ENTREVISTA LISA GUNN
25 anos
A história do Idec se inicia em 1987, mais precisamente em
21 de julho, quando o evento realizado no Museu da Imagem e do
Som (MIS), em São Paulo, tornou concreto o projeto de um grupo de
pessoas que já trabalhavam com defesa do consumidor em órgãos
públicos. O Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (o B
não consta da sigla Idec) foi criado para ser uma associação
de consumidores sem fins lucrativos, que lutaria de forma
coletiva pelos direitos dos consumidores brasileiros.
Muita coisa aconteceu nesses 25 anos, o que levou o
Instituto a se reinventar e se adaptar, por exemplo, a
novos temas (como comércio eletrônico, sustentabilidade, transgênicos etc.), mas sem nunca perder de vista
seus princípios e sua missão, que é promover a educação, a conscientização, a defesa dos direitos do
consumidor e a ética nas relações de consumo,
com total independência política e econômica.
Recém-chegada do Rio Janeiro, onde
esteve representando o Idec na Rio+20, a
coordenadora executiva, Lisa Gunn,
concedeu esta entrevista, na qual conta
um pouco da história do Instituto,
fala dos desafios que ele enfrenta, das
vitórias, dos testes e das pesquisas que
realiza, entre outros assuntos. Socióloga
e mestre em ciências ambientais, Lisa
coordena o Idec desde 2008. Mas sua
trajetória no Instituto começou em 2002,
quando foi contratada como pesquisadora
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Idec
DE LUTA
IDEC: Quais eram os objetivos dos fundadores
IDEC: A que se deve a credibilidade que o Idec tem perante o gover-
do Idec?
no, a imprensa e até as próprias empresas?
Primeiramente, precisamos
lembrar que estávamos vivendo um momento de redemocratização, e movimentos que
até então aconteciam na clandestinidade
começavam a ser institucionalizados. Nesse
contexto, o Idec foi fundado por pessoas que
já haviam trabalhado com defesa do consumidor na administração pública e que perceberam as limitações de seu trabalho.
O objetivo, ao criar o Idec, era ter uma
associação civil que lutasse de forma coletiva pelos direitos dos consumidores, porque
já havia o Procon-SP, que faz um trabalho
brilhante e importante de atender os consumidores individualmente.
O Idec orienta seus associados sobre seus
direitos nas relações de consumo, e quando percebe que muitos consumidores estão
enfrentando os mesmos problemas, cobra
os órgãos públicos para que melhorem a
regulação e a fiscalização. E quando isso não
funciona, parte para a ação judicial coletiva,
principalmente, ações civis públicas, que
beneficiam não só os associados, mas todos
os consumidores brasileiros.
LG: Ela se deve à seriedade do trabalho do Instituto. Quando
fazemos um teste ou uma pesquisa, por exemplo, além de seguir
uma metodologia bastante rigorosa, notificamos as empresas e os
órgãos públicos competentes antes de divulgar o resultado, para
dar oportunidade de eles se manifestarem. Além disso, todas as
críticas que fazemos em relação às empresas ou ao governo são
baseadas em estudos. O Idec é propositivo; ele faz propostas para
melhorar produtos, serviços, políticas públicas de defesa do consumidor e regulamentos.
LISA GUNN:
IDEC: Como são definidos os temas dos testes e das pequisas publi-
cados na Revista
do Idec?
E quais as dificuldades para realizá-los?
Temos dois critérios: ficamos atentos aos principais problemas que os consumidores enfrentam e aos temas emergentes,
como sustentabilidade socioambiental, e a setores em desenvolvimento, como o comércio eletrônico.
As principais dificuldades para realizar testes e pesquisas são
os custos com os técnicos que os realizam e com os laboratórios
que analisam as amostras dos produtos. Por isso é importante
conseguirmos mais associados, pois assim aumentamos nossa
capacidade de atuação. Grande parte dos testes e das pesquisas são realizados com recursos próprios do Idec, vindos dos
associados. Só quando eles são sobre um tema emergente é que
recebemos apoio externo. Por exemplo, a fundação americana
Climate Works Foundation apoia nossos trabalhos relacionados a
mudanças climáticas.
LG:
IDEC: O Idec é uma entidade sem fins lucrativos.
Como ele busca seu equilíbrio financeiro?
IDEC: Nesses 25 anos, o Idec alcançou muitas vitórias em prol dos
A independência e a autossustentação
estão em nosso DNA. Sessenta e oito por cento
da receita do Idec são provenientes das contribuições dos associados (apenas de pessoas físicas, não podemos receber ajuda ou doação de
empresas). O restante da receita é proveniente
de projetos que têm como objetivo a ampliação
do nosso horizonte de atuação.
É importante ter associados não apenas
pela questão financeira, mas principalmente
pela questão política. O Idec é uma associação de consumidores, e uma associação é
feita de associados. Ao manter as associações,
o Instituto contribui para que se desenvolva
no Brasil a cultura de se organizar, de sair do
âmbito individual e partir para o coletivo, para fazer valer nossos direitos.
consumidores brasileiros. É possível destacar algumas?
