobre a participação das mulheres no contexto militar brasileiro a partir da década de 80, focando na inserção e representatividade das mulheres nas corporações militares brasileiras. No decurso da década de 70, diversos países começaram a admitir mulheres em suas Forças Armadas as quais passaram a receber uma formação idêntica a dos homens em setores onde era permitida a sua participação. Antes disso, existem literaturas acerca da presença de mulheres nas Forças Armadas desde a II Guerra Mundial as quais prestavam serviços militar na área de saúde e tarefas de apoio em áreas de retaguarda, embora no front russo, muitas delas fossem pilotos de caças e centenas atuassem como guerrilheiras em situações de combate. Após o conflito, a grande maioria foi dispensadas por julgarem-nas desnecessárias aquele serviço, embora em alguns países ainda mantiveram estas convocações; no Brasil, a inserção feminina nas forças armadas como militar ocorre tardiamente na década de 801. Mulheres na Marinha No Brasil o pioneirismo coube a Marinha com a criação em 1980, pelo então ministro da Marinha no governo do General Figueiredo, o Almirante – de - Esquadra Maximiano da Fonseca, do Corpo Auxiliar Feminino da Reserva, tendo como objetivo o de atuar na área técnica e administrativa. 1 Segundo D’ Araújo (2004), temos algumas participações de mulheres brasileiras com o militarismo que antecederam 1980, sendo a mais famosa Maria Quitéria de Jesus Medeiros. Nasceu na Bahia em 1792, participou nas lutas pela independência do Brasil, sob o nome de soldado Medeiros. Em 1823, integrou o batalhão dos Voluntários de D. Pedro I, tornando-se assim, oficialmente, a primeira mulher do Brasil a assentar praça em uma unidade militar. Por sua atuação, o imperador concedeu-lhe um soldo de “alferes de linha” e a insígnia de Cavaleiro da Ordem Imperial do Cruzeiro. Também temos Jovita Alves Feitosa, que se tornou uma das mais célebres figuras da Guerra do Paraguai (1865-1870). Outro nome é o de Ana Vieira da Silva, que lutou, clandestinamente, entre tropas legalistas na Revolução de 1932, ocorrida em São Paulo. Durante a II Guerra Mundial, também tivemos a participação feminina junto as Forças Armadas Brasileiras, como enfermeiras da reserva do exército, quadro criado em dezembro de 1943. 1 Em 2008, Mariza Ribas d'Ávila de Almeida apresenta um estudo que aborda o contexto político-institucional do processo decisório sobre a admissão da mulher militar na Marinha do Brasil no período de redemocratização da sociedade brasileira, objetivando identificar os determinantes que influenciaram tal processo, buscando ir além do festejado pioneirismo atribuído à Marinha como justificativa para tal decisão. Ainda busca apreender as qualidades tradicionalmente atribuídas ao feminino e sua contribuição na humanização da imagem da instituição, colaborando para o estreitamento das relações com a sociedade civil. Segundo esta autora os motivos alegados para tal criação foram: substituição dos especialistas, homens oficiais e praças, os quais vinham exercendo funções em terra, deslocando-os para o setor operativo, navios, e “grande conveniência” do ato devido a sua “abrangência social”, contribuindo para a tão invocada igualdade assegurada pela Constituição Federal, art. Da CF/67. O Ministro solicita que a proposta seja aprovada em tempo hábil para suprir “necessidades prementes” de pessoal na área de saúde devido a inauguração do complexo do Centro Médico Naval do Rio de Janeiro, incluindo o Hospital Naval Marcílio Dias. (Almeida, 2008) Com o retorno dos militares para os quartéis no período de abertura política e o enfoque voltado ao profissionalismo, como reequipamento e reorganização da instituição, as mulheres militares possibilitaram a liberação dos homens militares de funções burocráticas em terra. Tinha por objetivo aproveitar esses homens em funções de operação nos meios navais, deixando mais evidente uma reprodução da divisão sexual do trabalho no interior da instituição militar, características atribuídas ao papel social de homens e mulheres. (Almeida, 2008). Um outro ponto que a autora aponta como sendo o motivo secundário referente à entrada das mulheres na Marinha Brasileira seria o de “abrangência social”, contribuindo também para a modernização e humanização da imagem negativa da instituição diante da sociedade, pois como já demonstrava preocupação o Alte. Maximiano ao relatar o desgaste da imagem dos militares diante da sociedade civil após os anos de poder político, principalmente