religião, individualismo e comunicação
nas sociedades contemporâneas – as redes da Nova Era
Luciana de Oliveira
Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado
da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da
Universidade Federal de Minas Gerais, como
requisito parcial para obtenção do título de Mestre
em Sociologia.
Área de concentração: Sociologia da Cultura
Orientadora: Profª. Drª. Léa Freitas Perez
Belo Horizonte
Fev./2000
religião, individualismo e comunicação
nas sociedades contemporâneas – as redes da Nova Era
Luciana de Oliveira
Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado em Sociologia da Faculdade de Filosofia e
Ciências Humanas da Universidade Federal de Minas Gerais, como requisito parcial para obtenção
do título de Mestre em Sociologia.
Aprovada por:
___________________________________________
Profª. Dra. Léa Freitas Perez (Orientadora)
___________________________________________
Prof. Dr. Francisco Coelho dos Santos
___________________________________________
Profª. Drª. Leila Amaral da Luz
Dedico esta dissertação a meus pais, Sebastião e Maria Natividade,
mestres da bondade de coração.
AGRADECIMENTOS
À minha orientadora, Léa Freitas Perez, pela forma como conduziu este trabalho –
estando sempre próxima e à disposição, e, ao mesmo tempo, deixando-me livre para pensar e,
antes de mais nada, fazer o trabalho que eu queria. Agradeço pela leitura atenciosa, pela correção
microscópica e pelas contribuições decisivas, sem as quais este trabalho não seria o que é.
Ao Onofre dos Santos Filho, meu mestre, que me “apontou o caminho”, através da sua
trajetória de vida e do seu apreço pela liberdade e pela competência possíveis no âmbito do
espaço acadêmico.
Ao Gilmar Rocha, pelo incentivo, por ouvir e compartilhar os meus dramas de pisciana,
pelas preciosas dicas bibliográficas e, especialmente, por falar-me da Espanha sem nunca ter
estado lá.
Aos meus irmãos, pais, cunhados, sobrinhos, enfim, ao clã dos Oliveira, preciso dizer que
é porque não tenho “alma de músico” que faço ciência, mas que podem ter certeza que nunca
trocaria, nem por pão, minha “alma de cientista”. A vocês, que são a matriz do que eu sou, peço
desculpas pelas ausências nos nossos calorosos encontros ou mesmo pelo fato de estar sempre
“debruçada nos livros” enquanto todos se reuniam para festejar esta família maravilhosa que nós
temos.
Aos meus queridos colegas de turma – Almir, Ana, Antônio, Dimitri, Jean, Luciana,
Márcio, Nícia e Renata –, com quem aprendi as delícias de ser um grupo, sem precisar saber o
que é um grupo, mas também com quem aprendi sociologia e antropologia.
Aos professores do mestrado de sociologia, Leonardo Fígoli, Eduardo Vargas, Cláudio
Beato, Antônio Augusto Prates, Maria Lígia Barbosa, Neuma Aguiar, Otávio Dulci, Francisco
Coelho dos Santos; aos professores convidados do PPGAS do Museu Nacional, Eduardo
Viveiros de Castro e Márcio Goldman; ao professor convidado da Universidade de Quebec, Jean
Guy Vaillancourt; cujas aulas (formais e informais) foram tão proveitosas para mim, que vinha de
uma outra área de conhecimento.
Aos queridos amigos, força em momentos diferentes, mas que fizeram o caminho até aqui
ser mais ameno e muito mais feliz. Agradeço especialmente a: Tereza, Fernanda, Nícia e
Eduardo, Renata e Benjamin, Lemão, Gê Lara e Roberta, Juvenal (Nanal), Ahmed, Adrienne,
Roberta, Amon, Moisés e, especialmente, ao Marcos Paulo.
À família Guimarães – Alexandre, Ana Maria e Claudino, Gustavo, Tatiana, Flávia,
Henrique, Cristiano, Artur – e ao Newton Queiroz, que me acolheram com afeto e me ajudaram
no que puderam a dar o pontapé inicial neste trabalho.
Ao Swami Sarvananda e ao seu grupo, com quem pude aprender, de pertinho, o que é a
Nova Era.
Agradecimento especial devo à Biblioteca da PUC e ao querido amigo e “errante” da Nova
Era Geninho, que me forneceram o material necessário para análise com toda a presteza e boa
vontade.
Não poderia esquecer da Magda, secretária do Mestrado, que tantas vezes me ajudou a
penetrar o “segredo” da burocracia, o qual ela conhece tão bem, tornando a vida acadêmica mais
prática.
Ao programa de bolsas da CAPES, sempre garantindo a sobrevivência do mestrando.
RESUMO
O objeto de minha pesquisa são os processos de comunicação entre pessoas que tomam
parte da chamada Nova Era. Parto da hipótese de trabalho de que esses processos de
comunicação indicam – ao contrário do que vem se afirmando como uma possível exacerbação
dos valores modernos de modo geral, e do individualismo, de modo especial – que estamos
presenciando uma reconfiguração dos conteúdos significativos destes valores, alterando as
relações sociais constituídas a partir deles. Entendo que os novos movimentos religiosos,
especialmente aqueles de cunho internacional e cosmopolita, como a Nova Era, que eclodem
neste fin-de-siècle, em que há toda uma rediscussão e mesmo um questionamento do projeto
civilizatório moderno, surgem a partir da diluição dos grandes referenciais que se configuravam
como sistemas explicativos da realidade – o Cristianismo e a Ciência –, engendrando explicações
outras para as novas relações sociais que vêm se apresentando em nossas sociedades. Os
processos comunicativos que tomo para análise – que estão, ao mesmo tempo, na origem e no fim
deste rearranjo geral dos valores – não podem ser explicados pelos modelos de comunicação
convencionais, mas pela formação de redes de solidariedade nas quais a troca de informações não
tem um sentido linear, mas multidirecional. Os participantes dessas redes, ao trocarem
informações, experienciam o estar-junto e, também, constróem referências identitárias, não se
tratando, entretanto, de identidades rígidas e bem definidas, mas de identificações em curso que
conformam um tipo de vínculo social peculiar ao mundo contemporâneo. A fim de testar as minhas
hipóteses, realizei uma pesquisa empírica em um periódico Nova Era, a revista Planeta, tomando
como “falas nativas” as cartas dos espaços abertos à comunicação dos seus leitores. De um
universo de 327 edições (setembro de 1972 a dezembro de 1999), examinei uma amostra de 80
exemplares e 133 cartas (sorteadas dentre 2679 cartas, segundo intervalo randômico).
S U M Á RIO
Introdução ...........................................................................................................................................8
Capítulo I : Músicas que dançam, imagens que cantam, palavras que celebram:
o multiverso Nova Era no cenário dos novos movimentos religiosos...............................................20
1. A diversidade em foco: mapeando a Nova Era em busca de uma definição
1.1. Contracultura e Novo Tempo.....................................................................................................24
1.2. (Re)Encontro Oriente e Ocidente: a globalização em debate....................................................30
1.3. Imagística e ambiência: o multiverso da comunicação Nova Era..............................................36
2. Para uma vivência outra do sagrado: liberdade individual e
o relacionar-se em redes ..................................................................................................................39
Capítulo II: Do Individualismo: notas para uma antropologia do relacionamento.............................56
1. A dimensão histórica do individualismo: Dumont e Simmel.......................................................61
2. Leituras do individualismo no mundo contemporâneo: Lipovetsky, Mafesolli
e o Paradigma da Dádiva...........................................................................................................66
3. Cidade, mercado e religião: comunicação em rede no mundo globalizado...............................78
4. Novas relações, antigos valores? O individualismo afetivo........................................................92
Capítulo III: Comunidade em ação rumo à Nova Era.......................................................................96
1. A comunicação no mundo moderno e contemporâneo..............................................................97
2. Os processos comunicativos Nova Era e a revista Planeta.....................................................106
I.
Correção de informações veiculadas em artigos e seções da Revista.................110
II.
Solicitação de informações de várias ordens........................................................113
III.
Anúncios de formação de grupo em torno de determinado
interesse e de divulgação de um grupo ou de uma entidade................................117
IV.
Críticas/elogios à revista........................................................................................121
V.
Correspondência com outras pessoas para
a) Troca de impressões e informações dentro de determinado tema.................123
b) Estabelecer relações mais íntimas (amizade, namoro e casamento).............126
c) Troca/venda/doação de livros, revistas e objetos...........................................127
d) Auxílios (solicitação/oferecimento) em diversas situações.............................128
VI.
Discussão profunda de temas...............................................................................129
Considerações Finais.....................................................................................................................134
Anexos............................................................................................................................................143
Anexo I............................................................................................................................................144
Anexo II...........................................................................................................................................145
Anexo III..........................................................................................................................................146
Anexo IV..........................................................................................................................................147
Anexo V...........................................................................................................................................148
Bibliografia.......................................................................................................................................149
INTRODUÇÃO
“À indagação de Kant: ‘Que é o homem?’ ... a resposta – se é que se pode verdadeiramente responder a
isso – não poderá nunca provir de um exame da pessoa humana como tal; não a acharemos senão considerando a
pessoa humana na integridade de seus relacionamentos com o ser.”
Martin Buber
Amplamente discutido, o retorno/recomposição do religioso constitui, atualmente, um tema
que as ciências sociais não têm negligenciado. Após duas décadas – nas quais pesa a forte
influência do marxismo – em que ficou de certa forma marginalizado, o estudo de religiões ou de
temáticas relacionadas ao universo religioso ganha cada dia mais adeptos e importância no meio
acadêmico. Existem, a meu ver, duas explicações para esse especial interesse em estudos no
campo religioso: em primeiro lugar, imperativos de ordem empírica, consubstanciados na explosão
de novas seitas e na sua expansão quase que sem fronteiras, encontrando seguidores por onde
quer que passem; em segundo lugar, a mudança na própria academia, que amplia seus horizontes
para além das escolas de pensamento, buscando hoje um conhecimento interdisciplinar e um
pouco mais descolado de suas origens positivistas da compartimentalização do saber e dos
partidarismos que lhe são caudatários. Esse novo posicionamento implica uma tentativa de
apreensão mais abrangente dos fenômenos, tentando relacionar os seus efeitos nas diversas
esferas da vida social. Assim, os fenômenos que tomamos hoje como objetos sugerem – não só no
campo religioso, mas especialmente nele – que repensemos nossos conceitos, nossos problemas
teórico-epistemológicos clássicos e, até mesmo, a base lógica do nosso pensamento.1 Em suma,
penso que há uma mudança no mundo e uma mudança no modo de olhá-lo. Assim, fenômenos
antes considerados de menor importância podem aparecer como tradutores de grandes avanços
no campo da teoria sociológica.
Sobre as mudanças na realidade, vários são os fatos que vêm lhe fazer eco. Claro que, ao
contrário do que muitos pensavam e pensam, a religião não morreu junto com os ideais laicizantes
da modernidade, acontece que, nos últimos trinta anos mais especificamente, houve um boom das
seitas místicas e esotéricas, dos movimentos de reforma dentro das religiões tradicionais – a
exemplo da igreja da libertação e dos carismáticos na Igreja Católica, das seitas evangélicas
renovadas e do neo-pentecostalismo nas Igrejas Protestantes – e do avanço inquestionável do
islamismo pelo mundo afora. Além disso, esses fenômenos começam a ser alardeados para o
grande público através dos meios de comunicação de massa, com incessantes matérias em
revistas, jornais e televisão. Muitos até defendem a idéia de que o boom do esoterismo foi o boom
1
Deixo em aberto a definição do mundo contemporâneo como moderno ou pós-moderno. Penso que esta é uma discussão
do interesse dos meios de comunicação pelo esoterismo. De fato, este tornou-se até mesmo tema
da novela das oito, o horário nobre da televisão brasileira... Mas penso que há um certo exagero
nesta afirmação.
