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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA
HOSPITAL UNIVERSITÁRIO PROFESSOR POLYDORO ERNANI DE SÃO THIAGO
RESIDÊNCIA INTEGRADA MULTIPROFISSIONAL EM SAÚDE
PATRÍCIA DA SILVA CAETANO
O SERVIÇO DE EMERGÊNCIA SOB O PRISMA DA INTEGRALIDADE: UM
OLHAR PARA ALÉM DAS DEMANDAS BIOMÉDICAS
Florianópolis
2013
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA
HOSPITAL UNIVERSITÁRIO PROFESSOR POLYDORO ERNANI DE SÃO THIAGO
RESIDÊNCIA INTEGRADA MULTIPROFISSIONAL EM SAÚDE
PATRÍCIA DA SILVA CAETANO
O SERVIÇO DE EMERGÊNCIA SOB O PRISMA DA INTEGRALIDADE: UM
OLHAR PARA ALÉM DAS DEMANDAS BIOMÉDICAS
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado
ao Programa de Residência Integrada
Multiprofissional em Saúde do Hospital
Universitário Polydoro Ernani de São Thiago
da Universidade Federal de Santa Catarina,
para a obtenção do Título de Especialista na
modalidade de Residência Multiprofissional
em Saúde - àrea de concentração em Urgência
e Emergência.
Orientadora: Me. Francielle Lopes Alves
Florianópolis
2013
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AGRADECIMENTOS
Quero agradecer imensamente todos que participaram, de alguma forma, nesse longo e
intenso processo de aprendizagem chamado Residência Multiprofissional.
Agradecer em especial: A Deus, por renovar as minhas forças a cada manhã;
Ao Paulo, por ser tão companheiro e amável em mais esta etapa;
Aos meus pais, Célia e Oscar, irmãos Priscila e Gabriel e sobrinhos Camila, Gustavo e
Vinícius que me fortalecem com suas presenças;
As residentes de Serviço Social Lara, Camile, Patrícia Schemes, Schaianny, Patrícia
Machado e Jamila que deixaram minhas 60 horas semanais de trabalho muito mais coloridas.
Aos residentes multiprofissionais que me ensinaram, de diferentes formas, o valor de
cada profissão que compõe o desafiante e apaixonante Sistema Único de Saúde;
A cidade de Havana, Cuba, tão bela e estontiante, com suas águas cristalinas, por me
permitir viver uma inesquecível aventura e conhecer seu sistema de saúde, que levo como
exemplo!
Aos profissionais do HU, em especial as assistentes sociais que auxiliaram na
construção do meu processo de aprendizagem. Sou imensamente grata a Francielle, minha
preceptora, que com carinho compartilhou seus conhecimentos comigo e não desistiu da
difícil caminhada de preceptoria.
Agradeço a banca, composta pela Professora Regina e pela Assistente Social Mariana
por avaliar e contribuir com suas proposições para este trabalho. Bem como em todas as
contribuições nesse longo período de caminhada, que pude realizar ao lado de vocês.
Após esses dois anos, 5.760 horas de residência incrivelmente intensos, me permitem
refletir que:
"Ser residente é aprender múltiplos sentidos da vida, é mudar de humor a cada cinco
minutos, é sorrir a cada conquista, é recuar... querer parar de lutar e agir lutando até o fim. É
conhecer anjos que se vão e guerreiros que continuam para contar a história. É crescer, sentirse diminuido e querer crescer mais. É construir um ideal e reformulá-lo a cada barreira
encontrada mas não permitir que sua essência se altere. Enfim, é esperar que acabe e já sentir
saudades antes de chegar o fim!"
Muito Obrigada
Patrícia da Silva Caetano
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"Se você é capaz de tremer de indignação a cada vez que se comete uma injustiça no mundo,
então somos companheiros".
Che Guevara
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CAETANO, P. S. O Serviço de emergência sob o prisma da integralidade: um olhar para
além das demandas biomédicas. 2013. 64p. Monografia. (Especialização). Pós- Graduação,
modalidade de Residência Integrada Multiprofissional em Saúde. Universidade Federal de
Santa Catarina. Florianópolis, 2013.
Orientadora: Me. Francielle Alves Lopes
RESUMO
Estudo qualitativo, com caráter exploratório e descritivo, desenvolvido atravês do método de
análise por saturação. Teve como objetivo conhecer, a partir da perspectiva da integralidade, o
conjunto de demandas e necessidades que constituem o quadro de urgência e emergência de
usuários do Serviço de Emergência Adulto do HU/UFSC. Foi selecionado uma amostra
aleatória no período de 1 mês e 10 dias de entrevistas semiestruturadas, tendo como público
alvo os pacientes classificados como "situação pouco urgente" no Serviço de Acolhimento
com Classificação de Risco. Os dados foram analisados e evidenciaram que a situação de
urgência/emergência é composta por diferentes fatores ou pela combinação de um conjunto
deles. Bem como, que o conhecimento do contexto é fundamental para compreender as
urgências do usuário. Os sujeitos que procuraram o serviço trouxeram consigo diferentes
conceitos de urgência/emergência e de serviços de emergência o que determinaram o trajeto
na busca pelo assistência à saúde. A partir da análise dos dados elencou-se categorias que
compuseram o conjunto de demandas e necessidades apresentadas pelos usuários, sendo elas:
Capacidade para o trabalho e condicionalidades institucionais; Outros sofrimentos; Limitação
de acesso aos serviços da rede de atenção à saúde; Família e condições de acesso e Acesso a
especialidades. Verificou-se que visualizar as necessidades de saúde dos sujeitos se mostra
urgente em um sistema regido pelo princípio da integralidade. E este princípio compreendido
não apenas como uma diretriz do SUS, mas como um enunciado de certas características do
sistema de saúde, de suas instituições e práticas.
Palavras-chave: Urgências e Emergências; Integralidade; Necessidades em saúde.
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CAETANO, P. S. The emergency Service through the prism of integrality: a look beyond
the biomedical demands. 2013. 64p. Monography. (Specialization). Graduate, modality in
Multiprofessional Integrated Residency in Health. Federal University of Santa Catarina.
Florianópolis, 2013.
Orientadora: Me. Francielle Alves Lopes
ABSTRACT
Qualitative study, with an exploratory and descriptive character, developed through the
method by saturation. The objective was to understand, from the perspective of integrality, the
set of demands and needs that constitute the urgent and emergency condition of users in the
Adult Emergency Service in HU / UFSC. It was selected a random sample in the period of 1
month and 10 days of semi-structured interviews, having as audience the patients classified as
"not urgent situation" in Reception Service with Risk Rating. Data were analyzed and
indicated that the situation of urgency / emergency consists of different factors or by
combination of a set of them. As well as that the knowledge of context is the key to
understanding the urgencies of the user. The individuals who looked for the service have
brought with them different concepts of urgency / emergency and emergency services which
determined the path in the search for health care. From the analysis of the data, we listed out
categories that composed the set of demands and needs presented by users, which are: Ability
to work and institutional conditionalities; Other sufferings; Access limitation to the health
attention network; Family and access conditions and Access to specialties. It was verified that
is urgent to look for the health needs of individuals in a system regulated by the principle of
integrality. And this principle is understood not only as a guideline of SUS, but as an
enunciation of certain characteristics of the health system, its institutions and practices.
Key words: Urgencies and Emergencies; Integrality; Health needs.
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SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ..........................................................................................................
9
2 OBJETIVOS...............................................................................................................
14
3 PROTEÇÃO SOCIAL E NECESSIDADES SOCIAIS EM SAÚDE....................
15
4 URGÊNCIAS E EMERGÊNCIAS NO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE...............
20
4.1 OS SERVIÇOS DE EMERGÊNCIA: BREVE CARACTERIZAÇÃO...............
20
5 METODOLOGIA .......................................................................................................
30
5.1 PANORÂMA DO CAMPO DE PESQUISA........................................................ 32
6 RESULTADOS E DISCUSSÃO.................................................................................
35
6.1 URGÊNCIA E EMERGÊNCIA E OS SERVIÇOS: AS DIFERENTES 36
COMPREENSÕES DOS USUÁRIOS.............................................................................
6.2 A URGÊNCIA EM SEU CONTEXTO................................................................
40
7 CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES....................................................................
50
8 CONSIDERAÇÕES FINAIS...................................................................................... 56
REFERÊNCIAS ............................................................................................................
59
APÊNDICES ..................................................................................................................
64
Apêndice I: Termo de Consentimento Informado Livre e Esclarecido.....................
64
Apêndice II: Roteiro de Entrevista Semiestruturada.................................................
65
ANEXOS ......................................................................................................................... 66
Anexo I: Parecer Consubstanciado do Comitê de Ética da UFSC.............................. 66
9
1 INTRODUÇÃO
Os serviços de emergência, considerados subsistemas no bojo do sistema de atenção a
saúde, se caracterizam pela especificidade de seus objetivos e ao mesmo tempo pela
complexidade requerida no atendimento de suas demandas. Um amplo aparato tecnológico e
de equipamentos são exemplos da complexidade de sua natureza. Exige profissionais ágeis,
com conhecimento em atendimento a situações de risco de morte e efetiva atuação em equipe
multiprofissional. Além disso, os serviços de emergência são cenários compostos por diversas
necessidades de saúde que requerem a atuação orgânica de um conjunto de outros serviços,
que compõe a rede de atenção à saúde nos diferentes níveis de complexidade (GIGLIOJACQUEMOT, 2005).
As demandas que compõe esses espaços são conceitualmente entendidas como
solicitações dirigidas aos serviços de saúde1, mas que se redefinem se compreendidas à luz
das necessidades que expressam. É importante frisar a diferença entre a demanda, como uma
solicitação que ora se apresenta no serviço, e a real necessidade do usuário. A necessidade de
saúde é o efeito do diálogo entre os saberes técnicos e populares, entre o profissional e o
usuário, num processo de construção compartilhada. A capacidade de escuta, respeito à
diversidade humana, cultural e social são requisitos para a compreensão das necessidades de
saúde (CECÍLIO, 2006; PINHEIRO, et al., 2005).
As demandas e necessidades de saúde que se apresentam nos serviços de emergência
são plurifatoriais, expressam distintas urgências e emergências, entre elas as relacionadas a
situação social dos usuários. Apesar do crescente reconhecimento do caráter multifatorial das
demandas e necessidades, os serviços de emergência permanecem funcionando em sua forma
tradicional, elaborando ações e práticas a partir de queixas clínicas, focando no atendimento
destas e muitas vezes sem resolutividade, pois o sujeito retorna aos serviços com as mesmas
necessidades e por vezes desconsidera-se os motivos reais que contribuem ou determinam seu
retorno.
1 Compreende-se a atitude do sujeito em procurar e acessar os serviços e neles encontrar
resolutividade (PINHEIRO, et al., 2005).
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Cecílio e Merhy (2003), ressaltam que não se tem trabalhado de forma correta e
cuidadosa a demanda espontânea que chega a porta das emergências. Prioriza-se o
funcionamento a base da queixa-conduta, formando-se serviços de cunho reducionista. Nessa
lógica, Giglio-Jacquemot (2005) observou a distinção de tratamento e classificação na
recepção de uma emergência, sendo o atendimento realizado não só de acordo com cada
situação de saúde, mas, principalmente, de acordo com os diferentes níveis socioeconômicos e
problemas apresentados, como situações de alcoolismo ou saúde mental, por exemplo. Muitas
vezes esses aspectos instigam olhares de discriminação e preconceitos e os sujeitos passam de
paciente para a condição de problema. Ou seja, uma pessoa com aparência suja ou alcoolizada
sai da categoria de paciente e consequentemente das categorias de urgência e emergência.
Esses aspectos, em alguns momentos, determinaram o acesso ou não de alguns pacientes à
área de atendimento, ou a delimitação do tempo de espera para ser atendido.
Com o intuito de organizar a porta de entrada e o processo de trabalho nos serviços de
emergência, foi proposto na Portaria 2084/20022, do Ministério da Saúde, e idealizado na
Política Nacional de Humanização (PNH) (2004), o Serviço de Acolhimento com Avaliação e
Classificação de Risco. Trata-se de uma ferramenta que objetiva estabelecer novas formas de
atuação em saúde, proporcionando atenção resolutiva, humanizada e acolhedora. Propõe outra
ordem de acesso ao serviço de emergência que não a ordem de chegada, visando garantir o
atendimento imediato do usuário com grau elevado de risco (BRASIL,2006, BRASIL, 2009).
Conforme a PNH, realizar o acolhimento com avaliação e classificação de risco
implica estar atento tanto ao sofrimento físico quanto psíquico do usuário. Tais aspectos
reafirmam o sentido da integralidade nos serviços e especificamente nos serviços de
emergência, a partir da efetivação do acolhimento. A PNH enfatiza a necessidade de criação
de dispositivos para se efetivar novos processos de trabalho nos serviços de saúde e,
consequentemente, novos modos de fazer saúde pública, sendo o acolhimento um destes
dispositivos (BRASIL, 2009).
Contudo, nos serviços de emergência ainda é predominante que algumas demandas
sejam tratadas como legítimas, basicamente pautada no quadro clínico. Valentin e Santos
(2009), reafirmam essa lógica, por exemplo, quando tratam sobre o panorama dos serviços de
emergência e especificam exemplos de emergências reais como "(...) aquele com risco
iminente de morte, como o cardiopata, hipertenso, neurológico, vítima de trauma (...)"
2 Portaria inclusa na Política Nacional de Àtenção às Urgências (BRASIL, 2006).
11
(p.285). Ou ainda as vítimas de acidentes, que aparecem como emergências por excelência
por terem grande sinais que têm poder mobilizador nas representações de urgência e
emergência: como estar deitado e chegar com o resgate, por exemplo. Estabelecer como certa
ou errada a emergência do paciente, ou adotar definições de emergências reais, acaba por
estabelecer que a subjetividade é própria do leigo, e reforça que as definições médicas tentam
estabelecer que existe uma urgência/emergência cuja existência é determinada a partir de
elementos objetivos. Essa apreciação objetiva, própria e exclusiva do médico, passa a ser
critério que define a "verdadeira urgência". (GIGLIO-JACQUEMOT, 2005).
Contudo, tanto para o usuário quanto para o médico existem dificuldades de qualificar
o risco que se apresenta em um contexto de urgência e emergência. Essa indefinição pode ser
identificada nos conceitos imprecisos que estão nos documentos que regem a organização
desses serviços, aspectos que abordaremos no segundo item deste estudo. Conforme a PNH, o
panorama atual demonstra a "lógica perversa na qual grande parte dos serviços de urgência
vem se apoiando para o desenvolvimento do trabalho cotidiano, focando a doença – e não o
sujeito e suas necessidades – e repassando o problema para outro ao invés de assumir a
responsabilidade por sua resolução" (BRASIL, 2009, p. 22).
Compreende-se que o processo saúde-doença tem causalidades sociais e é
determinado por necessidades sociais. Estas compreendidas não apenas como riscos, agravos
ou doenças, mas a partir de uma análise dessas necessidades e seus determinantes. "As
necessidades de saúde não se esgotam na demanda, nas "necessidades sentidas", nas
"necessidades médicas", nas "necessidades de serviços de saúde", ou nas doenças, carências,
riscos ou sofrimentos (...) mas envolvem as condições necessárias para o gozo da saúde"
(PAIM, 2006, p. 104).
A partir desses referênciais buscamos observar as demandas para além das queixas
biológicas, compreendendo-as como necessidades de saúde, que por vezes, podem estar
envoltas por um contexto que as determine ou as agrave. Nessa direção, este estudo objetivou
conhecer, a partir da perspectiva da integralidade, o conjunto de demandas que constituem o
quadro de urgência e emergência de usuários do Serviço de Emergência Adulto do HU/UFSC.
