“NÃO SOIS
SOIS MÁQUINAS!
MÁQUINAS!
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Talvez seja esta a grande descoberta ainda por ser feita nas organizações.
Mais do que a pureza e o lirismo de um sonhador, ela revela que a convivência
tão estreita com as coisas coisificou-nos, confundiu-nos com peças e programas
sem nome, sem rosto, com destino duvidoso.
A história de RH, neste quase meio século que contemplamos, ainda é a
história de uma grande descoberta a ser feita. É, certamente, um projeto
inacabado, pois ainda temos dificuldade em definir exatamente o que compõe,
de fato, os melhores recursos de uma organização. Por conta dessa dificuldade
de definição – e de reconhecimento – a prática de RH passou por várias
abordagens no decorrer da história.
Recursos Humanos
Maria Aparecida Rhein Schirato
Nova dinâmica
Na chamada Administração Científica de Taylor, Fayol
e Ford, encontramos os primeiros ensaios de um
departamento organizado para atender às demandas de
registro e de legalidade da relação entre trabalhador e
empresa. Assim nasceu o Departamento Pessoal (DP),
cuja finalidade era garantir que tudo iria correr bem para
a produção do trabalho. “Correr bem” significava realizar
os objetivos do capitalista, que era aumentar o seu capital
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investido. Para tal, era preciso multiplicar os olhos do
capitalista por toda a indústria, para que tudo fosse vigiado,
conferido e realizado conforme seu desejo.
Foi então criada a figura do capataz, filho do feitor e pai
do gerente, aquele cujo objetivo era “incorporar os olhosdo-dono”. Estes “chefes” tinham por tarefa fazer acontecer
o trabalho de acordo com a vontade de quem o patrocinava.
Para tanto, dedicavam-se a caçar ocorrências e deslizes.
Era escolhido pelo capitalista e visto como homem de
confiança, vivendo a esquizofrenia típica deste papel:
“pensar” como patrão e “viver” como empregado.
Certamente, o passado do DP, pai do RH, não é glorioso. os avanços tecnológicos em geral levaram à necessidade
Ele foi criado para o registro de trabalhadores entregues ao de tomadas de decisão mais rápidas, de comunicação mais
destino comum de produzir o máximo possível no menor ágil, portanto, à necessidade de informações “em tempo”
tempo. A função do DP era ser arquivo de gente e, sobretudo, igualmente cada vez menor.
Os conceitos aparentemente consagrados sobre o
buscar gente cujo perfil se encaixasse à necessidade de
binômio
homem-máquina foram questionados à medida
produção da indústria. Nesse processo de recrutamento,
surgiu a necessidade de seleção de habilidades que que também eram questionados os conceitos de qualidade,
reforçassem sem muito custo o resultado do trabalho. O retrabalho, estoque, programação de produção, etc. A
técnico mais hábil para essa seleção deveria ser um estudioso relação de justaposição homem-máquina, como se ambos
do comportamento, um psicólogo: um ajustador entre a oferta estivessem no mundo da produção em pé de igualdade,
como se braços e pernas humanos fossem as partes que
de trabalho e a demanda de trabalhadores.
O DP era composto de poucos elementos, todos a serviço compunham a sinfonia do todo, operando com botões,
de buscar recursos para a realização e continuação do trabalho. alavancas, correias, etc. entra em colapso.
Dá-se por determinação do desenvolvimento tecnológico
Um “arquivista” que registrasse as pessoas em suas funções,
salários, faltas e ocorrências, e um psicólogo que cuidasse – e do pragmatismo advindo dele – a superposição: o
das habilidades adequadas ao trabalho. Pouco a pouco foi trabalhador opera a máquina, programa a máquina, controla
e determina o ritmo da produção: tem que
surgindo a figura do assistente social,
pensar... não basta a memória mecânica
cujo objetivo era prover eventuais
A
história
de
RH,
neste
necessidades sociais como alimentação,
dos gestos repetitivos. O progresso
quase meio século que
saúde, condições de moradia e de
tecnológico e, por conseqüência, o avanço
contemplamos, ainda é a
locomoção da casa para a fábrica. A
informacional determinaram um novo perfil
atenção com as condições gerais de
história de uma grande
de trabalhador: de simples operário passa
produção era fundamental para que a
a operador.
descoberta a ser feita
grande máquina não parasse... nunca.