Entretanto, mudanças acadêmicas e entusiasmos da mídia à parte, parece ainda não
respondida a questão: Por que estudar religião? Porque estudar religião é aprender um pouco
sobre a humanidade. Decorridos milhões de anos de história da presença humana no planeta azul,
é difícil negar a relação irrevogável dos seres humanos com o transcendental, o divino, o sagrado.
Esse inegável padrão de alteridade com o qual a humanidade vem se relacionando – esta
pergunta lançada ao desconhecido, este salto sobre o abismo – que faz os homens e as mulheres
saberem menos do insólito e mais sobre si mesmos e os faz relacionarem-se entre si. Sim, acredito
na religião, tal como o próprio nome indica, como algo que une as pessoas. Mas os mecanismos
que operam essa união são variáveis, e sua compreensão exige a interpretação de significados
que não são fixos e que são paulatinamente construídos no curso da história.
Sob essa perspectiva mais geral do que seja religião e considerando sua importância para
compreensão da própria vida em sociedade, escolhi a Nova Era como objeto de pesquisa,
sabendo que tal proposta significaria desfiar um rosário de desafios. Para começar, a própria
dificuldade de definir o que é Nova Era. Às vezes, o que nós, estudiosos, e os públicos dos meios
de comunicação de massa chamamos de Nova Era não é assim denominado por aqueles que
tomam parte desse movimento. Não há um reconhecimento mútuo/consensual do que seja Nova
Era, nem mesmo entre os seus adeptos. Quando se trata de metamorfosear o fenômeno em
conceitos e lê-lo à luz de nossas teorias, a tarefa se complica ainda mais. É exatamente a isso que
me dedico no primeiro capítulo desta dissertação. Como definir Nova Era? O que é este
movimento: religião, magia, misticismo, esoterismo? Na verdade, são todas essas coisas ao
mesmo tempo. Vê-la apenas como uma dessas coisas é tomar a parte pelo todo e não entender
nada de nada. Por outro lado, não é nenhuma dessas coisas como convencionalmente as
concebemos. Então, resta rever os próprios conceitos, sobretudo o de religião e o de magia. No
primeiro caso, mostrando que religião não pode ser entendida apenas como a igreja, mas como a
já bastante avançada no campo filosófico, e não gostaria de cometer o equívoco de ser superficial ou de partir de
comunidade afetiva, que no caso da Nova Era traduz-se como redes de solidariedade; no segundo,
mostrando, como fez Mauss, que, embora os indivíduos pareçam estar isolados, agindo de forma
independente, a própria noção de magia congrega uma série de elementos que são de fato
coletivos. Mesmo quando transpostas essas dificuldades, resta ainda o desafio de mostrar que,
embora seja sobre a Nova Era, esta dissertação não é exatamente sobre a Nova Era. A Nova Era
figura mais como um pretexto – ou pré-texto – para entender uma das possibilidades de vínculo
social no mundo contemporâneo que é específica ou característica do nosso tempo.
Desse modo, a religião, no nível teórico mais abstrato, deve ser vista como rede de
símbolos que engendra uma teia de significados, conforme propõe Geertz. Esses significados
conformam visões de e posturas no mundo (eidos e ethos) compartilhadas por uma coletividade.
O que mais aprecio na visão geertziana é que, mesmo com algumas ressalvas, ela retira a
produção de conhecimento de bases experimentais e a coloca em bases hermenêuticas ou
interpretativas.2 Em bases hermenêuticas, a religião deixa de receber os dois tipos de tratamento
que a teoria social lhe reservou até então: por um lado, a abordagem intelectualista, segundo a
denominação de Evans-Pritchard, que enxerga na crença apenas erro e primitivismo intelectual e,
como corolário, vê o rito como uma ação técnica ilusória pois, de acordo com Frazer, “na ciência
existe o poder; na religião há fé, a adoração, o sacrifício e a solidariedade”3; e, por outro lado, a
abordagem funcionalista, que continua admitindo o caráter ilusório das crenças, mas não lhes
atribui mais imperativos de razão teórica ou técnica, mas de razão prática, dotada de uma força
moral ou social. O que essas abordagens têm em comum é que o binômio sagrado/profano forma
uma dicotomia fundamental para a explicação das manifestações religiosas e guarda uma
correspondência direta com o binômio religião/racionalidade científica, em que cada elemento do
par exclui o outro. Contudo, o momento atual chama novamente a atenção para o fenômeno
religioso e, mais do que isso, para a criação de novos paradigmas para as teorias sociológicas e
antropológicas da religião. Nem a definição intelectualista de Tylor – na linhagem de Frazer – de
que religião é a crença em seres espirituais, nem a atribuição de qualidades funcionais para as
pressupostos que não poderia sustentar.
2
GEERTZ, Clifford. “A religião como sistema cultural”. A Interpretação das Culturas. Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1978,
pp. 101-142.
3
FRAZER apud VAN GENNEP, Arnold. Os Ritos de Passagem. Petrópolis-RJ, Vozes, 1978, p. 15.
religiões parecem dar conta do fenômeno nas sociedades contemporâneas e traduzem-se, muitas
vezes, em respostas parciais para o problema empírico em questão. Nesse sentido, o par
sagrado/profano continua sendo fundamental, mas sua lógica não é a de exclusão, mas sim de
inclusão, e nisso a proposta de Geertz tem contribuições significativas a dar. Ao entender que a
religião constitui-se como sistema simbólico que fornece modelos da ação e para a ação, ou seja,
como teia de significados que engendra modos de ver e de agir que interagem o tempo todo, é
possível verificar que sagrado e profano são pólos em constante complementaridade e
contaminação e que sua separação não passou de mera intenção analítica operada por um
modelo de ciência positiva e instrumental.
A partir dessas primeiras definições e precisões conceituais, fica no ar um paradoxo: se a
partir da Nova Era chegamos a conceitos que apontam para a formação do grupo, ainda que fora
dos moldes convencionais de grupo, através das redes de solidariedade que implicam significados
e ações peculiares, a Nova Era não poderia ser vista como ícone da exacerbação do
individualismo, como querem muitas das interpretações correntes. O sagrado, neste caso, não
pode ser enquadrado dentro de uma lógica personalista, voluntarista e, sobretudo, utilitarista ligada
exclusivamente ao mercado e à sociedade de consumo. Tento elucidar este paradoxo no segundo
capítulo, através de uma revisão geral do individualismo enquanto valor e de uma recuperação das
razões simbólicas contidas no mercado e no consumo. Creio que o individualismo pode ser, de
fato, encarado como o traço distintivo da cultura moderna ocidental e pode ser definido como a
consciência da unicidade do homem enquanto ser biológico e ser de cultura. Mas acredito também
que as relações que o indivíduo real concreto pode estabelecer com esse valor mais amplo
resguardam a possibilidade de encontrar os mais diversos significados. Faço essa leitura seguindo
as pistas deixadas por Dumont e, sobretudo, por Simmel. De Dumont, tomo a idéia de que o
individualismo foi historicamente construído no mundo ocidental a partir do Cristianismo. Assim, da
mesma forma que a noção do eu, como individualidade, nasce a partir da afirmação da unidade de
Deus numa antigüidade remota, hoje a diversidade dos caminhos para alcançar o sagrado –
diversidade que se traduz numa pluralidade interna e externa no campo religioso – parece
conformar novas relações e admitir novos significados a partir desta mesma noção. De Simmel
sigo duas indicações: o caráter polissêmico e contextual do individualismo e a constatação de que
é no indivíduo que concretamente podemos identificar a intercessão dos diversos mundos
simbólicos que passam a constituí-lo e religar – além de homens e deuses – substância e forma,
corpo e alma, consciência e ação, indivíduo e sociedade.
No caso específico da Nova Era, a importância do aperfeiçoamento pessoal – a revolução
silenciosa a partir de si mesmo, como costumam dizer os nova eristas – tem um sentido ético muito
importante, o qual serve para refutar as teses exacerbacionistas que vêem na Nova Era uma
extensão do processo de privatização das relações sociais promovido pela modernidade ou a
expressão do cálculo utilitário levado às últimas conseqüências, fazendo da religião um produto,
um gênero de primeira necessidade. Não tenho uma atitude completamente crédula e não
descarto os charlatões, os mercenários e o sucesso da feira mística, mas creio que existe nisto
tudo pessoas que vivem a Nova Era não como um produto, ou, se como um produto, como algo
que extrapola a fria lógica do dinheiro e o hedonismo do consumo, que se insere na atmosfera da
troca. Daí a importância do paradigma da dádiva como via de leitura desse fenômeno e de seu
sentido altamente ético de preocupação com o outro. A atmosfera da troca é a dádiva de que nos
fala Marcel Mauss, ou seja, é a tripla obrigação de dar, receber e retribuir. Essa obrigação constitui
uma escolha ou, nos termos de Mauss, uma obrigação de liberdade. Nas redes da Nova Era
existem formas preestabelecidas de como fazê-lo que devem ser observadas, o que não impede
que cada pessoa tenha uma trajetória única em relação a todas as outras que compõem as redes.
Esse fato retira todo o sentido da palavra identidade, ao menos quando esta é pensada como
totalidade, indicando, isto sim, identificações circunstanciais, mas não menos intensas e profundas,
no tempo e no espaço. É através da informação, veiculada nos workshops, vivências, rituais,
terapias e revistas, que as pessoas se encontram e realizam essas identificações, pois a trajetória
de cada um é individual, mas não coloca de lado a necessidade de contato com os outros, até
mesmo para se informar onde estão os nódulos dessas redes. A possibilidade do diálogo com os
guias e com os outros caminhantes, essa troca de experiências, ajuda cada um no seu caminho
individual. Como me disse certa vez o guia Nova Era Swami Sarvananda: “ela abre, areja, faz
pensar. Porque as religiões tentam tampar o que não interessa para não perder o freguês. Dogma,
salvação, ‘você vai sair do túmulo e vai direto para o céu’. Não existe isto. Faz dois mil anos que o
Senhor disse: ‘eu voltarei’. Ele nunca iria mentir. E vai trazer uma nova revelação que vai ser
totalmente diferente da nossa atual, que vai reunir as duas tendências do Budismo e do
Cristianismo – dor e amor, intelecto e coração – para nos levar por meios que nós desconhecemos
agora, nos dar a via que vai ser uma religião geral. Certamente não vai ter mais fronteiras, e todo
mundo vai ter que fazer parte forçosamente desta nova revelação. Individualmente, indo na mesma
direção. Como dizia o Pequeno Príncipe: ‘Amar é olhar mutuamente, é olhar na mesma direção’.”
A discussão do individualismo remete à noção de liberdade e ao modo como ela se fez
importante para o homem moderno. A liberdade aparece, assim, como a luta do indivíduo para
provar sua supremacia sobre as estruturas sociais que lhe pesavam sobre os ombros, impostas
sobretudo pelos laços tradicionais de sociação. Neste ponto há uma relação manifesta entre a
liberdade e a constituição do espaço urbano, em que há uma supremacia da sociedade – forma de
sociação em que os laços são estabelecidos impessoalmente pela via do contrato – sobre a
tradicional comunidade – forma de sociação que, ao contrário, pressupõe a pessoalidade e a
afetividade como elementos constitutivos do vínculo social. O interessante é perceber que a cidade
hoje se apresenta como palco para o estabelecimento de vínculos comunitários, às vezes sob a
forma de comunidades fechadas que abrigam minorias, às vezes sob a forma de redes de
solidariedade sem uma lógica explícita de funcionamento e um formato sem contornos bem
definidos. Essas comunidades em forma de redes ficam imersas no anonimato citadino,
mostrando-se, entretanto, em determinados pontos e reunindo pessoas em torno desses pontos,
os chamados nódulos das redes.