devido à culpa que se atribuiu a estes por todas as coisas ruim que aconteciam no país. A autora acredita que a abrangência social surpreendeu positivamente a própria instituição. Em 1990, Sônia Marise Salles Carvalho em sua dissertação de mestrado, que tinha por objetivo analisar as condições de vida e de trabalho das mulheres militares através do percurso diferenciado vivido por esse grupo de mulheres, no cotidiano casa/caserna e 2 na interação com os homens militares que se estabelece no seu cotidiano, tendo como universo de analise escolhido a Base Naval de Natal, situada na cidade de Natal (RN) e o Centro de Aplicações Táticas e Recomplemento de Equipamento – CATRE – situada em Parnamirim (RN), já apontava que o objetivo da inserção na Marinha do Brasil era suprir a médio e logo prazo, recursos humanos necessários à substituição e “recomplemento” de funções técnicas e administrativas, que até então eram desenvolvidas por oficiais e praças em terra, buscando liberar mão-de-obra altamente qualificada para o setor operativo, ou seja, que exige emprego exclusivo de militares do sexo masculino. Essa inserção, segundo a autora, leva em consideração a excelência dos resultados alcançados pela participação feminina nas Polícias Militares2. Carvalho (1990) nos exemplifica que desde aquela época, ou seja, entrada das mulheres do meio militar, havia um espaço limitado de participação feminina, uma vez que não atuavam nas profissões que tinham certo prestígio para as Forças Armadas3 como serviços ligados à segurança de instalações e de pessoal. Por sua vez, Suzeley Kalil Mathias em 2005 escreve o artigo para Resdal o qual apresenta alguns indicativos do processo de incorporação feminina as Forças Armadas latino-americanas e, em particular aos países que compõem o Mercosul, tendo o Brasil como centro. Este estudo também apresenta como motivos para a entrada das mulheres na Marinha Brasileira o sucesso que a incorporação feminina teve nas polícias militares estaduais mais o desprestígio dos militares, particularmente diante das elites, permitindo a entrada das mulheres e não na necessidade de cumprir exigências de igualdade de oportunidades, pois é só com a nova Constituição em 1988 que esse princípio aparece. (Mathias 2005) Para a autora nenhum desses fatores são excludentes, pois as polícias femininas foram interpretadas como humanizadoras das forças militares contrabalanceando a visão popular com relação às polícias militares, as quais eram vistas como aquelas que se alimentavam da tortura e da corrupção. Também, na mesma direção se tinha a crise de identidade militar oriunda do seu afastamento da política e a 2 A primeira polícia feminina uniformizada do Brasil foi criada em 12 de maio de 1955, através de um decreto do governo do Estado de São Paulo. Em 1959, com a Lei nº. 5235 teve sua aérea de atuação ampliada e também sendo estabelecida a carreira de Polícia Feminina em São Paulo. Em Minas Gerais foi criada a Polícia Feminina Militar em 29 de maio de 1981, através da Lei nº. 21.336, sendo esta considerada na década de 90 a mais organizada do Brasil. Algumas das tarefas realizadas pelas policiais femininas naquela época eram: manutenção da ordem, contato direto com o público, aconselhamento, orientação, amparo pessoal. Aqui podemos perceber que as mulheres realizam um papel assistencial, mas também garantindo o espaço da cidadania. 3 Aqui a autora citada está se referindo a Marinha e Aeronáutica, uma vez que a entrada feminina no Exército só ocorre na década de 90. 3 participação crescente de mulheres nas missões da ONU, exigindo, assim, reformulações que levavam a uma incorporação feminina. Desta forma, é que a autora aponta que dos fatores alocados como motivadores da incorporação feminina nas Forças Armadas latino-americanas, o que ela defende é aquele nomeado como psicossocial o mais influente na América Latina e que ele se apresenta com mais força naqueles países que, como é o caso do Brasil, impedem as mulheres de chegarem até os postos de comando e que não estabeleceram o serviço militar voluntário. Cláudio de Carvalho Silveira em 2003 apresenta um artigo, o qual faz parte de sua pesquisa de doutorado sobre a formação dos oficiais da Marinha do Brasil em 2002, que busca refletir sobre a situação da presença feminina na Marinha. Este autor evidencia que dentro do processo de modernização organizacional, vemos a presença feminina no quadro de oficiais-marinheiros. Também nos aponta, assim como Almeida (2008) e Carvalho (1990) que o ingresso feminino na Armada se deu, inicialmente, pela necessidade de preenchimento das atividades-meio, a fim de liberar os homens para atividades-fim, inclusive as combatentes. Isso ocorre de modo semelhante à admissão de funcionários civis na corporação. Cita também que a então criação de alguns quadros na Marinha teve por objetivo ajudar o suprimento de vagas não preenchidas com novas admissões de pessoal civil na área da saúde, especialmente o Hospital Naval Marcílio Dias, situado na cidade do Rio de Janeiro. Em 2008, Suellen Borges de Lannes nos apresenta um estudo o qual busca relacionar a entrada das mulheres no Exército Brasileiro como um exemplo do caráter moderno dessa instituição. Mesmo este tendo como objetivo as mulheres no Exército Brasileiro, a autora nos apresenta três hipóteses que influenciaram a inserção feminina na Marinha Brasileira: a atuação dos movimentos feministas que passa a demandar, na década de 70, a inserção feminina nos diferentes ambientes de trabalho existente, sendo assim, a figura do homem como o trabalhador deveria ser compartilhada pela mulher e, segundo a autora, isso acabou também refletindo na esfera militar; a influência do exército norte-americano, uma vez que o presidente dos Estados Unidos, Richard Nixon elabora uma comissão com o objetivo de abolir a conscrição obrigatória e ao mesmo tempo fosse criado um exército voluntário composto destes. Em 1972, em resposta a esse pedido, o secretário de defesa apresentou como solução a utilização de mulheres no meio militar. Antes mesmo desse processo, em 1970, a Marinha norteamericana começou um processo de integração completa do seu pessoal feminino. O 4 último ponto apresentado pela autora está relacionado ao baixo número do efetivo militar. Desta forma, o pedido do governo norte-americano estava vinculado à necessidade de um maior efetivo para as forças armadas e essa necessidade, segundo a autora, também pode ser identificada aqui no Brasil e, assim, o então ministro Maximiano da Fonseca criou o Corpo e, posteriormente, os Quadros com o intuito de suprir as demandas existentes na área da saúde.4 Mulheres na Aeronáutica Pouco tempo depois a entrada feminina na Marinha, em 1982, ocorre na Aeronáutica, o ingresso da primeira turma de mulheres pela Força Aérea Brasileira (FAB), com a criação do Corpo Feminino da Reserva da Aeronáutica saindo, assim, graduadas como 2º Tenentes, 3º Sargentos e Cabos. Segundo Carvalho (1990) um estudo feito pelo Estado Maior, através da Escola de Comando e Estado Maior da Aeronáutica (ECEMAR), o qual propôs e executou um trabalho com seus estagiários, no qual foram estabelecidos alguns critérios, levando em consideração alguns artigos que abrangiam a qualificação, a origem e destino das mulheres, a função exercida e as dimensões psicológicas. Assim, fazendo-se necessário organizar e internalizar as ordens para que o corpo funcione com maior equilíbrio, eficácia e ritmo para a melhor atuação na caserna. O Corpo feminino da Reserva da Aeronáutica é criado com a Lei nº. 6.924 de 29 de Junho de 1981. A principal razão para a implantação deste corpo fica claro nas palavras do coronel5, primeiro comandante do curso de formação dos oficiais e dos graduados: A meu nível de conhecimento há um órgão na Aeronáutica, o Comando Geral de Pessoal (CGP) que assessora o Ministro da Aeronáutica em assunto de pessoal. Nesse órgão, há um grupo de trabalho de recursos humanos que, a pedido do Ministro, elaboraram uma forma de aumentar o efetivo da Aeronáutica sem alterar a Lei de Fixação da Força Militar. Somente por necessidade e se aprovado pelo Congresso é que pode haver o crescimento da Força através dessa Lei. Assim sendo, os sistemas militares usam um artifício, que são elementos que permanecem nas Forças Armadas 4 Continuação da cronologia da integração das mulheres na Marinha: 1998 – Integração das mulheres aos Corpos e Quadros da Marinha através da Lei n. 9519, de 26/11/1997: Corpo de Engenheiros da Marinha, Corpo de Intendentes da Marinha, Quadros Médicos, de cirurgiões-dentistas, apoio a saúde e Técnico. Extinção do Corpo Auxiliar Feminino. Permissão para participação feminina em missões nos navios hidrográficos, oceanográficos e de guerra. Permissão para integrar tripulações de helicópteros. (D’Araújo, 2004) 5 A autora em questão não cita o nome do Coronel. 