Para uma Antropologia Estrutural... Melo & Alves Para uma antropologia estrutural: um itinerário à leitura existencialista da perspectiva da dialética da história. José Roberto de Melo 1 Adjair Alves 2 Resumo Como atestamos no título do presente texto, buscamos aqui analisar o trabalho de construção da teoria a partir do modelo assinalado pela perspectiva existencialista; tendo como referencial as questões apontadas em Questão de Método por Jean-Paul Sartre e as considerações de Kierkegaard em “O conceito de Angústia”. Trata-se de traçar um itinerário para a leitura e entendimento da perspectiva materialista-histórica da filosofia e da ciência, tendo por base; uma introdução ao método estrutural de compreensão da realidade. Trata-se de um trabalho de leitura acadêmica da obra citada daqueles dois pensadores, e objetiva servir como uma introdução, roteiro de iniciação à leitura filosófica. Palavras-chave: Materialismo. Estrutural. História. Método. _____________ Dialética. Antropologia 1 Graduado em História – Mestrando de Antropologia, PPGA/UFPE. Grupo de pesquisa credenciado pela UPE e com registro no CNPq por nome: ARGILEA – com pesquisa em filosofia e religiosidade – Atualmente vem realizando pesquisa no meio Rural em IATI-PE. 2 Filósofo e Antropólogo – Professor Adjunto na Universidade de Pernambuco. Líder de Grupo de pesquisa credenciado pela UPE e com registro no CNPq por nome: ARGILEA – com pesquisas nos temas: Mudança Social, Religiosidade no meio urbano e Rural, Gênero, Etnicidade, Antropologia do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável. DIÁLOGOS – Revista de Estudos Culturais e da Contemporaneidade – N.° 9 – Maio/Junho - 2013 Para uma Antropologia Estrutural... Melo & Alves Jean-Paul Sartre nasceu em Paris, no dia 2 de junho de 1905. Órfão de pai aos dois anos de idade escreve, mais tarde, sobre a morte do pai: “foi um mal, um bem? Não sei; mas subscrevo de bom grado o veredicto de um eminente psicanalista: não tenho superego.” 3 . Inicia suas atividades literárias com a investigação sobre a “Psicologia Fenomenológica” tendo por objeto o eu, a imaginação e as emoções. O ponto de partida dessas pesquisas era a noção de intencionalidade da consciência, mas Sartre opõe-se a Husserl com uma interpretação existencialista dessa noção. Em “O Existencialismo É Um Humanismo”, Sartre apresenta essa tese de uma forma popular, atenuando, ou não se referindo aos seus caracteres negativos. O Existencialismo é aí definido como a doutrina para a qual “a existência precede a essência, no sentido de que o homem, em primeiro lugar, existe, isto é, encontra-se no mundo, e só depois se define naquilo que é, e quer ser” 4 . Desse ponto de vista, o homem não terá, portanto, uma “natureza” determinante: ele é aquilo em que se torna a partir de um projeto fundamental, que é seu inteiramente, visto que é plenamente responsável pelo seu ser, mas não numa perspectiva individualista, posto que vontade e liberdade tornam-se frutos dos condicionamentos históricos. O homem, assim como suas escolhas, é responsabilizado por todos os outros homens na medida em que a sua opção é, também, opção de todos os outros e dos valores que devem penetrar o mundo e tornar-se realidade. A angústia é apenas “o sentimento da nossa completa e profunda responsabilidade” 5 , não conduzindo, portanto, à inércia, mas à ação. Quanto ao “desespero”, significa apenas “Ter em conta aquilo que 3 Introdução – Os Pensadores, São Paulo: Editora Abril Cultural, 1978, p. VII; 4 5 Jean-Paul SARTRE, O Existencialismo é um Humanismo, p.6; Ibid., p. 7; 88 DIÁLOGOS – Revista de Estudos Culturais e da Contemporaneidade – N.° 9 – Maio/Junho - 2013 Para uma Antropologia Estrutural... Melo & Alves depende da nossa vontade ou o conjunto de probabilidades que tornam possível a nossa ação” 6 : como tal, também, não conduz à inércia, apesar de nos dissuadir de crer na realização infalível daquilo em que estamos empenhados. Desse modo, compreende-se que: O Existencialismo é uma “doutrina otimista” 7 porque afirma que o destino do homem está nele próprio e que o homem só pode confiar na sua ação e só pode viver através dela. Em “Questão de Método”, Sartre apresenta pontos básicos de sua obra, “Crítica da Razão Dialética”, e caracteriza como questão fundamental “verificar a