A discussão sobre a cidade como o lugar do mercado, tal como pontuado por Weber e
Simmel, justifica-se pelo fato de que esta surge como um ambiente impregnado dessa atmosfera
de troca. Obviamente, as relações econômicas ainda se colocam como ponto principal da
formação e manutenção dos centros urbanos, mas para além da economia e, ao mesmo tempo,
junto com as próprias relações econômicas formam-se modos e estilos de vida que dão o contorno
das relações entre as pessoas e se traduzem naquilo que se convencionou chamar
cosmopolitismo. Desse modo, a Nova Era precisa ser vista como modo e estilo de vida tipicamente
urbanos, através dos quais os errantes citadinos percorrem espaços, formando redes de
solidariedade e de trocas simbólicas.
O que está religado neste sentido está necessariamente em comunicação, pois o que é
comunicar senão uma troca complexa de símbolos? A partir dessa premissa, forma-se o eixo
analítico do trabalho: individualismo/processos comunicativos. O estudo dos processos
comunicativos do errante Nova Era pode, portanto, mostrar uma das formas como se constitui o eu
nos dias atuais. Acredito poder constatar nesses processos um eu que é tanto público quanto
privado. Por isto, falo de um sentido específico do individualismo nos dias atuais, que chamo de
individualismo afetivo, pois no momento atual o individualismo paradoxalmente atua, ele próprio,
como força de agregação entre as pessoas e não como força de atomização. Ser um, nesse
sentido, significa ser uno, ou seja, estar unido à comunidade – que é, em última instância, o
macrocosmo. O sentido de estar em sintonia com o macrocosmo imanentiza-se nas relações
imediatas com o mundo. É assim que a cidade ganha importância, pois se apresenta como palco
de modos e estilos de vida diferenciados e como o mundo concreto, onde os indivíduos
estabelecem relações de convivência e tolerância com outros modos e estilos de vida, buscando
não o que separa mas o que une as pessoas. Através destas mediações, estar em harmonia com
o cosmos significa galgar instâncias extremamente próximas – eu, a família, o vizinho, a cidade – ,
pois, como tudo se conecta a tudo, esta é a forma mais segura de garantir o equilíbrio cósmico.
Para verificar a maneira como os errantes da Nova Era se comunicam poderia ter
escolhido várias vias. Optei por verificar como os leitores – potencialmente representantes da Nova
Era – de um veículo de massa especializado em assuntos esotéricos utilizam este espaço de
comunicação para a sua ininterrupta busca de aperfeiçoamento pessoal, caracterizando essa
busca como um compartilhar de informações com os outros que estão neste mesmo caminho. Para
tanto, elegi as seções de cartas dos leitores da revista Planeta como foco de minha atenção. Neste
caso, imito, de certa forma, a metodologia durkheimiana de escolher o caso desprivilegiado para
demonstração mais confiável da hipótese. Digo isto porque a comunicação num veículo de massa
segue um modelo bastante unilateral, e o que quero enxergar é justamente a comunicação em
redes, ou seja, aquela que não tem um centro irradiador (emissor), mas vários centros que se
interconectam em múltiplos níveis de comunicação. Bem, se na revista, que é um lugar típico da
comunicação mais estandardizada, já posso encontrar sinais de uma comunicação do segundo
tipo, creio ter conseguido uma demonstração bastante confiável de minha hipótese de trabalho.
É minha tarefa, no terceiro capítulo, organizar o material empírico recolhido e utilizá-lo
para demonstrar o que foi teoricamente desenvolvido.4 Nesse sentido, os espaços abertos à
comunicação dos leitores da revista Planeta aparecem como um lugar de emergência das redes
Nova Era. O universo da revista compreende 327 edições, de setembro de 1972 até dezembro de
1999 (considerando-se apenas os números principais, pois há uma série de publicações especiais
que acompanham a revista, as quais foram desconsideradas por não conterem seções de cartas
dos leitores). Após ampla pesquisa em bibliotecas e junto a colecionadores, foram selecionados 80
exemplares da revista, de períodos históricos variados e sem nenhum critério temático, até mesmo
porque me interessam as cartas dos leitores por sua articulação discursiva, e não propriamente
por sua articulação temática. Creio que o número de revistas é significativo em relação ao
universo, perfazendo um total de 25% deste, o que me permitiu uma análise de qualidade
confiável. Obviamente, perco com isto a oportunidade de realizar um estudo de enfoque mais
quantitativo através da técnica de análise de conteúdo, pois neste caso teria de contar com a
totalidade do universo. Entretanto, não posso me eximir de constatar que podem ser verificados
alguns tipos de cartas recorrentes e que tais tipos poderiam ser perfeitamente contabilizados pela
sua similitude. Ainda assim, creio que para o meu objetivo é o suficiente uma análise de qualidade.
Não prescindi, entretanto, de uma técnica de sorteio das cartas analisadas, posto que analisar
todas seria trabalhoso e dispensável, dado o seu conteúdo similar, já destacado. O sorteio, além
disso, afasta qualquer possibilidade de arbitrariedade na escolha das cartas analisadas que
priorizasse casos atípicos ou paradigmáticos no afã de comprovar a hipótese de trabalho.
As cartas foram então listadas e sorteadas segundo um critério aleatório. O total de cartas
em 78 edições (pois em duas revistas estas não aparecem, por serem edições comemorativas) foi
4
Gostaria de ressaltar que o modelo teórico não foi construído primeiro para que depois eu encaixasse os dados nele. O
trabalho teórico e o empírico foram sendo realizados juntos e, embora eu não tenha feito um trabalho de campo sistemático,
participei de grupos de tendência Nova Era e visitei centros holísticos na cidade de Belo Horizonte, a fim de alcançar o que
os antropólogos chamam de “ponto de vista do nativo”. Essas informações podem não aparecer de forma explícita, mas
com certeza me ajudaram a compreender melhor o fenômeno que elegi como objeto e aparecem de forma sutil no corpo do
trabalho.
de 2679, o que dá uma média de 34 cartas por revista. Optei por um sorteio aleatório randômico,
elegendo um intervalo de 20 cartas. Essa escolha justifica-se pela média de cartas encontrada
(34), o que, por um lado, garantiu que eu tivesse pelo menos uma carta de cada revista, reduzindo
o meu espectro analítico de 2679 para 133 cartas, e, por outro lado, assegura uma amostra
significativa: 5% em relação ao total de cartas. Vale dizer que todas as cartas foram lidas e que
casos especiais – no sentido tanto de comprovação quanto de negação da hipótese, embora neste
último caso só tenha aparecido uma carta – foram também considerados. Da leitura completa do
material coletado foi possível construir uma tipologia das cartas. É com base nesta tipologia que
pude organizar o material e lê-lo à luz das reflexões preliminarmente levantadas e elaboradas
teoricamente a partir das fontes bibliográficas e das experiências com guias e pessoas ligadas à
Nova Era com quem pude travar contato.
A título de situar o meu leitor, apresento alguns dados históricos sumários da revista
Planeta. Ela começou a ser publicada no Brasil em 1972, tendo sido criada na França em 1960, e
expandido-se pela Europa (Holanda, Itália, Alemanha e Espanha) e pela América do Sul (Brasil e
Argentina). Os seus criadores foram Jacques Bergier e Louis Pauwels, os consagrados autores do
livro O Despertar dos Mágicos. A iniciativa de editar a revista no Brasil – por parte dos empresários
Domingo Alzugaray, Fabrizio Fasano e Luís Carta – assustou os editores franceses que pensavam
não existir público em nosso país para o tipo de informação que veiculavam. Entretanto, eles
forneceram todo o material de que dispunham e ofereceram um estágio na Planète a Ignacio de
Loyola Brandão, o primeiro editor da revista no Brasil. Auxiliado por pessoas como Edison
Carneiro, estudioso das religiões afro-brasileiras, e Alceu Maynard de Araújo, o folclorista, Brandão
montou as primeiras edições e esteve à frente da revista por quatro anos. Depois dele vieram Luís
Pellegrini, Edenilton Lampião e Eduardo Araia, cada qual imprimindo um estilo pessoal, marcando
certas etapas na história da revista. Outro importante nome associado à revista é o da jornalista
Elsie Dubugras, que nela trabalha há 26 anos e hoje conta com uma seção chamada Encontros
com Elsie Dubugras, voltada para o comentários de casos fantásticos de paranormalidade,
contatos com extraterrestres e outros temas. Independente das mudanças editoriais, o sucesso da
revista no Brasil é incontestável, tanto que é a única do gênero que continua a ser editada até hoje,
tendo completado 27 anos em setembro de 1999.
Com relação ao espaço da revista que é reservado à participação dos leitores – foco do
meu interesse –, desde as primeiras publicações já existia uma seção de cartas, garantindo o
feedback dos leitores. Mas é somente cinco anos após o início de sua publicação que a revista
abre um espaço mais amplo à participação dos leitores, após sua primeira reformulação editorial.
Conforme detalhado em trabalho realizado pela pesquisadora Leila
Marrach Basto de
Albuquerque da UNESP (Campus de Rio Claro), em todas as revistas, “a partir do número 54
(março de 1977) (...) um editorial intitulado ‘A revista evoluiu’, anuncia pequenas alterações: a
inclusão da sessão ‘O leitor pergunta’ e a preocupação, declarada pelos editores, de ‘dar ênfase à
informação mais objetiva, concreta, coerente, que possa servir de forma positiva para o dia a dia
do leitor em todos os níveis: físico, psíquico, mental e espiritual’. Logo depois, o n. 57 (junho de
1977) comunica através do editorial ‘Fecho de ouro’, o fim de uma fase e as características da
próxima, marcada pelo novo formato da revista e pelo ‘conteúdo renovado’. Afirma ainda esse
editorial que, procurando manter os objetivos originais da revista, mas também acompanhar as
‘novas exigências do mercado’, este número reúne ‘textos que (...) abordam um mesmo e
importantíssimo fenômeno da nossa época: a aproximação cada vez maior entre a ciência exata e
os conhecimentos herméticos ou ocultos de todos os tempos’.”5
A seção Leitor Pergunta tenta responder dúvidas que os leitores têm sobre assuntos que
foram temas de reportagens da revista ou que a seus olhos têm afinidade com o seu espírito. Além
disso, é um espaço para o leitor encontrar serviços especializados ou nomes famosos do mundo
esotérico, pois a revista responde prontamente onde encontrá-los. Essa seção foi substituída pela
Planeta Responde em uma das inúmeras reformas editoriais pelas quais passou a revista, mas a
finalidade da seção continuou sendo a mesma. A seção Clube da Comunicação contém
mensagens de leitores que desejam estabelecer comunicação com outros que tenham os mesmos
interesses através de carta ou telefone. Há também aqueles que levam a público – no melhor
5
ALBUQUERQUE, Leila Marrach Basto de. “Revista Planeta: Imagens Do Corpo, Imagens Da Alma”. Trabalho
apresentado nas VIII Jornadas sobre Alternativas Religiosas na América Latina. São Paulo, 22-25 de setembro, 1998, p. 7.
sentido da palavra publicidade – conhecimentos e serviços prestados por pessoas e entidades do
mundo esotérico. A seção Leitor Debate abre a oportunidade de publicação de cartas de leitores
que comentam assuntos publicados na revista de uma forma mais aprofundada, tentando
congregar o máximo de opiniões divergentes sobre uma mesma reportagem ou buscando
apresentar relações entre comentários e reportagens que não foram lembrados pela revista. Ou
seja, a seção incentiva os debates entre os leitores e dos editores com os leitores. Vale dizer, que
os anúncios no Clube da Comunicação são gratuitos. Os leitores interessados devem escrever
textos curtos e claros especificando o que desejam, e os pedidos são publicados segundo a ordem
de entrada.6
O interessante das seções de cartas é perceber como a informação circula em variados
níveis nas mais diversas direções, mostrando as faces de um eu que é tanto público quanto
privado. Há diferentes tipos de práticas conformando os mais variados discursos, os quais, por sua
vez, formam diferentes tipos de redes – cenários (criados/criadores) de laços sociais. Diversidade,
trânsito, errância, sincretismo, ecletismo e movimento são algumas das palavras que descrevem
bem o multiverso da Nova Era que ora tento desvendar. Pintado nas cores do mundo
contemporâneo, este multiverso retira de nós muitas certezas, mostrando uma interessante
imagística em que categorias como tempo e espaço estão em reconstrução, desenhando uma
arquitetura social cujos traços são indefinidos e, por isso mesmo, bastante instigantes.
