APELAÇÃO CÍVEL DATA: 15/12/2009 FONTE: 1.207-6/4 LOCALIDADE: MIRACATU Relator: Reis Kuntz Legislação: Lei 6.015/73 IMÓVEL RURAL - DIVISÃO – CARTA DE SENTENÇA. FRAÇÃO MÍNIMA DE PARCELAMENTO. DEMARCAÇÃO. ESPECIALIDADE OBJETIVA. DÚVIDA – QUALIFICAÇÃO – JUÍZO COMPETENTE. REGISTRO DE IMÓVEIS – Dúvida inversa julgada procedente – Carta de sentença extraída de ação de divisão – Recusa fundada na constituição de gleba com área inferior à fração mínima de parcelamento que, porém, inexiste diante da demarcação homologada – Alteração, entretanto, da descrição do imóvel rural, com inserção de medidas lineares e ângulos de deflexão não contidas na matrícula – Realização, ademais, de transação posterior à sentença em que, mediante alteração da demarcação homologada, foi prevista a constituição de outra gleba com área não descrita, assim como a adoção de linha divisória não contida no memorial descritivo adotado para a divisão – Recurso não provido, ficando mantida a negativa do registro do título. Íntegra: ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos de APELAÇÃO CÍVEL Nº 1.207-6/4, da Comarca de MIRACATU, em que é apelante MÁRIO MOREIRA DE OLIVEIRA e apelado o OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS, TÍTULOS E DOCUMENTOS E CIVIL DE PESSOA JURÍDICA da referida Comarca. ACORDAM os Desembargadores do Conselho Superior da Magistratura, por votação unânime, em negar provimento ao recurso, de conformidade com o voto do Desembargador Relator que fica fazendo parte integrante do presente julgado. Participaram do julgamento, com votos vencedores, os Desembargadores ROBERTO VALLIM BELLOCCHI, Presidente do Tribunal de Justiça, MUNHOZ SOARES, Vice-Presidente do Tribunal de Justiça, BARRETO FONSECA, Decano em exercício, VIANA SANTOS, RODRIGUES DA SILVA e EDUARDO PEREIRA, respectivamente, Presidentes das Seções de Direito Público, Direito Privado e da Seção Criminal do Tribunal de Justiça. São Paulo, 15 de dezembro de 2009. (a) REIS KUNTZ, Corregedor Geral da Justiça e Relator VOTO REGISTRO DE IMÓVEIS – Dúvida inversa julgada procedente – Carta de sentença extraída de ação de divisão – Recusa fundada na constituição de gleba com área inferior à fração mínima de parcelamento que, porém, inexiste diante da demarcação homologada – Alteração, entretanto, da descrição do imóvel rural, com inserção de medidas lineares e ângulos de deflexão não contidas na matrícula – Realização, ademais, de transação posterior à sentença em que, mediante alteração da demarcação homologada, foi prevista a constituição de outra gleba com área não descrita, assim como a adoção de linha divisória não contida no memorial descritivo adotado para a divisão – Recurso não provido, ficando mantida a negativa do registro do título. Trata-se de apelação interposta por Mário Moreira de Oliveira, tempestivamente, contra r. sentença que julgou procedente dúvida inversamente suscitada em razão da recusa do Sr. Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica da Comarca de Miracatu em promover, na matrícula nº 4.176, o registro de carta de sentença extraída do processo nº 197/90 da 1ª Vara Cível da Comarca de Miracatu, relativa a ação de divisão movida pelo apelante contra o Espólio de Jamil Mauad e Miguel Soares Gomes. O apelante alega, em suma, que a r. sentença contém equívoco na soma das áreas indicadas na carta de sentença como glebas “A-2” e “B-1”, pois o resultado atinge, na realidade, 70.378,35 m². Além disso, houve, também, equívoco na análise dos documentos contidos às fls. 175/198 da carta de sentença porque consistem em meros esclarecimentos dos peritos. Assevera que a divisão não originou gleba com área inferior à fração mínima de parcelamento prevista pelo INCRA. Diz que celebrou transação contida às fls. 1063/1064 dos autos da ação de divisão (fls. 383/384 da carta de sentença) em que previsto que a linha divisória da gleba que lhe pertence e da atribuída a Jamil Mauad é a contida na planta de fls. 266 dos autos da ação de divisão, reproduzida às fls. 34 da carta de sentença. Ademais, pela transação