O levantamento bibliográfico que fundamentou a revisão de literatura deste estudo foi
realizado em livros, revistas, teses e dissertações nas áreas do Serviço Social, Antropologia
Social, Saúde Coletiva, Medicina e Enfermagem. Ao realizar o levantamento ficou evidente
que são poucas as publicaçoes sobre o tema . Grande parte dos produções encontradas tratam
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de estudos da caracterização do perfil clínico e epidemiológico da demanda, como exemplo,
Silva et. al (2007); Olivati et. al. (2010); Moraes et. al. (2011a); Oliveira et. Al (2011). Em
geral, os estudo referem que o perfil predominante nos serviços são compostos pelo sexo
feminino e pacientes jovens e idosos. As publicações discorrem sobre dificuldades de acesso
aos serviços e a cultura enraizada referente a baixa resolutividade da atenção básica e
consequente superlotação dos hospitais, bem como afirmam que a oferta dos serviços de
emergência voltam-se principalmente para a queixa do quadro agudo, sem foco para o
histórico clínico. Este perfil também foi evidenciado no estudo realizado por Cherem (2009),
na emergência do HU, no qual destaca as mulheres como principais usuárias do serviço, e
com base em outras pesquisas reafirmando que o sexo feminino apresenta maior prevalência
de problemas de saúde, provavelmente relacionado ao excesso de funções que as mulheres
exercem. O estudo destaca ainda a dificuldade no acesso aos serviços da atenção básica e a
especialistas, sendo a grande maioria pacientes que não conseguiram acesso a algum
especialista ou que possuem emergências nas quais a atenção básica poderia resolver.
Com tais referenciais, este estudo buscou contextualizar o tema e entendê-lo em um
breve panorama, sendo então necessário a compreensão de aspectos relacionados a proteção
social e a saúde, bem como as necessidades sociais em saúde. Após contextualiza-se, a partir
do panorama atual da política de saúde, os serviços de emergência e seus conceitos, bem
como sua interlocução com o princípio da integralidade. Por último, apresenta-se o campo de
pesquisa, resultados e reflexões.
O interesse pelo tema se efetivou a partir da experiência da pesquisadora como
Residente Multiprofissional na área de concentração de Urgência e Emergência do HU/UFSC
intervindo junto ao Serviço Social da unidade. Nesse espaço foi possível observar a relevância
de um estudo acerca das diferentes demandas e necessidades que os usuários apresentam aos
serviços, que extrapolam as de natureza clínica/fisiológica. Observou-se esta relevância pois
são realizados inúmeros atendimentos a pacientes que apresentam demandas e necessidades
sociais e/ou psicológicas no serviço, que muitas vezes não são considerados, por grande parte
da equipe, pacientes em situação de emergência. Estes são atendidos, em geral após avaliação
médica, e são realizados os encaminhamentos necessários.
O interesse por esse debate vincula-se também a experiência da residente em pesquisas
anteriores realizadas no âmbito da saúde, com trabalhos como:
CAETANO, P. S. ; MIOTO, R. C. T. . A família na política de saúde: considerações sobre a
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sua participação nos serviços de saúde. In: O direito à Saúde e a Proteção Social em faixas de
Fronteiras: um balanço do debate acadêmico no Sul da América do Sul., 2011, Pelotas - RS.
DIPROSUL, 2011.
CAETANO, P. S. ; BARCELOS, M. S. ; MIOTO, R. C. T. . Demandas para o Serviço Social
na área de saúde. In: Semana do Serviço Social 2010: Movimentos sociais, trabalho e formação
profissional, 2010, Florianópolis. Semana do Serviço Social, 2010.
CAETANO, P.S. Família e política social: um estudo sobre o acompanhante em instituições
hospitalares. Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharel em Serviço Social). Florianópolis:
Departamento de Serviço Social/UFSC, 2010.
Estes trabalhos são fruto de uma discussão consolidada sobre os temas, no qual faz
parte de um campo de debate construido pelo grupo de pesquisa "Estado, Sociedade Civil e
Políticas Públicas (NESPP)". Deste, houve a possibilidade de participar da linha de pesquisa
Proteção Social, Família e Serviço social/NESPP e do projeto de pesquisa "Família e Política
Social: Relações entre famílias e serviços de saúde", no qual possui como coordenadora a
Professora Dr. Regina Célia Tamaso Mioto.
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OBJETIVOS
Os objetivos que nortearam a elaboração deste estudo foram subdivididos em geral e
específico, conforme seguem abaixo.
Objetivo Geral
Conhecer, a partir da perspectiva da integralidade, o conjunto de demandas e
necessidades que constituem o quadro de urgência e emergência de usuários do Serviço de
Emergência Adulto do HU/UFSC.
Objetivos Específicos
Identificar as demandas de natureza não biomédica apresentadas pelos usuários do
Serviço de Emergência Adulto do HU/UFSC;
Analisar como essas demandas são recebidas no serviço e são compreendidas como
necessidades de saúde;
Analisar como o Serviço de Emergência Adulto do HU/UFSC identifica e caracteriza
as demandas/necessidades apresentadas pelos usuários;
Avaliar a expectativa do usuário com relação as respostas do serviço frente a demanda
apresentada.
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3. PROTEÇÃO SOCIAL E NECESSIDADES SOCIAIS EM SAÚDE
A promulgação da Constituição Federal de 1988 representou, no âmbito jurídico, a
afirmação e expansão de direitos sociais no Brasil. Em seu artigo 194, a Constituição adota o
conceito de seguridade social como modelo de proteção social, visando a garantia de um
padrão mínimo de benefícios, de forma universalizada, independente da existência de
contribuições anteriores. A seguridade social é conceituada como “um conjunto integrado de
iniciativas dos Poderes Públicos e da Sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à
saúde, à previdência e à assistência social” (BRASIL, 1988).
A formação de sistemas de proteção social tem origem na necessidade de diminuir o
impacto de determinados risco sobre o indivíduo e a sociedade. Consiste em uma ação de
amplitude coletiva de proteger os indivíduos e garantir o suprimento de necessidades
existentes em diferentes momentos da história. A criação de estruturas de proteção social,
atuando de forma conjunta, foi a grande conquista do século XX, conseguindo que o social e
o econômico se conjugassem em favor de uma maior igualdade e integração social,
neutralizando
os
riscos
sociais
criados
pelos
processos
acelerados
de
industrialização/urbanização (VIANA E LEVCOVITZ, 2005).
A política social, nesse contexto, enquanto ação permanente ou temporária relacionada
ao desenvolvimento, à reprodução e à transformação dos sistemas de proteção social, envolve
o desenvolvimento de estratégias coletivas para reduzir a vulnerabilidade das pessoas aos
riscos sociais. O novo padrão constitucional brasileiro da política social é caracterizado pela
amplitude na cobertura e reafirmação do reconhecimento dos direitos sociais. Assim, afirmase o dever do Estado; a submissão das práticas privadas à regulação em função da importância
pública das ações e serviços nessas áreas; a perspectiva de cogestão entre o governo e
sociedade e um modelo de organização descentralizado (FLEURY E OVERNET, 2008).
A partir dessa lógica, a política de saúde, abrangendo aspectos políticos, sociais,
econômicos, institucionais, culturais, dentre outros, estabelece sua forma de organização das
ações e serviços de saúde, seu aparato institucional e tecnológico, a partir de um Sistema
Único de Saúde – SUS. Este estabelece o direcionamento das ações e serviços de saúde que
possui como princípios doutrinários a universalidade, a equidade e a integralidade, compondo
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uma rede regionalizada, hierarquizada em níveis de complexidade e sob comando único de
cada esfera de governo. Sua implementação efetivou mudanças em diversas dimensões para a
caracterização da proteção social, na articulação entre Estado, mercado e sociedade
(FLEURY E OVERNET, 2008; VIANA E MACHADO, 2008).
Regulamentado pelas Leis 8.080/1990 e 8.142/1990, o SUS é estruturado a partir de
um arcabouço jurídico-institucional responsável pelo atendimento à saúde de grande parte dos
brasileiros, pela implementação de medidas de prevenção e promoção da saúde e pela
regulação do sistema privado de saúde. Caracteriza-se como um avanço, pois traz a gradativa
descentralização dos serviços para os estados e municípios; a progressiva unificação das ações
de saúde em uma única instituição – o Ministério da Saúde; a institucionalização da
participação popular e a consolidação de um arcabouço jurídico inovador e progressista.
No entanto, o SUS, frente as propostas de sua gênese, mostra lacunas que precisam ser
enfrentadas para consolidá-lo como um sistema público universal. Viana (1998), ao analisar a
seguridade social, refere que houve uma “americanização” da proteção social, que
consequentemente implicou na deterioração do sistema público e no crescimento da indústria
da seguridade. Como resultado dessa organização tem-se um sistema público voltado para os
mais pobres e o acesso mercantil à seguridade para as camadas médias e assalariados formais.
Assim, o conceito de saúde, implícito no discurso dos sujeitos políticos envolvidos com o
setor, é de um bem privado, o que explica o provimento pelo mercado, restando ao setor
público cuidar dos que não têm recursos financeiros para um fornecimento via contratos e
planos de saúde.
Mendes (2001) ressalta que o SUS constitui-se num sistema público e a iniciativa
privada participa dele através de prestadores privados de serviços. Como previsto em
legislação, os serviços podem ser oferecidos pela iniciativa privada quando as
disponibilidades públicas forem insuficientes para garantir a cobertura assistencial à
população. No entanto, o autor afirma que o Brasil possui um sistema de serviços de saúde
organizado de forma segmentada, mesclado por três sistemas: o SUS, com a proposta do
público e universal; o Sistema de Atenção Médica Supletiva, o qual atende uma parcela da
população por meio dos planos de saúde, a partir de contrato individual ou coletivo; e o
Sistema de Desembolso Direto, a partir do pagamento integral dos serviços prestados. Ou
seja, há uma fragmentação que revela a inexistência de um sistema único, e a existência de
um sistema plural e segmentado.
17
Diante de limitações existentes, pode-se afirmar que o modelo assistencial da saúde
atual é composto por um sistema de saúde atravessado por diversas lógicas de funcionamento,
por redes construídas a partir de protagonismos, interesses e sentidos que não podem ser
subsumidos a uma única racionalidade institucional ordenadora. Trata-se de uma organização
assimétrica e incompleta de serviços que operam diferentes tecnologias de saúde e que são
acessados de forma desigual pelos que deles necessitam (CECÍLIO E MERHY, 2003).
Por isso, é necessário pensar o sistema de saúde não como pirâmide cuja organização
dos serviços limita-se a uma forma hierarquizada, mas sim como rede com diversas entradas e
múltiplos fluxos que condizem com a gama de representações e necessidades de saúde de uma
população que necessita e usufrui desse sistema. Para tanto, a integralidade da atenção deve
ser trabalhada na sua forma mais completa. Não pode ser abordada sob uma única
perspectiva, mas deve ser trabalhada em conjunto com a concepção ampliada de saúde, sob a
perspectiva dos determinantes sociais da saúde (CECÍLIO, 2006; ASSUMPÇÃO, 2007).
A partir da concepção ampliada de saúde, adotou-se a direcionamento da determinação
social do processo saúde-doença. Trata-se de determinantes sociais como condições sociais
em que as pessoas vivem, apontando tanto para características específicas do contexto social
que afetam a saúde, quanto para o modo que as condições sociais refletem o impacto sobre a
saúde. Os determinantes sociais se traduzem em necessidades de saúde. Estas que, a partir da
perspectiva da saúde coletiva, devem ser articuladas as necessidades sociais que são
heterogêneas e tem origem na reprodução da vida em sociedade (SOLLAR E IRWIN, 2005;
CECÍLIO, 2006, MORAES, et. al. 2011).
Cecílio (2006) ao discutir necessidades de saúde articula um diálogo com outros
3
autores e busca imprimir, a partir de um conjunto, uma conceituação do tema apropriada ao
cotidiano dos serviços em um contexto atual. Os aspectos apontam que as necessidades de
saúde são social e historicamente determinadas, dizem respeito a ter boas condições de vida,
enfatizando os fatores externos que determinam o processo saúde-doença. Enfatiza-se a
necessidade de se ter acesso a toda a tecnologia de saúde, partindo-se de conceitos de
tecnologias leve, leve-dura e dura, com a ideia de que o valor de uso de cada tecnologia de
saúde é definida a partir da necessidade do sujeito, não definida apenas pelos profissionais,
mas também com as pessoas e suas necessidades reais. Outro aspecto componente desse
conjunto diz respeito ao reconhecimento do que o vínculo entre o usuário e a equipe de saúde
3 Stotz (1991); Campos (1992) Merhy (1997) Cecílio (1999); Matsumoto (1999).
18
significa, no estabelecimento de uma relação contínua no tempo, pessoal e intranferível
resultando no encontro das subjetividades. E como último aspecto, a informação e a educação
em saúde devem ser apenas parte do processo de construção da autonomia do sujeito e esta
autonomia implicaria a possibilidade de reconstrução dos sentidos de sua vida, incluíndo a
luta pela satisfação de suas necessidades da forma mais ampla.
Corroborando, Nogueira e Mioto (2006) referem que o conceito de necessidades de
saúde ultrapassa o nível de acesso a serviços e tratamentos médicos, envolve transformações
societárias e, mais que isso, envolve aspectos éticos relacionados ao direito à vida e à saúde. É
produto de relações sociais e estas com o meio físico, social e cultural. Atender as
necessidades de saúde requer a interlocução de fatores como a educação para a saúde
associada à integralidade. Esse fatores merecem destaque por
(...) permitir a articulação das equipes profissionais e dos serviços, dentro de
uma rede complexa, favorecendo a consciência do direito à saúde e
instrumentalizando para a intervenção individual e coletiva sobre os
determinantes do processo saúde/doença, ao reconhecer a pessoa como um
todo indivisível que vive em um espaço local, em um Estado Nacional e em
um mundo pretensamente globalizado (NOGUEIRA E MIOTO, 2006, p.13)
Segundo Nogueira e Mioto (2006a), a integralidade tem na interdisciplinaridade e
intersetorialidade
pilares
básicos.
A
interdisciplinaridade
enquanto
processo
de
desenvolvimento de uma postura profissional que propicie um olhar ampliado das
especificidades que se congregam nas diferentes profissões, por meio das equipes
multiprofissionais, buscando a integração de saberes e práticas para criar novas formas de
pensar e agir em saúde. E a intersetorialidade, como uma nova forma de trabalhar, governar e
construir políticas públicas, com vistas a superar a fragmentação de conhecimentos e
estruturas institucionais, a partir da integração entre sujeitos de diferentes setores socias.
A partir destes referenciais, compreende-se imprecindível a estruturação de serviços e
de conhecimentos e habilidades profissionais que sigam a lógica de reconceituação de
necessidades sociais em saúde, a partir do panorâma atual dos serviços proposta por Cecílio
(2006), supracitado. Desde modo, apreende-se que o cuidado em saúde dever ser planejado a
partir da identificação das necessidades a serem supridas e, para isto, os serviços de saúde
precisam estar preparados para lidar com elas compreendendo os significados sobre sua
natureza de forma a promover a autonomia dos sujeitos. Conhecer as necessidades de saúde
19
requer a apreensão da realidade objetiva, simultaneamente às concepções subjetivas,
identificando diferentes significados atribuídos ao modo de vida, saúde e sofrimento dos
sujeitos, o que pode revelar o potencial transformador das práticas de saúde (MORAES,
2011).