6
Outras seções da revista ainda se destacam pelo seu caráter informativo e, se bem entendido, publicitário – não no
sentido de publicidade como persuasão à venda, mas no seu sentido mais estrito de tornar pública alguma coisa. A seção
Agenda, por exemplo, sempre esteve presente em toda a trajetória da revista, informando sobre cursos, seminários,
lançamentos de livros, comunidades, workshops, palestras e todo tipo de eventos que se enquadram nos gostos dos
leitores. Na minha concepção, essa seção aponta para as redes físicas da Nova Era ao indicar os lugares em que se
desenrolam os eventos citados. Outra seção importante no sentido de informar os leitores é a Livros, que indica os
lançamentos e os eternos clássicos do multiverso Nova Era, livrarias onde são encontrados e uma pequena resenha crítica.
Estas seções, embora não sejam alvo de minha análise, mostram a importância da informação para o público leitor de
Planeta e o modo como os editores da revista notaram esta importância, destinando bastante espaço para a circulação
dessa informação.
Primeiro Capítulo
MÚSICAS QUE DANÇAM, IMAGENS QUE CANTAM, PALAVRAS QUE CELEBRAM:
O MULTIVERSO NOVA ERA NO CENÁRIO DOS
NOVOS MOVIMENTOS RELIGIOSOS
“Oh! Decorrerão ainda séculos de licença intelectual de vã ciência e de antropofagia, porque será nisto que
eles acabarão, depois de ter edificado sua torre de Babel sem nós. Mas então a besta virá para nós
arrastando-se, lamberá nossos pés, regá-los-á com lágrimas de sangue. E nós montaremos nela, ergueremos
no ar uma taça em que estará gravada a palavra: ‘Mistério’. Então somente a paz e a felicidade reinarão sobre
os homens.”
Fiódor M. Dostoiévski
“Quando a lua estiver na sétima casa e Júpiter se alinhar com Marte
Então a paz guiará os planetas e o amor governará as estrelas
Essa é a alvorada da Era de Aquário.”
Canção-tema do musical Hair – Ragni, Rado e MacDermot
Um dos aspectos da vida cotidiana nas sociedades contemporâneas que tem chamado a
atenção dos cientistas sociais é a dita recomposição do campo religioso.7 Salta aos olhos a
importância que volta a ocupar a religião na vida das pessoas, nos seus relacionamentos e nas
suas formas de ver o e agir no mundo. Vale dizer que a efervescência religiosa dos nossos dias
contrasta, entretanto, com valores dorsais das sociedades ditas modernas (não pela sua
atualidade mas por sua cultura) quais sejam: a racionalidade científica, o individualismo e a
secularização, o que realça ainda mais o fenômeno e o desejo de compreendê-lo. Tocar na
questão do ressurgimento do religioso em nossas sociedades significa, portanto, rediscurtir
algumas proposições teóricas importantes, dentre as quais se destaca a noção de
desencantamento do mundo. Weber, o responsável por essa noção, vê no progresso científico o
mais importante aspecto do processo de intelectualização do Ocidente. A intelectualização significa
a substituição dos meios mágicos de dominação da natureza por meios técnicos e cálculos
racionais.8 A Renascença, a Reforma Protestante, o Iluminismo, o desenvolvimento industrial
capitalista, as constantes descobertas e inovações tecnológicas são algumas das marcas
históricas mais eminentes desse processo, nas diversas esferas da vida, que possibilitaram a
afirmação de uma epistemologia científica como determinante
da ideologia das sociedades
ocidentais modernas.
A grande marca distintiva dos chamados novos movimentos religiosos é que eles, na
contramão do dito processo de desencantamento, trazem de volta a possibilidade de servir-se do
sagrado como meio de vivenciar a realidade para além da colocação dessa realidade dentro de um
arcabouço explicativo – preferencialmente científico. O sagrado aparece de novo como modalidade
do estar junto (com a natureza, com o mundo e com o outro), sendo assim formador de
comunidades afetivas. Nesse sentido, o ressurgimento do religioso como forma de coordenar os
fatos da vida cotidiana remonta às décadas de 60 e 70 com as comunidades hippies, a revolução
7
As controvérsias na explicação deste fato têm dividido a comunidade científica em duas tendências básicas. A primeira
tende a ver o atual momento de efervescência religiosa como um retorno do religioso e, neste sentido, tem em relação ao
fenômeno uma leitura extremamente pejorativa. A segunda, que assumo desde já como a minha, vê nos fenômenos
religiosos dos nossos dias um reencontro do homem com o sagrado, o qual abre para ele uma possibilidade outra de
compreensão da realidade. Para uma discussão completa acerca dos contrastes entre os dois pontos de vista, ver PEREZ,
Léa Freitas. “Campo Religioso em Conflito! Mas que conflito é esse?”. Belo Horizonte, Universidade Federal de Minas
Gerais, 1998, policopiado.
islâmica e o advento de milhares de pequenas religiões que se multiplicaram por toda parte, de
modo especial nos centros urbanos - igrejas, seitas e escolas ocultistas, neo-espiritualistas, neoevangélicas ou intituladas herméticas, bem como o aparecimento de gurus, de escolas de diversas
práticas místicas e as subdivisões nas grandes religiões mundiais, como é o caso dos carismáticos
no seio da Igreja Católica e das igrejas evangélicas renovadas. Existem ainda grupos que se
autoproclamam laicos e até mesmo anti-religiosos, que se definem como filosofias sem nenhum
caráter místico, mágico, esotérico ou religioso. Mas mesmo nesses grupos é possível reconhecer
vestígios de uma sensibilidade religiosa. Portanto, os novos movimentos religiosos possibilitam
repensar o próprio conceito de religião, pois este se expande e ganha um significado diverso
daquele imposto pelo modelo de religião pensado a partir do Cristianismo e de uma perspectiva
moderna.
Para uma melhor compreensão dessas diversas formas de viver o sagrado nos dias atuais
podemos olhar para o ressurgimento do religioso de duas maneiras, a partir de duas tendências
explicativas que levam em consideração o aspecto institucional das novas sensibilidades
religiosas. Não se pode perder de vista, é claro, que essas tendências são tão somente analíticas e
que, do ponto de vista empírico, o que ocorre é muito mais o trânsito entre as tendências, dado
que o campo religioso hoje caracteriza-se, antes de mais nada, por estar marcado por fronteiras
que, mesmo podendo estar bem demarcadas, estão sujeitas a transgressão ou mesmo a constante
troca de identidade religiosa pelo fiel. Essas duas tendências recortam o campo religioso em
direções opostas. No primeiro caso, a fidelidade aos dogmas apregoados pela Igreja constitui um
pré-requisito fundamental para fundar o vínculo com o grupo religioso. O melhor exemplo dessa
tendência é, sem dúvida o Islamismo – a religião que mais cresce no mundo atualmente. No
segundo caso, delineia-se um tipo de religiosidade extremamente solto, caracterizado sobretudo
pela pluralidade de práticas e pela errância. Temos aqui movimentos como a Nova Era, em que o
conceito de adesão religiosa não tem um caráter institucional, pautando-se por uma postura
avessa a dogmas e ortodoxias. No Brasil, estas duas tendências podem ser exemplificadas tanto
por
8
aquilo
que
Ricardo
Mariano
chamou
de
magia
institucionalizada,
representada
WEBER, Max. “A Ciência como Vocação”. GERTH, H.H. e MILLS, C. Wright (org.). Ensaios de Sociologia. Rio de
paradigmaticamente pela Igreja Universal do Reino de Deus, como pela Nova Era que também
encontra por aqui os seus participantes, caracterizando-se, como chama a atenção Pierre Sanchis,
como uma corrente não institucional de penetração capilar9. Para Sanchis, a Nova Era é mais uma
alternativa de viver o sagrado neste país ainda hoje considerado tipicamente afro-católico.10
Entretanto, cabe ressaltar que a Nova Era é uma alternativa que não exclui outras, podendo ser
experimentada junto com outras formas de viver o sagrado, exatamente por representar a
tendência não institucional de prática religiosa.
É exatamente a Nova Era – ou mais precisamente, os processos comunicativos que se
desenrolam a partir dessa sensibilidade religiosa chamada Nova Era – o objeto de estudo deste
trabalho. Mas antes, e ainda com Sanchis, é preciso lembrar que a Nova Era contém “mil formas,
mil caminhos, mil instrumentos auto-reflexivos ou externos, mil referências históricas. [...] A feira
mística, de fato, propõe ao homem contemporâneo uma imagem aproximada do seu próprio rosto:
a multiplicidade de olhares de perspectivas, armando-se, para se concretizar, de instrumentos
finalmente técnicos, intercambiáveis e susceptíveis de somar-se (a lei da magia...) constituindo em
conjunto o clima de uma magia espiritual capaz de desvendar o mistério do futuro, de sanar o
corpo e fazer dele o aliado da mente, de reencantar o mundo e de construir nele, um destino.”11
Portanto, um primeiro desafio já se coloca: entender esse tipo de religiosidade para além do
conceito de religião como igreja, como instituição que organiza as crenças e as práticas dos fiéis,
conforme a clássica definição de Durkheim, e, por outro lado, responder à questão outrora
colocada por Mauss para a magia: “Como conceber a idéia de um fenômeno coletivo em que os
indivíduos ficariam tão perfeitamente independentes uns dos outros.”12 Antes porém, é preciso
definir a Nova Era e identificar os aspectos desse fenômeno, sem contornos bem definidos, que
tomo para análise.
Janeiro, Zahar Editores, 1982, 5. ed., pp. 154-183.
9
MARIANO, Ricardo. “Igreja Universal do Reino de Deus: a magia institucionalizada”. Revista USP, São Paulo, v. 31,
set/nov 1996, pp. 120-131.
10
SANCHIS, Pierre. “As Religiões dos Brasileiros”. Horizonte, Belo Horizonte, v. 1, n. 2, 1997, pp. 28-43, p. 32. O título
desse artigo sugere que já não há hoje como falar de uma religião hegemônica no nosso país, pois reina aqui a mais
completa diversidade de crenças organizadas segundo variados níveis de adesão com que as pessoas se ligam a essas
crenças.