possibilidade de construção de uma antropologia, ao mesmo tempo, estrutural e histórica”. Isto é, “saber se é possível encontrar uma compreensão unitária do homem, para além das várias teorias, das várias técnicas, das várias ciências que o investigam” 8 . Esse novo saber, Sartre o encontra no Marxismo, que considerou insuperável filosofia do século XX. “O clímax de nossas idéias, o meio no qual essas se nutrem... a totalização do saber contemporâneo, porque reflete a práxis que a engendrou”. Notemos, porém, que não é do Marxismo oficial que Sartre está falando. Sartre não pretende revisar ou superar as obras de Marx, pois, para ele, o Marxismo supera-se a si mesmo 9 , sendo uma Filosofia que, por conta própria, adapta-se às transformações sociais. No conjunto dessa concepção em que o Marxismo se constitui a “filosofia de nosso tempo”, o Existencialismo é concebido como “um território encravado no próprio Marxismo” que, ao mesmo tempo, engendra-o e o recusa. O Marxismo Sartreano é, dessa forma, um Marxismo 6 Ibíd., p.112; Idem, Questão de Método. In Os Pensadores, p.111; 8 Ibid., p. 14; 9 Ibíd., p.111,2; 7 89 DIÁLOGOS – Revista de Estudos Culturais e da Contemporaneidade – N.° 9 – Maio/Junho - 2013 Para uma Antropologia Estrutural... Melo & Alves Existencialista, dentro do qual o Existencialismo seria uma ideologia. Ao afirmar ser o Marxismo “Uma Filosofia Insuperável”, Sartre não pretende que se entenda que o Marxismo seja uma filosofia perene, ou eterna. A rigor, afirma que deverá ser superado “quando existir para todos, uma margem de liberdade real além da produção da vida” 10 . A compreensão de eternização de uma Filosofia é contrária à compreensão Existencialista sobre a Filosofia, que concebe a existência de forma sempre contextualizada na História, como um movimento, um devir que não pára, mas possibilita que o homem experimente do SER no tempo. Ao escrever “Questão de Método”, que é uma introdução à Crítica da Razão Dialética, Sartre tem como principais objetivos: acentuar as contradições da Filosofia Contemporânea e, mais especificamente, a França de 1957, agrupando os conflitos internos que, em sua compreensão, dilaceram a Filosofia em torno de uma oposição maior: a Existência e o Saber. Desse modo, questiona: “Temos hoje os meios de constituir uma Antropologia Estrutural e Histórica?” 11 . Sartre fala da Ideologia Existencial, do Existencialismo, como meio pelo qual se estabelece essa Antropologia estrutural e histórica, que pode fornecer subsídio à resolução do problema da angústia humana, que não é algo a ser resolvido pelo simples saber humano. Nestes termos é estabelecida uma crítica à Filosofia: Ela não é um meio homogêneo, “não é uma certa atitude cuja adoção estaria sempre ao alcance de nossa liberdade. Não é um setor determinado da cultura”. Finalmente: “não há uma Filosofia, sombra das ciências” 12 . Há Filosofias – A cada época uma Filosofia domina. Em certas circunstâncias bem definidas, uma Filosofia se constitui para dar expressão ao 10 Ibíd., p.113; Ibid. p.113; 12 Ibid., p.113; 11 90 DIÁLOGOS – Revista de Estudos Culturais e da Contemporaneidade – N.° 9 – Maio/Junho - 2013 Para uma Antropologia Estrutural... Melo & Alves movimento geral da sociedade e, enquanto vive, é ela que serve de meio cultural aos contemporâneos. A Filosofia é uma maneira pela qual uma determinada classe “ascendente” toma consciência de si. Esse aparelho deve apresentar-se como a totalização do saber contemporâneo, para ser verdadeiramente Filosófico. “O Filósofo opera a unificação de todos os conhecimentos” 13 . A Filosofia não é uma coisa inerte, como unidade passiva e já terminada do saber. Nascida do movimento social, ela própria é movimento. Essa totalização concreta é, ao mesmo tempo, o projeto abstrato de só seguir a unificação até seus últimos limites; é um método de investigação: reproduz as certezas da classe que o sustenta. A Filosofia é prática, mesmo aquela que parece de início, a mais contemplativa. O método é uma arma social e política. Temos mais uma vez que a Filosofia de uma época corresponde à consciência social desta época, sendo oriunda dela e servindo ao mesmo tempo de instrumento de emancipação. “A Filosofia permanece eficaz enquanto vive a práxis que a engendrou, que a sustém, e é por ela iluminada. Mas se transforma, perde sua singularidade, despoja-se de seu conteúdo original e datado, na medida mesma em que impregna pouco a pouco as massas, para tornar-se nelas, e por elas, um instrumento coletivo de emancipação” 14 . Não há Filosofia perene. A Filosofia é um instrumento de classe e, à proporção que a classe dominada toma consciência de si, passa a refletir sobre sua superestrutura, o 13 14 Ibid., p. 114; Ibid., p. 114; 91 DIÁLOGOS – Revista de Estudos Culturais e da Contemporaneidade – N.