Transformar práticas de saúde não é tarefa fácil, bem como não é simples reestruturar
os serviços de saúde com modos de operar há muitos anos hegemônicos. No entanto,
visualizar as necessidades de saúde dos sujeitos se mostra urgente em um sistema regido pelo
princípio da integralidade. E este princípio compreendido não apenas como uma diretriz do
SUS, mas como um enunciado de certas características do sistema de saúde, de suas
instituições e práticas. Constituida por três conjuntos de sentidos, de acordo com Mattos
(2006), a integralidade refere-se a atributos das práticas profissionais de saúde; refere-se a
atributos da organização dos serviços e por terceiro, aplica-se às respostas governamentais aos
problemas de saúde. “Subjacentes a todos os sentidos da integralidade (…) esteja um
princípio de direito: o direito universal ao atendimento das necessidades de saúde” (p.63), e
acrescentamos, a realizar-se no âmbito dos serviços de saúde nos diferentes níveis de atenção,
como, por exemplo, nos serviços de emergência, loci privilegiado para se questionar a lógica
assistencial do SUS que visa ser pautada na integralidade (ESTELLITA-LINS, 2010).
20
4. URGÊNCIAS E EMERGÊNCIAS NO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE
4.1 OS SERVIÇOS DE EMERGÊNCIA: BREVE CARACTERIZAÇÃO
O Serviço de Emergência hospitalar é comumente utilizado pela população como
porta de entrada para o sistema de saúde. Por meio dele busca-se acesso as consultas com
especialistas e atendimento rápido e resolutivo. Porém, a situação de saúde brasileira vem
mudando ao longo dos anos, sendo marcada por um panorama de transição demográfica
acelerada, com uma agenda não superada de doenças infecciosas, bem como a presença forte
de condições de saúde crônica. E nesse contexto, o sistema de atenção à saúde tem sido
repensado considerando que a atual situação de saúde não tem como ser respondida por um
sistema fragmentado, voltado, prioritariamente, para o enfrentamento das condições agudas e
agudizações das condições crônicas, como historicamente funcionou (MENDES, 2011)
Desta forma, a proposta para os serviços de saúde, no âmbito do SUS, é uma
organização de serviços em rede. Segundo Mendes (2011), a lógica de redes visa restabelecer
a coerência entre a situação de saúde e o SUS, como um nova forma de organizar o sistema de
atenção à saúde em sistemas integrados que respondam de forma eficiente, efetiva, com
qualidade e equidade às condições de saúde da população.
Divide-se os serviços em níveis de atenção à saúde, estruturados por arranjos
produtivos conformados segundo densidades tecnológicas singulares, sendo a atenção
primária de menor densidade, a atenção secundária com densidade tecnológica intermediária e
a de maior densidade a atenção terciária. Souza (2001) inclui ainda o nível quaternário, como
serviços especializados4. Nessa nova organização, a atenção básica é estruturante para os
demais serviços de saúde, sendo a principal porta de entrada do sistema e centro de
comunicação da rede de atenção à saúde (O'DWYER et al., 2009; MENDES, 2011, BRASIL,
4 O nível de atenção primária é representado por unidades que realizam promoção em saúde e
prevenção de doenças e agravos; o nível secundário compõe atendimentos especializados e
procedimentos de média complexidade; nível terciário compreende procedimentos de alta
complexidade e internações hospitalares – nessa âmbito incluem-se hospitais de emergência, gerais
e especializados; e nível quaternário formado por serviços especializados de alta complexidade
(SOUZA, 2001).
21
2011b).
A partir desta organização, o atendimento às urgências é previsto em todos os níveis
do SUS e pautado a partir dos princípios do sistema. Para compreendê-lo melhor,
apresentaremos de forma breve a organização atual da rede de atenção às urgências. Dividida
em componentes, a rede visa articular e integrar os demais equipamentos de saúde, com
atendimento a partir dos componentes: pré-hospitalar fixo; pré-hospitalar móvel; hospitalar e
pós-hospitalar.
O Componente pré-hospitalar fixo realiza atendimento num primeiro nível de atenção
aos pacientes portadores de quadros agudos de natureza clínica, traumática ou psiquiátrica que
possa levar a sofrimento, seqüelas ou até a morte. Fazem parte do componente pré-hospitalar
fixo as Unidades Básicas de Saúde (UBS), Unidades do Programa Saúde da Família (PSF),
Programa de Agentes Comunitários da Saúde (PACS), ambulatórios especializados, serviços
de diagnóstico e terapia, Unidades de Pronto Atendimento (UPA) e Salas de Estabilização
(SE) (BRASIL, 2006a). As UBSs devem realizar atendimento, em ambiente adequado, até a
transferência ou encaminhamento do paciente a outros serviços de atenção à saúde. As UPAs,
cuja complexidade está em nível intermediário, tem por objetivo prestar o primeiro
atendimento, estabilizando os pacientes e realizando a investigação diagnóstica inicial,
definindo se há necessidade de encaminhamento aos serviços de maior complexidade.
O componente pré-hospitalar móvel visa o atendimento precoce à vítima após ter
ocorrido um agravo à saúde. É composto pelo Serviço de Atendimento Móvel de Urgência –
SAMU e os serviços associados de salvamento e resgate. O atendimento do SAMU é
vinculado a uma Central de Regulação Médica, a qual se tem acesso através do número 192.
Nesta central técnicos recebem o chamado e o encaminham para o médico regulador, que
recebe a queixa e já inicia o atendimento via telefone, fornecendo orientações de primeiros
socorros, e definindo que veículo de resgate encaminhar ao local, dentre as ambulâncias:
Suporte Básico de Vida e Suporte Avançado de Vida; Aeronave de Transporte Médico;
Embarcação de Transporte Médico; Veículos de Intervenção Rápida ou Motolância. O
atendimento no local é monitorado via rádio pelo médico regulador que orienta a equipe de
intervenção quanto aos procedimentos a serem tomados em cada caso, assim como faz o
contato com a unidade para a qual o paciente será encaminhado (BRASIL, 2002).
O componente hospitalar é estruturado pelas Unidades Hospitalares de Atendimento
em Urgência e Emergência, classificadas em: Unidades Hospitalares Gerais de Atendimento
22
às Urgências e Emergências de Tipo I e Tipo II e Unidades Hospitalares de Referência em
Atendimento às Urgências e Emergências de Tipo I, II e III. Nessa lógica, os hospitais
apresentam-se como instituições de grande complexidade e possuem como um de seus
principais objetivos dentro da rede de atenção às urgências, além de atender a demanda
espontânea e referenciada, é funcionar como retaguarda para os outros serviços de atenção às
urgências de menor complexidade (BRASIL, 2011).
O componente pós-hospitalar trata-se das modalidades de Atenção Domiciliar,
Hospitais-Dia e Projetos de Reabilitação Integral com componente de reabilitação de base
comunitária. A universalidade, equidade e integralidade na atenção as urgências e
emergências são estabelecidas como princípios nas políticas que regem tais serviços em todos
os níveis de complexidade (BRASIL, 2011; BRASIL, 2011a).
Dentro desta rede de atenção às urgências, os serviços de emergência hospitalares
continuam sendo serviços complexos e sobrecarregados de demandas por parte dos usuários e
trabalhadores da saúde. São porta de entrada dos usuários para uma gama de serviços de
saúde e possuem o princípio de acessibilidade a todos que deste serviço solicitem. São muitas
as dificuldades enfrentadas pelos serviços de emergência, visto que são nestes espaços que se
evidencia o descompasso do nível de proteção social e a ausência ou baixa efetividade dos
serviços de atenção primária e secundária (DESLANDES, 2002).
Não se pode desconsiderar os avanços nos serviços de emergência, bem como na
atenção efetivada a partir da organização dos serviços em rede, contudo ainda existe
descompasso nas definições de demandas e necessidades a serem atendidas nesses serviços
dada a imprecisão do que pode-se considerar uma urgência e emergência. Os documentos e
bases legais, como leis, diretrizes e estudos descritivos e analíticos, revelam uma imprecisão
de conceitos e termos utilizados nesta área, como o próprio significado dos termos "urgência"
e "emergência". Os aspectos de imprecisão e indefinições legitimam o caráter complexo dos
serviços e contribuem para reforçar o seu atual panorama, que publicamente desvela-se no
caus de serviços superlotados, desorganizados e dotados de poucos investimentos, sendo
abandonados pelo poder público.
Os documentos organizados e publicados pelo Ministério da Saúde, ao longo dos
últimos 10 anos, vêm com o intuito de estabelecer e organizar as diretrizes e componentes da
rede de atendimento às urgências e emergências. Versam sobre diferentes aspectos da
organização dos serviços, dentre eles o financiamento, os recursos humanos mínimos e de
23
suporte, os recursos tecnológicos e materiais, os grupos de trabalho e a organização de redes
loco-regionais.
Por exemplo, a Política Nacional de atenção às Urgências (2006), é composta por
portarias e anexos e dentre estes, encontra-se o documento referente aos Sistemas Estaduais
de Referência Hospitalar para Atendimento de Urgência e Emergência (2001) e o
Regulamento Técnico dos Sistemas Estaduais de Urgências (2002).
A imprecisão conceitual pode ser observada quando a politica enfatiza os prontossocorros como porta de entrada para “(...) pacientes de urgência propriamente dita, pacientes
com quadros percebidos como urgências, pacientes desgarrados da atenção primária e
especializada e as urgências sociais” (BRASIL, 2006, p.55), contudo as diferentes
classificações de urgências não são especificadas. E é previsto ainda a adoção “(...) de um
conceito ampliado de urgência, acolhendo a necessidade expressa por cada cidadão, definindo
para cada um a melhor resposta, não se limitando apenas a conceitos médicos
preestabelecidos ou protocolos disponíveis” (BRASIL, 2006, p. 249)”.
Tratam também do atendimento e dos serviços de emergência o Manual de Regulações
Médicas (2006a) e o documento referente a Atenção Primária e Promoção da Saúde (2007).
Também com o intuito de auxiliar na organização dos serviços de emergência, em 2009, o
Serviço de Acolhimento com Avaliação e Classificação de Risco é previsto pela Política
Nacional de Humanização (PNH), buscando garantir o atendimento imediato do usuário com
grau de risco elevado.
A partir da existência de diversas definições, a temática revela contradições entre
referenciais e conceitos já oficialmente determinados e a utilização dos termos urgência e
emergência como sinônimos. Há definições, como a do Conselho Federal de Medicina
(CFM), que dividem os conceitos a partir de referenciais como “risco potencial de vida” - que
ainda poderá ocorrer - e “risco real de vida” - já verificado -; ou “urgências verdadeiras”;
“urgências graves” consideradas as emergências e “urgências menos graves” consideradas as
urgências.
São documentos que exigem um esforço minucioso de análise quanto à definição do
conceito de urgência e emergência e de como trabalhar com tal definição. Há uma ênfase nas
violências e acidentes como principais causas de mortalidade da população, contudo não são
explicitados conceitos de urgência e emergência, propriamente ditos. Há exceções
relacionadas ao Manual de Regulação Médica das Urgências (2006a), e ao documento que
24
trata da Atenção Primária e Promoção da Saúde (2007), pois ambos são embasados a partir do
conceito de urgência e emergência do CFM, o qual define urgência como a ocorrência
imprevista de agravo á saúde com ou sem risco potencial de vida, cujo portador necessita de
assistência médica imediata; e emergência como constatação médica de condições de agravo à
saúde que impliquem em risco iminente de vida ou sofrimento intenso, exigindo, portanto,
tratamento médico imediato.
Além disso, são elencados, pelos documentos já citados, ações e estratégias
objetivando, principalmente, a prevenção de agravos e da morbimortalidade. Dentre as ações
previstas, há orientações quanto a necessidade de intervenção das diferentes redes de suporte
profissional em situações caracterizadas de urgência e emergência, não prevendo apenas
intervenções biomédicas.
Tais documentos que embasam esses serviços classificam os conceitos de urgência e
emergência a partir de distintos referenciais, como por exemplo, níveis de prioridade,
incidentes, tempo necessário para atendimento, recursos tecnológicos e materiais, etc. Como
consequência, situações apresentadas pelos usuários nos serviços de emergência, muitas
vezes, são interpretados de acordo com a visão e entendimento do que cada profissional
compreende por urgência e emergência, o que influencia no acesso a esses serviços.
Giglio-Jacquemot (2005), em pesquisa5 realizada sobre os diferentes conceitos de
urgência e emergência ressalta a discrepância de entendimentos em relação a visão de
profissionais e usuários dos serviços. Em certos momentos, refere observar que as vítimas de
acidentes são consideradas emergências por excelência. Grande parte dos médicos observados
na pesquisa considera apenas a parte anatomofisiológica que aponta para um problema de
saúde, e que muitas vezes não se configura como uma emergência biomédica. Em
contrapartida os usuários possuem um olhar globalizante que contrasta com a concepção
biomédica. São situações vividas por esses usuários leigos que pesam no seu inseguro viver e
sobreviver.
A pesquisadora destaca autores franceses como Dodier e Camus, 1997 e Joseph de
1998, em relação a ambiguidades dos prontos socorros e relaciona-os com os serviços
brasileiros. Destaca-se duas noções: uma relacionada ao príncipio da acessibilidade garantido
a todo o cidadão que solicitar atendimento e outra noção diz respeito ao princípio de
5 Pesquisa realizada no período apróximado de dois anos, através de um trabalho de campo
etnográfico em serviços da rede pública de Marília, São Paulo.
25
especialidade e seleção, pois os profissionais que interveem nas emergências estão
preparados, ou sendo formados, para atender determinado conjunto de patologias ou situações
de saúde consideradas urgências verdadeiras.
De fato, diante dos fatores apresentados, o serviço de emergência possui uma
característica diferenciada aos demais serviços, por receber um fluxo de pedidos de
atendimento que chegam de forma heterogênea e dizem respeito a problemas de natureza
muito diversas (GIGLIO-JACQUEMOT, 2005). Atualmente os serviços mais complexos de
referência tem sido considerados locais de finalização da atenção em saúde, de respostas
pontuais,
superespecializadas
e
específicas,
limitando
integralidade
a
simples
encaminhamentos, entendendo-a com uma boa contra referência, o que de fato não é o
suficiente.
Enfatiza-se que os serviços de emergência servem como termômetro do
funcionamento do sistema de saúde, sendo assim refletem a pouca eficácia da atenção
primária, a não universalidade do acesso e a não equidade, revelando o sucateamento da saúde
pública e o descaso com a população. No entanto, é importante frizar que apesar de
comumente serem conhecidos por
pouca organização, pouca estrutura que possibilite a
absorção da população que lhe recorre, enfim, por representarem o cenário do caus, sendo a
área mais crítica da saúde pública há que se apontar os avanços nesse âmbito. Por exemplo, a
crescente necessidade de reflexão sobre a integralidade nesse espaço que tem se revelado, de
forma ainda tímida, conforme aponta pesquisa realizada por Cezar (2012). No campo
interventivo, atualmente, há propostas, como no HU/UFSC, de sistematização da rotina
institucional a partir de protocolos e práticas formalizadas. Há uma crescente preocupação em
realizar a sistematização do processo de trabalho. O momento formalizado de troca entre os
profissionais sobre a situação de cada paciente – chamada de Passagem de Plantão, é um
exemplo da organização da rotina do serviço. Nesse momento outras profissões da equipe
multiprofissional também compartilham com diferentes informações e olhares que contribuem
no direcionamento da atenção à saúde prestada por toda a equipe. Há uma lógica de
acessibilidade e prioridades que se busca respeitar, bem como a definição de sequencias de
recepção e atendimento aos usuários.
Mattos (2006) corrobora enfatizando os avanços do sistema de saúde ao longo dos
anos. O processo político em saúde atualmente envolve um conjunto de atores muito mais
amplo que antes. Se tem buscado implementar propostas que visem diretamente modificar o
26
modo de organização dos serviço e das práticas assistenciais. E no âmbito dos serviços de
emergência não deve ser diferente, a perspectiva da integralidade não deve limitar-se apenas a
assistência das situações emergenciais. Faz-se necessário pensá-la enquanto assistência
potencialmente integradora, possibilitando armazenar e veicular informação, prevenir danos e
construir sólida junção na rede de cuidados em saúde, destacando seu potencial de
intervenção mais resolutiva em situações de alta morbidade física, psíquica e social
(CECÍLIO, 2006; ESTELLITA-LINS, 2010).