recebeu outra gleba, com 30.000,00 m², que lhe foi entregue em dação em pagamento. Afirma que esse acordo foi homologado por sentença, do que decorreu o aditamento do título. Aduz que, em razão disso, não é necessária a autorização do INCRA para o registro da divisão realizada. Esclarece, por fim, que a gleba de 30.000,00 m2 que recebeu em dação em pagamento está descrita no auto de penhora de fls. 1003/1004 dos autos da ação de divisão, que correspondem às fls. 352/353 da carta de sentença. Requer a reforma da r. sentença para que seja promovido o registro do título. A douta Procuradoria Geral de Justiça opina pelo não provimento do recurso. É o relatório. Observo, inicialmente, que a terminologia prevista no artigo 203 da Lei nº 6.015/73 também é aplicável na dúvida inversa, o que, entretanto, não prejudica a r. sentença que, apesar do uso do termo improcedente, negou o registro pretendido. Por outro lado, verifica-se, pelas razões de recurso, que não existe coincidência entre os memoriais e plantas da demarcação das glebas divididas indicadas na qualificação e os memoriais e planta de que o recorrente pretende o registro. Conforme decorre da anexa carta de sentença, que foi extraída do processo nº 197/90 da 1ª Vara Cível da Comarca de Miracatu, uma vez julgada a ação para determinar a divisão do imóvel (fls. 40/47 da carta de sentença) prossegui-se com a demarcação das glebas que, ao final, foram atribuídas aos três diferentes condôminos conforme previsto na r. sentença prolatada às fls. 751 dos autos da ação de divisão (fls. 172 da carta de sentença), que transitou em julgado em 25 de julho de 2005 (fls. 174). Na homologação da demarcação foi adotado o auto de fls. 745/747 da ação de divisão (fls. 169/171 da carta de sentença), em que se encontram descritas a área total do imóvel, com 519.647,26 m² (fls. 169 da carta de sentença), e as áreas formadas pela divisão que, por sua vez, assim estão descritas: I) Gleba “A”, com 247.899,66 m², atribuída ao apelante Mário Moreira de Oliveira; II) Gleba “B”, com 271.747,60 m², atribuída ao Espólio de Jamil Mauad; III) Gleba “C”, com 48.400,00 m², atribuída a Miguel Soares Gomes (fls. 169/171 da carta de sentença). Assim, a demarcação homologada pela r. sentença copiada às fls. 172 da carta de sentença não comporta gleba com área de 29.426,27 m², que foi indicada pelo Oficial de Registro de Imóveis como impeditiva do registro porque inferior à prevista para a fração mínima de parcelamento (fls. 26). Existe, é certo, gleba com essa área em proposta para demarcação contida em laudo pericial apresentado (fls. 192 da carta de sentença), mas a carta de sentença não contém indicação de que essa proposta de demarcação foi, em algum momento, homologada, sendo a r. decisão copiada às fls. 378 da carta de sentença (fls. 1029 dos autos da ação de divisão) explícita no sentido de que a demarcação foi homologada pela sentença copiada às fls. 172 da mesma carta (fls. 751 dos autos da ação de divisão). Considerando, neste ponto, o resultado da qualificação realizada pelo Sr. Oficial de Registro de Imóveis, constata-se que o registro da carta de sentença, tendo em conta o auto de demarcação homologado, não seria possível tão só pelo fato de que a soma das áreas das Glebas “A”, “B” e “C” atinge 568.047,26 m², ou seja, supera a área do imóvel dividido que, conforme o auto de fls. 169/171 da carta de sentença, é de 519.647,26 m². Além disso, a descrição do imóvel contida no auto de demarcação homologado, em que foram baseadas as descrições das glebas formadas com a divisão (fls. 169/171 da carta de sentença), inova em relação à matrícula nº 4.176 do Registro de Imóveis de Miracatu mediante adoção de medidas lineares não coincidentes e, ainda, de azimutes inexistentes na matrícula, como se verifica na certidão juntada às fls. 33/37 destes autos. Isso demandaria a prévia retificação da matrícula a fim de tornar coincidentes a descrição da área nela descrita e a utilizada na ação de divisão, de forma a preservar a especialidade do registro imobiliário. Nesse