° 9 – Maio/Junho - 2013 Para uma Antropologia Estrutural... Melo & Alves que possibilitará possível modificação de seus próprios valores e práticas sociais. Sobre uma determinada época há uma consciência, ou dito de outro modo, a cada época corresponde uma Filosofia. Sartre destaca, por exemplo, três momentos entre os séculos XVII e XX: o de Descartes e Locke, o de Kant e Hegel, e, finalmente, o de Marx. Essas Filosofias são insuperáveis, enquanto o momento histórico de que são expressões não tiver sido superado. Se não houver movimento na Filosofia, ela estará morta ou em crise. Se em crise, é necessária uma revisão. “Aqueles que se acreditam os porta-vozes mais fiéis de seus predecessores, apesar de sua boa vontade, transformaram os pensamentos que desejavam somente repetir” 15 . São os ideólogos que empreendem ordenar os sistemas ou conquistar, com métodos novas terras ainda mal conhecidas e que dão às teorias funções práticas e delas se servem como instrumentos para destruir e para construir. Eles se alimentam de pensamentos vivos dos grandes mortos. Esses pensamentos constituem seu meio cultural e seu futuro, determinam o campo de suas investigações e mesmo de suas “criações”. O Existencialismo é uma ideologia, um sistema parasitário que vive à margem do saber Filosófico Clássico, ao que, de início, opôs-se e ao que, hoje, tenta integrar-se. Nasce da reflexão do pensamento do dinamarquês Kierkegaard, que recusou veementemente o intelectualismo Hegeliano. É a superação da “consciência infeliz” que, para Kierkegaard, permanece puramente verbal. O Homem existente não pode ser assimilado por um sistema de idéias (Conceito de Angústia – Kierkegaard). Por mais que se possa dizer e pensar sobre o sofrimento, ele escapa ao saber, na medida em que é sofrido em si mesmo, para si mesmo. Assim, o saber permanece incapaz de transformá-lo. “O Filósofo constrói um palácio de idéias e habita uma choupana” 16 . Só através da fé, no divino, o 15 16 Ibid., p. 117; Ibid., p.117; 92 DIÁLOGOS – Revista de Estudos Culturais e da Contemporaneidade – N.° 9 – Maio/Junho - 2013 Para uma Antropologia Estrutural... Melo & Alves homem escapa à angústia. Para Kierkegaard, porém, o divino não é um objeto de saber objetivo; a existência divina é, pois, visada por uma fé subjetiva. Essa fé, por sua vez, não se reduzirá nunca a um momento superável, a um conhecimento. Para Kierkegaard, a vida subjetiva na medida mesma em que é vivida, não pode jamais ser objeto de um saber. Esta interioridade que pretende afirmar-se contra toda Filosofia, na sua estreiteza e profundidade infinita, e que é reencontrada, para além da linguagem, como a aventura pessoal de cada um em face dos outros e de Deus, é o que Kierkegaard chamou de existência. É a Kierkegaard que se deve a incomensurabilidade entre o real e o saber. Sua obra pode ser considerada, ainda, como a morte do idealismo absoluto: “Não são as idéias que modificam os homens, não basta conhecer uma paixão pela sua causa para suprimi-la, é preciso vivê-la, opor-lhe outras paixões, combatê-la com tenacidade, enfim trabalhar-se” 17 . O Marxismo também se volta contra Hegel, embora sob outra perspectiva. Para Marx, Hegel confundiu a objetivação, simples exteriorização do homem no universo, com a alienação que volta contra o homem sua exteriorização. A objetivação seria um desabrochamento; ela permitiria ao homem, que produz e reproduz incessantemente sua vida e que se transforma modificando a natureza, “contemplar-se a si mesmo num mundo que ele criou” 18 . Nenhuma prestidigitação dialética pode tirar daí a alienação, pois não se trata de um jogo de conceitos, mas da história real. “Na produção social de sua existência os homens entram em relações determinadas, necessárias, independentes de sua vontade; estas relações de produção corresponde a um 17 18 Ibid., p.117; Ibid., p.117; 93 DIÁLOGOS – Revista de Estudos Culturais e da Contemporaneidade – N.