O atendimento integral, considerando a amplitude da Política de Saúde, baseia-se tanto
na abordagem do indivíduo em sua totalidade, este como parte de um contexto social,
econômico, histórico e político, quanto na organização de práticas de saúde que integrem
ações de promoção, prevenção, cura e reabilitação. Além de garantir acesso aos diferentes
níveis de complexidade da atenção em saúde, oferece respostas ao conjunto de necessidades
de saúde de uma população e não unicamente a um recorte de problemas (PINHEIRO E
MATTOS, 2006).
Segundo Cecílio (2004), a integralidade pode ser compreendida em duas dimensões:
focalizada e ampliada. A integralidade focalizada trata-se daquela exercida nos diversos
serviços de saúde, como resultado dos esforços de diferentes equipes multiprofissionais na
perspectiva da interdisciplinaridade. A integralidade, nesses espaços, é pautada pelo
compromisso ético-político, além da competência técnica dos profissionais na relação com o
usuário. A integralidade ampliada resulta da articulação de cada serviço com a rede complexa
composta por todos os outros serviços e instituições. Não consiste em um atributo específico
de uma determinada profissão e nem de um serviço, mas implica na articulação das distintas
práticas profissionais interdisciplinares no campo da promoção da saúde, através de diferentes
serviços e instituições.
A Emergência então revela-se como um cenário ímpar para reflexão,
especialmente em função da imprecisão de conceitos que fundamentam a gestão dos
serviços. As relações em um serviço de emergência demonstram discrepância entre o
entendimento médico de uma situação de saúde apresentada versus o entendimento de
outros profissionais da área, bem como de usuários leigos dependentes desses serviços.
As diferentes concepções estabelecem lacunas ou são pouco precisas na definição de
ações diante do acesso e usufruto de serviços, bem como a possibilidade do
estabelecimento de estratégias mais amplas e coletivas para lidar com a garantia do
27
direito à saúde.
A apreciação que leva a considerar um estado de saúde como sendo uma urgência ou
emergência é resultado de uma combinação plurifatorial complexa, na qual não entram apenas
elementos do conhecimento médico técnico. Os significados históricos conferidos aos termos
urgência e emergência podem não condizer às necessidades atuais dos serviços de saúde. A
percepção de urgência e emergência trata-se de uma construção contextual e profundamente
coletiva, do qual todos participam. O conhecimento do contexto é fundamental para entender
a urgência do usuário (ROMANI et al. 2009; GIGLIO-JACQUEMOT, 2005).
Atrás da máscara da saúde e da urgência biomédica, demandas ocultas de
proteção e socorro são expressas e dirigidas pela população a um dispositivo
cuja capacidade de resolutividade dos intricados problemas que estão na raiz
de suas urgências é limitada ou nula. Entretanto, os serviços que oferecem
esse dispositivo representam ajuda, atendimento e abrigo preciosos no
momento da manifesta necessidade (GIGLIO-JACQUEMOT, 2005, p.134).
A partir de tais referenciais e da atuação como assistente social na unidade de
Emergência adulto do HU-UFSC, ressalta-se a relevância de um estudo acerca das diferentes
necessidades que os usuários apresentam aos serviços, que extrapolam as de natureza
clínica/fisiológica. Assim, tratou-se de problematizar o cotidiano do serviço e o perfil da
demanda que se apresenta neste. Parte-se do reconhecimento que a natureza das demandas são
determinadas por múltiplos fatores e que, não poucas vezes, são demandas de cunho social ou
psicológico. A doença é socialmente produzida e depende das condições gerais de vida. Deste
modo, não há como desconsiderar as condições de existência cotidiana dos sujeitos que
procuram os serviços com necessidades de saúde (SILVA,1990).
Deste modo, vislumbrando qualificar as respostas dos serviços de emergência aos
usuários este estudo buscou levantar as necessidades que constituem as situações de urgência
e emergência que são apresentadas no Serviço de Emergência, visto que o quadro de urgência
e emergência não se reduz a demandas de caráter biomédico, apresentado pelo usuário no
momento de procura pelo serviço. Observou-se a necessidade de ampliar a referida discussão
pois trata-se de um tema pouco discutido e com poucas referências de trabalho, além da
crescente atuação de equipes multiprofissionais nos serviços, especificamente em serviços de
emergência. Além disso, a reflexão proposta neste estudo recai sobre processos que orientam
práticas e relações nos serviços de saúde, bem como busca contribuir para desnaturalizar
28
direcionamentos ainda hegemônicos no âmbito desses serviços.
Trata-se de um tema necessário principalmente no contexto das profissões de natureza
interventiva que exercem funções voltadas a implementação de políticas sociais. Para os
assistentes sociais essa discussão ganha destaque à medida que suas ações incidem na
articulação e construção da proteção social, e nessa lógica, na garantia dos princípios do SUS.
A ampliação e garantia da proteção social como direito depende, em grande medida, do
movimento de desvelar as relações sociais implícitas nesse processo, que muitas vezes revela
pouca eficácia nas políticas sociais.
As necessidades em saúde, o direito à saúde e a produção da saúde constituem-se
pilares das premissas para ação do assistente social nesse âmbito. Tais pilares consolidam as
ações profissionais em torno da atenção à saúde no quis diz respeito aos princípios da
integralidade, universalidade e participação social, por exemplo. Contribuem para
instrumentalizar os profissionais nos diferentes espaços no âmbito da saúde, em que o
impacto da doença e seu contexto toma dimensões objetivas e subjetivas, exigindo a
construção interdisciplinar coletiva para superação. Nessa lógica, "a ação profissional exige a
apropriação crítica dos aspectos sociais que determinam o processo saúde-doença na trilogia
prevenção, promoção e cura no contexto das manifestações individuais, familiares, de grupos,
de segmentos populacionais e até mesmo populações como um todo" (MIOTO E
NOGUEIRA, 2009, p. 227).
Cada vez mais os assistentes sociais estão compondo as equipes multiprofissionais nos
serviços de saúde e se tornando imprescindíveis para seu funcionamento. Os assistente socias
tem feito parte da equipe mínima em unidades hospitalares gerais de atendimento às urgências
e emergências6, tipo II, conforme Política Nacional de Atenção às Urgências (2006) e em
serviços de alta complexidade, por exemplo, a partir de portarias ministeriais regulamentadas,
como a equipe de transplantes e cirurgia bariátrica. E ainda compondo às equipe de
residências em saúde da família e residências multiprofissionais em âmbito hospitalar, como é
o caso do Programa de Residência Integrada Multiprossional do HU/UFSC, que atualmente
tem cinco residentes de Serviço Social e tem se consolidado como importante processo de
formação tanto para o residente em sua área específica de intervenção, quanto no trabalho em
equipe multiprofissional, em aspectos comuns para efetivar o trabalho em equipe com vistas a
construção da integralidade.
6 Unidades instaladas em hospitais gerais de médio porte.
29
Este panorama vai ao encontro do que Costa (1998) vem afirmando, que mais
instâncias de gerenciamento dos serviços de saúde, nos diferentes níveis de complexidade,
apontam para a necessidade da ação profissional do assistente social na composição das
equipes de saúde. Nesse sentido, Netto (1992 apud Costa, 1998) afirma que
(...) um mercado não se estrutura para o agente profissional mediante as
transformações ocorrentes no interior do seu referencial ou no marco de sua
prática; antes, estas transformações expressam exatamente a estruturação do
mercado de trabalho", posto que uma profissão não "se constitui para criar
um dado espaço na rede sócio-ocupacional, mas é a existência deste espaço
que leva à constituição profissional (p. 3).
Deste modo, quanto se fala em saúde o assistente social tem se destacado como
profissional do SUS, principalmente no que tange a necessidade de efetivação dos princípios
do sistema. Em destaque quando se tem a compreensão que as demandas e necessidades em
saúde não se reduzem a aspectos biomédicos, mas que expressam necessidades para além do
corpo clínico e desvelam relações sociais mais amplas que não podem ser observadas a olho
nu. Assim, o assistente social deve ter como norte em seu trabalho o projeto ético político
articulado ao projeto da reforma sanitária e que nesse movimento não se deve reduzir ao
individual limitado a cada sujeito, mas deve ser transformadas em demandas de cunho
coletivo com respostas a uma população usuária de um sistema universal.
30
5. METODOLOGIA
Para a realização do estudo e visando contemplar os objetivos propostos foi utilizada
como metodologia a pesquisa qualitativa. Optou-se por essa metodologia pois a pesquisa
buscou respostas a questões particulares abrangendo um nível de realidade que não pode ser
quantificado. Aprofunda-se, a partir dessa abordagem, significados, que de fato não podem ser
visíveis de imediato, mas precisam ser expostos e interpretados, visando compreender como
se constituem os significados atribuídos a determinado fato (MINAYO, 2008).
Segundo Mercado-Martínez e Bosi (2007), a especificidade do setor saúde é dada
pelas inflexões socioeconômicas, políticas e ideológicas relacionadas aos saberes teórico e
prático sobre saúde e doença, sobre a institucionalização, a organização, administração e
avaliação dos serviços e os usuários dos sistemas de saúde. Contudo, o reconhecimento da
especificidade desse campo não extrai sua cumplicidade com a problemática social mais
ampla, tanto no campo da realidade empírica, quanto no âmbito conceitual. Os serviços de
saúde, tradicionalmente, vinculam-se ao modelo da biomedicina. Sua origem, suas premissas
e dinâmica o levam a priorizar a perspectiva de determinados atores sobre a de outros, ou seja,
do médico sobre a do não-médico, dos profissionais sobre a dos leigos, dos especialistas sobre
os generalistas. Frente a tais aspectos a pesquisa qualitativa visa diluir a visão dominante que
confere superioridade à visão tecno-científica, sobre as demais, considerando-as essenciais
para a construção de um todo (MINAYO, 1992).
Nesta lógica, elaborado no espaço do serviço de emergência de uma instituição
hospitalar de grande porte, o Hospital Universitário Polydoro Ernani de São Thiago
(HU/UFSC), este estudo teve caráter exploratório e descritivo. Exploratório por objetivar
esclarecer e modificar ideias, proporcionando visão geral acerca de determinado assunto,
neste caso ao identificar e analisar as demandas/necessidades que constituem o quadro de
saúde apresentado pelos usuários do Serviço de Emergência. E descritivo, pois em
consonância com os objetivos propostos visa descrever as características de determinada
população e da relação entre variáveis (GIL, 1994).
A pesquisa empírica foi realizada no serviço de emergência pois trata-se de um serviço
31
pouco discutido no âmbito de suas relações e assim pouco desvelado, enfatizando que a
atenção às urgências tem ocorrido, predominantemente, nos serviços hospitalares e nas
unidades de pronto atendimento, e com isso constituem-se a principal referência da população
para acessar os serviços de saúde (GARLET et al., 2009). Os serviços de emergência
destacam-se também por constituirem loci privilegiado de articulação e organização das ações
de saúde, possibilitando a visualização das relações entre os diversos sujeitos, bem como
revelam, a partir de suas demandas constituídas por necessidades não somente
fisiopatológicas, as deficiências do sistema como um todo.
Neste campo elencou-se para a pesquisa empírica a entrevista semiestruturada. Tratase de uma forma de interação social, através de um diálogo assimétrico com o objetivo de
obtenção de dados que interessam à investigação. Visa construir informações pertinentes para
um objeto de pesquisa. Através da entrevista pode-se obter dados de duas naturezas: aqueles
que poderiam ser conseguidos por outra fontes, como censos, estatísticas, etc; e informações
construídas no diálogo com o sujeito entrevistado e tratam da reflexão do próprio sujeito
sobre a realidade que vive. (MINAYO, 2008; GIL, 1994).
Os sujeitos elencados para a pesquisa foram os usuários que procuraram o Serviço de
Emergência Adulto do HU/UFSC e que após atendimento no Serviço de Acolhimento com
Avaliação e Classificação de Risco foram classificados como "verde". Foram definidos tais
sujeitos por considerar que estes teriam condições de participar da pesquisa, conforme as
normas de ética. E também por compreendermos a importância da trajetória traçada por estes
sujeitos a partir de suas escolhas pautadas na compreensão do que é urgência e da finalidade
de serviços dessa natureza e/ou por delimitação dos próprios serviços que influenciaram essa
trajetória até chegarem ao serviço de emergência.
A definição da amostragem da pesquisa, embora não seja uma questão fundamental no
arcabouço das metodologias qualitativas, é uma preocupação presente para o pesquisador. O
critério de representatividade da amostragem na pesquisa qualitativa difere da pesquisa
quantitativa por não ser numérico. No entanto, a quantidade de sujeitos de pesquisa deve
permitir que haja a reincidência de informações ou saturação dos dados, situação ocorrida
quando nenhuma informação nova é acrescentada com a continuidade do processo de
pesquisa. Com estes referenciais, esta pesquisa utilizou a amostragem por saturação, cuja
ferramenta conceitual é de precisa aplicabilidade prática. O ponto de saturação da amostra
depende, de forma indireta, do referencial teórico utilizado pelo pesquisador e do recorte do
32
objeto e, de forma direta, depende dos objetivos definidos para a pesquisa, do nível de
profundidade a ser explorado e da homogeneidade da população (MINAYO, 2008;
FONTANELLA et al., 2008).
A partir de tais referenciais, esta pesquisa leva em consideração a organização e
dinâmica do Serviço de Emergência e compreende que existem dificuldades em chegar a
saturação de dados visto que cada sujeito apresenta uma demanda ou necessidade particular.
O recorte do objeto em consonância com os objetivos da pesquisa se mostrarão suficientes no
período pré-determinado, pois sustenta-se a hipótese que neste período será possível
visualizar múltiplas demandas apresentadas e seu perfil, bem como suprir os aspectos
elencados nos objetivos específicos.
5.1 O PANORAMA DO CAMPO DE PESQUISA
O Serviço de Emergência do HU/UFSC atende principalmente casos clínicos e em
menor proporção casos cirúrgicos, por não ser referência aos serviços de traumato-ortopedia e
neurocirurgia. Por esta razão, observando a necessidade da população identificada, esta
pesquisa se limitou aos pacientes de clínica médica. O Serviço de Emergência está organizado
para atendimento da seguinte forma: uma recepção onde se realizada o preenchimento da
ficha para atendimento aos pacientes que procuram o serviço como demanda espontânea ou
trazidos pela rede informal de proteção social; encaminhados por outros serviços como os
Centros de Saúde e a UPA; pacientes com retorno agendado ou para a realização de
medicação, que não possui outro local de aplicação. Neste setor, através das fichas de clínica
médica, o paciente passa pelo Serviço de Acolhimento com Avaliação e Classificação Risco.
Outro local de recepção aos paciente é a entrada de ambulâncias, que recebe pacientes através
de serviços móveis de urgência, tais como SAMU e Corpo de Bombeiros.
O serviço de emergência é divido em duas áreas de assistência: Serviço de Emergência
Interno (SEI) e Repouso. No SEI, em média 25 pacientes permanecem internados ou em
observação em macas nos corredores, ou em poltronas na sala de medicação. Essa área possui
ainda uma sala cirúrgica para pequenos procedimentos e uma sala de reanimação para
atendimento a pacientes graves. No Repouso estão dispostos 13 leitos para pacientes
33
internados, sendo 1 de isolamento, onde os pacientes aguardam liberação de vagas nas
unidades de internação ou a própria alta.
