III SEMINÁRIO POLÍTICAS SOCIAIS E CIDADANIA
AUTORES DO TEXTO: Michele Ribeiro de Oliveira; Renata Lígia Rufino Neves de
Souza
A inserção das mulheres na assistência social: resignificação da política e
implicações neoliberais
RESUMO: A política assistência social no Brasil, a partir da Constituição de 1988
resignifica-se ao receber o status de direito do/a cidadão/ã e dever do Estado na
concretização enquanto política pública. Na atualidade presencia-se a ampliação de
programas e projetos de caráter seletivo e focalizado, que são direcionados para as
famílias em situação de vulnerabilidade e risco social, face ao crescente acirramento da
desigualdade social, do desemprego ou formas precarizadas de trabalho e da pobreza
que vem afetando amplo segmento da população e sobremaneira as mulheres. Nesse
sentido, o presente artigo aborda à inserção das mulheres na política de assistência
social na atualidade, que através das ações sócioeducativas, geração de renda,
transferência de renda e benefício eventuais possibilita o reforço à assimetria nas
atribuições entre mulheres e homens nas relações sociais. O discurso da centralidade da
família foca a mulher como principal responsável no desenvolvimento das políticas
sociais, com cumprimento das condicionalidades e permanência da família nos programas
de transferências de renda que permitem acesso à remuneração temporária e
insuficiente. Observa-se o enfoque dos programas socioeducativos para dimensão
“socializadora” das mulheres quanto ao cuidado das crianças/integrantes familiares e a
realização de atividades na esfera doméstica na reprodução social. Nos cursos de
geração de renda prioriza atividades direcionadas ao público feminino, enfocando
atividades
manuais,
com
possibilidades
de
realização
no
próprio
espaço
privado/doméstico e com baixa remuneração. Por fim, no atual expansão de acumulação
capitalista promove a retração dos investimentos do Estado, desemprego, acirramento
das desigualdades e expansão da pobreza, evidencia-se que as mulheres são fortemente
atingidas.
Palavras-Chave: Gênero, Estado, Assistência Social.
Introdução: A política de assistência social assume nova (re) significação a partir da
Constituição de 1988, integrando a Seguridade Social brasileira. Num contexto de ênfase
do discurso governamental na referida política, faz-se necessário compreender que a
ampliação de programas e serviços sociassistenciais, uma vez que sinaliza para a
existência de amplo contingente de indivíduos e grupos sociais atingidos pela pobreza e
desigualdade social no atual estágio de expansão do capital, em que se tornam
contundentes a contradição e antagonismo, características intrínsecas a esse sistema.
Nesse sentido, a intervenção do Estado propicia prover minimamente o
atendimento ao acesso a serviços e necessidades dos indivíduos ou grupos sociais,
garantindo direitos assegurados em lei. Entretanto, essas medidas explicitam uma
precarização ou inexistência de serviços, concernente a recursos humanos, estrutura de
serviços e articulação com demais políticas sociais.
O presente trabalho discute a importância da resignificação da política da
assistência social, considerando a LOAS e a implantação do SUAS, garantias legais e
status dessa política na esfera pública enquanto dever do Estado e direito do/a
cidadão/ã. Ainda, destaca-se a (contra) reforma do Estado, sob a égide da diretriz
neoliberal, que tem o direcionamento de políticas públicas segmentadas, focalizadas e
com centralidade na família, priorizando a mulher como sujeito principal e responsável
para desenvolvimento das atividades, cuidado dos membros familiares e cumprimento de
condicionalidades para permanência nos programas. Nesse contexto, destacam-se os
cursos de geração de renda, programas de transferência de renda, benefícios eventuais e
ações socioeducativas, em que se observam o reforço da subalternidade da mulher.
Ainda, as políticas sociais passam a reforçar as atribuições construídas sócioculturalmente do “ser mulher/cuidadora/mãe”, ou seja, como responsável pelo cuidado
da família, do espaço doméstico, assim, influencia práticas assimétricas nas relações
entre homens e mulheres na sociedade mediatizadas pela ideologia do Estado burguês e
patriarcal.
Política de Assistência Social no Brasil: da benesse ao direito
Ao discutir a política de assistência social brasileira é necessário compreender a
construção histórica das políticas sociais no país, são concebidas pela ótica do favor,
benemerência, caridade e na esfera do não direito.