5 por um tempo menor, e que se destinam à reserva da Aeronáutica. O Corpo Feminino foi aproveitado nessa brecha. O estudo inicial previa que nós, em cerca de quatro anos, teríamos 2.000 mulheres na Aeronáutica, 400 oficiais, e 1.200 sargentos. Este foi o projeto inicial; o corpo feminino seria então uma força de reserva com a permanência máxima de 8 anos na ativa e podendo haver renovação de contrato. O grupo achou que, para atender às necessidades da Aeronáutica, a mulher seria mais eficiente, dado o tipo de trabalho que ela exerceria e devido às condições de entrada para o setor militar e também porque, baseado nos estudos da Marinha, de que o Corpo Feminino estava dando certo. Em síntese, o corpo feminino aumentou o efetivo da Força (2.000 mulheres de 1981 a 1984), sem extrapolar os recursos disponíveis, além de suprir as deficiências nas áreas administrativas e técnicas. (Carvalho, 1990, p. 45 e 46, grifos da autora.) Desta forma, fica evidente que a mulher foi requisitada buscando suprir a deficiência de pessoal nas áreas técnicas e administrativas. Assim, podemos perceber que há uma reprodução no interior do espaço militar da divisão sexual e social dos papeis desempenhados por homens e mulheres fora do âmbito militar. Como Carvalho (1990) apreende em sua pesquisa, havia domínios bem delimitados e estabelecidos para homens e mulheres militares no interior da caserna e um discurso legitimador para isso seria a criação de mecanismos legais através de Leis, decretos e portarias. Diante desse contexto a autora chega à conclusão de que não se deve considerar a instituição militar como um novo espaço de atuação da mulher, pois apesar da nova configuração, esta se apresenta com papéis tradicionalmente exercidos por homens e mulheres na sociedade contemporânea. Outro ponto evidenciado pela autora é que na análise dos dados empíricos com a proposta teórica o que ficou evidente é que o reconhecimento da mulher no grupo militar se realiza através da sua condição de “sexo feminino”, ou seja, para a instituição “ser mulher” sobrepõe-se a de “ser militar”. Em 1996, a Aeronáutica, rompendo com o processo tradicional de participação feminina, admite mulheres como cadetes na Força Aérea Brasileira (FAB) no quadro de Intendência, carreira administrativa da FAB, passando a ter a mesma formação masculina. Desta forma, na primeira turma, ocorre o ingresso de 17 cadetes femininos na AFA – Academia da Força Aérea (Piressununga/SP) para o quadro de Intendência, área administrativa e financeira da FAB. 6 Em 1999, ocorre a formação da primeira turma de oficiais militares femininos em Academia Militar no Brasil. Assim, pode-se 6 Os cursos de formação de oficiais na AFA se dividem em três: Curso de Oficiais Aviadores (CFOAv); Curso de Oficiais Intendentes (CFOInt) e Curso de Oficiais de Infantaria (CFOInf) todos com duração de quatro anos. 6 dizer que a aeronáutica foi pioneira entre as três forças, em termos de formação acadêmica militar de mulheres em relação à formação dos homens, ou seja, as mulheres passaram a receber uma formação acadêmico-militar idêntica a dos homens em um curso de formação de oficial de carreira e a possibilidade de atingir ao generalato. Emília Takahashi em 2002 apresenta seu estudo sobre a construção da identidade social dos cadetes da Academia da Força Aérea (AFA- Pirassununga/SP). Com relação aos aspectos levados em consideração para a abertura do curso as mulheres, esta mesma autora evidencia: No aviso ministerial nº.006/GM3/024 de 05 de maio de 1995, em que determinou a realização de estudos para que fosse permitida a inscrição e a matrícula de mulheres no Curso de Formação de Intendência na AFA, o então ministro da Aeronáutica Mauro Gandra, expressou claramente os aspectos considerados para a abertura do curso às mulheres: o mandamento constitucional de que homens e mulheres são iguais em direitos, obrigações e oportunidades; o fato de que a mulher vem aumentando sua representação na sociedade – devido à maior participação no exercício de atividades econômicas e administrativas e o aproveitamento da mulher no desempenho de papel cada vez mais significativo na Aeronáutica (TAKAHASHI, 2002, p. 135) Ao final a autora acrescenta que mesmo que a construção de identidades masculinas e femininas reproduza a dicotomização da divisão dos papéis sexuais, existem espaços que permitem a subversão do paradigma tradicional ou mesmo a igualdade entre homens e mulheres. Assim, as cadetes sofreram os impactos do pioneirismo, mas esforçaram-se ao máximo para que sua condição de mulher não fosse sobreposta à de cadete, resultando que ao final da formação na academia, tanto elas quanto eles, identificam-se