sentido decidiram o Egrégio Superior Tribunal de Justiça no Recurso em Mandado de Segurança nº 9.372 - SP (1998.0003044-1)), de que foi relator o Ministro Antônio de Pádua Ribeiro, e, ainda, este Colendo Conselho Superior da Magistratura na Apelação Cível nº 41.847-0/5, da Comarca de Paraguaçu Paulista, de que foi relator o Desembargador Sérgio Augusto Nigro Conceição, em v. acórdão que recebeu ementa com o seguinte teor: “Registro de Imóveis - Dúvida - Ingresso de formal de partilha - Divisão do objeto de matrícula, conforme memorial descritivo - Alteração da descrição original, com a inserção de medidas lineares desconhecidas do registro a que se refere - Inadmissibilidade - Necessidade de retificação, nos termos do artigo 213, § 2º da Lei nº 6.015/73 - Recurso improvido - Decisão mantida”. O apelante, porém, afirmou em suas razões de recurso que a divisão e demarcação de que pretende o registro é aquela homologada pela r. sentença prolatada às fls. 1070 dos autos da ação de divisão, reproduzida às fls. 390 da carta de sentença, porque corresponde à prevista em transação que, em fase de execução de verbas da sucumbência, celebrou com o Espólio de Jamil Mauad e Hélia Ciale Mauad (fls. 1063/1066 dos autos da ação de divisão e fls. 383/386 da carta de sentença), o que encontra respaldo no aditamento realizado às fls. 01 da anexa carta de sentença. Na transação celebrada ficou prevista a adoção da linha divisória do imóvel indicada na planta de fls. 266 dos autos da ação de divisão, cabendo a cada parte, ou seja, ao apelante e ao Espólio de Jamil Mauad, uma gleba com igual área, respeitado o critério estabelecido na escritura de compra e venda, atribuindo-se ao apelante, ainda, em dação em pagamento, uma gleba com área de 30.000,00m², descrita no auto de penhora de fls. 1003/1004 da ação de divisão (fls. 383/384 da carta de sentença). Para a interpretação da transação celebrada é necessário recorrer à cópia da escritura de compra e venda contida às fls. 08/13 destes autos principais, em que Mário Moreira de Oliveira e Jamil Mauad pactuaram que ao primeiro caberia a parte leste do imóvel objeto da matrícula nº 4.176 do Registro de Imóveis de Miracatu, e ao segundo seria atribuída a parte oeste, cada uma 26,15 hectares. A anexa carta de sentença, por sua vez, demonstra que às fls. 266 dos autos da ação de divisão existem memoriais descritivos de duas glebas, com descrições geo-referenciadas, que seriam atribuídas, separadamente, ao apelante e ao “Espólio de Jamil Mauad e outros”, cada um contendo 259.823,63 m² (fls. 031 da carta de sentença). A seguir, encontra-se a reprodução de planta, similar à da demarcação originalmente homologada, em que o imóvel, porém, está dividido somente em duas partes denominadas como Gleba “A” e Gleba “B” (fls. 32 dos autos da carta de sentença). Esses memoriais e planta, porém, não são aptos para o registro da divisão e demarcação porque inovam em relação à descrição da área do imóvel contida na matrícula nº 4.176, agora mediante adoção de coordenadas geo-referenciadas que não encontram correspondentes na matrícula. Ademais, esses memoriais e planta tiveram como base o memorial descritivo reproduzido às fls. 30 dos autos da carta de sentença que, mais uma vez, contém descrição geo-referenciada que implica em inovação em relação à matrícula, o que impede a verificação de que a área descrita nesse memorial corresponde, exatamente, à área descrita na matrícula. Prevalece, portanto, também aqui, o desrespeito à especialidade como impedimento do registro da divisão e demarcação. Além disso, ainda impedindo o registro, encontra-se o fato de que pelo auto de penhora e depósito de fls. 1003/1004 dos autos da ação de divisão (fls. 352/353 da carta de sentença) foi penhorada uma área de 30.000,00 m², encravada na Gleba “B” do imóvel objeto da matrícula nº 4.176 do Registro de Imóveis de Miracatu que, por sua vez, segue, no mesmo auto, descrita como tendo 271.747,60 m². Destarte, o auto de fls. 1003/1004 dos autos da ação de divisão não descreve área com 30.000,00 