A constituição e desenvolvimento das políticas sociais decorrem das relações da
sociedade capitalista contemporânea, mediatizadas pela ação do Estado nas relações
sociais. Notadamente, como forma de interferir na relação entre classes sociais, do
conflito capital e trabalho, o Estado sistematiza políticas sociais, que representam o
mecanismo de resposta política do Estado nas expressões da “questão social”. Esta é
indissociável do processo de acumulação da sociedade capitalista e dos efeitos que
produz sobre o conjunto da classe trabalhadora, na disputa pela riqueza produzida
socialmente e apropriada de forma desigual. Portanto, a “questão social” é entendida
como expressão das disparidades econômicas, políticas e culturais das classes sociais,
mediatizadas por relações de gênero, características étnico-racionais e formação
regional, colocando em causa as relações entre amplos segmentos da sociedade civil e o
poder estatal (IAMAMOTO, 2004).
Ao legitimar a intervenção política na “questão social” pelo Estado, explicita a
disputa pelo acesso a bens/serviços socialmente construídos. Entretanto, a configuração
assumida pelo Estado difere entre os países, sejam cêntricos ou periféricos do
capitalismo, modelado pela sua construção histórica e as forças sociais de dado contexto
social, mediatizada por relações de gênero e classes.
Assim, compreende-se que é no momento de consolidação do capitalismo, na sua
fase monopólica, o Estado é compelido a realizar uma intervenção não apenas
econômica, mediante políticas sociais. Segundo Netto (2001), a dinâmica e contradições
do capitalismo monopolista, cria condições para que o Estado por ele capturado busque
legitimação política através do jogo democrático, podendo atender demandas das classes
subalternas.
Nessa perspectiva, as políticas sociais e, obviamente, do papel e importância do
Estado no processo das relações sociais, considera o aspecto de contradição,
antagonismo e complexidade que são engendradas na dinâmica social, em dada
conjuntura face às correlações das forças sociais.
Considerando o caso brasileiro, é a partir da década de 1930 que o Estado
reconhece politicamente a “questão social”, impulsionando as medidas estatais de
regulação social com enfoque para o trabalhador formalmente vinculado ao mercado de
trabalho e para sua família. Assim, as políticas sociais eram diferenciadas para os
trabalhadores formais e informais. Estes últimos tornam-se alvos da política de
assistência social.
A construção histórica da assistência social na sociedade brasileira é marcada pelo
assistencialismo, paternalismo, clientelismo e “primeiro-damismo”. 1 Esta expressa o
1
Com a criação da LBA em 1942 a então esposa do presidente Getúlio Vargas, Darci Vargas,
assumiu a presidência da entidade, marcando a política paternalista, clientelista da assistência
social. Essa tendência expande aos municípios e estados brasileiros, em que as esposas dos
cariz assistencialista e de benesse que perpassa a assistência social brasileira, ainda, a
relação de gênero quanto à vinculação de mulheres como profissionais e gestoras da
assistência social, bem como parcela majoritária de usuárias da política.
É notório que a assistência social brasileira é marcada fortemente por práticas de
cunho assistencialista, clientelista, tutelada, em que é aliada a descontinuidade,
centralidade e não previsão de alocação de recursos para a concretização e/ou efetivação
de uma política pública de assistência social. Ou seja, a referida política não se constitui
como direito e não recebia o devido investimento por parte do Estado, em que o
assistencialismo é o contraponto do direito e o acesso a um bem/serviço é marcado pela
benesse/doação, configurando-se em uma relação de apadrinhamento.
A intervenção do Estado na assistência social no Brasil inicia com a criação do
Conselho Nacional de Serviço Social (CNSS), em 1938, que objetivava centralizar e
organizar as obras assistenciais públicas e privadas no país, utilizando como mecanismo
o clientelismo político e de manipulação de verbas e subvenções públicas. Entretanto,
apenas em 1942, é implantada a grande instituição pública que centra ações
assistenciais com as famílias dos participantes da II Guerra Mundial, da Legião Brasileira
de Assistência (LBA). Esta instituição é marcada pelo pimeiro-damismo, filantropia e
clientelismo. Conforme Sposati et al (2008), as ações estatais se imbricavam com ações
religiosas e privadas, em que às instituições de assistência são instrumentos de
veiculação de políticas sociais com cariz assistencialistas. Esse aspecto é presente até os
anos 1960, sendo apenas redimensionado durante a vigência do Regime Militar em que o
binômio repressão-assistência, permeada pela lógica de controle social das políticas
sociais naquele regime.