como militares. O pioneirismo da Aeronáutica não ficou só restrito aos quadros de intendência, pois em 2003, ingressa nessa unidade-escola a primeira turma no Curso de Formação de Oficiais Aviadores (CFOAV), sendo formada em 2006 a primeira turma de aviadoras do país. O quadro de aviação é a “atividade fim” dessa corporação, uma vez que cumpre a destinação primordial, que é voar. Vale dizer que, apesar desses avanços, há ainda muitas restrições, já que o quadro de Infantaria da Aeronáutica é o único da Academia da Força Aérea (AFA) que ainda não tem a presença feminina. Cristiane Aparecida Baquin (2007) nos relata o caso das pioneiras da aviação brasileira, como ocorre sua inserção e como se efetiva o curso para aviadores, curso este que estas cadetes integram. Segundo esta autora, por decisão do comandante da 7 Aeronáutica, Tenente-Brigadeiro-do-Ar Batista, através da Portaria nº. 556-T/GC3, de 30 de julho de 2002, com matrícula prevista para o ano de 2003, incluir cadetes do sexo feminino no Curso de Formação de Oficiais Aviadores (CFOAV).Através de uma decisão do Comando da Aeronáutica (COMAER), esse concurso foi reaberto com vagas específicas apenas para o sexo feminino, após encerrado o concurso nacional. A época foram destinadas 20 vagas. Dessas 20 mulheres matriculadas, apenas 11 cadetes concluíram o curso em 2006, tornando-se Aspirantes-a-oficial.7 Com relação a essas vagas específicas esta mesma autora destaca: O fato de algumas vagas serem destinadas ao quadro feminino foi motivo de controvérsia dentre os oficiais da AFA. De um lado posicionaram-se contrariamente os oficiais que viam nessa distinção tanto um primeiro ato de discriminação e/ou favorecimento quanto uma “brecha” para disputadas judiciais, tendo em vista que algumas mulheres poderiam conseguir uma vaga com uma pontuação menor que a de um homem que ficou de fora na classificação. De outro lado, asseguram alguns oficiais que esta é uma instituição singular e não uma faculdade no sentido lato do termo e que, portanto, suas regras são definidas tendo em vista um objetivo maior, qual seja neste caso, o de dotar os esquadrões e bases aéreas, num prazo médio de tempo, de pelo menos uma aviadora. Depreende-se então que esse fato só poderá ser concretizado mediante a reserva de vagas e a garantia de ingresso das mulheres. (BAQUIM, 2007, p. 5) Desta forma, esta mesma autora conclui que a iniciativa da FAB foi aceita positivamente, sem deixar de lado todos os percalços8 e o longo caminho que as mulheres ainda têm a percorrer, e reafirmando aqui no Brasil os resultando positivos demonstrados na aviação militar de outros países. 7 Nos anos seguintes não houve destinação de vagas específicas para as mulheres, voltando a ocorrer no concurso de 2006 para matrícula em 2007. A volta dessas vagas específicas destinadas as mulheres foi justificada devido ao número de aprovadas e matriculadas ter sido muito inferior daquele desejado pelo COMAER nos anos em que as mulheres disputavam com os homens as mesmas vagas. (Baquim, 2007) 8 Com relação aos percalços citado por Baquim (2007), eles ficam evidentes nas entrevistas do estudo de Crista Rodrigues da Silva o qual busca entender os indivíduos inseridos na instituição militar, focando na presença das mulheres nas Forças Armadas, tentando buscar uma relação entre guerra e gênero. Também no estudo em questão nos é apresentado, de forma sucinta, alguns pontos a respeito da composição da família militar. Desta forma, através de entrevistas realizadas, a autora tenta mostrar como é ser militar para as mulheres, demonstrando os processos de construção de masculinidades e feminilidades nas Forças Armadas, evidenciando alguns casos do cotidiano dessas mulheres “guerreiras”. (Silva, 2006) Para tanto foi realizada uma pesquisa etnográfica na Academia da Força Aérea. 8 Um ponto importante a ser destacado seria a de que tanto Silveira (2003) quanto Mathias (2005) relatam que a inserção feminina na Academia da Força Aérea através do curso de formação de oficial combatente ocorreu através de medida judicial9. Mulheres no Exército Em 02 de outubro de 1989, o exército instituiu o Quadro Complementar de Oficiais (QCO) mediante concurso público, através da Lei nº. 7831, possibilitando a entrada das mulheres na Escola de Administração do Exército (EsAEx), sediada em Salvador/BA. Esta escola iniciou sua formação em 1990, a qual teve suas duas primeiras turmas masculinas, apesar da institucionalização feminina só ocorrer em 1992 com a matricula das primeiras 49 mulheres no Exército Brasileiro, sendo que ao final deste mesmo ano saíram formadas com a patente de 1º Tenente. 