11
SANCHIS, “As Religiões dos Brasileiros”, Op. cit., p. 32
12
MAUSS, Marcel. “Esboço de uma Teoria Geral da Magia”. Sociologia e Antropologia. São Paulo, EPU, 1974, v. II, pp.
37-176, p. 118.
1. A diversidade em foco: mapeando a Nova Era em busca de uma definição
1.1. Contracultura e Novo Tempo
Definir Nova Era é tarefa hercúlea. Sob tal designação encontram-se aglutinados os mais
diversos universos simbólicos, que engendram as mais diversas práticas nos mais diversos
campos da vida humana. Portanto, a Nova Era deve ser encarada, antes de mais nada, como uma
sensibilidade diante de um momento histórico de rearranjo e transformações estruturais em que se
delineiam novas visões de mundo e, consequentemente, novas formas de lidar com a realidade.
Mas a idéia de uma nova era, como tal, não é um privilégio dos dias atuais. Mesmo na reafirmação
das propostas do Iluminismo no século XIX falava-se do projeto civilizatório então nascido como o
advento da nova era: "no século XIX acreditou-se que surgiria uma nova era altruística, pacífica,
industrial e científica."13 Entretanto, existe algo mais na Nova Era como um fenômeno dos nossos
dias que garante a sua especificidade: é que essa nova sensibilidade tem algo de espiritual e, se
bem entendido, de religioso14. Assim, ela retoma o sentido etimológico de religião – religare,
religação –, pois a esperança numa Era de Ouro, ou Reino do Milênio, ou Reino de Paz de Mil
Anos, ou, astrologicamente, na Era de Aquário, além de ser o elo comum entre as múltiplas
vertentes da Nova Era, figura como elo de ligação entre o Céu e a Terra, entre o profano e o
sagrado a partir do qual fundar-se-á um novo mundo, idéia aliás estrutural ao campo religioso.15
Fora isso, a Nova Era assemelha-se mais a um agregado nebuloso de grupos esotéricos, filosofias
naturalistas e incontáveis práticas místico-ocultistas, todas misturadas alquimicamente numa
denominação única. Daí a tão difundida idéia de nebulosa místico-esotérica cunhada por Françoise
Champion.16
Não há como negar que nas últimas três décadas houve uma explosão de novas
concepções filosóficas de vida, das mais variadas formas e matizes, e temos de reconhecer que
13
IANNI, Octavio. “O encantamento do mundo”. Religião e Sociedade, Rio de Janeiro, ISER, 13/1, março/1986, pp. 20-22.
É claro que do ponto de vista teórico-conceitual não há uma distinção entre o que é espiritual e o que é religioso. Minha
intenção aqui é respeitar o ponto de vista do errante Nova Era que, em larga medida, não se considera um religioso. O
sentido da palavra religião para ele associa-se ao aspecto institucional da palavra religião, a dogmas e ortodoxias os quais
ele, em hipótese alguma, admite se prender.
15
O milenarismo ou a idéia do fim do mundo, da renovação do Universo para dar origem a uma nova Idade de Ouro está
presente em quase todas as culturas, até mesmo nas mais primitivas. Para verificar um mapeamento do milenarismo na
cultura judaico-cristã e nas crenças de outros povos do passado e do presente, ver ELIADE, Mircea. “Escatologia e
Cosmogonia”. Mito e Realidade. São Paulo, Editora Perspectiva, 1994, 4. ed, pp. 53-69.
14
grande parte delas se opõe, de uma maneira ou de outra, à ortodoxia religiosa e ao positivismo
científico, os dois grandes portos seguros e confiáveis da humanidade nos últimos 500 anos. É o
que Edgar Morin chama de reconhecimento da incerteza, marca indelével dos anos 70 e,
coincidência ou não, do início das novas manifestações religiosas.17 É claro que manifestações
religiosas e filosóficas diferentes da ortodoxia comum e opostas à ciência sempre existiram, mas
seu número nunca foi tão grande e crescente como vemos hoje. Portanto, o que chama a atenção
no fenômeno é, além de seu conteúdo, sua extensão.18 Dentre essas manifestações religiosas,
entendo que a Nova Era fornece meios simbólicos com os quais se pode entender a tentativa de
religar as diversas esferas da vida, separadas nas representações modernas, trazendo de volta a
possibilidade de pensar as coisas como unidade – o que não tem nada que ver com a mônada de
Leibniz ou com as inúmeras sínteses abstratas elaboradas pelas nossas ciências.19 Já não se
trata, pois, da unidade do UM, ou seja, do indivísivel, do unívoco, daquilo que distingue, separa e
universaliza, mas da unidade do UNO, ou seja, do que está unido, religado. Significa, portanto,
pensar as coisas como parte de um universo relacional – mais do que racional como lembra Sylvie
Joubert –, em que tudo se conecta a tudo.20 Não é à toa que se fala tanto em mudança de
paradigma, pois, segundo aqueles que comungam essa nova visão, precisamos reorganizar nossa
existência em função de uma visão ecológica profunda, isto é, tendo consciência de que a
realidade é una e multidimensional pois estamos inteiramente ligados ao cosmos: nós
pertencemos ao universo e este nos pertence. É devido a este fato que muitos teóricos vêm
associando a simultaneidade entre a emergência de novos movimentos religiosos e o esgotamento
do paradigma moderno. É também este fato que me chamou a atenção especialmente para a Nova
16
CHAMPION, Françoise. “Nebulosa místico-esotérica e modernidade contemporânea”. Policopiado.
MORIN, Edgar. Para sair do século XX. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1986.
Não estou querendo dizer que uma mudança de quantidade implica mudança de qualidade. Importa dizer que quando um
fenômeno ganha proporções muito grandes e evidentes, ele tem maior probabilidade de chamar a atenção da comunidade
científica e até mesmo de mudar o “olhar” desta comunidade em relação a ele.
19
De acordo com a definição de André Lalande mônada é um “termo muito antigo, de origem pitagórica aplicado por Platão
às Idéias, empregado em diversos sentidos pelos autores cristãos, tendo servido em Giordano Bruno, Van Helmont, o
jovem, Henry More para designar os elementos físicos ou psíquicos simples de que o Universo é constituído. Tornou-se
célebre graças a Leibniz, que definiu a mônada como ‘uma substância simples, quer dizer, sem partes, que entra nos
compostos. Estas mônadas são os verdadeiros átomos da Natureza e, numa palavra, os elementos das coisas’. Elas são
impenetráveis a qualquer ação exterior, cada uma delas diferente uma da outra, sujeitas a uma mudança contínua que
provém de seu próprio fundo e são todas dotadas de Apetição e Percepção, sem prejuízo das faculdades mais elevadas
que algumas delas possuem”. O Monadismo é, por sua vez, o “sistema que admite que o Universo é formado por mônadas,
por unidades individuais bem definidas que possuem um princípio de unidade interior, de ordem espiritual (por oposição aos
átomos mecânicos)”. LALANDE, André. Vocabulário Técnico e Crítico da Filosofia. São Paulo, Martins Fontes, 1996, 2.
ed., p. 697.
17
18
Era (e não para qualquer outro novo movimento religioso), pois com ela e a partir dela penso poder
discutir como o individualismo – valor fundamental das sociedades modernas – parece estar se
reconfigurando.
Vale ressaltar que religar implica comunicar. O que está ligado está estabelecendo
comunicação, trocando mensagens, relacionando-se em múltiplos níveis e ao mesmo tempo.
Portanto, o meu objeto são exatamente os processos comunicativos implicados no fenômeno Nova
Era. Esses processos, tomando aqui a própria perspectiva daqueles que compartilham esta nova
visão, são multidimensionais e implicam o intercâmbio entre diversas tradições (do Oriente, do
Ocidente, de povos primitivos), práticas diversas e a troca das próprias experiências, consideradas
sempre como únicas para cada pessoa mas que podem, a partir dos princípios da diferença e da
reciprocidade das trocas, fazer evoluir a trajetória de cada um.
Uma primeira pergunta então se coloca: Como práticas tão diversificadas podem ser
reunidas sob a denominação comum "Nova Era"? E, mais do que isto, como essas práticas
diversas, espraiadas hoje por praticamente todas as áreas de conhecimento e experimentação
humanos, dos negócios à religião, da medicina à física, não se estranham ao serem reunidas sob
este rótulo mas ao contrário, intercomunicam-se? As respostas a estas perguntas em nossas
ciências sociais têm gerado uma série de classificações complexas que dividem e reelaboram o
fenômeno, repetindo o velho esquema mecanicista e dicotomizado da fórmula cartesiana moderna.
Prefiro trabalhar com a idéia de que existe um horizonte comum permeando todas essas práticas,
permitindo que experiências tão díspares sejam agrupadas sob um único conceito justamente
porque são experiências que se intercomunicam. A idéia de uma Nova Era – mais do que a
passagem da Era de Peixes para a era de Aquário dada pela conjunção astrológica – traduz o
desejo de realizar um tempo novo. Mudança de paradigmas, o homem total, um tempo de
harmonia, a integração com o cosmos são algumas das idéias que apregoam e motivam aqueles
que esperam e tentam realizar a Nova Era. Este é o horizonte comum a que me referi e a idéia
mais geral que estrutura este movimento tão múltiplo.
20
JOUBERT, Sylvie. “Viagem ao centro do politeísmo: o caso da astrologia”. Policopiado.
Referir-se à Nova Era, portanto, como um universo simbólico ou como o agrupamento de
vários universos simbólicos não condiz conceitualmente com a riqueza de idéias e práticas que a
constituem. Preferível seria entendê-la como um multiverso simbólico, em que a diversidade se cria
e recria a todo instante sob um mesmo padrão auto-organizador, para utilizar aqui a própria visão
de ordem dos errantes da Nova Era.21 Exemplos de como a Nova Era configura-se como um
multiverso não faltam. É preciso lembrar desde o grito dos hippies, nas décadas de 60 e 70 – muito
bem representado no filme Hair, de Milos Forman que começa justamente cantando a vinda da
Nova Era (Age of Aquarius) – até as relações entre a física e as concepções orientais
estabelecidas pelo físico Fritjof Capra. É preciso lembrar que circulam por esse multiverso profetas
do Novo Mundo que anunciam catástrofes e toda uma reconfiguração físico-espacial do planeta
Terra, além da emergência de uma nova raça humana (com características físicas associadas às
figuras de extraterrestres mais comumente conhecidas: dourada, cabeça grande, membros,
genitais e boca muito reduzidos). Circulam também por esse multiverso pessoas altamente ligadas
ao progresso tecnológico, às comunidades alternativas, a práticas esotéricas do Oriente e do
Ocidente e, como não poderia deixar de ser numa sociedade capitalista, aquelas que casam estas
práticas com novas políticas de gerenciamento de recursos humanos ou que se especializam na
venda de produtos e cursos esotéricos. Astrologia, saúde, vidas passadas e futuras, numerologia,
angelologia, ufologia, religiões orientais, ocidentais e indígenas (antigas e atuais), rituais mágicos,
xamanismo, ecologia, rituais de cura, terapias e ioga, para citar apenas alguns, constituem-se
como assuntos e objeto de exploração dos chamados errantes da Nova Era.
Toda essa diversidade, entretanto, liga-se à raiz comum da contracultura da década de 70
definida por Edgar Morin como a do reconhecimento da incerteza que vem de encontro ao nosso
dito paradigma moderno. O depoimento do hacker Caleb John Clark relacionando Nova Era com o
avanço tecnológico, ou seja, Nova Era como nova era da comunicação, aponta para esta raiz
comum: “nós somos os hippies dos 90, cara! Tecnologia é nossa droga, dinheiro o nosso sexo.