O debate sobre a assistência social como política pública emerge na década de 1980,
numa conjuntura em que o agravamento da “questão social” é notório, explicitado com
aumento da pobreza; crise econômica decorrente da desmistificação do milagre
econômico brasileiro; ressurgimento dos movimentos sociais no cenário político contrário
à repressão/arbitrariedade do Estado. Na confluência dos movimentos sociais, liderado
pelo movimento dos trabalhadores, aliam-se os movimentos da Anistia, Feminista,
Meninos e Meninas de Rua, moradia entre outros, presencia-se o processo de abertura
política e redemocratização no país, explicitando a exigência da transformação do regime
político e de novas relações entre Estado e sociedade brasileira.
Naquele momento, inicia o processo de elaboração da Constituinte, em 1987, em que
conceito de cidadania alargou incorporando a dimensão social materializada na
Constituição Federal 1988. Esta trouxe avanços significativos pela primeira vez na
história política brasileira, em que a assistência social recebe o status de direito social – a
uma prática secularmente realizada como não direito/favor – e institui o Sistema de
Seguridade Social: Saúde, Previdência e Assistência Social.
Notadamente, é no contexto de espraiamento do ideário neoliberal, delineada pela
ordem econômica internacional mundializada e reestruturação produtiva, que o Brasil vai
instituir constitucionalmente em 1988, seu sistema de Seguridade Social.
Apenas com a Constituição de 1988 que prevê a assistência social como direito
básico, em que o cidadão tem a prerrogativa de exigir do Estado, ou seja, este tem
obrigação quanto à assistência social. Têm-se aspectos inovadores quanto à concepção
de direito superando o favor, “esmola”, ao domínio do paternalismo, clientelismo e
patronagem; a obrigação do Estado na implementação da política pública e incapacidade
do trabalho.
prefeitos e governadores eram responsáveis pela implementação/organização das ações da
assistência social.
Apesar desse significativo avanço, o dispositivo constitucional requisitava uma lei
especifica para sua concretização, aspecto que foi marcado por resistência por partes dos
presidentes no período democrático, ocorrendo à regulamentação com a Lei Orgânica da
Assistência Social (LOAS) – Lei n.º 8.742 – apenas em 1993. Esta é o instrumento legal
que regulamenta os pressupostos constitucionais, em que dispõe sobre a organização da
assistência social, enquanto direito do cidadão e dever do Estado, incluída na Seguridade
Social como política não contributiva, realizada através de um conjunto integrado de
ações de iniciativa pública e da sociedade, para garantir o atendimento às necessidades
básicas.
No processo de normatização da assistência social como instrumentos normativos
destacam-se as Normas Operacionais Básicas (NOBs) de 1997 que conceitua o sistema
descentralizado e participativo, propôs criação da Comissão Intergestora Tripartite (CIT);
e a de 1998 que define diretrizes básicas para sua consecução; amplia as atribuições dos
Conselhos de Assistência Social e propôs espaços permanentes de negociação e
pactuação, sendo CIT e Comissão Intergestora Bipartite (CIB), que passa a ter o caráter
deliberativo.
Ainda, em 1998 tem-se o primeiro texto da Política Nacional da Assistência Social
(PNAS), que terá nova versão em 2004 (PNAS/2004), com vigência atualmente. Em
2005, tem-se a sistematização do Sistema Único da Assistência Social (SUAS), através
da NOB/2005. Atualmente, os instrumentos que estabelecem as definições legais
atinentes à regulação da política da assistência social são: LOAS; PNAS/2004;
NOB/2005; NOB - Recursos Humanos de 2006 (NOB/RH).
Os instrumentos que fundamentam a política da assistência social como direito à
proteção social. Essa nova concepção assume no âmbito das ações dessa política, a
centralidade sócio-familiar, com destaque para o SUAS.