Com o deslocamento do controle de
Ao DP competia apenas buscar recursos para o trabalho. A produção e qualidade da repetição cega da linha de montagem
figura do capataz não era de sua competência, apenas recebia para indicadores estabelecidos por planejamentos,
dele o “material” necessário para a definição do destino das programação, avaliação, discussões constantes sobre “o que”
pessoas... Ele foi o primeiro “homem de RH” que conhecemos e “como”, a facilidade da subordinação pelo comando se
torna obsoleta e, portanto, improdutiva. Há maior
na história.
comunicação entre os trabalhadores. A aparente linha reta
entre o investimento e o lucro sofre constantes interrupções,
quando no processo de produção o capitalista se defronta
com a necessidade de um controle mais estreito da qualidade,
com a exigência de um planejamento mais apurado do
processo e com os problemas e desafios que a tecnologia
Este complexo de produção, aparentemente bem traz, requerendo um novo perfil de trabalhador. A figura óbvia
organizado, sofria, entretanto, permanentes alterações do capitalista sedento de lucro, via produção, entra também
graças aos avanços tecnológicos, que exigiam novos em colapso. É preciso saber empreender técnicas e engendrar
ajustes das estruturas de funcionamento. À medida que soluções para enfrentar os novos desafios do mundo do
as operações repetitivas foram sendo substituídas pela trabalho. A indústria não é mais uma ilha de produção
automação, o gesto desprovido de pensamento foi encravada no seio da sociedade para ajudá-la a não morrer
reduzindo-se e, de operador na máquina, o trabalhador de fome. Passa, sim, a fazer com o mercado uma dupla mão
passa a operador da máquina.
de direção: a indústria não apenas supre o mercado com
A introdução da esteira rolante com a Ford, a criação oferta de trabalho e produtos, mas também é determinada
dos Círculos de Controle de Qualidade na Toyota, enfim, por ele quanto à sua forma e destino de produção.
Novos conceitos,
novos desafios
...
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O antigo “dono da firma” passa a empreender meios importância estão restritos a registrar pessoas e seus
de produção e lucro, passa a ser empresário. Os processos dentro da organização. No entanto, esta se vê
trabalhadores, igualmente, de simples depositários de obrigada a fazer muito mais do que o registro e a
decisões alheias passam a conviver mais com a idéia de documentação pessoal. A demanda é realmente muito grande,
participação. Há, realmente, mudanças nesses novos como atendê-la?
Temos, hoje, apesar de todos os avanços, um projeto
tempos, que não mais assimilaram a figura bufadora do
capataz e a limitação do acanhado Departamento Pessoal. inacabado para RH. Aonde queremos chegar? Qual a
O avanço tecnológico e informacional mobilizou os melhor direção? A partir de quais valores vamos nortear
especialistas em comportamento na busca de profissionais nossas ações? A quem servimos? Quem representamos?
com os mais variados perfis. A passagem de simples operário Somos recursos para a organização ou levantamos
recursos da organização?... Por uma
para operador, de executor para
hábil manobra da própria inconsistência,
controlador, de objeto de avaliação da
A formalização das políticas muitos profissionais de RH somam
qualidade para o autocontrole da
qualidade, produziu situações de
de RH se mostrou essencial perguntas a perguntas, como se apenas
o papel de questionador fosse
convivência, focos geradores de conflito
para dar conta do enorme
consistente para orientar a prática
que ultrapassaram a competência de
complexo organizacional
cotidiana, as escolhas angustiantes, as
um “chefe” e os limites de uma precária
em que se transformou a
respostas decisivas. A inquietação é
administração de pessoal.
produção do trabalho
legítima. Porém, quando temos questões
Outros itinerários de salvação
reverberando no eco do nada,
foram traçados: era preciso garantir a
viabilidade do trabalho em seu complexo inteligente de assumimos via de regra um papel festivo de adolescência
ação-participação-avaliação, ou seria a falência de todas epistemológica, de descompromisso com o tempo e de
as conquistas tecnológicas e informacionais por mais mornidão nas atitudes efetivas.