10 Lannes (2008) nos aponta que a entrada das mulheres na Escola de Administração do Exército teve como objetivo suprir as demandas exigidas nas áreas técnicas e administrativas. Por fim, a autora evidencia que o que caracteriza um exército moderno vai além da ciência e tecnologia. E é através desse exército especializado, voltado para a meritocracia e composto pela sociedade que seria possível a presença da mulher no meio militar. Um exército voltado exclusivamente para o campo de batalha dificulta a inserção feminina, mas ao se pensar em um Exército como pilar da sociedade brasileira, o qual se volta para a produção de conhecimento e inteligência, a inserção feminina torna-se possível. Desta forma, com a especialização ocorrida no Exército Brasileiro durante o século XX, com as mudanças nas instituições de ensino, conjuntamente com as mudanças na mentalidade da sociedade brasileira, levaram as funções do exército para além do campo de batalha e, assim, fazendo com que houvesse um incentivo a inserção feminina, como também esta pode ser considerado um dos aspectos que 9 Os autores não evidenciam em qual dos dois quadros os quais temos a presença feminina na AFA, Intendência ou Aviação, que foi necessário essa intervenção judicial. 10 Continuação da cronologia da integração das mulheres no Exército - Militar de Carreira: 1997 – Ingresso da primeira turma de 10 mulheres no Instituto Militar de Engenharia (IME – Rio de Janeiro/RJ); 2001 – Criação do Curso de Formação de Sargentos de Saúde (auxiliar de enfermagem). Portaria n. 124 de 18/12/2000, do Estado Maior do Exército. Militar Temporário: 1996 – Instituição do Serviço Militar Feminino Voluntário para Médicas, Dentistas, Farmacêuticas, Veterinária e Enfermeiras de nível superior. A primeira turma incorporou 290 mulheres; 1998 – Instituição do Estágio de Serviço Técnico para profissionais de nível superior em Direito, Contabilidade, Administração, Análises de Sistemas, Engenharia, Arquitetura e Jornalismo, entre outras. Instituição do Serviço Militar Feminino Voluntário para auxiliares e técnicos de enfermagem. Ainda neste mesmo ano, implantação do projeto-piloto para prestação do Serviço Militar Voluntário na função de “Atiradoras”, atuando na região Amazônica. O projeto foi desativado em 2002. (D`Araújo, 2004) 9 levaram a modernização. A presença delas no combate ainda é uma polêmica que, talvez, sua efetividade será demonstrada através da experiência. Carla Christina Passos em 2008 apresenta um estudo sobre a trajetória da inserção feminina e os espaços hoje ocupados pelas mulheres no Exército. 11 Esta autora coloca-nos questões a serem refletidas sobre novos aspectos que fazem parte das experiências femininas e como ocorre essa construção no Exército, bem como os impactos da família militar, nas movimentações no território nacional e todos os aspectos que fazem parte da vida militar. Por fim Passos (2008) concluí, que o conceito de gênero está presente de três maneiras nas Forças Armadas: nas relações sociais entre os sujeitos militares, mulheres e homens, desenvolvido no espaço militar devido a ampliação do mercado de trabalho, passando a refletir na abertura de vagas nas Forças Armas; na articulação dos papeis desenvolvidos pela mulher militar no ambiente público e privado e a incorporação de todos os papéis assumidos pelo feminino como o de ser mãe, ser esposa, ser filha, ser profissional, ser militar e por fim nas transformações das relações entre superior/subordinado, mulher/homem como também nos círculos hierárquicos que disciplinam esta profissão e confere a mulher militar todas as prerrogativas advindas dos postos e graduações ocupados ao longo da carreira. Fabiana Teixeira Lopes em 2005 no seu trabalho procurou observar como a ação desta autora, nos eventos de leitura promovido na aula de Espanhol Língua Estrangeira(ELE) desta mesma autora, pode contribuir para desestabilizar crenças naturalizadas sobre as identidades sociais de gênero feminino no contexto educacional militar em que a citada autora atua12. A imagem da mulher para os militares sempre esteve atrelada a funções de dona de casa, mãe e esposa, pois durante muito tempo a relação que a mesma teve com a vida militar foi a de quem cuida do lar e da família, dessa forma, podendo assegurar o apoio necessário ao marido no desempenho da carreira. Segundo a autora isso ocorre porque a identidade feminina construída pelos militares brasileiros apóia-se no argumento sexista da fragilidade, obediência, dependência, etc., sendo para legitimar restrições e 11 Ela resolve fazer esta pesquisa após observar no 1º Encontro Nacional da Associação Brasileira de Estudos de Defesa, ocorrido na Universidade Federal de São Carlos em 2007, as lacunas existentes com relação a incorporação feminina no Exército Brasileiro e na Marinha do Brasil, além da relevância da discurssão do tema “Mulheres nas Forças Armadas”. 