Nosso “amor livre” é a “comunicação global”. Tal como os hippies, nós temos a mensagem certa,
21
Esta idéia é patente em dois textos clássicos do movimento Nova Era, quais sejam: o Ponto de Mutação (São Paulo,
Cultrix, 1997, 20. ed.) e o Tao da Física (São Paulo, Cultrix, 1995, 16. ed.), ambos do físico Fritjof Capra.
mas o público nos vê como um grupo de excêntricos extravagantes e delirantes totalmente
irresponsáveis”22.
A idéia de contracultura impulsionou e alimentou a Nova Era, definindo um pouco melhor
os seus contornos a partir da crença na necessidade de realização de um modo novo de ver o e
viver no mundo, oposto ao status quo burguês/capitalista. Hoje, o adjetivo contra já não é mais tão
importante, pois para construir a Nova Era não se abre mão nem mesmo dos ganhos da civilização
da ciência, da tecnologia e do consumo. Os que comungam essa visão ampliada da vida (muitos
diriam visão holística), dispensam apenas os excessos dessa civilização, atribuindo a estes
excessos a culpa pela maioria das mazelas da civilização ocidental moderna, na medida em que
põem a perder o bem-estar e a saúde dos indivíduos, ameaçando sua sobrevivência como seres
vivos. Mas, por outro lado, não dispensam idéias desenvolvidas por teorias científicas como a da
relatividade e a da mecânica quântica, ou as aproximações entre a física e as filosofias orientais.
Não se trata, portanto, de abominar ou venerar a ciência e a tecnologia, porque elas em si não são
consideradas nem benéficas, nem maléficas. Na visão de mundo da Nova Era tudo depende do
uso que se faz delas. O mais importante é que ser Nova Era implica comungar essa visão de
mundo e passar a guiar a prática religiosa para áreas de interesse tais como saúde, bem-estar
físico-emocional-mental, terapia de auto-ajuda, poderes da mente, prática de tradições esotéricas
do Oriente e do Ocidente, preocupação com a humanidade e o meio-ambiente (ecologia, respeito à
natureza e ao planeta Terra), valorização das qualidades do “princípio feminino” (receptividade,
sensibilidade, emotividade, cooperação, compaixão) em oposição ao “princípio masculino”
(racionalidade, competição e individualização).
Todas essas diversas áreas de interesse revelam um grupo de orientações comuns dentre
aqueles que integram o movimento Nova Era: a compreensão de que ciência, tecnologia e um alto
padrão de vida para alguns não fazem necessariamente os seres humanos mais felizes ou tornam
o mundo um lugar melhor para se viver; a crença na necessidade de um outro modo de ser muito
mais livre e criativo; e, enfim, a convicção de que cada um de nós tem um potencial muito maior do
que o utilizado e que, ao nos transformar como indivíduos, a sociedade será transformada. Esse
22
Internet, http//www.technopagan.com, 17/12/1998. "We're the hippies of the nineties, man! Technology is our drug, money
grupo de orientações apresenta-se como uma evidência, creio eu, do esfacelamento das grandes
utopias revolucionárias que marcaram a virada do século XIX para o XX. Nesse sentido, há um
deslocamento da responsabilidade da criação de um mundo melhor da esfera coletiva para a
esfera individual, apontando para transformações na própria configuração do espaço público – e
não para o seu fim, como querem os apocalípticos. Hoje em dia, os movimentos revolucionários
perdem progressivamente a importância e a capacidade de motivar as pessoas a buscarem mudar
o mundo. Mais importante do que mudar o mundo é mudar a si próprio e viver melhor, a partir
desta mudança interior, no mundo tal como ele se apresenta. Esta mudança valorativa ocorre junto
com a queda da “rocha sobre a qual sociedade industrial tecnológica acreditava estar construída”,
ou seja, a crença no progresso contínuo e incessante do ponto de vista tecnológico como fonte de
felicidade, realização e uma vida mais confortável. Segundo Morin, “a crise cultural de 1968/70
mostra que o bem-estar produz não só o melhor-estar, mas também o mal-estar, que o aumento
dos bens materiais desperta necessidades afetivas profundas que reprimidas/controladas na
civilização tradicional tornaram-se errantes e divagantes. Os mitos da felicidade corroem-se,
problematizam-se. É a essa crise cultural que se prende o problema ecológico, que mostra que,
além de certos níveis, os crescimentos industriais criam mais prejuízos do que benefícios que, em
suma, seus subprodutos poluidores tendem a se tornar produtos principais ao passo que os
produtos principais – as satisfações – tendem a se tornar subprodutos”. Junto com estes mitos de
felicidade e, metaforicamente, com o Muro de Berlim, cai a crença em ideais comunitários a serem
alcançados pela via política, tal como Marx e seus seguidores acreditaram. As grandes estruturas
criadas a partir da modernidade, de que são exemplos a burocracia estatal, o sindicalismo, os
partidos políticos e os grandes movimentos sociais (vinculados direta ou indiretamente ao Estado),
não são capazes de resolver os problemas daquelas pessoas a que atendem e que são, inclusive,
financeiramente responsáveis por sua existência. Isto tudo porque, segundo Morin, faltou à visão
socioeconômica que alimenta estas estruturas, o próprio mundo – “nosso mundo em estado de
our sex. Our "free love" is "global communication". Like the hippies, we've got the right message, but the public sees us as a
group of totally irresponsible freaks ranting and raving". Esta e outras citações em inglês foram traduzidas por mim.
caos, de agonia, em trabalho de parto, um mundo conturbado por duas guerras mundiais,
incontrolável”23.
1.2. (Re)Encontro Oriente e Ocidente: a globalização em debate
Pode parecer estranho e mesmo paradoxal que esse tempo novo do qual fala a Nova Era
venha a se constituir através do resgate de tradições milenares, advindas sobretudo da outra
metade do mundo: do Oriente. De maneira análoga ao encantamento que as especiarias e os
produtos orientais causaram no europeu explorador das grandes navegações, as filosofias,
terapias e concepções de vida desses povos vêm causando novamente fascínio nos povos
ocidentais, que muitas vezes, vão conferir in loco os mistérios desses países através de viagens
místicas e participação em comunidades alternativas ou tradições do lugar.24 Mas há também
aqueles que se contentam com a leitura de livros considerados sagrados para os povos orientais,
dentre os quais o Mahabharata (em versão completa ou o seu poema mais famoso, o
Baghavadgita) lidera a lista, ou de livros escritos por ocidentais acerca daqueles povos e
tradições.25 Há ainda os que navegam até lá através dos mares do ciberespaço criado pela
Internet, visitando sites e comunidades virtuais ou conversando em chats com pessoas residem em
países orientais.
Este é um outro traço comum importante entre as diversas práticas que podem ser
chamadas Nova Era: alguns de seus temas mais recorrentes são a reencarnação, a lei do Karma,
chakras e corpos de energia sutil, cura pelos poderes da mente e função dos sonhos como ponte
de ligação entre o consciente e o inconsciente. Todos esses temas têm suas raízes nas filosofias
do antigo Egito, da China, da Índia Védica, do Japão, dentre outras regiões do continente asiático e
circunvizinhas. Segundo errantes da Nova Era, é possível traçar uma linhagem histórica mostrando
que o desenvolvimento desse sistema de idéias foi ininterrupto até os dias de hoje. Ele foi herdado
23
MORIN. Para sair do século XX. Op. cit, pp. 71-72.
A busca por religiões, filosofias e um estilo de vida oriental por europeus e americanos não passa desapercebida pelos
povos orientais. A romancista francesa Catherine Clement brinca com este fato, dizendo que na Índia chama-se esta busca
de “carma cola” e no Japão de “tatamização”. CLÉMENT, Catherine. A viagem de Théo: romance das religiões. São
Paulo, Cia. das Letras, 1998, especialmente pp. 206 e 331.
25
Uma simples corrida de olhos sobre as estantes das nossas livrarias corrobora esse gosto pela literatura do Oriente e
sobre o Oriente. Tirando os livros de auto-ajuda, que lideram as listas dos mais vendidos e ocupam lugares de destaque,
observa-se uma exposição bastante generosa de livros sobre budismo, hinduísmo, xintoísmo, confucionismo, ioga,
24
pelos alquimistas e magos da Idade Média, atravessou todo o Renascimento com aqueles que se
colocavam contra a dominação católica e não se engajaram nas religiões protestantes, sendo
reaproveitado nos séculos XVI e XVII por místicos cristãos, como Swedenborg e Jacob Boehme, e
místicos judeus (os cabalistas), como o rabi Löw de Praga, bem como pela filosofia mística de
Teilhard de Chardin. Na segunda metade do século passado, na Europa e nos EUA, houve um
poderoso revival dessas idéias: a russa Helena Blavatsky fundou, em 1875, em Nova Iorque, a
Sociedade Teosófica, que em pouco tempo tinha filiais em todo o mundo, inclusive no Brasil,
através da qual as doutrinas esotéricas do Oriente ganharam um grande público. Depois, a
aproximação mais importante e talvez mesmo mais determinante, foi a contracultura hippie somada
à vinda de gurus orientais para o Ocidente nas décadas de 60 e 70.
Mas, por que essas idéias dos povos orientais exerceram e exercem fascínio sobre o
Ocidente? A resposta para esta questão só é possível a partir do contraste entre a cultura oriental
e a cultura ocidental dentro do esquema do “o que é que eles têm que nós não temos?” ao invés
da antiga fórmula “o que é que nós temos que eles não têm?”. Entretanto, não adianta desfiarmos
aqui o velho rosário das diferenças culturais a partir dessa inversão, repetindo e reforçando a
dicotomia nós/eles. É preciso, uma vez mais e sempre, lembrar que a comparação entre o Oriente
e o Ocidente coloca-se numa frágil área epistemológica e semântica na qual ronda o fantasma das
interpretações etnocêntricas e passa, necessariamente, por proposições que se equilibram entre o
que é próprio e o que é do outro. Portanto, o desafio da análise deve ser fortemente orientado, mas
sem perder de vista as possíveis ressignificações por que passam as idéias no intercâmbio
cultural.
O movimento Nova Era congrega duas crenças cujas origens remontam às tradições e
crenças filosóficas do Oriente: divindade evolucionária e unidade global. Por divindade
evolucionária entende-se a crença na evolução espiritual e na bondade e divindade da natureza
básica do ser humano. O princípio da reencarnação, embora não partilhado por todos os errantes
da Nova Era, é uma espécie de mecanismo de purificação progressiva do ser espiritual que pode
vir a viver em vários corpos. Por unidade global entende-se todas as formas de relação que o ser
tantrismo, medicina tibetana, bramanismo, jainismo, zoroastrismo, taoísmo, xamanismo, zen e outros assuntos
humano pode ter, ou seja, as relações entre os seres humanos, as relações dos seres humanos
com a natureza e as relações dos seres humanos com Deus. No primeiro caso importa o
conhecimento da divindade do outro para fazer cumprir propósitos de amor e desenvolvimento
mútuos. No segundo importa a sintonia com a divindade que está na natureza; daí os discursos
ecológicos e as reminiscências ao respeito que os povos indígenas têm pela natureza. No terceiro
caso importa o conhecimento da divindade que habita em todos os seres (na humanidade e na
natureza), tornando-os uma porção de Deus, que só se realizam plenamente quando em harmonia
com as porções de Deus presentes nos outros seres. Esses dois princípios de crença presentes na
Nova Era corroboram uma visão do homem própria do panteísmo oriental, ou seja, desde que tudo
é Deus e que o homem é parte do todo, então o homem é Deus.