m² que o apelante teria recebido em dação em pagamento. Ao contrário, a descrição contida nesse auto é da totalidade da Gleba “B” que pela demarcação anterior à transação seria atribuída ao Espólio de Jamil Mauad, da qual foi penhorada uma parcela pendente de especificação futura. Diante disso, não há como identificar a localização geodésica da área de 30.000,00 m² que o apelante teria recebido em dação em pagamento do Espólio de Jamil Mauad, com o que o registro pretendido, mais uma vez, não encontra amparo no princípio da especialidade. Ademais, o registro de dação em pagamento demanda a prévia comprovação do recolhimento do imposto de transmissão “inter vivos”, o que não foi feito pelo apelante. Outrossim, e de grande relevância, encontra-se o fato de que na demarcação originalmente homologada o imóvel objeto da matrícula nº 4.176 do Registro de Imóveis de Miracatu foi desmembrado em três glebas, anteriormente indicadas, sendo a Gleba “A” atribuída ao apelante Mário Moreira de Oliveira, a Gleba “B” atribuída ao Espólio de Jamil Mauad e a Gleba “C” atribuída a Miguel Soares Gomes (fls. 745/747 dos autos da ação de divisão e fls. 169/171 da carta de sentença). Ocorre que a carta de sentença não permite verificar se Miguel Soares Gomes foi representado por algum dos Advogados que subscreveram a transação reproduzida às suas fls. 383/384, nem foi preservada, naquela transação, a gleba que lhe coube pela demarcação originalmente homologada, o que, mais uma vez, constitui impedimento incontornável para o registro do título. Assim porque esse registro, se admitido, implicará na divisão de todo o imóvel somente entre o apelante e o Espólio de Jamil Mauad, com supressão, em conseqüência, da parcela que pela matrícula atual pertence a Miguel Soares Gomes, isso considerando os cancelamentos de registros determinados na ação de divisão por meio de r. decisão que, diante de sua natureza jurisdicional, não é passível de revisão neste procedimento administrativo de dúvida registrária (fls. 1029 dos autos da ação de divisão e fls. 378 da carta de sentença). Por fim, visando afastar eventual questionamento, observo que a dúvida somente comporta pronunciamento sobre o registro, ou não, de título pré-constituído em relação à suscitação, porque eventual complementação no curso do procedimento implica em indevida prorrogação do prazo de validade da prenotação. Além disso, no julgamento da dúvida a qualificação é devolvida, por inteiro, ao Órgão para tanto competente, sem que disso decorra decisão extra petita, ou violação do contraditório e ampla defesa, como decidido por este Conselho Superior da Magistratura na Apelação Cível nº 33.111-0/3, da Comarca de Limeira, em v. acórdão de que foi relator o Desembargador Márcio Martins Bonilha, em que se verifica: “Inicialmente, cabe ressaltar a natureza administrativa do procedimento da dúvida, que não se sujeita, assim, aos efeitos da imutabilidade material da sentença. Portanto, nesse procedimento há a possibilidade de revisão dos atos praticados, seja pela própria autoridade administrativa, seja pela instância revisora, até mesmo de ofício (cf. ApCiv 10.880-0/3, da Comarca de Sorocaba). Não vai nisso qualquer ofensa ao direito de ampla defesa e muito menos se suprime um grau do julgamento administrativo. O exame qualificador do título, tanto pelo oficial delegado, como por seu Corregedor Permanente, ou até em sede recursal, deve necessariamente ser completo e exaustivo, visando escoimar todo e qualquer vício impeditivo de acesso ao cadastro predial. Possível, portanto, a requalificação do título nesta sede, ainda que de ofício, podendo ser levantados óbices até o momento não argüidos, ou ser reexaminado fundamento da sentença, até para alteração de sua parte dispositiva” (Revista de Direito Imobiliário, 39/339). Ante o exposto, alterado o dispositivo da sentença para julgar a dúvida procedente, nego provimento ao recurso e mantenho a recusa do registro da carta de sentença. (a) REIS KUNTZ, Corregedor Geral da Justiça e Relator (D.J.E. de 08.04.2010)