° 9 – Maio/Junho - 2013 Para uma Antropologia Estrutural... Melo & Alves grau de desenvolvimento dado de suas forças produtivas materiais; o conjunto destas relações de produção constitui a base real sobre a qual se eleva uma superestrutura jurídica e política e à qual correspondem formas de 19 consciência social determinadas” . Na fase atual da nossa história, as forças produtivas entram em conflito com as relações de produção, o trabalho criado é alienado, o homem não se reconhece no seu próprio produto e seu labor fatigante lhe aparece como força inimiga. Já que a alienação surge como resultado desses conflitos, e é uma realidade histórica e perfeitamente irredutível a uma idéia, para que os homens dela se libertem e para que seu trabalho se torne pura objetivação de si mesmo, não são suficientes “que a consciência se pense a si mesma” 20 . Marx marca a prioridade da ação (trabalho é práxis social) sobre o saber, assim como sua heterogeneidade, quando escreve: “da mesma maneira que não se julga um indivíduo a partir da idéia que ele faz de si mesmo, não se deve julgar uma... época de convulsão revolucionária a partir de sua consciência de si” 21 . O fato humano é irredutível ao conhecimento; ele deve ser vivido e produzido: não se deve confundi-lo com a subjetividade vazia de uma pequena burguesia puritana e mistificada. O homem é o centro da pesquisa marxista, é o tema da totalização Filosófica. Esse homem que se define simultaneamente pelas suas necessidades, pelas condições materiais de sua existência e pela natureza de seu trabalho, isto é, de sua luta contra as coisas e contra os homens. 19 Ibid., p.117; Ibid., p.117; 21 Ibid., p.118; 20 94 DIÁLOGOS – Revista de Estudos Culturais e da Contemporaneidade – N.° 9 – Maio/Junho - 2013 Para uma Antropologia Estrutural... Melo & Alves Marx afirma com Kierkegaard a especificidade da existência humana e, com Hegel, o homem concreto na sua realidade objetiva. Pareceria natural, nessas condições que o Existencialismo, este protesto contra o idealismo e o idealista, houvesse perdido toda a totalidade e não tivesse sobrevivido ao declínio do hegelianismo. Em Questão de Método, após uma análise sobre as diversas correntes existencialistas discutindo seus métodos, Sartre apresenta o existencialismo que se desenvolveu à margem do Marxismo e não contra ele. Por sua presença real, uma filosofia transforma as estruturas do saber, suscita idéias, mesmo quando define as perspectivas práticas de uma classe explorada, polariza a cultura das classes dirigentes e modifica-a. “As ideias da classe dominante são a ideias dominantes” 22 . O Existencialismo Sartreano herda do Marxismo o seu método, conhecido pela denominação de “Dialética”. Sobre a verdade, afirma: “se algo como a verdade deve poder existir na antropologia, ela deve ser devinda, deve fazer-se totalização” 23 . Uma tal totalização está perpetuamente em curso com a história e como verdade histórica. É evidente que as contradições e suas superações sintéticas perdem toda significação e toda realidade, se a história e a verdade não são totalizantes. Mas, nesse momento de reflexão, Sartre põe uma questão que poderá ser colocada por qualquer especulador da Filosofia contemporânea: por que guardou o “Existencialismo” sua autonomia? Por que não se dissolveu no Marxismo? Segundo Sartre, Lukács havia respondido em sua época que “o Existencialismo seria uma espécie de terceiro caminho a que os intelectuais burgueses escolheram por situarse entre o Materialismo e o idealismo, visto que tenham que abandonar o método do idealismo, embora salvaguardassem 22 23 Ibid., p.120; Ibid., p.120; 95 DIÁLOGOS – Revista de Estudos Culturais e da Contemporaneidade – N.