espetaculares que elas fossem… Identificar, enumerar,
RH não tem que vir a reboque, ele é carro-chefe. É
arquivar, escalar pessoas era pouco. Fez-se necessária propagador de valores e referência ética. Este frescor pueril
uma corrida desenfreada à procura de recursos de pessoas: dos profissionais de RH, como se tudo não passasse de
Recursos Humanos.
descobertas recentes e entusiásticas, leva-nos à indefinição
ideológica, ao desempenho de franco-atiradores: sem querer
até dá para acertar. Enquanto pautarmos a performance
de RH nos modelos de outros setores-fim, seremos
arremedos de profissionais. Aderir a modismos, comprar
Grandes programas de skill (desenvolvimento de pacotes de treinamentos indistintamente, praticar o
habilidades) foram implementados nas organizações com a caducismo de políticas trabalhistas atualíssimas há mais de
finalidade de captar ao máximo o potencial laborioso dos
meio século nos levam ao amadorismo e ao desserviço.
selecionados. É fato que a criação, a manutenção e a
“Contratamos ou não contratamos?”; “instituímos
expansão de RH se deram de forma reativa, igualmente como
feedback por avaliação ou não?”; “fornecemos incentivos
um recurso. A questão das pessoas, elemento fundamental
de qualquer operação humana, parece sempre estar a à demissão voluntária ou simplesmente demitimos?...”
reboque, vem porque não pode deixar de vir. Entretanto, nunca Estas e outras questões atordoam o dia-a-dia do
profissional de RH. Significam o jogo do vai-não-vai em
se mostrou tão importante como nos últimos dez anos.
A formalização das políticas de RH se mostrou essencial que muitas vezes está o setor de RH, uma nau sem rumo
para dar conta do enorme complexo organizacional em que na condução das pessoas.
Esse projeto inacabado de RH nos indica felizmente
se transformou a produção do trabalho. O DP é e continua
sendo um setor importante, mas não único. Seu papel e alguns caminhos. Se aquele esquema autoritário com chefes
Recursos Humanos
Projeto inacabado
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ferozes e ameaçadores entra em colapso, assim como a
figura do capitalista, então é hora de compor, a muitas mãos,
a “Missa de Requiem” deste passado de submissão e
alienação a que se reduziu a relação homem-trabalho.
É certo que a herança deixada pela estrutura taylorista
ainda está presente. Ao mesmo tempo que despontam
modificações significativas em algumas empresas, em outras
ainda há um cenário autoritário do esquema tradicional de
administração. Se cronologicamente nos distanciamos dos
esquemas primordiais da administração científica,
qualitativamente ainda temos um mix do novo e do velho
modelo de produzir trabalho e gerar lucros. É correto também
afirmar, porém, que nos últimos 45 anos mudanças essenciais
ocorreram, sobretudo de 1980 para cá.
Avanços
Muitas organizações deram efetivamente grandes
avanços na política de RH. Começaram pela identificação
do próprio conteúdo imaginário, da imagem que tem de
pessoa humana e de trabalho e da imagem que querem
construir. Não é mais necessário lançar mão de técnicas
enfeitiçantes para obter adesão e dedicação do trabalhador.
A política de RH contempla uma relação de parceria, em
que possíveis benefícios incorporados à remuneração dos
trabalhadores representam apenas conquistas de redução
de custos ao acesso deste ou daquele bem ou serviço e
não a prática da caridade, da troca do suor pelo feijão, da
dignidade pelo pão.
Já podemos observar alguns avanços significativos já
praticados pela política de RH em muitas organizações:
1. O setor de RH passa a ter profissionais humanistas,
competentes para a atuação com pessoas,
especialistas em comportamento humano e em
relações interpessoais.
- O psicólogo é um especialista em administração
de conflitos, sendo estes encarados como
ocorrências corriqueiras. O psicólogo-testólogo
está ultrapassado. Atualmente os testes bem vistos
são os caracterizadores de personalidade – MBTI,
por exemplo – e não os classificatórios.