Vale ressaltar que, apenas com a Constituição de 1988 a assistência social terá
uma redefinição, superando a concepção assistencialista e de benesse, sendo concebida
como direito do cidadão e dever do Estado, legitimada com status de política social.
Notadamente, imprime nova direção e configuração da Assistência Social, avanço
importante na conquista de direitos, da importância da intervenção do Estado na
regulação social, expressa na LOAS e implantação do SUAS. Entretanto, a assistência
social está permeada por desafios, tendo em vista a fragilidade quanto aos serviços
socioassistenciais e a interface com as demais políticas, paralelo a fragilidade da
construção dessa assistência social enquanto política pública.
O avanço de direitos sociais no cenário brasileiro, fato que possibilita a
resignificação da política de assistência social, confronta-se com a tendência
antidemocrática do neoliberalismo, desencadeando redefinição do Estado com políticas
de corte neoliberal, com contundente regressão dos direitos conquistados. No caso
brasileiro em que não experimentou um Estado de Bem-Estar Social, presenciou-se uma
cidadania regulada, ou seja, direitos e acesso a políticas a partir de sua inserção no
mercado formal de trabalho, paralelo a construção da assistência social na esfera do
favor e não direito, atinge diretamente a classe trabalhadora e para os que se tornam
“supérfluos para o capital” (IAMAMOTO, 2004).
Desse modo, segundo Yazbek (2004) a realidade brasileira é marcada pelo fosso
entre o mundo legal e o real, com resquícios de uma prática de direito travestido em
favor, que contribui para a não concretização de direitos assegurados em instrumentos
legais.
As transformações do capitalismo contemporâneo são marcadas pela
reestruturação produtiva, a mundialização do capital na sua tendência de financeirização,
a (contra) reforma do Estado sob a égide neoliberal e a hegemonia das políticas
neoliberais com tendência a mercantilização de serviços/políticas socais. Esse cenário
acentua dilemas e dificuldades que atinge de forma peculiar a classe trabalhadora, face
ao ajuste no âmbito do trabalho, que intensifica a exploração paralela ao retrocesso dos
direitos, promovendo um crescente contingente de trabalhadores/as que se tornam
supérfluo ou sobrante para o capital, ou seja, tornam-se descartáveis do mundo do
trabalho e do processo de acumulação capitalista.
Esta população torna-se alvo “privilegiado”, ou melhor, por excelência da política
da assistência social, encontrando-se a margem da sociedade, que para ter acesso a essa
política insere-se num processo de desemprego, condições informais e precárias de
trabalho, desigualdade, distintas formas de violência. Assim, a política da assistência
social permite significativo contingente da população ter acesso a serviços/bens que
necessitam para garantir sua reprodução, necessidades básicas e condição de
humanidade, de vida.
Notadamente, torna grande desafio da política da assistência social no país, pelo
legado histórico de desigualdade social, intensa concentração de renda, pobreza,
exploração acentuada de exploração de trabalho, concomitante a debilidades das
políticas sociais e construção de direitos repassados como favor.
No cenário de acumulação capitalista em face do aumento do desemprego ou
precarização das relações de trabalho, acentuando as disparidades sociais, as mulheres
são fortemente atingidas pelo processo de exploração do trabalho, menor salário, mais
propícias à situação de pobreza. Essa situação configura a reiteração da desigualdade de
gênero, em que reforça a subalternidade das mulheres na sociedade capitalista.
Inserção da mulher na Política de Assistência Social
O conceito de gênero pode ser compreendido como é estabelecido à relação
homem e mulher na sociedade, fenômeno este, construído, pela tradição cultural e pelas
estruturas de poder, configurando a desigualdade nas relações sociais.
A partir da década de 1970 a categoria gênero foi incorporada ao discurso do
Movimento Feminista, e também, das Ciências Sociais e Humanas, para demonstrar as
desigualdades socioculturais existentes entre mulheres e homens, fenômeno social que
repercute na vida pública e privada de ambas as classes, pois nesse contexto estão
inseridos papéis sociais diferenciados, construídos historicamente, imbuídos por
dominação e submissão da mulher pelo homem, expressando relações de poder nas
relações de gênero.
Segundo Saffioti (2004, p. 70), ao discutir gênero, interpreta esse conceito
também como “[...] um conjunto de normas modeladoras dos seres humanos em
homens e mulheres, normas estas expressas nas relações destas duas categorias sociais,
ressalta-se a necessidade de ampliar este conceito para as relações homem-homem e
mulher-mulher”.