O Serviço de Acolhimento com Avaliação e Classificação de Risco funciona
diariamente, compreendendo os horários das 7 horas às 22 horas, por meio do qual é realizada
a triagem de todos os pacientes que solicitam atendimento a partir da emissão de uma ficha
para atendimento da clínica médica. O acolhimento com avaliação e classificação de risco é
realizado pela equipe de enfermagem, distribuída por escala de serviço. A avaliação e
classificação de risco é realizada com base em protocolo adotado pela instituição de saúde. No
HU/UFSC utiliza-se como referencial o protocolo de Manchester7 que foi adaptado as
necessidades desse serviço. Este protocolo permite classificar, através de
fluxogramas
explicativos, a gravidade da situação de cada usuário que recorre ao Serviço de Emergência,
indicar prioridade clínica e o tempo de espera recomendado até a observação médica. A partir
da avaliação no Serviço de Acolhimento com Avaliação e Classificação de Risco, o paciente é
encaminhado para diferentes áreas de acordo com o potencial de risco, agravos de saúde ou
grau de sofrimento.
Trata-se de um serviço recente no HU, recebido com resistência pela equipe médica
devido a definição de tempo de atendimento para cada paciente, pois paciente triados como
"amarelo", por exemplo, devem esperar por atendimento médico no máximo por 1 hora e
paciente classificados como "laranja" devem aguardar apenas 10 minutos.
No decorrer da realização da pesquisa foi possível observar que o acolhimento não
acontece ininterruptamente. Geralmente é interrompido o atendimento para que o enfermeiro
possa auxiliar a equipe com os pacientes já internados ou em observação, devido ao grande
número de pacientes sendo atendidos na unidade de emergência. Deste modo, foi encontrado
dificuldades em realizar a pesquisa devido a dinâmica do serviço e ao grande número de
paciente internados que demandavam o auxílio de mais um profissional. Em muitos
momentos não havia fichas para triagem. Almejava-se o período de 1 mês para a realização da
pesquisa, contudo a dinâmica e o contexto que perpassa o Serviço de Emergência fez ampliar
esse prazo para 1 mês e 10 dias.
Manchester Triage System – Protocolo de Manchester é de origem inglesa. Em 1994 foi
formado o Grupo de Triagem de Manchester, composto por médicos e enfermeiros do Serviço de
Urgência com o objetivo da criação de normas de triagem, com nomenclaturas e definições comuns,
além do desenvolvimento de uma metodologia de triagem. Este protocolo está entre os mais utilizados
e reconhecidos no mundo, juntamente com o Emergency Severity Índex (ESI), Australasian Triage
Scale (ATS) e Canadian Triage Acuity Scale (CTAS) (SOUZA, 2009).
7
34
Durante a pesquisa vivenciou-se um período de paralizações e greves dos hospitais
estaduais em Santa Catarina e consequente superlotação do Serviço de Emergência do HU.
Este fator evidenciou a insuficiência de recursos humanos no serviço, principalmente de
médicos clínicos. Nestes períodos o próprio serviço de acolhimento não funcionou
normalmente, pois não havia médicos para realizar atendimento a fichas novas e devido a
grande quantidade de pacientes internados e em observação, que demandavam intervenção
médica e da enfermagem.
Nesse cenário, foi realizada a pesquisa empírica por meio da entrevista, buscando
considerar a gravidade da situação de saúde apresentada e as condições do paciente em
participar da pesquisa de acordo com as orientações dos órgãos que regulamentam a pesquisa
com seres humanos. O momento de entrevista foi organizado conforme disponibilidade do
serviço na permanência da pesquisadora buscando acompanhar a dinamicidade do serviço.
Durante o período, os sujeitos foram elencados no momento do acolhimento, quando o
atendimento foi presenciado pela pesquisadora. Ao ser classificado e liberado pela enfermeira,
para que aguardasse o atendimento médico, o sujeito foi convidado a ir para outro local e
participar da pesquisa.
Em alguns acolhimentos acompanhados foram triados como "amarelo ou laranja", não
elencado como sujeito da pesquisa por necessitar de atendimento médico com urgência. Deste
modo, as entrevistas semi-estruturadas foram realizadas apenas com paciente classificados
como "verde", que aguardariam atendimento médico por até 2 horas.
O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética da UFSC mediante parecer nº97.212
(Anexo) e foi fundamentado no Decreto 196/96 que determina as Diretrizes e Normas
Regulamentadoras da Pesquisa envolvendo Seres Humanos e que as define como: qualquer
pesquisa que, individual ou coletivamente, envolva o ser humano de forma direta e indireta,
em sua totalidade ou partes dele.
O aceite em participar da pesquisa se efetivou com a assinatura do TCLE (Apêndice
I), que, além de uma exigência do CEPSH, visou garantir principalmente a autorização
consciente para o uso das informações obtidas. Os sujeitos do processo foram convidados a
participar espontaneamente, sendo que a sua recusa não implicou em prejuízos pessoais ou em
alguma forma de constrangimento para os mesmos. Todos os paciente convidados aceitaram
participar da pesquisa, totalizando trinta e três usuários entrevistados.
Após coleta de dados realizada por meio do roteiro de entrevista semiestruturada
35
(Apêndice II), foi realizada a análise do material dividindo os elementos de resposta em
categorias e analisando-os de acordo com os objetivos propostos pela pesquisa.
6. RESULTADOS E DISCUSSÃO
A partir da proposta enunciada no decorrer do trabalho, quanto a identificação das
demandas de natureza não-biomédicas, a apresentação dos dados da pesquisa, bem como a
aproximação analítica, a seguir apresentamos uma breve caracterização do perfil dos sujeitos
participantes da pesquisa. Em seguida, elencou-se os aspectos sobre a definição de
urgência/emergência e dos serviços de emergência que determinaram a opção do sujeito pelo
serviço. Após, apresentamos o conjunto de demandas e necessidades que constituíram o
quadro de urgência e emergência para os usuários e, por fim, realizamos reflexões sobre os
aspectos observados nas conclusões preliminares.
Os trinta e três usuários sujeitos da pesquisa foram em grande maioria adultos, entre
20 e 59 anos, correspondendo a vinte e um usuários do total de entrevistados. Em relação à
atividade laborativa, dezenove sujeitos trabalhavam, destes quatro eram autônomos. Do total,
vinte usuários procuraram outro serviço antes de recorrer ao Serviço de Emergência do HU,
destes, nove foram atendidos nos serviços, mas encaminhados para o HU ou orientados a
procurar outros serviços de maior complexidade, após atendimento. Dentre os sujeitos que
procuraram outros serviços, como as unidades de saúde, unidades de pronto atendimento ou
outros hospitais, onza não foram atendidos por falta de profissionais, falta de vagas ou pelo
serviço não estar, momentaneamente, realizando atendimento a demanda espontânea.
Todos os sujeitos, cujo acolhimento foi observado, e entrevistados posteriomente,
apresentaram demandas clínicas como demandas principais. Do total, quatro expressaram
demandas psicológicas e sociais durante a entrevista, mas que não se desvelaram no momento
do acolhimento, pois as queixas apresentadas eram clínicas/biológicas. No entanto, após
acolhimento da enfermagem dois, do total de entrevistados, afirmaram que não aguardariam
atendimento médico, devido a demora prevista para atendimento e/ou por já estar se sentindo
melhor após acolhimento. Ressaltamos que todos os sujeitos foram encaminhados
para
aguardar atendimento médico após avaliação e classificação de risco.
Apesar de não ter sido um objetivo da pesquisa, foi possível observar que não há
distinção dos termos urgência ou emergência para os usuários. Todos chegaram ao serviço
36
buscando atendimento e com a expectativa de sanar seu problema com o uso de todas as
tecnologias possíveis que possam imprimir uma solução imediata ou a certeza do diagnóstico.
Por ser um serviço de emergência, em geral, compreende-se que o atendimento será rápido,
pois o usuário aguarda atendimento e uma situação de emergência não pode esperar. Alguns
usuários afirmaram reconhecer que existiam situações mais urgentes que a deles, e que estas
seriam dignas de atendimento prioritário, mas que isto não diminui o grau de urgência dos
outros usuários que aguardavam.
Observado os aspectos relacionados a procura pelo Serviço de Emergência e suas
demandas, verificou-se que diferentes queixas e motivações determinaram a efetiva procura
do usuário ao serviço, e ainda foi possível visualizar o que os sujeitos compreendem por
urgência e emergência e que distinguem fatores que justificam a opção por serviços dessa
natureza.
6.1 URGÊNCIA E EMERGÊNCIA E OS SERVIÇOS: AS DIFERENTES
COMPREENSÕES DOS USUÁRIOS
As demandas apresentadas pelos usuários demonstram que estes possuem diferentes
conceitos e compreensões sobre urgências/emergências em saúde, bem como dos serviços que
prestam atendimento a demandas desta natureza. Os conceitos pré-estabelecidos, de
urgência/emergência e de serviços, direcionam o trajeto que o usuário percorerá na busca por
atenção à saúde. Desde modo, depreende-se que cada situação apresentada era orientada por
um conceito de urgência/emergência e por um contexto social que determinou a definição da
urgência para usuário, bem como a procura pelo serviço.
O tempo de adoecimento é um dos elementos apresentados que define, para grande
parte dos usuários, a sua situação como uma urgência/emergência. Uma dor de cabeça há 10
dias é considerada uma emergência no momento que se entende que "pode ser uma veia que
estorou" e que poderá ser algo mais grave. Há o receio de protelar tratamento e a cirurgia se
tornar a única opção. E ainda o medo de morrer, que também se mostra perpassando os
conceitos de urgência/emergência.
Esses aspectos também foram observados por Giglio-Jacquemot (2005), que enfatiza o
papel do tempo na construção do que vem a ser considerado uma urgência. E que para os
usuários difere dos profissionais, que geralmente consideram que quanto mais antigo é um
37
problema menos tende a ser considerado urgente. Já para os usuários essa percepção está no
sentido contrário. Quanto mais tempo persistir um problema mais urgente ele vai se tornando
e mais intolerável, quando torna-se urgente seu tratamento.
Outro aspecto observado é que o usuário, muitas vezes, define a situação como urgente
por não compreender exatamente o que está lhe acontecendo, tanto no que refere a alterações
fisicas quanto psicológicas. Não ter a sensação de controle sobre seu corpo, sua mente ou
acontecimentos sociais que interferem diretamente em sua vida, como não conseguir trabalhar
ou estudar por algo diferente que está lhe acontecendo, podem definir a situação como urgente
e que necessita de resolução imediata.
Donabedian (1988) já afirmava que a visão do usuário difere em muitos aspectos da
visão do profissional médico. Em primeiro lugar, porque a visão do usuário não está
inteiramente submetida a visão científica, estando mais relacionada a suas crenças populares e
percepções. Em segundo lugar, o usuário, por mais que aceite a visão científica de imediato,
não conhece perfeitamente as características das doenças, tal como elas se definem
cientificamente. Em terceiro lugar, o usuário tem um visão temporal mais limitada diante do
momento da manifestação de sintomas até as últimas consequencias destes. E por último,
afirma que o usuário está muito mais preocupado pelos impactos físicos que a doença lhe
causa e pelas interferências nas atividades da sua vida, por exemplo não poder trabalhar,
estudar, não conseguir executar tarefas domésticas ou cuidar dos filhos. Aspectos presentes
em algumas entrevistas, nas quais os pacientes referiram medo e insegurança por não
compreender o que lhes acontecia, tornando a sua situação uma urgência e a busca por uma
resposta de tratamento ou de diagóstico, ou a urgência em retomar a capacidade para
desenvolver suas tarefas diárias, que muitas vezes eram determinantes no provimento da
família.
Esses aspectos vão ao encontro do que Giglio-Jacquemot (2005) constatou em sua
pesquisa. Para se compreender o que é urgente para o usuário é necessário se distanciar do
que representa uma urgência médica para os profissionais de saúde e não considerar somente
como ela é definida a priore. Nem sempre os sintomas corporais são os mais decisivos ou
pertinentes do que outros indicadores de natureza diversa que não se restringe ao corpo. "As
concepções e o vivido que os indivíduos têm do que ameaça perigosamente a sua saúde (ou a
de outrem) podem vir a ser bem diferentes dos que decorrem da perspectiva biomédica"
(p.123). A avaliação que leva a considerar um estado ou uma situação de saúde como sendo
38
uma urgência ou emergência resulta de uma combinação plurifatorial complexa que não são
determinadas somente por conhecimento técnico, tanto para o médico quanto para o leigo.
Dentre a conjunção de uma multiplicidade de fatores de natureza variada, tem-se o próprio
valor atribuído a um estado de saúde por parte de quem decide da sua urgência ou
emergência.
Corroborando, Ludwig e Bonilha (2003) referem a necessidade de se considerar que o
usuário busca o serviço de emergência de acordo com a sua prioridade, que muitas vezes não
coincide com as da instituição, uma vez que estão envolvidos neste processo de percepção da
doença e necessidade de buscar auxílio, fatores culturais inerentes à inserção social dos
usuários.
Associado a compreensão do que é urgêrcia/emergência, está a definição do serviço
que deve recorrer. A possibilidade de acesso a ampla tecnologia foi um dos aspectos que
determinou a escolha pela emergência por parte de 12% dos usuários entrevistados. Os
argumentos levantados por estes foram de que o serviço tem mais recursos e tecnologia para
atenção à saúde e por ser um serviço de emergência teria por objetivo atendimento, além das
maiores gravidades, situações de mal estar, por exemplo. Entende-se que por ser um serviço
hospitalar têm maiores possibilidades de dignóstico e este com maior precisão.
Outro aspecto que pode ser observado é o conceito do funcionamento do serviço como
algo cultural, no qual se tem a certeza de assistência. Em geral, sempre se recorreu a um
serviço de emergência quando há uma alteração no funcionamento considerado "normal" do
corpo. Uma usuária refere acreditar que sua situação necessita de atendimento urgente, pois
"(...) quando se passava mal na cidade que morava (em Manaus) eu era atendida rapidamente
e nunca tive que faltar o trabalho para esperar atendimento". Aspecto importante na
manutenção da capacidade para as atividades diárias, pois tinha acesso ao profissional de
saúde e mantinha seu dia a dia, sem alterações significativas de rotina.
Estellita-Lins (2010) ao discutir os serviços de emergência, aponta que em geral os
usuários têm a certeza de encontrar apoio nesses serviços que é um componente tão
importante quanto a situação de incerteza da crise. Trata-se de resolver aquilo que deveria
durar o mínimo possível. Ressalta a tradicional hospitalidade dos serviços de emergência, já
perdida por nós há muito tempo, mas que "permanece insinuada na prática do plantão,
absoluta disponibilidade para o outro em uma casa que jamais pode fechar-se" (p.86).
A compreensão e a opção pelo uso do serviço de emergência perpassa essa lógica: um
39
espaço que está sempre disponível para acolher qualquer situação que se apresente. Em alguns
momentos, os usuários quando questionados se acreditavam que sua situação era de
emergência, referiam que se fosse para refletir de verdade não considerariam de emergência,
mas que o serviço teria condições de avaliar do que se tratava.
A realidade dos comportamentos é resultante da combinação de lógicas múltiplas, e
se os usuários recorrem ao pronto-socorro para problemas ou situações de saúde
que, de fato, acham urgentes, também o procuram para problema que, mesmo para
eles, não apresentam um caráter de urgência. Entretanto, nem por isso deixam de
esperar a satisfação do que vieram buscar, a saber, um atendimento (GIGLIOJACQUEMOT, 2005).
Outro aspecto elencado foi o desconhecimento da rede e do fluxo de atenção à saúde
instituído. Apesar do percentual de 67,74% dos usuários terem procurado outro serviço de
saúde antes de chegar ao Serviço de Emergência do HU, grande parcela do total de usuários
entrevistados não tinham conhecimento que a UBS realiza atendimento a situações de
emergência, ditas de menor gravidade, que necessitam de atendimento médico no mesmo dia.