12 A pesquisa foi realizada em uma escola militar (Academia Militar das Agulhas Negras - AMAN) de ensino superior localizada no Estado do Rio de Janeiro a qual na ocasião, a autora trabalhava na Cadeira de Idiomas, com o idioma de Espanhol, da citada instituição. 10 dificuldades no que diz respeito ao comando, liderança, força física, características essas atribuídas aos homens e básica para o bom desempenho do militar. Desta forma, a autora considera que embora a incorporação feminina nas Forças Armadas represente um grande passo nesse processo de democratização da sociedade, como um pressuposto de igualdade para todos e respeito à multiplicidade independente de gênero, sexo, sexualidade, etnia, etc., ainda há muito a ser feito no que diz respeito aos discursos acerca da “mulher” que ainda predominam em nossa cultura e instituições, colonizando o imaginário social levando a uma restrição com relação às mulheres no exercício pleno de suas escolhas profissionais. Com relação à análise dos dados empíricos a autora observa que o posicionamento dos sujeitos sociais que participaram dessa pesquisa, no caso os alunos, tiveram uma concepção essencialista e reducionista das identidades sociais, sendo observado com freqüência a imagem da mulher atrelada como a dependente financeiramente e emocional, a da vaidade, a da fragilidade física, a de instinto maternal, entre outras características que tem sido historicamente atribuídas as mulheres. Desta forma os posicionamentos dos alunos de Lopes (2005b) revelaram quão arraigados são alguns significados que estão presente no senso comum e estabelecem diferentes espaços sociais para as mulheres e homens em funções de características biológicas, também demonstrando a dificuldade em abandoná-las. Outra autora, Andrei de Almeida Lopes em 2005 nos apresenta um estudo que tem por objetivo investigar os discursos sobre gênero feminino no contexto militar do Exército, a autora busca mapear algumas crenças sobre a feminilidade em eventos de letramento13 não-escolar utilizando-se como ferramentas analíticas os posicionamentos de discursos e a intertextualidade. A autora enfatiza que mesmo com a entrada das mulheres enquanto militar, ainda algumas oficiais percebiam-se no Exército como “estranhas num ninho” devido à circulação de discursos estereotipados sobre o gênero feminino nesse contexto. Como a autora evidencia, muitas mulheres passaram ou ainda passam por situações de resistência ou “estranhamento”. 13 Por letramento a autora recupera a definição de Antônio Gomes Batista e Ana Maria de Oliveira Galvão entendendo como sendo os usos efetivos que um indivíduo ou um grupo fazem da leitura e da escrita e ela acrescenta que esses “usos efetivos” dessas habilidades devem levar em consideração o contexto histórico, social, institucional e cultural onde elas estão inseridas. A autora esclarece que optou por conduzir o estudo embasado em eventos de letramento porque entende estes eventos como práticas sociais durante as quais os indivíduos podem negociar e renegociar valores, crenças, conceitos, relações e identidades. Assim, Lopes (2005a) considera que as oficiais que participaram dos eventos de geração de dados estavam construindo e reconstruindo as identidades de gênero ao se envolverem em práticas sociais de leitura. 11 Através dos seus eventos de letramento não escolar das quais tiveram como participantes outras duas oficiais, que eram tenentes desde 2001, e lecionavam na instituição militar onde a autora trabalhava quando foi feita esta pesquisa desde 2002, Lopes (2005a) observou nos discursos dessas participantes, o que ela chama de construções estereotipadas, uma vez que a mesma as conhecia muito bem e as tinha como mulheres emancipadas e de vanguarda. A autora esperava que as duas oficiais, ao discutirem os textos midiáticos os quais foram utilizados para os eventos de letramento, criticassem as práticas hegemônicas que poderiam está presente na instituição onde, tanto a autora como as outras