Historicamente as relações sociais estão estruturadas e hierarquizadas a partir das
relações de classe e gênero. Vale destacar que nas relações sociais há um privilégio do
homem, arraigadas pela ideologia patriarcal e machista. Esse fenômeno remete-se a
ideologia patriarcal que expressa à dominação e poder masculino, que se encontra
permeada na forma de organização das sociedades. Entretanto, na sociedade capitalista
há intensificação da exploração, dominação e subalternização das mulheres.
Torna-se necessário a incorporação da categoria de análise gênero para
compreender as relações entre homens e mulheres, enfocando a mulher na sociedade
que é definida pela relação de classe e de gênero. Ainda, permite uma análise da
construção das políticas sociais, observando a tendência à promoção a desigualdade ou
da igualdade entre homens e mulheres. Nesse sentido, compreende-se a intervenção do
Estado que reflete as relações de gênero, expresso nas políticas assumidas e/ou
omitidas.
Concernente a assistência social brasileira a relação de gênero é explicitada desde
sua constituição, pois nesta área são associadas aos cuidados, doação, acolhimento,
atribuições que historicamente vinculadas às mulheres. Nesse sentido, percebe-se uma
tendência à incorporação das mulheres no âmbito da assistência social, seja enquanto
profissionais, ou seja, como público alvo. Aliado a esse aspecto, destaca-se a cultura do
primeiro-damismo no Brasil, que marcam o clientelismo político e benesse, legitimando
uma relação de favor, apadrinhamento e de não - direito.
As definições dos conteúdos da LOAS estão materializadas no SUAS, que
vislumbra a resignificação e nova estrutura institucional e política da Política de
Assistência Social, que tem como base fundante a cultura de direitos com ampliação da
proteção social. A partir do novo modelo de gestão descentralizada e participativa,
definem elementos essenciais à execução da política de proteção social.
Apesar do avanço e resignificação da política de assistência social, como
Seguridade Social na atualidade brasileira que propicia a construção dos direitos sociais e
a busca pela efetivação das formas de proteção aos/as seus/suas usuários/as, confrontase com um Estado sob diretrizes neoliberal, regido pelo capital mundializado, viabilizando
programas, projetos e ações focalizadas no combate a pobreza.
A ofensiva neoliberal emergente nas últimas décadas do século XX aponta para o
desmonte do Estado, com fortes implicações nos investimentos nas políticas sociais, que
passam a ser caracterizadas pela sua focalização, segmentalização e centralidade na
família. O enfoque na família, de certo modo, sinaliza uma perspectiva da culpabilização
da família pela situação de vulnerabilidade social e/ou responsabilização pela efetivação
das políticas sociais. Esta última perspectiva contribui para o reforçado o papel da mulher
como principal responsável no núcleo familiar pelo pleno desenvolvimento das ações e
programas.
Outros aspectos da influência neoliberal na política é a redução o investimento na
área social por parte do Estado, comprometendo as políticas universalizantes, paralelo à
expansão da focalização e seletividade das políticas sociais.
Não resta dúvida que a partir das mudanças societárias, com destaque as
ocorridas no âmbito do trabalho, em que acirram o desemprego, redução do valor do
salário, o trabalho precarizado, ocasiona o aumento da pobreza, visualizando uma
população sobrante, que se torna o escopo da política de assistência social.
Nesse contexto, a centralidade do papel da família é indispensável nas políticas
sociais, pois co-responsabiliza a família, paralelo ao processo de desresponsabilização do
Estado na viabilização de políticas sociais e intervenção nas relações sociais.
Paralelamente, é explicitada a centralidade do papel da mulher na responsabilidade
das relações familiares, com destaque ao cumprimento das condicionalidades,
desenvolvimento e êxito dos programas sociais.
O acirramento das desigualdades sociais atinge a vida da maioria da população
brasileira e em que se evidencia a questão de gênero, pois a condição da mulher é
fortemente atingida, associada ao crescente desemprego, agudização da pobreza e
miséria. Assim, mulheres das classes subalternas são diretamente afetadas expressando
o fenômeno da “feminização da pobreza” (DUQUE-ARRAZOLA, 2006).