Ou ainda não conheciam as UPAs, e/ou não entendiam seu funcionamento. Os usuários
referiam procurar os serviços mais próximos de suas residências ou locais de trabalho onde
poderiam ter acesso ao atendimento mais rápido. E em geral, o serviço de emergência
hospitalar se destaca porque todos sabem como funciona um serviço desta natureza, pois
historicamente as emergências foram os serviços de referência para a população.
A proposta de atenção à saúde prestada através de redes, na qual busca organizar o
sistema de atenção à saúde em sistemas integrados que permitam dar respostas com
efetividade, eficiência, segurança, qualidade e equidade, às condições de saúde da população,
é recente no Brasil, apesar de ser quase centenária, tendo sua primeira proposta publicada em
1920, na Inglaterra. Somente em 1963 que a primeira proposta nesse sentido foi apresentada
na III Conferência Nacional de Saúde, em 1963 no Brasil. E ainda está com evolução
crescente, sendo estabelecidos conceitos e princípios, bem como as razões para sua adoção,
somente em 2008, pelo MS (MENDES, 2011).
Também foi possível observar que a opção pelo serviço de emergência é baseada
numa compreensão de prevenção. Busca-se atendimento em um serviço de emergência para
se ter diagnóstico mais fidedigno e rápido e não permitir que se torne algo mais grave ou
irreversível. Esse aspecto tem uma relação direta com as dificuldades de efetivo atendimento
encontradas nas unidades básicas de saúde, por exemplo, que será abordado posteriormente.
40
Com as dificuldades apresentadas pelos outros níveis de atenção e ainda a cultura
enraizada de alta resolutividade dos serviços hospitalares, contribui para se formar um
conceito dos serviços de emergência, como espaços de ampla tecnologia, com garantia de
assistência, desvinculado de uma lógica de rede pelo desconhecimento da mesma e que visam
promoção da saúde. Tais aspectos associados ao conceito estabelecido do que é
urgência/emergência para o usuário determinou o trajeto percorrido por cada usuário na busca
pela atenção à saúde.
6.2 A URGÊNCIA EM SEU CONTEXTO
Em muitas situações a atribuição de gravidade só adquire sentido quando seu contexto
é revelado. O conhecimento do contexto é fundamental para compreender as urgências do
usuário. O sintoma referido pode não precisar de intervenção urgente, mas se considerado o
contexto no qual se manifesta, pode se ter uma urgência desvelada (GIGLIO-JACQUEMOT,
2005). Assim, a necessidade de saúde deve ser recebida no serviço como uma definição
compartilhada – profissional/usuário – do que deve se buscar suprir naquele momento e não
pautar a intervenção apenas na demanda expressa pelo usuário no momento de relato de suas
queixas. Nessa lógica, observou-se o conjunto de demandas e necessidades que constituem o
quadro de urgência e emergência de usuários e seus diferentes aspectos contextuais que
desenharam o trajeto percorrido pelo usuário até os Serviço de Emergência. Para alguns
sujeitos somente um aspecto determinou a decisão na procura pelo serviço, mas para outros
existia uma associação de demandas e necessidades que tornaram a situação uma
urgência/emergência.
Com o intuito de apresentar os aspectos observados realizamos uma sistematização
destes, que foram organizados a partir da existência de outras demandas que não biomédicas
bem como pela centralidade que adquirem condições ou situações de vida dos usuários que
os fazem optar pelo serviço de emergência. As demandas/necessidades visualizadas foram
divididas em categorias denomindas: a) Capacidade para o trabalho e condicionalidades
institucionais; b) Outros sofrimentos; c) Limitação de acesso aos serviços da rede de atenção à
saúde; d) Família e condições de acesso e e) Acesso a especialidades.
41
a) Capacidade para o trabalho e condicionalidades institucionais
Busca-se o serviço devido a sua oferta imediata de diagnóstico, tratamento ou
resolutividade. Em uma situação, considerada de não-emergência, tem como necessidade, não
desvalada no momento do acolhimento realizado, a superação de uma situação do contexto
social que interfere no dia a dia. A situação de um sujeito autônomo e único provedor da
família. Com dores lombares devido a sua própria atividade de trabalho, busca atendimento
imediato pois sua situação de emergência está no fato de não ter conseguido realizar seu
trabalho devido a uma limitação física. Trata-se da única renda familiar, mas nos serviços não
é considerada uma situação de emergência e não se leva em consideração as implicações da
falta de resolutividade imediata dessa necessidade social, relacionada a uma necessidade
física. Bem como um trabalhador autônomo – pintor – que necessita de apoio de seus
familiares para realizar atividades de vida diária que estão impedidas pelas fortes dores,
associadas a preocupação com a renda que não haverá, pois não tem conseguido trabalhar.
Concordamos com Giglio-Jacquemot (2005) quanto refere que "Tudo que é vivido
como colocando em risco a capacidade de trabalhar (trabalho doméstico ou remunerado), tudo
que a altera, a diminui, a imposibilita, constitui-se num perigo grave, num problema urgente a
ser tratado (...)" (p. 131). Não há como desvincular o contexto social e enquadrá-lo como
situação não urgente, quanto se analisa a questão do desemprego, mesmo porque as condições
precárias da população têm a falta de renda como uma das principais causas, o que contribui
para o agravamento do quadro sanitário do país. Assim, quando se tem relatos de quadros de
urgência determinados por esses fatores, por exemplo, a percepção predominante é da saúde
como resultante de diversos fatores sociais, nesse caso, relacionado a garantia de trabalho
(PINHEIRO, 2006).
Outro aspecto que vai ao encontro da discusão referida acima trata-se da procura pelo
serviço de emergência devido a exigências institucionais para justificar um problema que o
impede de realizar suas atividades no trabalho, por exemplo, ou de realizar da mesma maneira
e/ou intensidade que realizava anteriormente. São situações de saúde consideradas nãoemergências tanto para o usuário, quanto para o profissional que o acolhe. No entanto, tornase uma emergência para o usuário no momento que lhe é exigido, pela instituição
empregatícia ou educacional, a resolução imediata de sua demanda, o início de um tratamento
42
que curto prazo e resolutivo, ou ainda a justificativa (comumente o atestado médico) pelo qual
teve seu rendimento diminuido no trabalho. Como a situação apresentada por um usuário, na
qual seu chefe solicita que procure o médico e pegue uma declaração para apresentar ao RH,
pois estava com problema nos olhos e não poderia realizar atendimento ao público. Ou a
situação de uma usuária com inchaço e dores nas pernas por trabalhar muito tempo em pé.
Coloca-se a necessidade de um atestado médico imediatamente.
Diante das situações apresentadas, levanta-se o questionamento: em que serviço
público de saúde, um usuário conseguiria, de imediato, uma declaração para apresentar ao
trabalho, conforme solicitação da chefia? Sim, o serviço de emergência. Este é o único local
de atendimento 24 horas e que, em geral, não nega atendimento a demanda espontânea. Hoje,
compondo a rede de atenção à saúde existe as UPAS, que também realizam atendimento 24
horas, mas pouco conhecidas pois são recentes, com diretrizes para implementação
estabelecidas pelo Ministério da Saúde em 20098. Nas situações referidas acima, os usuários
relatam ter procurado as UPAS e terem sido encaminhados para o hospital pois os
profissionais referiam que o hospital teria mais condições de atendê-los e de definir
diagnóstico, elemento que será abordado no item subsequente. Assim, os serviços de
emergência hospitalar voltam a ser referência para o atendimento imediato e resolutivo, como
foi durante muito tempo.
A falta de resolução imediata da situação de saúde implica ao usuário consequências
como o desconto do dia não trabalhado e não justificado; a ameaça de demissão, considerando
que o mesmo não exerce suas atividades como anteriormente ou a realização do trabalho
mesmo sem condições físicas, psicológicas ou sociais para tal. Aspectos que nos remetem
pensar sobre a desreponsabilização dos empregadores com relação à saúde do trabalhador.
Embora se constate avanços relativos a saúde do trabalhador, conquistado ao longo dos anos a
partir da renovação de ideias e movimentos sociais, em que o trabalho passa a adquirir novos
valores, refletidos a partir da exploração do corpo e da força, ainda se verifica muitas
estagnações e retrocessos. Utiliza-se o foco na saúde individual do trabalhador, com
intervenções pontuais, em detrimento do que poderia ser a proteção coletiva. O empregador
oferece os equipamentos de proteção individual ao trabalhador lhe transferindo a
8 Para estabelecer as diretrizes para a implantação do componente pré-hospitalar fixo, indicando as
competências e responsabilidades das UPAs, bem como detalhes sobre a estrutura física mínima
para uma Unidade, o Ministério da Saúde publicou, no dia 13 de maio de 2009, a portaria nº 1.020.
43
responsabilidade, e diante de acidentes caracterizando negligência ou imprudência daquele
trabalhador que deixou-se ferir. "Em suma, a adoção destas medidas não modificaram(am) o
ambiente de trabalho, persistindo ainda a mesma estruturação de riscos às atividades laborais
e a minimização da participação do trabalhador como sujeito promotor de sua própria saúde"
(SANTOS E FREITAS, 2009, p. 160).
b) Outros sofrimentos
Uma jovem que aparenta ter sofrido uma crise conversiva9, chega a emergência
carregada por um amigo e seu professor da faculdade. Seria uma necessidade psicológica que
busca resolução imediata de um sofrimento que não pode ser medicamente respondido?
Contudo, é na manifestação de uma condição clínica que se busca um solução a um
sofrimento pouco compreendido até mesmo pela usuária, que após retomar seu estado normal
refere que não precisa de ajuda e não aguarda atendimento médico.
Outro exemplo, uma usuária com falta de ar que já havia tomado medicamento nos
dias anteriores mas a queixa continua. Logo, sua condição não é tratada como situação de
urgência clínica pois já tem esse sintôma há semanas. Quando questionada se acreditava que o
Serviço de Emergência era o local mais adequado para seu atendimento ela referiu que sim,
pois não sabia se seu problema era alérgico ou psicológico. Referiu que reside com sua irmã e
que esta vai se mudar para um município longe e ela não poderia ir junto pois tem que
trabalhar. Contudo, sempre cuidou de seu sobrinho que a tem como mãe e não sabe como fará
longe dele. O dia da mudança estava próximo e a falta de ar estava aumentado. Com isso
resolveu procurar atendimento médico. No entanto, no serviço de acolhimento essas questões
não foram abordadas e a usuária permanecia aguardando o chamado do médico para verificar
possíveis problemas cardiácos, conforme avaliação e classificação de risco.
Uma adolescente com acompanhamento de doença dermatológica há mais de 10 anos
na UBS, encaminhada para o hospital pois a dermatite tem piorado. Com a informação que no
HU teria acesso ao dermatologista, a usuária procurou o serviço de emergência com a
expectativa de acessar uma consulta com esse especialista. Contudo, essa situação não se
9 A crise conversiva constitui uma manifestação da clássica histeria, desenvolvendo-se a partir da
adolescência / início da vida activa, sendo mais frequente na mulher que no homem. Habitualmente
os sintomas são de instalação súbita e temporária, como na crise conversiva, mas também podem
ser insidiosos e evoluir para a cronicidade (CARRAÇA, 2000).
44
tornou uma emergência somente por isso. Há por traz um contexto social desvelado somente
quando se aborda aspectos além da queixa clínica. A usuária relata que além de não ter
conseguido dormir há dias pela coceira, não tem ido à escola. Tem perdido as aulas, pois
quando ia seus colegas não chegavam perto dela com medo de pegar a doença, além de não
poder pegar sol, o que lhe impede de sair de casa. Aspectos estes que juntos tornaram sua
situação uma emergência para ela.
Numa das entrevistas o paciente, com sintomas de gripe recorrentes, refere acreditar
que seus sintomas poderiam ser psicológicos, referiu estresse devido a muitas provas da
faculdade na mesma semana, mas procurou a emergência pelo medo de se tornar algo mais
grave e por ter necessidade de melhora rápida para retornar as suas atividades. Nessa situação
tanto o tempo de adoecimento, quanto a necessidade de voltar imediatamente para suas
atividades tornaram sua situação algo urgente, o que o fez procurar o Serviço de Emergência.
Estas são situações que revelam outros sofrimentos, para além de demandas ou
necessidades físicas/biológicas aparentes. São sofrimentos de diversas naturezas que muitas
vezes acabam por manifestar no corpo em alterações físicas. E ainda pode-se observar a
atitude dos usuários em qualificar seu problema psicológico ou social em algo físico com a
expectativa de resolução imediata da situação.
Pitta10 (apud Pinho e Kantorski, 2004) afirma que a medicina moderna, com todo seu
aparato tecnológico, na busca pelo prolongamento da vida, evitou de forma intencional
discussões mais aprofundadas sobre a dor, o sofrimento e a morte. Isso, ao longo dos anos, fez
que os profissionais de saúde acreditassem no sofrimento como produto exclusivo do corpo e
suas alterações físicas. Nos serviços de emergência esses aspectos são bastante visíveis tanto
pelo contexto histórico da saúde quanto pela dinâmica desses serviços.
Nessa lógica, Pinho e Kantorski (2004) referem que nos serviços de emergência os
profissionais acabam por supervalorizar o trabalho técnico em detrimento ao trabalho com o
ser humano, devido a necessidade de intervenção imediata pela gravidade do caso. Isto os
leva, muitas vezes, a considerar o indivíduo como mais um “corpo doente”, que pode ou não
ser “consertado”.
10
Baseado nos estudos de autores como Àries e Menzies.
45
Tais aspectos remetem pensar sobre o conjunto de necessidades que solicitam a
atuação de profissionais de diferentes áreas da saúde que possuem a compreensão da saúde
em seu conceito amplo. Tanto para os usuários em diferentes sofrimentos quanto para o
profissional de saúde, que muitas vezes busca alternativas de defesa psicológica construída
contra os problemas do outro, evitando o próprio sofrimento psíquico. Desta forma, o trabalho
médico é anexado ao trabalho de várias categorias profissionais para dar conta de outras
características do corpo, que acabam por demandar uma complexidade maior do trabalho em
saúde (DESLANDES, 2002).
c) Limitação de acesso aos serviços da rede de atenção à saúde
Devido a dificuldade de acesso aos serviços em outros níveis de atenção, os usuários
recorrem aos serviços de emergência, pois estes são porta aberta e conhecidos por possuírem
caráter resolutivo. O fluxo de atendimento na rede de serviços de saúde possui dificuldades,
que podem ser observadas a partir das demandas apresentadas na emergência, como situação
que já estão em acompanhamento pela atenção básica, mas que por falta de médico, não há
possibilidade de continuidade, ou de sequer mostrar exames solicitados para o diagóstico e/ou
definição do tratamento. O acesso esbarra na falta de profissionais nos outros níveis de
atenção; em poucas vagas disponibilizadas a população usuária do sistema; na burocracia para
se conseguir uma consulta médica; ou ainda no próprio serviço que encaminha o paciente ao
serviço de emergência hospitalar, antes que este lhe relate a situação de saúde e suas
necessidades.
No Serviço de Emergência do HU observou-se superlotação, no período de realização
da pesquisa, fato que não é muito diferente ao longo do ano, e grande parte dos pacientes são
atendidos e encaminhados para um nível de menor complexidade, pela compreensão que sua
demanda por ser resolvida em outro serviço. Esse contexto tem sido tema de muitas pesquisas
atualmente, mas desde muito tempo é abordado em estudos, como relata Souza (2009), que
traz aspectos dos estudos realizados nos anos 80. Com destaque para as pesquisas de Ide et. al.
de 1988 e Azevedo em 1989. Ambos tratam o aumento da procura por atendimento
ambulatorial nos pronto-socorros, apontando que os pacientes procuravam os serviços por não
ter acesso em outros locais, e já chegavam nos serviços de urgência em estado avançado de
descompensação clínica, o que exigia tratamento invasivo, sem resolução do problema de
46
base. Deste modo, os serviços de urgência e emergência são muitas vezes utilizados para
suprir a escacês de outros recursos assistenciais.