LG:
LG: Algumas vitórias não são perceptíveis, porque são internas
e contribuem para o aperfeiçoamento do relacionamento com as
empresas e de processos dentro do governo. Mas podemos destacar algumas vitórias bastante concretas, como a confirmação pelo
Supremo Tribunal Federal (STF), em 2007, de que o Código de
Defesa do Consumidor [CDC] se aplica às relações entre bancos
e correntistas; a recuperação do dinheiro perdido pelos cidadãos
por conta dos planos econômicos; a retirada de medicamentos
inseguros do mercado; a aprovação de novas regras para a qualidade da banda larga; a jurisprudência a favor do consumidor
conseguida por meio de diversas ações judiciais e o reconhecimento da legitimidade das associações civis para ajuizar ações em
defesa da coletividade.
Os testes de produtos e serviços também são uma vitória, pois
informam o consumidor e incentivam as empresas a melhorar suas
práticas. Além disso, muitos deles contribuem para que sejam esta-
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ENTREVISTA LISA GUNN
belecidas normas técnicas mais efetivas para a proteção do consumidor.
IDEC: Quais os maiores desafios do Idec?
LG: Um desafio perpétuo do Idec é
contribuir para que todos os brasileiros
tenham acesso a serviços essenciais e a
uma vida digna, e que esses serviços
tenham qualidade e sejam seguros.
Outros desafios são: 1. garantir o
respeito ao CDC, sua efetiva implementação e sua preservação como
uma legislação geral e principiológica;
2. aperfeiçoar os mecanismos de participação social nos processos regulatórios; 3. a educação para o consumo.
No momento nos preocupa bastante
a educação financeira, pois é preciso evitar o superendividamento do
consumidor brasileiro; 4. contribuir
para o estabelecimento de políticas
públicas integradas que estimulem
mudanças nos padrões insustentáveis
de consumo. Essa não é uma mudança fácil, porque não depende só do
consumidor, mas também das empresas e dos governos.
E nos anos mais recentes tivemos a
inclusão de 40 milhões de brasileiros
no mercado de consumo, que nos
apresenta o desafio não apenas de
garantir que eles tenham acesso a
bens e serviços de qualidade, mas de
mudar os padrões de consumo para
evitar grandes impactos.
E, por fim, o advento da internet
e o desenvolvimento do comércio eletrônico, que têm mudado as relações
de consumo.
IDEC: Desde 2011, o Idec tem feito mais
campanhas virtuais de mobilização. Por
que foi criada uma área de mobilização?
LG: Percebemos que para o Idec
continuar sendo uma associação relevante, precisava investir mais na mobilização dos consumidores. As campanhas sempre tiveram um papel importante na história do Idec, mas com a
evolução das tecnologias digitais de
informação e comunicação é possível
mobilizar os consumidores não só no
mundo real, mas também no virtual.
IDEC: O Idec acompanhou a criação das
IDEC: Da fundação do Idec, em 1987, até
agências reguladoras, há cerca de dez
hoje, quais foram as principais mudan-
anos. Elas evoluíram?
ças que ocorreram na defesa do consu-
LG: Observamos alguns avanços,
como a diminuição da resistência
à ideia de que também é papel das
agências proteger o consumidor.
Algumas delas têm buscado aperfeiçoar os mecanismos de participação;
a Lei de Acesso à Informação, recentemente aprovada, também nos deu
condições para exigirmos mais transparência. Porém, ainda temos muito
que avançar. Grande parte das reclamações dos consumidores é sobre
setores regulados, o que demonstra
que a regulação setorial precisa ser
mais efetiva. E para isso é importante
a participação das organizações de
consumidores e dos próprios consumidores nos processos regulatórios.
midor e nas relações de consumo?
LG: Em 1990, tivemos a aprovação
do CDC, que foi um passo fundamental para a proteção dos consumidores
no Brasil. Outro marco importante
foi a criação, em 1998, do Fórum
Nacional das Entidades Civis de
Defesa do Consumidor (FNECDC),
do qual o Idec faz parte. Ele é uma
demonstração de solidariedade entre
as associações consumeristas que preservam a independência e a ética.
Nesses 25 anos também observamos a privatização dos serviços públicos, o que gerou grande impacto nas
relações de consumo, e a deficiência
do Estado em defesa do consumidor.
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Também é necessário um investimento maior nos processos de fiscalização. É preciso punir os fornecedores que desrespeitam as regras de
forma que “doa no bolso” deles.
IDEC: Qual o objetivo do banco de mo-
nitoramento da regulação, disponível
no portal do Idec?
É informar a realização de
consultas e audiências públicas de
quatro agências reguladoras (Agência Nacional de Vigilância Sanitária,
Agência Nacional de Saúde Suplementar, Agência Nacional de Energia Elétrica e Agência Nacional de
Telecomunicações). Para isso, monitoramos o site desses órgãos diariamente para saber quais audiências e
consultas públicas foram abertas, e
imediatamente atualizamos o banco,
explicando em uma linguagem clara
o que será discutido. Dessa forma,
promovemos a participação social na
regulação, assim como das organizações da sociedade civil e dos órgãos
do Sistema Nacional de Defesa do
Consumidor. Sabemos que as empresas participam em peso dessas consultas e audiências públicas, por isso
precisamos equilibrar o jogo.
LG:
IDEC: Que recado você gostaria de dei-
xar aos associados?
LG: Quero agradecer profundamente o apoio que eles nos dão, pois
sem isso o Idec não poderia realizar
suas atividades; e convidá-los a participar das campanhas na internet, a
divulgar o nosso trabalho; a enviar
para a revista cartas, seus casos reais,
sugestões de matérias e de testes e
pesquisas, elogios e críticas.
SAIBA MAIS
Leia a entrevista completa
no portal do Idec <www.
idec.org.br>
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