A partir da crença nestes dois princípios, alguns traços absorvidos das filosofias e práticas
orientais são recorrentes para os vários grupos, correntes e sociedades que navegam pelas águas
da Nova Era. Um deles é o caminho do aperfeiçoamento pessoal e do autoconhecimento. Nesse
sentido, há influências claras do zen-budismo, que julga ser possível chegar à Iluminação por
esforços próprios e também da yoga, que busca despertar a energia serpentina Kundalini com
vistas a estimulá-la a subir de volta a escada dos princípios. Estas técnicas estão calcadas “nas
filosofias gnósticas e neo-platônicas: o mundo visível, parcialmente ilusório provém de um
descenso de princípios que se vão distanciando cada vez mais das essências situadas no alto”.
Aliás, conforme destaca Eliade, “a via do Karmayoga, ou seja, da ação desinteressada que não
pressupõe mais a solidão e a renúncia (sannyasa) impressionou o Ocidente habituado ao
ascetismo protestante intramundano” 26.
Cabe ressaltar que no plano prático, ou seja, no plano dos motivos que orientam a
utilização de técnicas orientais como formas de ação para concretizar a busca do
autoconhecimento e do aperfeiçoamento pessoal, encontra-se a principal diferença entre a
apropriação que delas se faz no Oriente e no Ocidente. A partir daí é possível verificar como um e
outro se relacionam, do ponto de vista valorativo, com elas. De acordo com uma visão Nova Era, é
correlacionados a esses grandes temas.
26
A via do Karmayoga é uma das três vias da yoga oferecidas por Krsna ao guerreiro Arjuna, personagem do poema épico
hindu Mahabharata, quando este resistia em lutar contra membros de sua própria família pelo reino de Bharata, e significa
yoga da ação. ELIADE e COULIANO. Dicionário das Religiões, Op. cit., pp. 176 e 178 respectivamente.
preciso empreender muito trabalho para conseguir evoluir espiritualmente e alcançar a visão
holística da realidade. Neste plano, as influências são mais difusas e há um verdadeiro vale-tudo,
no qual não dá para detectar claramente as origens de cada técnica. Entretanto, ao menos alguma
coisa pode ser definida: essas técnicas na cultura oriental não têm as finalidades que nós
ocidentais lhes emprestamos. Aliás, elas se prestam à ação desinteressada como ocorre com
relação à karmayoga. As técnicas orientais utilizadas pelos errantes da Nova Era, pelo contrário,
têm a finalidade de construir um indivíduo melhor para produzir uma sociedade melhor, ou, em
outras palavras, sustentam-se na crença de que sem uma profunda mudança interior no plano
individual, nada mudará para melhor no plano coletivo.
Neste ponto, os tipos desenvolvidos por Weber para compreender as relações entre as
religiões salvadoras e as ordens do mundo, o misticismo e o ascetismo ativo, são bastante
elucidativos no sentido de metamorfosear esta diversidade em tipos. No Ocidente, a principal
relação estabelecida com o Deus criador supramundano toma uma direção ativa e ascética na
busca da salvação no sentido de uma ação desejada por Deus pelo devoto que é seu instrumento.
O Cristianismo construiu uma visão de mundo calcada no ascetismo ativo, em oposição ao
misticismo – típico nas religiões orientais – que “visa a um estado de ‘possessão’, não ação, no
qual o indivíduo não é um instrumento, mas um recipiente do divino.” É importante notar que “o
ascetismo ativo opera dentro do mundo; o ascetismo racionalmente ativo, ao dominar o mundo,
busca domesticar o que é da criatura e maligno através do trabalho numa vocação ‘mundana’. Tal
ascetismo contrasta radicalmente com o misticismo, se este se inclina para a fuga do mundo” 27.
Portanto, não é sem um processo de apropriação cultural, em que os valores do outro
passam pelo filtro do que é próprio, ganhando novos significados, que as idéias das religiões e
filosofias orientais chegam até aqui. Crenças como unidade global e divindade evolucionária são
retomadas por nós ocidentais modernos com um sentido bastante diferenciado daquele
originariamente aplicado a eles no Oriente. Apesar de a Nova Era subverter vários princípios e
valores típicos da modernidade (e também do Cristianismo), neste ponto ela conserva uma de suas
27
WEBER, Max. “Rejeições religiosas no mundo e suas direções”. GERTH, H.H. e MILLS, C. Wright (org.). Ensaios de
Sociologia. Rio de Janeiro, Zahar Editores, 1982, 5. ed., pp. 371-410, pp. 373 e 374 respectivamente.
idéias básicas: a da salvação final.28 A crença na salvação e, mais do que isto, a busca dessa
salvação impõe um ethos grupal – a exemplo do que acontece no Protestantismo – calcado em
dois princípios: o dualismo da moral entre aquilo que é do grupo e aquilo que é exterior ao grupo;
e, do ponto de vista interno, a moral da reciprocidade (“o que me fizeres, eu te farei”). Segundo
Weber, “quanto mais imperativos surgiam da ética de reciprocidade entre os vizinhos, mais racional
se tornava a concepção da salvação e mais era sublimada numa ética de finalidades absolutas.”29
Hoje em dia, a errância entre as diversas formas de práticas místico-esotéricas revela a tentativa
de retomar a segurança de uma visão global que seja capaz de fornecer o significado coerente da
própria vida, visão que foi dada durante algum tempo com eficácia pela ciência e pelo
racionalismo. Não há um finalismo completo tal como nas doutrinas fechadas – cujo
Protestantismo, sobretudo o calvinismo, é o tipo mais puro –, mas não há aproximação completa
da ação desinteressada do iogue oriental, por exemplo, cujo sentido termina nela mesma.
Importa ainda destacar que a lógica da falta impera na cultura ocidental moderna que se
pauta pelo progresso, pela busca incessante do novo e pela busca de concretização de um projeto
civilizador a ser alcançado no futuro. A contrapartida disso é que nunca estamos satisfeitos e
sempre estamos desejosos de mais inovações. Os nossos valores fundamentais, a crença no
progresso e na ciência, e no que é capaz de mover isto, o indivíduo e sua racionalidade
instrumental, parecem nos trair na medida em que a tecnologia nos oferece coisas para as quais
parecemos não estar preparados. Exemplos disso podem ser vistos no nosso cotidiano. Do ponto
de vista do mercado de trabalho, assistimos ao fim de vários postos de trabalho com as inovações
nos campos da robótica e da informática, e sua transformação em tecnologias de produção,
colocando fora deste mercado uma massa de trabalhadores. Isso sem contar que o sistema
28
Segundo a crítica de Morin, o ponto fraco tanto da modernidade – através de seus ideais políticos coletivos – quanto do
Cristianismo – através das idéias de reino prometido, paraíso etc. – são as suas promessas de salvação final. Morin afirma
que não há um fim da história possível ou na sua própria formulação: “nada de solução final para a questão social, de
reconciliação definitiva do homem com a natureza e consigo mesmo, nada de futuro radioso que possa por termo a todos
os males de nossa existência. Haverá sempre possibilidade de regressão, fracasso, ruína, desintegração, haverá sempre
renascimento dos ferimentos de desigualdades, as novas dominações, as novas explorações”. A questão da salvação é um
ponto contraditório na Nova Era, pois, apesar de manter a idéia de fim dos tempos para emergência de uma sociedade
melhor, suas práticas de aperfeiçoamento pessoal, que invertem a lógica do amor pela humanidade pelo amor ao vizinho,
vão de encontro à idéia do tempo eterno (aquele que vem depois do fim dos tempos), privilegiando o tempo presente. De
acordo com essa lógica, ela descreve o seguinte movimento, desta vez em acordo com as idéias de Morin: “volta-se para a
verdade perecível. Destina-se aos valores frágeis de liberdade e comunidade. Destina-se aos efêmeros. A própria idéia de
amor é uma idéia última, perecível, frágil, mortal... E é por isso que o novo evangelho traz, invoca a infinita piedade,
comiseração e misericórdia que o homem deveria sentir pelo condenado à morte que é o homem.” MORIN, Para sair do
século XX, Op. cit., pp. 275 e 282 respectivamente.
produtivo anterior – o fordismo – exigia a extrema especialização dos trabalhadores no
desempenho de uma única função, e esses trabalhadores agora enfrentam uma outra realidade de
mercado, que os quer multifuncionais ou polivalentes, com nível educacional bem mais elevado do
que o exigido anteriormente. Temos também a possibilidade de um contato intercultural muito mais
extenso e intenso, mediado pelas novas tecnologias de informação, suscitando discussões sobre
democratização da Internet, políticas transnacionais, homogeneização cultural etc. Além disso,
num nível extremamente próximo, temos o próprio modo de vida dos grandes centros urbanos,
com seu tráfego intenso, poluição, destruição ambiental e o estresse provocado por todos esses
fatores. A ciência e as inovações tecnológicas colocam para nós novas realidades, mas não são
capazes de gerar uma ética para o uso e ordenamento dessas novas possibilidades, conforme
apontou o próprio Weber. Volto então ao ponto: o que as antigas tradições orientais vêm ensinar
ao Ocidente é o sentido de um ser humano global, mais condizente e afinado com o ritmo de vida
imposto por um mundo globalizado, no qual o sujeito autocentrado do Estado-Nação moderno
descentra-se junto com a desterritorialização do capital e descobre-se, ao menos potencialmente,
portador de múltiplas identidades. É em sentido oposto ao dos esquemas filosóficos modernos
ascéticos e compartimentadores, que partem do princípio da lógica da identidade, “onde a pessoa
só existe na relação essencialista – de oposição e de negação – com o outro”, que movimentos
como a Nova Era, em todas as suas múltiplas facetas e práticas, encaminham-nos a pensar as
relações sociais que lhe são típicas posto que estas são inclusivas, e não exclusivas.30
O ponto que me parece central em toda essa discussão é o modo como Oriente e Ocidente
valorizam e percebem distintamente o par individualismo/holismo. O que está em jogo, conforme
aponta Otávio Velho, “não são os valores culturais eles mesmos, mas os relacionamentos que
estabelecemos com eles.” 31 Importa dizer que para nós ocidentais esta tomada de empréstimo de
técnicas e filosofias orientais tem um sentido de transformação: queremos holismo no nosso
individualismo ou queremos manter o indivíduo-no-mundo, mas num mundo melhor, que se faz
pelo aperfeiçoamento individual em oposição ao melhor dos mundos que seria construído
coletivamente pela via revolucionária. Nesse sentido, o que chama a atenção nos novos
29
WEBER, “Rejeições religiosas no mundo e suas direções”, Op. cit., p. 378.
movimentos religiosos, aqui representados pela Nova Era, é esta tentativa de resgate do estarjunto, do vínculo societário de tipo comunitário e da experiência do grupo, cujo vetor, por mais
paradoxal e bizarro que possa parecer, é o respeito extremo à individualidade e,
conseqüentemente, à liberdade de cada um de seus adeptos. Esse falso paradoxo vem nos
mostrar, por um lado, que não precisamos associar individualismo e modernidade de forma
unívoca. O individualismo moderno significou pensar o ser humano como portador de racionalidade
instrumental e capaz de manter um alto grau de anonimato em relação aos outros com ações
coordenadas burocraticamente. Agora, parecem estar se configurando os traços de um
individualismo, que chamo de afetivo, posto que é preciso primeiro aperfeiçoar o eu, mas com o
objetivo último de viver bem junto dos outros e da natureza, que o circunda e da qual faz parte. A
religiosidade do eu, como ficou conhecida a Nova Era nos meios acadêmicos, defende que o bemestar da mente e do corpo só é possível a partir da, ao mesmo tempo em que permite a,
interação/comunicação com o outro e com o universo (ou com a divindade que existe neles). É
preciso então reconhecer que este eu é, antes de mais nada, um eu de comunicação (comum
ação), para o qual a religião é assunto público, e não de foro íntimo como na modernidade, pois só
através de experiências e de trocas é possível construir a sua trajetória evolutiva.32
1.3. Imagística e ambiência: o multiverso da comunicação Nova Era
Para além das tradições orientais, outro ponto de convergência entre as práticas da Nova
Era é que ela congrega uma imagística comum capaz de distinguir e identificar o movimento. O
que quero dizer é que existe um conjunto de imagens, sons, cores e cheiros que identifica e
distingue a Nova Era de qualquer outro movimento religioso. É no seio dessa imagística comum
que o errante Nova Era encontra a ambiência perfeita para a sua trajetória, pois cada um desses
elementos traz o gosto da liberdade de experimentar as mais diversas práticas (opondo-se à
dureza e à gravidade dos dogmas e ortodoxias), ao mesmo tempo que remete para o horizonte
comum da fundação de um tempo novo. Como falar de caminho de luz e energia cósmica e não
30
PEREZ, “Campo Religioso em Conflito! Mas que conflito é esse?”, Op. cit., p. 4
VELHO, Otávio apud PEREZ, “Campo Religioso em Conflito! Mas que conflito é esse?”, Op. cit., p. 5.