Segundo Mendes (2001) há um consenso que os sistemas de serviços de saúde vivem
uma crise em escala planetária. Estão se caracterizando por uma ação descontínua, com forte
polarização entre o hospital e o ambulatório, e por falta de integração dos pontos de atenção à
saúde. A atenção à saúde pode ser comparada a um quebra-cabeça, onde cada ponto de
atenção é uma peça solta; ainda há fragmentação entre os sistema clínicos e administrativos;
entre os serviços de saúde e assistência social e entre o sistema de serviços de saúde e outros
sistemas econômicos e sociais. Aspectos visíveis quando se observa um serviço de
emergência e suas demandas. Essa organização dos serviços, ou fragilidade dela, tem
rebatimento nas condições de saúde da população.
d) Família e Condições de acesso
Um dos aspectos observados foi em relação a organização dos serviços versus
possibilidades dos usuários/família de organizar a viabilização de acesso. Os serviços, em
geral, não estão preparados para serem acessíveis para famílias com configurações diferentes,
como famílias monoparentais (família composta pelo pai ou mãe e seus filhos), por exemplo.
Há dificuldades de acesso devido a organização do serviço de atenção básica. Uma mãe
solteira, com uma criança de colo, não tem onde deixá-la na madrugada para ficar na fila da
UBS e pegar uma senha para atendimento na unidade. "A creche só abre às 7 horas e não
tenho com quem deixá-lo". Ou uma mãe que fica com dores até que consiga alguém para
cuidar dos três filhos pequenos e chega ao serviço de emergência no período da tarde com
anseio por ter que retornar rapidamente para casa, pois as crianças estão lhe esperando. Deste
modo, opta-se por utilizar o serviço de emergência que lhe permite um mínimo de
planejamento e organização diante de suas dificuldades, por ter funcionamento initerrupto.
Muitas vezes os serviços se organizam de modo a contar que todos os usuários tenham efetiva
rede de apoio e família extensa que lhe auxilie no acesso aos serviços.
Conforme IBGE (2009), os anos 2000 se inicia no Brasil com grandes modificações na
vida familiar, ocasionadas pela queda da fecundidade que, nos últimos 40 anos, reduziu
47
significativamente o tamanho das famílias11. Destaca-se o crescimento das chamadas famílias
monoparentais femininas, composição da família citada como exemplo acima. Estas são
caracterizadas pelo grupo familiar composto pela mulher-mãe e seus filhos menores de idade.
Em geral, neste arranjo familiar, é a mulher a única responsável pela sustentabilidade
econômica da família. Este arranjo também tem sido, juntamente com os arranjos unipessoais
(pessoas que residem sozinhas), destaque em termos de crescimento de novos arranjos.
Conforme Goldani (1994), o tempo que as mulheres passam na condição de mãe sem cônjuge
e com filhos aumentou. Além disso, a expectativa de mulheres permanecerem sem cônjuge e
com filhos aumentou em cerca de quatro anos.
Outra situação observada é a de um casal, ambos autonômos, na qual ele não consegue
trabalhar devido a fortes dores e necessita de auxílio para realizar as atividades do dia, tendo
sua esposa, única pessoa como rede de apoio presente, também parar de trabalhar para
auxiliá-lo, gerando muitos receios na família que está ameaçada pela falta de renda, o que
torna a situação uma grande urgência para aquela família.
Devido às diversas mudanças pelas quais a família tem passado, a capacidade de
proteção e cuidado, tradicionalmente atribuídos a ela como principal função tem sido
modificada. As transformações, que envolveram aspectos tanto positivos quanto negativos,
desencadearam um processo de fragilização dos vínculos familiares e tornaram as famílias
mais vulneráveis. Mas os serviços
permanecem
cumprindo um
movimento de
responsabilização das família no campo do cuidado apartir de diferentes estratégias de
imposição ou transferência dos custos financeiros, emocionais ou de trabalho (MIOTO, 2004;
MIOTO, 2010).
Em pesquisa realizada um dos aspectos observados foi em relação a crescente
responsabilização da família nos serviços de saúde. Nessa lógica, Barcelos (2011) em
pesquisa realizada no HU/UFSC, visualiza o auxílio emocional e material como papéis
atribuidos pelos profissionais de saúde à família nos serviços. "Pode-se afirmar que a maioria
das práticas profissionais reforça a transferência de responsabilidades à família, pois, a partir
das concepções dos profissionais sobre família, se naturaliza e se acredita numa obrigação
moral do papel familiar (BARCELOS, 2011, p. 147).
11 Levando em consideração, neste caso, o conceito de família para o IBGE que a considera uma
unidade composta por uma pessoa ou qualquer agrupamento de pessoas residentes em um mesmo
domicílio (MEDEIROS; OSÓRIO, 2001).
48
A participação da família na execução do cuidado tem sido naturalizada e
responsabilizada pela Política de Saúde, através de seus dispositivos e diretrizes. Observa-se
que a família vem tecendo a rede de serviços para concretizar seu acesso a saúde, sendo cada
vez mais colocada a eleger e definir estratégias a respeito de diferentes bens e serviços dos
quais utiliza. Enfim, visualiza-se que a família tem desempenhado um papel preponderante na
proteção social e ela é incorporada de diferentes formas na política social, por meio dos
serviços, sendo delegado a ela buscar formas de acesso ao cuidado sendo desconsiderado suas
condições efetivas para isso (CAETANO, 2010)12.
Parte-se da compreensão que a família se configura e reconfigura através de
constantes modificações influenciadas pelas transformações ocasionadas dentro de sua própria
organização, bem como em transformações originadas na sociedade contemporânea, o que
exige dos serviços, se universais e igualitários, novas formas de organização e de acesso para
comportar as mudanças na sociedade como um todo.
e) Acesso a especialidades
Ludwig e Bonilha (2003), afirmam que o excesso de demanda por atendimento nos
serviços de emergência, denuncia a ineficiência do sistema de saúde em operacionalizar a sua
proposta – atendimento universal e integral através de uma rede hierarquizada de acordo com
a complexidade do atendimento – uma vez que o excesso de demanda retrata as dificuldades
do usuário em acessar outros serviços, como por exemplo os de atenção primária ou
especialidades. Situação exemplificada por usuária que chega ao serviço de emergência com a
expectativa de conseguir acesso aos especialistas, pois na UBS isso é muito difícil e moroso.
Ou a situação já citada acima da adolescente com acompanhamento de doença dermatológica
há mais de 10 anos na UBS, procurou o serviço de emergência do HU com a expectativa de
acessar uma consulta de emergência com esse especialista, não disponível na UBS.
Com as dificuldades de acesso enfretadas pelos usuários, as portas de emergência se
apresentam como opção para se conseguir consultas com clínicos gerais e/ou especialistas.
Azevedo e Costa (2010), discorrem sobre a dificuldade de acesso a atenção básica sendo que
esta tem se revelado uma porta de entrada estreita, com baixa resolubilidade da Estratégia
12 Discussão embasada em autores de referência no tema como Saraceno (1997), Bermúdez (2001),
Nogueira (2002), Mioto (2009).
49
Saúde da Família, particularmente pela ausência de atendimento a pequenas urgências,
implicando estrangulamento nos serviços de média e alta complexidade, e como observamos,
os serviços de emergência.
50
7 CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES
A partir do exposto, compreende-se que a procura pelo serviço de emergência
concretiza-se
devido
a
uma
ou
mais
necessidades
de
saúde. A situação
de
urgência/emergência é composta por diferentes fatores ou pela combinação de um conjunto
deles. No conjunto de necessidades de saúde apresentadas pelos usuários no Serviço de
Emergência do HU/UFSC foi possível observar necessidades relacionadas a condições de
trabalho, condições de família, condições dos serviços, enfim, uma gama de fatores que
necessita um olhar diferenciado e voltado para o sujeito como um indivíduo e um
determinado contexto e não apenas como um pulmão, uma perna quebrada, ou palpitações
que indicam doença cardíaca.
Em sua grande maioria, as demandas são apresentadas aos profissionais como
alterações de cunho biológico/físico, fato que reflete a maneira biologicista hegêmonica que
ainda rege os serviços de emergência. Este em consonância com as práticas profissionais que
ainda reforçam a organização da atenção à saúde centrada na doença e não no indivíduo e no
contexto que o envolve. Tais aspectos também não são contemplados nos protocolos de
intervenção dos serviços, por exemplo. Contudo, é importante ressaltar que durante o
acolhimento realizado pela equipe de enfermagem, foi possível observar atuações isoladas de
questionamentos para além do quadro biológico/físico quando estes não indicavam alterações,
o que demonstra uma preocupação, ainda tímida e pouco formalizada, sobre aspectos do
contexto social e psicológico do usuário.
Quanto a identificação e caracterização da demanda/necessidade, em todas as
situações os profissionais e usuários manifestaram expectativas de respostas médicas,
compreendendo que o ínicio ou a finalização da atenção à saúde perpassa o atendimento
médico. E que mesmo se tratanto de uma demanda de outra ordem, necessita da avaliação
médica para que riscos sejam descartados. Ressalta-se que a possibilidade da demanda ser
social ou psicológica, antes de ser biológica, nem sempre é compreendida por todos os
usuários e profissionais, apesar de aparecer em segundo momento, após descartado o risco
sobre o corpo justamente porque é tratada como demanda e não como necessidade. Visualizar
de imediato a demanda biológica é menos complexo que se constatar uma situação
psicológica ou social e caracterizá-la como determinante de um quadro de urgência. Além de
51
ser difícil identificar a demanda social ou psicológica, é difícil trabalhar com ela, o que pode
contribuir para não querer identificá-la ou formalizá-la enquanto necessidade? Ou ainda, se
opta por não problematizá-las para reforçar ao usuário as necessidades consideradas legítimas
pelo serviço e/ou quais os reais objetivos do serviço. Buscar soluções para demandas sociais e
psicológicas é um trabalho complexo que exige pensar e concretizar ações ampliadas, o que
não está previsto atualmente na formação dos profissionais de saúde, bem como não compõe a
pauta de objetivos dos serviços de emergência. Elementos reforçados quando se observa que
os usuários são obrigados a legitimar essa lógica ao apresentar como principais as demandas
biológicas sob pena de não serem atendidos.
Os sujeitos que procuraram o serviço trouxeram consigo diferentes conceitos de
urgência/emergência, em geral compreendendo que a sua situação de saúde é, de fato, uma
situação que necessita atendimento imediato, tendo risco de morte ou não. Por vezes
considerando que seu problema pode agravar, e o quanto antes acessar um suporte de cuidado
à saúde pode livrá-lo do risco. Como parte da construção dos conceitos de
urgência/emergência, os serviços de emergência continuam sendo prioridade ou única opção
da população na busca pelo acesso ao serviço imediato e de ampla tecnologia.
Giglio-Jacquemot (2005), já referia a existência de "Urgentes Pequenos Problemas"
como situações em que o problema de saúde não representava para o usuário uma ameaça
séria para sua vida biológica, mas mesmo assim representa para este mesmo usuário e sua
família um perigo. São os aparentes pequenos problemas que não são considerados situação
de urgência nos serviços, como dores de cabeça, cortes, sensações de fraqueza, tonturas, dores
nas costas, etc. Apesar de não colocar a vida da pessoa em risco, no sentido biomédico,
acarreta diversas ameaças. Por exemplo, para a empregada doméstica, o pedreiro, o motorista,
a mãe solteira com vários filhos pode se tornar grandes problemas quando alteram a
capacidade no desempenho das atividades diárias, e trazer consequencias como a perda do
emprego. Estes aspectos foram visualizados nas situações estudadas. Muitos fatores que
aparentemente não se enquadram num conceito de urgência hegemônico, pautado no quadro
biológico, mas que para os usuários esses pequenos problemas começam a interferir no dia a
dia e prejudicar suas atividades tornando sua solução uma urgência.
É importante ressaltar que a partir da vivência no Serviço de Emergência e durante a
construção desse estudo foi possível observar e ainda ter acesso a relatos de outros
profissionais, como psicólogos, assistentes sociais e enfermeiros, sobre diversas situações
52
apresentadas por usuários que recorrem ao serviços como queixas clínicas, quando, na
verdade, buscavam meios de ter acesso a outros profissionais, que não os médicos. Contudo,
essas necessidades nem sempre chegam a ser atendidas, ora por não ter o profissional no
serviço, ora pela equipe dar outros direcionamentos para a situação, como por exemplo,
orientação a procura de outros serviços.
Segundo Giglio-Jacquemot (2005), constata-se o papel crucial que desempenham os
primeiros profissionais pelos quais passam os usuários, pois a avaliação e categorização dos
pacientes em urgentes e não-urgentes geralmente são aceitas pelos profissionais encarregados
das próximas etapas. Nessa lógica, e com o objetivo de inventar novos dispositivos e novas
formas de escuta para “ruídos”, desencontros e falhas nos serviços de emergência, Cecílio e
Merhy (2003) apontam a organização de equipes de acolhimento como um bom começo.
Estas deveriam estar capacitadas para o reconhecimento e encaminhamento de pacientes que
necessitam de cuidados mais regulares e apropriados em outros serviços da rede, por exemplo.
Devido a diversidade de demandas nos serviços de emergência cada vez mais se
mostra necessário a capacitação dos profissionais para a realização de um verdadeiro
acolhimento. Atualmente, observa-se que os serviços tem realizado uma triagem, prevista para
no máximo três minutos, para separar os paciente com risco iminente de morte daqueles que
podem aguardar. Isso por diversos fatores já referidos como a escassez de serviços de saúde,
de profissionais, de recursos para os serviços públicos, superlotação dos serviços existentes, e
crescente demanda que diariamente bate nas portas das emergências. Enfim, diante deste
cenário, os profissionais não têm realizado um acolhimento as demandas que se apresentam
quando considerado o acolhimento como postura profissional e da equipe de saúde, de
receber, escutar e tratar de forma humanizada os usuários e suas demandas. O acolhimento
fundamentado no princípio da integralidade, tratado como diretriz da Política Nacional de
Humanização, destaca a importância de não ser uma triagem e sim uma ação tecnoassistencial que reconhece o usuário como participe ativo no processo de produção de saúde
(SILVA JUNIOR e MASCARENHAS, 2006, BRASIL, 2009).
Esta compreensão de acolhimento é imprecindível nos serviços e principalmente
quando se propõe um sistema pautado no príncipio da integralidade como o SUS. As ações de
saúde necessitam ser combinadas e direcionadas para se atender o sujeito submetido as mais
diferentes situações da vida e de trabalho, compreendendo-o como um ser social, cidadão que
biológica, psicológica e socialmente está sujeito a riscos de vida, sendo necessária a garantia
53
do acesso às ações de: Promoção, Proteção e Recuperação (WESTPHAL e ALMEIDA, 2001
apud CHUPEL, 2008).
Contudo, segundo Cezar (2012, p. 50), "Apesar da relação integralidade e serviços de
saúde atravessar a construção de uma atenção ideal às necessidadesde saúde das pessoas, de
modo geral, esta costuma não ser uma questão pensada nos serviços e, nem sempre se reflete
na ação profissional". Donabeian (1988) já discorria sobre as necessidades de saúde e a
dificuldade dos profissionais em reconhecê-las enquanto parte do processo de saúde-doença
(...) los clientes refierem necesidades que los profesionales consideran
inapropiadas o excesivas. Surge así la idea de "abuso" de los servicios
médicos por parte de los clientes. Por desgracia, no se le ha dado la debida
atención al análisis de esta idea de "abuso". Es muy posible que el llamado
abuso represente necesidades legítimas que el sistema de atencíon médica no
quiere o no puede satisfacer porque no fue diseñado por los profesionales
com ese fin (DONABEIAN, 1988, p. 76).