° 9 – Maio/Junho - 2013 Para uma Antropologia Estrutural... Melo & Alves seus resultados” 24 . Porém tal resposta era considerada apressada e não muito fundamentada. Sartre; parece-nos, estabelecer uma acusação aos “marxistas”, de grande erro e de terem estacionado sua filosofia. Segundo ele, operou-se no seio do Marxismo uma cisão que lançou teoria de lado e práxis de outro. E afirma: “O pensamento concreto deve nascer da práxis e voltar-se sobre ela para iluminá-la: não ao acaso e sem regras, mas, como todas as ciências e todas as técnicas, em conformidade em princípios” 25 . Esta cisão entre teoria e prática teve como resultado, transformar esta num empirismo sem precedentes; e aquela, num saber puro e cristalizado. A radical repulsa ao idealismo parecia ser o problema que gerou a violência no seio do Marxismo, a ponto de os intelectuais Marxistas acreditarem que servia melhor ao seu partido, violando a experiência, negligenciando os dados e, sobretudo, conceituando-o antes de tê-lo estudado. Sartre reclama desta forma, a necessidade de se fazer presente a ideologia existencial. Critica ainda os marxistas por eternizarem os conceitos. “Os conceitos abertos do Marxismo se fecharam; não mais são chaves, esquemas interpretativos: eles se põem para si mesmo como saber já totalizado” 26 . Ele afirma que Marx, por sua vez, considerava a verdade enquanto “devir”. Os marxistas, segundo Sartre, perverteram seus primordiais objetivos, não sendo mais o de adquirir conhecimento, mas o de constituir-se “a priori” em saber absoluto. Em face desta dupla ignorância, o Existencialismo pôde renascer e se manter porque reafirmava a realidade dos homens, como Kierkegaard afirmava contra Hegel sua própria realidade. 24 Ibid., p.121; Ibid., p.123. 26 Ibid., p.123. 25 96 DIÁLOGOS – Revista de Estudos Culturais e da Contemporaneidade – N.° 9 – Maio/Junho - 2013 Para uma Antropologia Estrutural... Melo & Alves Tanto o Existencialismo como o Marxismo visam ao mesmo objetivo, porém enquanto o Marxismo reabsorveu o homem na idéia, o Existencialismo procura-o por toda parte onde ele está. Parece-nos que Sartre quer denunciar aqueles que, extremamente contrários ao idealismo, utilizam-se da práxis como forma de poder, deturpando, dessa forma, o caráter prático da Filosofia. Em Questão de Método, Sartre pretende mostrar estas contradições e, ao mesmo tempo, apresentar a ideologia Existencialista como uma forma de reconduzir o homem em direção a uma postura em que a interação homemmundo seja construída dialeticamente. Estamos situados num “devir” que se totaliza no movimento. Filosofia é uma pesquisa que tem a pretensão de ser verdadeira, que se afirma num movimento contínuo. Constantes conclusões que se faz totalização. A Filosofia é contextualizada; mas é também um movimento interminável que não se esgota em seu tempo. Sartre quer mostrar um caminho pelo qual se possa tomar como meios para construir uma antropologia estrutural e histórica. É, portanto, de Kierkegaard que Sartre se queixa de Ter desenvolvido um anti-espírito religioso, visto que, para Kierkegaard, “a angustia humana não poderia ser superada pelo saber”. Segundo Sartre, é no Marxismo dialético que reside o método capaz de construir a antropologia estrutural e histórica. Mas Sartre acusa os marxistas de terem fechado o pensamento de Marx, visto que, segundo Marx, o pensamento não pára, e a história é o processo ao qual devemos recorrer para resolvermos o problema da angústia humana, apesar dos marxistas encerraram este pensar vedando o seu desenvolvimento. Eis por que romper com o marxismo, que pretende ser, a priori, um saber absoluto. É renascendo daí que o existencialismo se mantém, por afirmar a realidade dos 97 DIÁLOGOS – Revista de Estudos Culturais e da Contemporaneidade – N.° 9 – Maio/Junho - 2013 Para uma Antropologia Estrutural... Melo & Alves homens, como Kierkegaard afirmava contra Hegel sua própria realidade. O Marxismo reabsorveu o homem na idéia, enquanto que o Existencialismo procura-o por toda parte, diz-nos Sartre. O Existencialismo é esta possibilidade capaz de mostrar a relação entre conhecimento e ser, que chamamos de “Razão Dialética”. O conhecimento é um modo de ser, mas não se pode pensar em reduzir o ser ao conhecido quando se fala em perspectiva materialista. Contextualizar Sartre no entre Guerras O Existencialismo ateu sartriano ganhou força no contexto do pós-guerra na Europa, defendendo o engajamento intelectual e denunciando a crise da razão ocidental na construção do antropocentrismo. Dessa forma Sartre deixa claro que sua ideologia é antropocêntrica, mas traz a responsabilidade do destino humano para sua própria conduta, uma vez que não entende o destino da humanidade ligado a um ser transcendental. A transcendência humana nessa