PANORAMA O ANTROPOCENO Às portas de uma nova era Ignacy Sachs Luiz Reis Professor Emérito da Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais em Paris. C omo já tive a ocasião de escrever em Rumos (n° 259, de setembro/outubro de 2011), tudo indica que a Cúpula da Terra do Rio de Janeiro de 2012 passará à história como a primeira grande reunião das Nações Unidas marcando a entrada da humanidade numa nova era – o antropoceno finalmente assumido com um atraso de mais de dois séculos com relação à Revolução Industrial. Essencialmente, o antropoceno implica no reconhecimento, por parte dos humanos, da sua responsabilidade pelos estragos provocados por uma economia predatória (a raubwirtschaft) e da necessidade que daí decorre de buscar novos rumos para estratégias de desenvolvimento. Estas devem aliar a prudência ecológica ao imperativo social – a prioridade a ser dada à redução drástica das desigualdades abissais que hoje separam as minorias abastadas da maioria ainda condenada a lutar em condições difíceis pela sobrevivência. Lembrando que somos hoje mais de 7 bilhões e que seremos 9 bilhões em meados deste século! Os próximos decênios dirão se fomos capazes de enfrentar este desafio como verdadeiros geonautas – neologismo feliz proposto pelo escritor francês Erik Orsenna. A alternativa é de nos comportarmos mais uma vez como aprendizes de feiticeiro. Lembram-se ainda da Fantasia, o belíssimo desenho animado de Walt Disney e do pobre Mickey Mouse lutando contra a inundação? Aos que dizem que o futuro pertence a uma economia verde, direi que a sua bandeira deve ser ao mesmo tempo verde e vermelha (os portugueses que me perdoem essa apropriação). Não temos o direito de sacrificar os objetivos sociais sob o pretexto de evitar impactos ambientais negativos. Da mesma maneira, não podemos alegar urgências sociais para justificar a irresponsabilidade ambiental sob o risco de provocar catástrofes naturais acarretando, por sua vez, graves consequências sociais. Mais do que nunca, devemos basear a nossa conduta num tripé, juntando à responsabilidade social a prudência ambiental e a viabilidade econômica. Sem esta última, nada acontece, por isso, devemos nos esforçar para assegurá-la em todas as nossas ações. Como proceder para avançar a partir da próxima Cúpula do Rio de Janeiro, considerada para fins práticos o ano zero do antropoceno? Não devemos ceder à ilusão que os mercados, deixados a si mesmos, sabem melhor. Bem ao contrário, eles são míopes e socialmente insensíveis. Embora o planejamento não esteja atualmente na moda, convém reabilitá-lo. Não deixa de ser um paradoxo que o planejamento prosperou na era do ábaco e está sendo posto de lado na era dos computadores. No entanto, estes últimos por si sós não garantem um planejamento eficiente na ausência de um diálogo democrático quadripartite entre o Estado desenvolvimentista, os empresários, os trabalhadores e a sociedade civil organizada. É nesta direção que devemos avançar com a maior urgência. Os países-membros da Organização das Nações Unidas (ONU) deveriam ser convidados a elaborar planos nacionais de desenvolvimento socialmente includente e ambientalmente sustentável, usando conceitos e metodologias comparáveis, tais como a pegada ecológica e a biocapacidade, por um lado; e oportunidades de trabalho decente, por outro. Os planos deveriam abranger um horizonte temporal de quinze a vinte anos, com detalhamento maior para o primeiro quinquênio (20162020). A etapa seguinte consistiria na harmonização destes planos nacionais, começando por consultas no âmbito das comissões regionais da ONU e culminando na elaboração de um eventual plano mundial com a coordenação assumida pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). Para tanto, a ONU poderia ser posta à contribuição de duas maneiras brevemente mencionadas no meu artigo anterior. Por um lado, as Nações Unidas deveriam criar um importante Fundo de Desenvolvimento Includente e Sustentável, constituído por 1% do PIB dos países ricos, a taxa Tobin sobre especulações financeiras, um imposto sobre o carbono emitido (com a dupla finalidade de incentivar a redução das emissões e o financiamento do desenvolvimento) e pedágios sobre ares e oceanos, cobrados pelo uso destes bens comuns da humanidade, a começar por uma pequena sobretaxa sobre passagens de avião e fretes da qual os aviões e os navios dos países menos desenvolvidos poderiam ser isentos. Por outro, devemos envidar esforços para tornar operacionais redes de cooperação científica e técnica organizadas a partir da geografia dos grandes biomas, privilegiando, portanto, mais os paralelos do que os meridianos e a indispensável cooperação Sul-Sul, com o Brasil e a Índia como os dois abre-alas. n RUMOS - 10 – Janeiro/Fevereiro 2012