Concernente ao fenômeno da feminização da pobreza, Soares (2003) aponta que na
última década elevou-se consideravelmente o número de mulheres em condição de
pobreza, situação agravada nos países periféricos em que sobrepuja os menores salários
e exploração das mulheres.
A geração de renda é foco da política de assistência social, associada aos programas
de qualificação profissional, que conforme Silva (2002), ao longo da década de 1990, os
projetos de geração de renda apresentam-se como estratégia social de sobrevivência,
com visibilidade ao enfrentamento da desigualdade social, inseridas nos debates sobre
assistência social, centradas nos deveres do Estado, na promoção dos mínimos sociais.
A informalidade constitui uma ameaça de pauperização para os/as trabalhadores/as,
a desproteção legal, que atinge parcela significativa da população que sobrevive da
venda da força de trabalho.
Historicamente, as desigualdades socioculturais construídas entre mulheres e homens
representam um fenômeno social que repercute na vida pública e privada de ambas as
classes, pois nesse contexto estão inseridos papéis sociais diferenciados, imbuídos por
dominação e submissão da mulher pelo homem, perpassando vários aspectos da vida
social.
Nesse sentido, a relação de trabalho feminino é influenciada por essa construção
social, implicando em diferenciações da inserção da mulher no mercado de trabalho.
Além da dupla jornada de trabalho que historicamente recai sobre as mulheres.
As ações de geração de renda podem configurar-se com resposta à desigualdade e
miserabilidade da população, que a partir da nova concepção da política de assistência
social, através da proteção social básica, elucida para o protagonismo social. Por outro
lado, consubstancia a reprodução da força de trabalho informalizada e desqualificada,
inseridas em ocupações temporárias e com remuneração insuficiente, com impactos na
condição de vida.
Destarte, os cursos de geração de renda, que se apresenta como superação ao
desemprego, no entanto intensifica a informalidade e precarização do trabalho, pois não
ocasiona impactos no rendimento familiar; quando possibilita o "trabalho por conta
própria" ou domiciliar permite uma remuneração insuficiente ao sustento familiar, sem
proteção legal, demonstrando uma forma intensificada de instabilidade e insegurança na
lógica atual da sociedade capitalista.
Nos programas de transferência de renda – Bolsa Família, Programa de Erradicação
do Trabalho Infantil (PETI) – enfatiza a mulher-mãe-cuidadora pelo cumprimento da
condicionalidades como freqüência dos/as filhos/as ou menores sob sua responsabilidade
quanto à escola, vacinação. Reforça as atribuições domésticas das mulheres, ou
“feminização das responsabilidades”, para com os filhos e demais membros familiares,
sob a pena do não cumprimento a suspensão do benefício, que segundo Carloto (2006)
os benefícios providos pela política de assistência social são quantitativamente baixos,
seletivos, focalizados e temporários.
A condicionalidade expressa um controle das famílias quanto ao uso do valor da
bolsa, conforme destaca Duque- Arrazola (2006), a participação das mulheres, com
enfoque nas mães, vislumbra a eficácia no uso das bolsas e cesta básica, garantindo o
consumo para benefício dos/as meninos/as, não sendo bem assim no caso dos pais.
Ainda, com base na autora, o Estado destina as mulheres/mães para controlar os
programas de transferência de renda sinalizando para o combate a pobreza.
Quanto às ações socioeducativas desenvolvidas na política de assistência social
enfatiza o caráter “socializador” das mulheres concernente ao aumento das
responsabilidades com reprodução nos aspectos de cuidados domésticos com a
alimentação; higiene; educação e saúde dos filhos; e a atenção com os integrantes da
família. Ficando as mulheres colocadas em relação hierarquizada e subalternizada num
contexto de políticas sociais que expressam a ideologia patriarcal e burguesa do Estado.
Nessa perspectiva, a inserção das mulheres na assistência social, através das
ações, programas e projetos, expressam a tendência ideológica do Estado que legitima
relações assimétricas entre homens e mulheres nas políticas sociais, enfocando o papel
social da mulher como responsável pelo desenvolvimento da familiar, resultando na
subordinação das mesmas.