oficiais, trabalhavam na época. Lopes (2005a) percebe que na maioria das vezes as participantes se posicionaram deliberadamente de forma essencialista ao discursarem que algumas personagens dos textos discutidos eram exceções uma vez que não queriam filhos ou apresentavam atitudes cruéis. Outro ponto que a surpreendeu foi o posicionamento de uma das oficiais que reverberou a crença na família patriarcal, tendo os homens como aqueles que são responsáveis pelo sustento financeiro dos lares. Mas também a autora percebe com surpresa, que o seu discurso é preconceituoso quando ela insinua uma suposta superioridade feminina, chegando à conclusão que deve revê suas praticas discursivas para que em um outro momento possa renegociar as crenças de outros indivíduos que tecem discursos generalizantes. Cristiane Rosas Villardo em seu artigo trabalha com a entrada das mulheres nas Forças Armadas e a situação da mulher no Exército à época dos seus 11 anos de inserção no Exército Brasileiro, herdeiras das guerreiras que lutaram nas tropas brasileiras nos diferentes períodos de nossa história. Desta forma, a autora evidencia sobre os então 11 anos de inserção: Uma importante batalha na guerra contra o pré-conceito foi vencida a onze anos com a entrada definitiva da mulher na Força Terrestre. Muitas vitórias têm sido alcançadas desde então; resta, porém, muito a conquistar. Por meio de um trabalho sério e competente, a militar vem mostrando possuir os atributos necessários ao desempenho de determinadas atividades na caserna, estreitando, cada vez mais, as diferenças entre os sexos. (VILLARDO, 2003, p. 30) Considerações finais O presente trabalho buscou recuperar algumas produções intelectuais sobre a participação das mulheres no contexto militar brasileiro a partir da década de 80, 12 focando na inserção e representatividade das mulheres nas corporações militares brasileiras. Como pudemos perceber a incorporação feminina nas Forças Armadas se deu de forma positiva, passando a compor seus quadros permanentes, apesar das limitações como, por exemplo, a não permissão de atuarem em áreas de combate e a discriminação ainda existente, demonstrando o longo caminho a ser percorrido. No decorrer do estudo percebemos as dificuldades que essas mulheres sofreram com o pioneirismo em se tratando da sua entrada em um meio que até então era exclusivamente masculino e as dificuldades que ainda enfrentam devido à presença dos mesmos discursos generalizantes sobre o ser feminino, como a sua natureza frágil e vocação maternal. Tínhamos como hipótese que o discurso hegemônico faz com que, os paradigmas socialmente construídos, contribuam na manutenção das relações de poder. Ou seja, ainda é comum o discurso de que a mulher enquanto ser frágil, que necessita de proteção. No início da incorporação feminina nas Forçar Armadas as características tidas como femininas foram usadas para legitimar as áreas que eram destinadas as mulheres e que ainda são em algumas Forças reduzindo o universo feminino a atividades de apoio, fazendo com que Carvalho (1990) concluísse em seu estudo que havia uma reapropriação da tradicional da divisão social dos papéis sexuais, os quais homens e mulheres adquirem papéis específicos e, por isso, fazendo com que a autora não considerasse as Forças Armadas como um espaço novo de atuação para a mulher, uma vez que ela se apresentava ( e ainda se apresenta em algumas Forças) dentro do paradigma que define os lugares tradicionais exercido por homens e mulheres na sociedade contemporânea. Mas não podemos deixar de destacar que mesmo nesse contexto apresentado as mulheres conseguiram conquistar muitos espaços e vem conquistando até hoje, apesar de toda discriminação que pode ser percebida ainda existente na instituição fazendo-as muitas vezes terem um sentimento de não pertencimento, como relatou Andreia Lopes (2005). Elas conseguiram consolidar os espaços conquistados dentro da Caserna. Como relatou Major Carla Christina Passos, “nós (mulheres) já estamos presentes nas Forças Armadas”. Conseguiram não só o respeito se seus companheiros e superiores, como também o respeito perante a sociedade. Há um longo caminho a ser percorridos pelas mulheres nas Forças Armadas, bem como nos estudos acerca de mulheres militares. Mas acreditamos que esse começo de 13 discussão seja importante para a compreensão das Forças Armadas enquanto instituição a qual pertence essas mulheres. Bibliografia ALMEIDA, M. R. D. 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