- O recrutamento, a seleção e a integração são
vistos como momentos fundamentais na busca
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de novos perfis e novos valores, para fazer
crescer a organização e não simplesmente
endossar a mesmice.
- O assistente social é realmente um cientista social
e não a “dama de caridade que tem dó dos
pobres”. Pratica, portanto, uma política de leitura,
identificação e análise das possíveis demandas
dos vários segmentos sociais, nos seus núcleos
de relacionamento, e intervém como cientista:
busca recursos de aprendizagem, reciclagem,
emancipação e autonomia das pessoas.
- Aparece a figura do consultor interno, o indivíduo
que oferece internamente seu conhecimento e
experiência. A própria formação da consultoria
interna desloca o RH de seu aspecto puramente
institucional e o leva às situações pontuais
necessárias. Ele é itinerante e atende, portanto,
o cliente interno com mais agilidade.
A contratação de pessoas não está somente sob a
forma do emprego pleno. A política de contratação
flexibiliza seus modos de contratar e não se
restringe à carteira de trabalho.
A remuneração é flexível e negociada caso a caso,
com ganhos adicionais por produtividade e
participação nos lucros e resultados.
As promoções, os remanejamentos internos, os
aumentos salariais, a remuneração variável e as
demissões são frutos de um trabalho sério de avaliação
de desempenho, fundamentada em indicadores
objetivos, claros e acordados por todos, para eliminar
arbitrariedade, indicação subjetiva e corporativismo.
A figura do capataz é substituída pela do
coordenador: a liderança baseada na competência
e na construção da afetividade (desenvolvimento
dos sentimentos de troca, reconhecimento e
aceitação). Ele não mais vigia, controla ou
amedronta. Ele coordena estrategicamente o
potencial da equipe para o trabalho.
A organização é apresentada ao trabalhador como
seu primeiro cliente. Todo seu empenho é dirigido
na busca de qualificação para ganho de
competência no seu trabalho.
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Recursos Humanos
7. A criatividade e a afetividade, características
tipicamente femininas, são estimuladas.
Tradicionalmente pautadas em valores masculinos,
as empresas passam a valorizar o “olhar feminino”
e a percepção menos lógico-racional e mais criativa
e afetiva.
8. A empresa foge da mesmice e se abre para o novo.
Para oxigenar a própria cultura e compor novos
valores, integra-se na dinâmica da mescla, na
porosidade da troca, no “vai-e-vem” entre organização
e mercado.
9. As políticas de RH estabelecem como ponto de
honra o estímulo à construção de um conteúdo
saudável no imaginário do trabalhador, que passa
pela elaboração de sua agenda pessoal, onde devem
constar seus vínculos amorosos, seus sonhos, sua
carreira profissional, enfim seu direito à vida plena,
responsável e livre.
Poderíamos somar outros tantos itens às empresas
adultas; àquelas que crescem no mercado sem depender
da venda de ilusões para os trabalhadores e sem travestirse das roupagens de grande família, pois a empresa cresce
na reposição – de peças, sistemas, pessoas, etc. – e a família
cresce na multiplicação de seus membros. São dois universos
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diferentes, confundi-los constitui um equívoco conceitual,
uma ilusão desnecessária, um engano doloso, cujo preço
muitas vezes não é mensurável.
Se foi sugerida a composição de uma Missa de Requiem
para celebrarmos o colapso do caducismo de valores e
práticas ultrapassadas, talvez seja o momento de
comemoração dos avanços nos últimos anos. Se
consideramos RH um projeto inacabado, temos mais a
comemorar nas possibilidades reais de nossos projetos que
ainda estão por vir. Comemoremos a certeza do futuro.
Talvez possamos, então, desde já começar a composição
da esperança numa Sinfonia do Amanhecer...
Maria Aparecida Rhein Schirato é especialista em Psicologia Social
pela PUC-SP e em Psicologia Organizacional pela USP, mestre e
doutoranda em Educação pela USP e professora da pós-graduação da
FAE Business School.
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não sois máquinas! homens é o que sois!