Tais aspectos nos remetem a pensar a formação da equipe multiprofissional nos
serviços de saúde, e especificamente nos serviços de emergência. Visualizada a composição
heterogênea de demandas e necessidades que compõe esses serviços se mostra urgente a
qualificação dos profissionais para o trabalho interdisciplinar e intersetorial na saúde.
Em se tratando de integralidade, Assumpção (2007) resgata que a responsabilidade
designada à formação profissional direcionada para o trabalho em equipe, na perspectiva de
uma formação multiprofissional e interdisciplinar já estão postas como realidade para a área
da saúde. Esse trabalho em equipe é regulamentado e orientado pelas diretrizes para a
formação dos profissionais, pois consta nas Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos
de graduação da grande área da saúde, e também, nos Princípios e Diretrizes para a Norma
Operacional Básica de Recursos Humanos para o SUS.
Quanto ao trabalho interdisciplinar, Cezar (2012) corrobora sobre as dificuldades de
sua efetivação nos serviços. Refere que ainda não está institucionalizado na Emergência e é
apontado como um esforço de algumas profissões e não como uma característica de gestão
desse serviço. Pode-se afirmar que é fundamental para se realizar o trabalho de equipe em
saúde, a qual almeja a integralidade, por meio da soma de olhares e saberes dos distintos
profissionais que a compõem. “Esta afirmação remete a uma mudança no processo
organizacional de trabalho, devido à verificação de que os trabalhos isolados não conseguem
mais dar resolutividade às demandas ampliadas de saúde/doença dos usuários” (p. 39).
54
Um dos caminhos para começar a mudança no processo organizacional de trabalho
pode ser na revisão e reelaboração dos documentos que regem esses serviços, pois tanto a
Política de Atenção às Urgências, quanto os manuais e regulamentos, citados no início deste
trabalho, além de não esclarecerem os conceitos dos serviços, deixam amplas suas definições
e com direcionamentos imprecisos, o que contribui para manutenção das tradicionais formas
de funcionamento dos serviços. Deste modo, se mostra urgente definir a proposta de atenção à
saúde de cada serviço dentro da rede de atenção que compõe o SUS, guiada, de fato, pelo
princípio da integralidade, de acordo com os documentos e suas diretrizes.
Enfim, para reflexão, resgatamos uma passagem da Política de Atenção às Urgências e
realizamos um diálogo quanto a definição dos prontos-socorros, estes sendo porta de entrada
para: "pacientes de urgência propriamente dita, pacientes com quadros percebidos como
urgências, pacientes desgarrados da atenção primária e especializada e as urgências
sociais” (BRASIL, 2006, p.55). E então questionamos: quadro percebido como urgências –
percebido por quem? Se for pelo usuário, já observamos que este tem suas urgências de
acordo com seus conceitos e de acordo com as necessidades diante de um contexto de vida,
que não tem sido considerado no serviço no momento do acolhimento e definição das
necessidades dos usuário. Se for a percepção dos profissionais que definirão as urgências, é
necessário considerar as diferentes formações profissionais e equipes que trabalham com
objetivos diferentes e diante disto, a urgência em se instituir novas práticas e capacitar os
profissionais para trabalhar com múltiplas demandas e príncipios de um sistema universal.
E quando a política apresenta o "atendimento a pacientes desgarrados da atenção
primária"? Ela está assumindo a fragilidade e fragmentação da rede de atenção à saúde? Está
definindo os serviços de emergência como "tapa buracos" de um sistema dito integrado,
hieraquizado, com atendimento nos diferentes níveis de complexidade? Está assumindo que
atenção primária não é prioridade de governo e por isso não se tem investido nela? Quando
fala de pacientes desgarrados será que está sugerindo uma responsabilizaçao dos usuários por
não aderirem ao fluxo proposto pelo sistema?
E quanto as "urgência sociais"? O que são? De que se trata? Estas batem todos os
dias nas portas das emergências, aparentemente como como fraquezas e tonturas, por
exemplo, por usuários que procuram de alguma forma superar a condição de sujeitos em
situação de rua, ou suprir esperanças que se reduzem a um prato de comida ou abrigo em uma
noite de inverno rigoroso. Ou sujeitos que buscam auxílio para um tratamento de dependência
55
química onde todas as portas já se fecharam, sendo estas portas, muitas vezes, as famílias, que
são pressionadas a dar conta de um problema de saúde pública. Ou o chefe de família que vê
seu futuro ameaçado por não conseguir inserção no mercado de trabalho, ou risco de perder
sua única fonte de renda por não ter condições de exercer suas atividades. Assim, os serviços
de emergência são vistos pelos usuários e respaldados na legislação como porta aberta no
sistema e um pouco de esperança em encontrar a solução. Contudo, o que tem sido encontrado
nos serviços de emergência? Serviços que não têm considerado emergências que não as de
caráter biológico e que permanecem tentanto medicalizar ou remediar toda e qualquer
situação. Não raras as vezes essas portas também estão fechadas.
Enfim, podemos dizer então que teoricamente todos aqueles sujeitos entrevistados que
buscaram atendimento no Serviço de Emergência do HU estavam no lugar certo? Com suas
diversas demandas e necessidades buscavam apoio em um serviço que prevê seu atendimento,
dentro de uma rede de serviços imprecisa e fragmentada. Que o deixa horas esperando por
atendimento para depois lhe dizer que ele procurou o lugar errado, que seu atendimento é
responsabilidade da atenção básica. Ou que ele não tem risco de morte, por isso não tem como
atendê-lo.
Tais questionamentos nos remetem a pensar sobre a proteção social e a saúde.
Segundo Viana e Levicovitz (2005) revela-se cada vez mais latente a necessidade de rediscutir
o conceito de proteção social e os valores embutidos nele na busca da superação de uma visão
somente caritativa e paliativa da ação social – o que remete a saúde, desqualificando-a no seu
sentido de direito universal, retrocedendo no seu conceito ampliado com vista a compreendêla apenas como alteração do corpo, do físico, principalmente do vísivel.
56
8. CONSIDERAÇÕES FINAIS
No cenário desvelado, se mostra urgente descristalizar condutas ainda hegemônicas no
âmbito da saúde e imprimir novas práticas diante de necessidades de saúde amplas. Almeja-se
a premissa do compromisso em realizar a melhor escuta e apreensão das necessidades de
saúde apresentadas nos serviços. Esse processo está ligado diretamente a práticas de
integralidade. Segundo Pinheiro et al. 2005, na busca pela efetividade desse princípio na
atenção e cuidado em saúde se faz necessário uma reflexão crítica das características dos
processos envolvidos, visando superar a fragmentação presente nas práticas profissionais e
modos de organização nos serviços de saúde, sendo a integralidade um objetivo de rede.
Nessa lógica, a integralidade, diante das necessidades de saúde, deve ser compreendida como
um esforço da equipe de saúde de traduzir e atender as necessidades que, de fato, são
complexas, mas que precisam ser consideradas na viabilização da atenção à saúde (CECÍLIO,
2006).
Observa-se a existência de uma linha divisória entre as transformações ocorridas no
sistema de saúde e as estruturas que sustentam esse sistema – as instituições de saúde. Estas
instituições têm modelos assistenciais que mais parecem externos a elas, com pouca ou
nenhuma interlocução com a realidade. E com isso, se reforça a ideia que as práticas em saúde
podem ser mais eficientes quando postas como ferramentas de construção do sistema e de
materialização da integralidade como direito e como serviço (PINHEIRO, 2006).
A forma como os serviços estão organizados revela que não têm sido considerado os
fatores sociais e psicológicos que revestem algumas demandas ou constituem a necessidade
de saúde em sí. Compreende-se que tais fatores possuem grande relevância na constituição da
situação de urgência/emergência e da própria opção em utilizar os serviços desta natureza. O
quadro atual expressa a fragilidade dos serviços de emergência dentro da rede de atenção à
saúde no que tange o princípio da integralidade. Assim, em consonância com este princípio, a
saúde e a doença têm realidades independente de suas definições biomédicas e são objetos de
representações e diversas práticas que alternam segundo as sociedades e, ainda dentro dessas,
de acordo os segmentos sociais e culturais que as compõem (GIGLIO-JACQUEMOT, 2005).
Nesse sentido que enfatizamos o trabalho em equipe multiprofissional como um dos
aspectos que deve ser pauta no encaminhamento para a transformação do SUS. Cada vez mais
57
presente e necessário nos serviços, o trabalho interdisciplinar em equipe multiprofissional
propõe novas formas de compreensão e resolução das necessidades de saúde, bem como há
muito tempo vem sendo discutido no âmbito da saúde e se apresenta como um desafio. Sendo
a interdisciplinaridade compreendida enquanto "um processo de desenvolvimento de uma
postura profissional que viabilize um olhar ampliado das especificidades que se conjugam no
âmbito das profissões através de equipes multiprofissionais visando integrar saberes e práticas
(...)" (MIOTO E NOGUEIRA, 2006, p.6-7). Nesse sentido, almejando a compreensão de "não
haver necessidade de que uma ação profissional se sobreponha a outra, mas que, ao possuírem
aspetos que são diversos no seu campo de saber e de cuidar, são todas igualmente importantes
para o usuário (...) (HENRIQUES, 2005, p. 153).
Neste aspecto ressaltamos, a partir da experiência vivenciada e como propulsor para a
elaboração deste estudo, o processo de formação em saúde na modalidade de residência
multiprofissional. Ao tratar do trabalho multiprofissional ela se apresenta a este desafio.
Como proposta de educação em serviço, a residência tem contribuído para renovar práticas e
instituir novos pensamentos nos serviços, como no Serviço de Emergência do HU.
A Residência, enquanto processo de formação em serviço, instiga a criação de novos
olhares que compreendam a saúde em seu conceito ampliado, dentro de um sistema único e
sua organização em redes, considerando o hospital como parte desta e não como finalizador
do
processo
ou
ente
maior
no
arcabouço
de
instituições.
Nesse
processo
a
interdisciplinaridade determina a articulação entre ciências e disciplinas profissionais, com o
objetivo de articular um atendimento mais efetivo e eficaz às demandas da sociedade,
especialmente na esfera da prestação dos serviços, a partir do trabalho em equipe
multiprofissional com o intuito de superação de ações fragmentadas e buscando uma visão de
globalidade (MIOTO E NOGUEIRA, 2009). Quando propõe este trabalho interdisciplinar em
equipe multiprofissional pressupõe-se que a atenção em saúde necessita de um rol de
conhecimentos e vai ao encontro da efetivação do princípio da integralidade. Concordamos
com Severo e Seminotti (2010) que é através da reflexão sobre o processo de trabalho e das
ações intersetoriais entre trabalhadores, uma das principais propostas da Residência, que a
organização do fazer nas equipes e nos serviços constrói o cuidado integral diferente da
reprodução de práticas fragmentadas e descontextualizadas.
Com a premissa do trabalho interdisciplinar e multiprofissional aproxima-se a
referência de um conceito ampliado de saúde e nessa lógica a necessidade do pensamento do
58
processo saúde/doença vinculado a realidade social. Assim, concordamos com Wiese (2010,
p.250) que “(...)as mudanças das práticas profissionais de saúde deverão estar embasadas em
novas habilidades, atitudes e valores éticos que superem a concepção da prática apenas como
assistência individual e uniprofissional no enfrentamento das questões vinculadas ao processo
saúde/doença”.
É nessa lógica, que se apresenta, na nossa visão, o maior desafio da Residência
Multiprofissional do HU: superar a segmentação e hierarquização das necessidades e de
considerá-las divididas em caixas separadas – biológico / social / psicológico – e distantes da
compreensão da saúde determinada socialmente.
Com muitos questionamentos, chegamos ao final dessa reflexão com a sensação de
que muito trabalho ainda está por ser feito. Muito caminho a percorrer no objetivo da
construção do SUS enquanto política social de direito no seu entendimento mais amplo, com
a formação de profissionais que compreendam e almejem efetivar os princípios do sistema
desde do planejamento até a execução.
59
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64
APÊNDICES
Apêndice I: Termo de Consentimento Informado Livre e Esclarecido
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA
HOSPITAL UNIVERSITÁRIO PROF° POLYDORO ERNANI DE SÃO THIAGO
RESIDÊNCIA INTEGRADA MULTIPROFISSIONAL EM SAÚDE
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
Meu nome é Patrícia da Silva Caetano, sou assistente social e aluna do curso de Residência
Integrada Multiprofissional em Saúde do Hospital Universitário Polydoro Ernani de São Thiago
HU/UFSC. Diante da necessidade de identificar o conjunto de demandas apresentadas pelos usuários do
Serviço de Emergência Adulto do HU/UFSC, estou desenvolvendo a pesquisada intitulada “O Serviço de
Emergência sob o prisma da integralidade: um olhar para além das demandas biomédicas”. Esta
pesquisa tem o objetivo de conhecer, a partir da perspectiva da integralidade, o conjunto de demandas e
necessidades que constituem o quadro de urgência e emergência de usuários do Serviço de Emergência
Adulto do HU/UFSC.
Para que possa alcançar este objetivo, os usuários responderão a perguntas, a partir de uma
entrevista, com temas referentes as necessidades que o motivaram a procurar o Serviço de Emergência
do HU/UFSC. Será mantido sigilo das informações fornecidas.
Esperamos com os resultados obtidos contribuir para discussão da integralidade da saúde
no serviço de emergência. Caso tenha alguma dúvida em relação a pesquisa neste momento ou
posteriormente, nos disponibilizamos para quaisquer esclarecimentos, e, também caso não quiser
fazer mais parte do mesma, entrar em contato pelo telefone (48) 37219189. Se você estiver de acordo
em participar desta pesquisa, além do sigilo, será garantido que as informações fornecidas serão usadas
somente nesse trabalho.
Patrícia da Silva Caetano
Consentimento Pós-Informação
Eu,______________________________________________________________________________,
fui esclarecido sobre a pesquisa “O Serviço de Emergência sob o prisma da integralidade: um olhar
para além das demandas biomédicas” e concordo que dados por mim fornecidos sejam utilizados na
realização da mesma.
Florianópolis, _________ de ______________________________________ de 2012.
Assinatura: _________________________________________RG: ___________________________.
65
Apêndice II: Roteiro de Entrevista Semiestruturada
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA
HOSPITAL UNIVERSITÁRIO PROF° POLYDORO ERNANI DE SÃO THIAGO
RESIDÊNCIA INTEGRADA MULTIPROFISSIONAL EM SAÚDE
Entrevista Semiestruturada
Nome:________________________________________________________________Idade:________
Procedência: __________________________________ Profissão:____________________________
Onde trabalha (local): ________________________________
Procurou a emergência do HU essa semana? ( ) Sim ( ) Não
Porque:_______________________________
1 – Demanda que apresentou ao procurar emergência do HU:
2 - Tempo que possui a demanda:
3 - Como veio:
4 - De onde veio:
5 - Porque veio nesse horário?
6 - Veio com acompanhante?( )Sim ( ) Não Quem?________________________________________
7– Você procurou outro serviço de saúde em decorrência desse motivo? ( ) Sim ( ) Não
7. Se sim, qual?
8. O que aconteceu nesse serviço?
8 – Existem outros problemas/circunstâncias da vida que também motivam sua procura pelo serviço de
emergência?
9 - Seu problema de saúde afeta a vida em família ou seu trabalho? de que forma?
10 – Você acredita que o serviço de emergência é o mais adequado para atender a atual situação?
Porque?
11 -Observações da pesquisadora e perspectivas do paciente:
Florianópolis, ____/____/____ Hora: _______________
66
ANEXO
67
Download

1 patrícia da silva caetano o serviço de emergência