concepção é entendida como uma abertura humana através da linguagem e de sua condição metafísica, mas não como uma transcendência mística religiosa. O ser é transcendente na medida em que se constitui para si no mundo. O ser também é entendido como em si, um ente no mundo, como objeto, sua condição material e inerte, mas para si é constituído de uma abertura metafísica que se dá pela linguagem. Assim o ser é constituído de signos e significado na linguagem, dessa forma Sartre se aproxima da concepção Heideggeriana (2012) de ser, uma vez que a linguagem é a casa comum do ser. Como ser em si é herdeiro de um passado histórico, mas como ser para si é responsável pelo seu próprio destino, uma vez que o homem está condenado á liberdade e a escolha. É justamente nesse processo de escolhas e responsabilidades que o existencialismo denuncia as tragédias humanas do século 98 DIÁLOGOS – Revista de Estudos Culturais e da Contemporaneidade – N.° 9 – Maio/Junho - 2013 Para uma Antropologia Estrutural... Melo & Alves XX, responsabilizando a racionalidade e a própria humanidade por as guerras e pelo imperialismo econômico. Por esse motivo essa corrente ideológica foi apontada como pessimista, por mostrar a miséria e condição humana, quando na realidade o que pretendia era responsabilizar o homem pelos fatos históricos e mostrar que é imprescindível uma reconstrução da humanidade nas escolhas de cada sujeito. Dessa forma o ser é concebido como sujeito, histórico e humano, que se faz na sua condição matéria e na sua dimensão metafísica. Essa concepção permite ao homem se fazer a si mesmo, construir sua história, romper com sua condição já que cada escolha precede e é precedida por outra escolha. O que esta no contexto em que Sartre elaborou sua teoria é que o homem sendo político deveria se posicionar, pois até mesmo seu próprio não posicionamento já é em sim uma escolha que irá permitir que nada mude. Isso demonstra que o homem enquanto sujeito que faz a história está sempre num constante dilema, no qual tem que conduzir suas escolhas e seus valores que conduzem suas escolhas. A fenomenologia influenciou essa ideologia na medida em que mostra que a percepção subjetiva dos homens é quem define e conduz suas escolhas. É bom esclarecer que o próprio fato de não poder escolher entre A ou B para Sartre já é uma escolha, pois se só é possível escolher A a percepção subjetiva poderá condicionar e possibilitar a forma dessa e outras escolhas. Fica claro que Sartre pretendia centralizar no homem a chave e o caminho para o ser e para o destino da humanidade. Isso produz uma imensa leveza e uma profunda responsabilidade. Leveza na medida em que mostra que o homem está experimentando de si mesmo, se fazendo a si mesmo, mediante suas escolhas e suas condições, numa eterna negociação com os outros que são um inferno, por serem condição e limite das escolhas, já que o outro também é um eu. A responsabilidade se dá na medida em que somos responsáveis por nosso destino e por toda humanidade, já que a 99 DIÁLOGOS – Revista de Estudos Culturais e da Contemporaneidade – N.° 9 – Maio/Junho - 2013 Para uma Antropologia Estrutural... Melo & Alves única humanidade que conhecemos é a que reside em nós, condicionados ao chão da história os homens podem criar novas possibilidades de ser, novos valores e reconduzir o futuro numa direção melhor. Ler as obras de Sartre é reviver o sonho de uma época, em que se pensava o papel dos intelectuais, os direitos das minorias, sobretudo o lugar e o papel da teoria, já que seu pensamento é praxiológico. Contestado e exaltado é um autor que marcou várias gerações, por isso é digno de uma leitura mais cuidadosa, que aqui não é possível devido aos limites do próprio texto, assim como deve ser contextualizado para não cometermos anacronismos históricos nem fazermos mal uso de suas ideologias e produções literárias. Referências SARTRE, Jean-Paul. O Existencialismo é um Humanismo. 3. ed., Col. Os Pensadores, Nova Cultural, São Paulo, 1987. ________. Questão de Método. Col. Os Pensadores, Nova Cultural, São Paulo, 1987. HEIDEGGER, Martin. Ser e Tempo. Petrópolis: Vozes, 2012 KIERKEGAARD, Sören. O Conceito de Angústia. Editora Presença, Lisboa, 1972. 100 DIÁLOGOS – Revista de Estudos Culturais e da Contemporaneidade – N.° 9 – Maio/Junho - 2013