Direito da concorrência e obrigação de contratar: estudo comparado da jurisprudência comunitária e brasileira Patricia Regina Pinheiro Sampaio Módulo Jean Monnet – Parte II Pressupostos para caracterização da recusa unilateral de contratar como ilícito anticompetitivo Poder de mercado do agente que se recusa a contratar Ausência de justificativa objetiva e razoável Boa-fé daquele que requer a contratação Fonte: OCDE e Banco Mundial Efeitos potenciais Fechamento de mercado Aumento das barreiras à entrada Exploração monopolista do mercado pós-venda (p.ex., peças de reposição e serviços de manutenção) Facilitação de práticas coordenadas no mercado (especialmente no caso dos acordos de exclusividade) Porém: concorrentes devem concorrer... “De fato, o compartilhamento forçado é inimigo dos objetivos gerais da concorrência: ele prejudica o processo competitivo do mercado de forçar as empresas a desenvolverem as suas próprias fontes de fornecimento. (…) Se o antitruste impuser uma obrigação de contratar para firmas dominantes, essa obrigação precisa ser limitada a matérias-primas que o mercado concorrencial não possa realisticamente ser capaz de produzir.” HOVENKAMP, Herbert. Federal antitrust policy, p. 296. Portanto: recusas de contratar podem ser legítimas... Exercício regular da liberdade de iniciativa Redução dos custos de transação Defesa dos investimentos irrecuperáveis – sunk costs (p.ex., investimentos em diferenciação da marca, em tecnologia, investimentos nos pontos-de-venda, etc.) Proteção de ativos específicos O tema na perspectiva do direito comunitário europeu De uma perspectiva subjetivista (intenção, concorrência desleal) à objetivação dos critérios de análise: a função do direito antitruste é proteger a concorrência, não os concorrentes... Existe poder de mercado ou situação de dependência econômica? Existe razão objetiva para se recusar a contratação ou compartilhamento? Visão inicial muito interventiva sobre as restrições verticais: a função política da concorrência na formação do mercado comum O tema na perspectiva do direito comunitário europeu A objetivação da questão: Oscar Bronner v. Mediaprint Acusação: recusa, de empresa dominante na Austria no setor de distribuição de jornais, de compartilhar sua rede de distribuição com concorrente. A Mediaprint operava o único sistema de entrega de jornais em domicilio de âmbito nacional e respondia por cerca de 46% do mercado Recusa de contratar no direito europeu Será ilícita se tiver intenção de dividir o mercado comum ou impedir importações paralelas (ex. United Brands v. Comissão Europeia) Será conferida atenção à interrupção abrupta e injustificada a relações comerciais de trato sucessivo em que haja dependência econômica (a controversa decisão em Commercial Solvents / Zoja) Serão consideradas justificativas objetivas para a recusa O agente econômico não está obrigado a cooperar com outro que pretende ingressar no seu mercado, para com ele concorrer diretamente Oscar Bronner v. Mediaprint – CEJ Contratação somente poderia ser exigida se: (i) a recusa de fornecer o serviço de entrega de diários em domicílio tivesse potencial de eliminar toda a concorrência no mercado de jornais diários, (ii) não houvesse razão legítima para a recusa; e (iii) o serviço demandado, por si só, fosse indispensável para que o demandante pudesse desenvolver o seu negócio e não houvesse substituto, existente ou potencial, para a rede de distribuição da Mediaprint. Não se pode exigir que o agente dominante subsidie o concorrente Jurisprudência do CADE “A recusa de um fabricante em credenciar empresas como distribuidoras autorizadas não se constitui necessariamente em prática predatória à concorrência. Cabe ao agente econômico, nessas circunstâncias, avaliar e decidir suas estratégias comerciais, assim como lhe cabe, também, o risco do negócio, desde que essas estratégias não tenham por finalidade o domínio de mercado, o prejuízo à livre concorrência e o aumento arbitrário de lucros” (P.A. 42/92 Goodyear) Jurisprudência do CADE “Resulta, pois, que não ficou comprovada a recusa injustificada de fornecimento. À pequena empresa, que atua no varejo, não pode ser assegurado o direito de comprar diretamente da fábrica. A aquisição de pequenas quantidades de produto não é economicamente viável” (P.A. 44/92 – Firestone) Jurisprudência do CADE É lícita a recusa de contratação quando presentes os seguintes requisitos: (i) razoável número de concorrentes no mercado, ou seja, existiam outros agentes igualmente capacitados a fornecer a matéria-prima requerida pelo Representante; (ii) o Representado não detinha posição dominante; e (iii) o produto solicitado pelo Representante constituía uma tecnologia obsoleta, cuja produção não se mostrava mais economicamente lucrativa. P.A. 08000.014821/95-33 Prodap v. Fosfertil – insumo para ração animal Jurisprudência do CADE “Não entendo que essa medida caracteriza recusa de venda dentro das condições normais aos usos e costumes comerciais, tendo em vista que a CSN ainda mantinha outras opções disponíveis a Metalgráfica Giorgi, inclusive a venda à vista. Também não considero que as formas de pagamento oferecidas pela CSN não fossem normais aos usos e costumes comerciais. O que certamente não é condição de pagamento normal aos usos e costumes comerciais é o estabelecimento de crédito à empresa que não conta com boa situação financeira e que não aceita oferecer as garantias exigidas. (...) Ressalto apenas que, em relação à recusa de venda, tem-se entendido que ela, mesmo que configurada, pode ser admitida, desde que não configure tentativa de dominação de mercado ou eliminação da concorrência, mas uma medida de caráter mercantil, no caso, destinada a preservar a empresa fornecedora do risco advindo de uma fundada constatação de má situação financeira de sua cliente.” (Cons. Thompson Andrade, P.A. 08000.024138/96-21) Recusa de contratar e propriedade intelectual Propriedade intelectual Os direitos de exclusiva que decorrem da disciplina jurídica da propriedade intelectual: proteção do software (no Brasil, direito autoral), das marcas e das invenções (patentes) Fundamento: retorno dos investimentos em P&D; estímulo às invenções, combate ao free rider Então…pode o titular da PI se recusar a ofertá-la a terceiros que desejem competir com o inventor em mercados relacionados? Propriedade intelectual O risco do patenteamento excessivo => patentes defensivas Porém: nem toda propriedade intelectual protegida cria um monopólio, pois pode haver mais de uma patente ou software, de distintos agentes econômicos, competindo no mesmo mercado Concorrência intermarcas e intramarca Quanto maior a concorrência intermarcas, menor o risco de condutas anticompetitivas decorrentes da ausência de concorrência intramarcas em mercados relacionados (p.ex., peças de substituição e serviços de manutenção) Porém: risco de alavancagem (leveraging) e efeito “lock in” Proteção autoral Comunidade Europeia: Magill v. RTE e ITP Recusa de fornecimento da programação impedia a criação de um novo mercado para o qual havia demanda potencial Por outro lado, estariam os concorrentes obrigados a colaborar? Magill “The conduct of an undertaking in a dominant position, consisting of the exercise of a right classified by national law as ‘copyright’, cannot, by virtue of that fact alone, be exempt from review in relation to Article 86 of the Treaty”. “The appellants’ refusal to provide basic information by relying on national copyright provisions thus prevented the appearance of a new product, a comprehensive guide to television programmes, which the appelants did not offer and for which there was a potential consumer demand. Such refusal constitutes an abuse under heading (b) of the second paragraph of Article 86 of the Treaty.” Magill “Second, there was no justification for such refusal either in the activity of television broadcasting or in that of publishing television magazines”. “Third, and finally, as the Court of First Instance also held, the appellants, by their conduct, reserved to themselves the secondary market of weekly television guides by excluding all competition in that market (iii) since they denied access to the basic information which is the raw material indispensable for the compilation of such a guide”. Recusa de contratar e PI IBM – System 370 – interface com produtos concorrentes – compromisso de cessação concordando em compartilhar IMS/NDC – recusa de fornecimento de acesso remunerado a estrutura de banco de dados para gestão de farmácias – Comissão condenou, Tribunal reverteu Microsoft, 2007, CFI – interoperabilidade, recusa de licenciamento de PI e venda casada (Windows Media Player) Multa: 497 MM EUR IMS/NDC – posição da CEJ Licenciamento de propriedade intelectual somente deve ser exigido quando: O requerente do acesso pretenda oferecer novos produtos, não fornecidos pelo titular da PI Recusa não seja justificada por razões legítimas Recusa tenha potencial efeito de “reservar” outro mercado para o titular da PI, reduzindo substancialmente a concorrência nesse segundo mercado Recusa de contratar, PI e concorrência no direito brasileiro Ambos são direitos constitucionalmente consagrados: Art. 5º. XXVII - aos autores pertence o direito exclusivo de utilização, publicação ou reprodução de suas obras, transmissível aos herdeiros pelo tempo que a lei fixar; XXIX - a lei assegurará aos autores de inventos industriais privilégio temporário para sua utilização, bem como proteção às criações industriais, à propriedade das marcas, aos nomes de empresas e a outros signos distintivos, tendo em vista o interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do País; Art. 170, IV – livre concorrência PI e concorrência no direito brasileiro Lei 8.884/94 prevê a recomendação ao INPI de licenciamento compulsório de patentes como sanção por prática de ilícito anticoncorrencial Art. 15. Esta lei aplica-se às pessoas físicas ou jurídicas de direito público ou privado, bem como a quaisquer associações de entidades ou pessoas, constituídas de fato ou de direito, ainda que temporariamente, com ou sem personalidade jurídica, mesmo que exerçam atividade sob regime de monopólio legal. Art. 24. Sem prejuízo das penas cominadas no artigo anterior, quando assim o exigir a gravidade dos fatos ou o interesse público geral, poderão ser impostas as seguintes penas, isolada ou cumulativamente: (...) IV - a recomendação aos órgãos públicos competentes para que: a) seja concedida licença compulsória de patentes de titularidade do infrator; Propriedade intelectual e concorrência no direito brasileiro Ambos são direitos constitucionalmente consagrados: Art. 5º. XXVII - aos autores pertence o direito exclusivo de utilização, publicação ou reprodução de suas obras, transmissível aos herdeiros pelo tempo que a lei fixar; XXIX - a lei assegurará aos autores de inventos industriais privilégio temporário para sua utilização, bem como proteção às criações industriais, à propriedade das marcas, aos nomes de empresas e a outros signos distintivos, tendo em vista o interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do País; Art. 170, IV – livre concorrência Propriedade intelectual e concorrência no direito brasileiro Art. 21. As seguintes condutas, além de outras, na medida em que configurem hipótese prevista no art. 20 e seus incisos, caracterizam infração da ordem econômica; (...) XVI - açambarcar ou impedir a exploração de direitos de propriedade industrial ou intelectual ou de tecnologia; Propriedade intelectual e concorrência no direito brasileiro Lei 8.884/94 prevê a recomendação ao INPI de licenciamento compulsório de patentes como sanção por prática de ilícito anticoncorrencial Art. 24. Sem prejuízo das penas cominadas no artigo anterior, quando assim o exigir a gravidade dos fatos ou o interesse público geral, poderão ser impostas as seguintes penas, isolada ou cumulativamente: (...) IV - a recomendação aos órgãos públicos competentes para que: a) seja concedida licença compulsória de patentes de titularidade do infrator; Obrigada! [email protected]