No atual contexto de expansão capitalista – que oscila com suas crises cíclicas,
aprofunda e expande a pobreza em escala planetária, atingindo fortemente as mulheres,
que resulta no denominado processo de feminização da pobreza, que demonstra a
situação de vulnerabilidade e risco social aos quais as mulheres estão submetidas na
ordem capitalista.
Considerações Finais
Ao analisar a inserção das mulheres na política de assistência social é necessário
considerar o contexto de expansão e reordenamento do capitalismo contemporâneo, em
que imprime profundas mudanças no mundo do trabalho e no papel do Estado. E este,
reproduz e defende uma concepção burguesa e patriarcal na sociedade.
As transformações no mundo do trabalho, conseqüentemente, atingem
diretamente as mulheres, sobretudo em países periféricos, em que é marcado pela
exploração da força de trabalho, com baixo valor dos salários e frágil proteção social.
O crescimento do desemprego estrutural e agravamento da pobreza atingem de
forma desigual as mulheres, sobretudo nos países periféricos em que possuem uma frágil
construção da proteção social associado às condições de trabalhos mais precarizadas e
exploradas.
Significativos avanços e resignificação da política de assistência social foram
constituídos no cenário brasileiro, expresso no status de direitos superando a lógica do
favor. Entretanto, presencia-se o processo de ampliação dessa política não apenas com
estratégia governamental, mas decorre do crescimento do contingente da população
supérflua e sobrante para o capital, situada à margem da sociedade e alvo da assistência
social.
Presenciam-se o enfoque as políticas sociais seletivas e focalizadas, associada à
precarização de investimentos e ofertas dos serviços públicos. Essa lógica decorre do
atual estágio de acumulação capitalista, que resulta em ajustes do Estado, com
redefinições na forma de enfrentamento da “questão social”, com as retrações nos gastos
e investimentos sociais, conseqüentemente, nas políticas sociais que tendem para a
mercantilização.
Essa direção assumida pelo Estado, a partir da pragmática neoliberal, atinge
diretamente homens e mulheres na sociedade, porém, a ideologia patriarcal e burguesa
que permeia o Estado na contemporaneidade, reflete desigualmente para as mulheres,
pois reforça a divisão social e sexual de trabalho, exploração e subordinação.
No âmbito da política assistência social, tem-se crescimento de ações, programas
e projetos, de caráter seletivo e focalizado, que são direcionados para as famílias em
situação de vulnerabilidade e risco social, face o crescente acirramento da desigualdade
social, do desemprego ou formas precarizadas de trabalho e do aumento da pobreza.
Essa política é direcionada as pessoas em situação de risco e vulnerabilidade
social, abaixo da linha de pobreza, que conforme orientações dos organismos
multilaterais sob a égide da diretriz neoliberal, o Estado deve atentar para o combate a
pobreza.
Nesse sentido, compreender a inserção da mulher na política de assistência social,
através dos programas socioeducativas, transferência de renda, benefícios eventuais,
geração de renda, possibilita explicitar o reforço à diferenciação entre os papeis de
mulheres e homens nas relações sociais, segundo a situação de classe, raça/etnia e de
geração.
Nesse sentido, as políticas sociais na atualidade têm-se a centralidade na família, em
que esta se torna co-responsável pelo insucesso dos membros, ao mesmo tempo, em
que são fundamentais para o desenvolvimento e êxito das políticas sociais.
No tocante a centralidade da família, destaca-se a mulher como principal responsável
e representante da família nas políticas sociais, ou seja, a mulher “personifica” a família,
tornando-se indispensáveis nos programas sociais.
Portanto, nessa perspectiva das ações e programas assistenciais reforçam a
assimetria nas relações entre homens e mulheres, explicitando a absorção das mulheres
com o ônus da desresponsabilização do Estado, tendo em vista o aumento do trabalho
reprodutivo das mulheres, em que são colocadas como principal responsável pela
superação de pobreza da família e responsável pela sua permanência como beneficiárias
de programas, corroboram para as relações desiguais de gênero, uma vez que torna-se
contundente distinção do espaço privado e público para atividades e papéis entre homens
e mulheres.
Ainda, a minimização nos investimentos na área social associado à
debilidade da cidadania e de efetivação de políticas de caráter universalistas no país
atingindo os setores subalternos, em especiais às mulheres pobres, grupo foco das ações
governamentais.
Referências:
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