32
A discussão do individualismo, cerne do presente trabalho, tem um capítulo próprio para sua discussão. Aqui me detenho
nos aspectos preliminares que inclusive me conduzirão a ele.
31
nos referirmos à Nova Era? Como ouvir harpas célticas, queñas andinas, kotos japoneses,
berimbaus brasileiros, teclados avançados entoados à maneira de compor um ambiente que
suscita sensações de paz e de harmonia, além de vozes mágicas como as de Enya e Loreena
McKenitt, que parecem ecoar dos confins do universo, e não pensar em Nova Era? Como ver
ambientes decorados com imagens de anjos, gnomos, duendes, bruxas, cristais
e imagens
orientais (Buda, Shiva, Ganesh), além de perfumados pelos diversos aromas de incenso, óleo e
velas, e não lembrar da Nova Era? É claro que dentro dessa diversidade estabelecem-se
preferências de acordo com o grupo social com o qual se está lidando. Assim, nas camadas mais
populares há a proliferação de uma plêiade de seitas e religiões de caráter místico e/ou mágico;
nos segmentos médios o interesse direciona-se mais para anjos e outros seres elementais,
técnicas de adivinhação – tarô, astrologia, runas etc. –, a parapsicologia e as escolas de medicina
alternativa; as camadas mais intelectualizadas debruçam-se sobre os tratados das filosofias
esotéricas orientais e ocidentais, ensinamentos de gurus e técnicas de meditação; as influências
Nova Era chegam também ao ápice da pirâmide socioeconômica, derrubando as barreiras do
conhecimento ortodoxo de tipo científico, filosófico e artístico e mesclando-se a eles (o exemplo
clássico é o livro do físico Fritjof Capra, O Tao da Física). Mas é preciso reconhecer que essa
segmentação não é estática e que os intercâmbios entre as diversas práticas são aceitáveis e,
mesmo, desejáveis. Penetrar no mundo esotérico é mergulhar nesse conjunto de imagens, cheiros,
essências, luzes e vibrações, que permitem a própria comunicação entre aqueles que fazem parte
dele. Aliás, é essa estética Nova Era, construída a partir dessa imagística, que permite falar de um
ambiente comum de comunicação.
As concepções de Schutz sobre os processos comunicativos em geral revelam-se
extremamente boas para pensar os processos comunicativos Nova Era na perspectiva que ora
apresento. O primeiro e fundamental ponto levantado por Schutz diz respeito exatamente ao
ambiente de comunicação comum e de como este é indissociável do fato de estarmos unidos aos
outros numa comunidade de pessoas: “não poderíamos ser pessoas para os outros e nem mesmo
para nós próprios se não pudéssemos encontrar com os outros num ambiente comum como
contrapartida da conexão intencional de nossas vidas conscientes.”33 Este ambiente comum para o
multiverso Nova Era configura-se com a imagística que descrevi brevemente e associa-se, em
larga medida, ao ambiente de efervescência global dado pelo momento histórico atual, que se
prenuncia como um momento de transição, de intercâmbio cultural intenso, de rearranjo do
ordenamento e da dinâmica sociais, além das influências de fin-de-siécle e da suposta
aproximação do marco astrológico que dará início a Nova Era, a Era de Aquário.
É nesse ambiente comum que a construção da socialidade torna-se possível, pois ainda
segundo Schutz: “a socialidade se constitui através de atos comunicativos em que o Eu se volta
para os outros aprendendo-os como pessoas que se voltam para ele, e todas conhecem esse
fato.”34 É exatamente essa a lógica de movimentos como a Nova Era. Embora caracterizada
comumente como a religiosidade do eu, a Nova Era tem algo de entrega, algo de dom, algo de
pressuposição do outro (por isto é possível falar de suas “implicações éticas” como sugere Leila
Amaral Luz35). Quando me refiro à religiosidade do eu não consigo pensar no individualismo
moderno do sujeito ensimesmado que trata a religião como assunto de foro íntimo, mas num
individualismo afetivo que pensa o indivíduo como parte de redes de relações profundas e
complexas, que depende do outro e da natureza para se sentir integrado, para se sentir parte de
uma comunidade: “essa participação no fluxo de experiências no tempo interior do outro, essa
vivência de um presente vívido em comum constitui o relacionamento de ‘afinamento’ mútuo, a
experiência do ‘Nós’ que está na base de toda comunicação possível.”36 Aliás, a tese geral da
reciprocidade de perspectivas defendida por Schutz leva ainda mais longe essa discussão ao
procurar compreender como os objetos de pensamento são colocados em contato nos processos
comunicativos. A proposta Schutzeana é de que estamos sempre abertos à possibilidade de trocas
de pontos de vista, desde que haja congruência dos nossos sistemas de relevância com os contrasujeitos envolvidos no processo. Em outras palavras, desde que aquilo que é relevante para mim
seja também para o outro: reciprocidade e reflexividade são faces de uma mesma moeda.
33
SCHUTZ, Alfred. Fenomenologia e Relações Sociais. Rio de Janeiro, Zahar Editores, 1979, p. 160
SCHUTZ, Fenomenologia e Relações Sociais, Op. cit., p. 161.
35
LUZ, Leila Amaral. “As implicações éticas dos sentidos Nova Era de comunidade”. Religião e Sociedade. Rio de Janeiro,
ISER, 17/1-2, pp. 54-74, 1996.
36
SCHUTZ, Fenomenologia e Relações Sociais, Op. cit., p. 208.
34
A partir das características mesmas do movimento Nova Era, individualismo e processos
comunicativos formam o eixo da análise deste trabalho, e serão melhor trabalhados no desenrolar
dos próximos capítulos. Por ora, outras questões, lançadas ao início deste capítulo, urgem por
serem respondidas.
2. Para uma vivência outra do sagrado: liberdade individual e o relacionar-se em
redes
Volto, após longa e necessária digressão, à discussão inicialmente proposta sobre o
conceito de adesão religiosa a partir da definição clássica de religião de Durkheim. É importante
tomá-la como ponto de partida, pois em muitos aspectos a teoria da religião desenvolvida por ele,
ao estudar os sistemas totêmicos australianos, será aqui utilizada para estabelecer um quadro
teórico de compreensão do fenômeno religioso em questão. As noções
de ambiência,
efervescência e modalidade são importantes chaves de compreensão de várias das características
deste novo tipo de sensibilidade religiosa. Entretanto, o conceito durkheimiano de religião, a
despeito de envolver as dimensões que são de fato estruturais à religião – as crenças e as
práticas, o mito e o rito –, encontra fortes dificuldades em ser aplicado na íntegra para tratar essas
novas formas de viver o sagrado como é o caso da Nova Era, na medida em que essas dimensões
do fenômeno religioso só fazem sentido, ao menos para a sociologia tal como a concebe
Durkheim, se for considerado que elas agrupam pessoas numa comunidade moral chamada igreja.
Uma vez estabelecido o compromisso com essa comunidade, a adesão precisa ser completa e
total, pois significa identidade. No caso da Nova Era, o termo adesão, neste sentido, não tem
aplicação, pois nela imperam o trânsito, o sincretismo e o ecletismo na forma de condução do fiel
frente às possibilidades de reconhecê-lo como parte desse movimento. Por isto, não posso chamálo adepto, mas sim errante da Nova Era.
Portanto, instala-se neste ponto a discussão não só do conceito de religião mas também
da própria relevância da religião como objeto de estudo da sociologia. Na sua busca de afirmar a
sociologia como uma ciência positiva – distinta do empirismo e do apriorismo clássico –, Durkheim
atribui um caráter fundamental à dimensão institucional da religião, pois era preciso mostrar que
como ciência positiva a sociologia tinha um objeto real, observável e suscetível de apreensão pelo
cientista-sujeito do conhecimento. Com este pano de fundo, o núcleo da teoria durkheimiana
acerca da religião e, de forma mais ampla das representações coletivas, é que estas são um
produto social. De um modo geral, esta é a idéia que está presente na chamada Escola
Sociológica Francesa, cuja preocupação é desvendar a racionalidade dos fenômenos que está por
trás das representações, acreditando que somente o próprio meio social pode fornecer subsídios
para a explicação do funcionamento da vida social.37 Assim, “as representações coletivas são o
produto de uma imensa cooperação que se estende não apenas no espaço, mas no tempo; para
produzi-las, uma multidão de espíritos diversos associaram, misturaram, combinaram suas idéias e
seus sentimentos, longas séries de gerações acumularam aí a sua experiência e o seu saber. Uma
intelectualidade muito particular infinitamente mais rica e mais complexa que a do indivíduo aí está
como que concentrada.”38
As representações coletivas são, portanto, eminentemente sociais e irredutíveis à soma
das representações individuais, sendo que estas só existem permeadas por aquelas. As
representações coletivas são também formas de classificação social da realidade que perpetuam a
estrutura social. A verdade da religião não está naquilo que ela representa, mas no que está por
trás dessas representações, ou seja, a sociedade enquanto totalidade. Essa totalidade sobrevive
graças aos laços afetivos que podem e devem ser uma re-apresentação constante da realidade
social na forma de cerimônias religiosas. Para Durkheim, deus é a própria sociedade. Na vida
comum o indivíduo experimenta sentimentos utilitários e pragmáticos típicos da esfera profana. Na
vida religiosa, ao contrário, os contatos se multiplicam e os indivíduos compartilham intimamente o
prazer do sagrado, daquilo que é interdito e distante no dia-a-dia: o interesse individual então cede
lugar ao interesse coletivo, reafirmando a imagem que a sociedade tem de si mesma. É através
dessa auto-imagem ideal, ligada à esfera do sagrado e, ao mesmo tempo, delineada
morfologicamente pelos elementos de moralidade socialmente definidos, que podemos falar de
valor. A idéia que uma sociedade faz de si mesma justifica a disposição de seus membros de se
reunirem e realizarem rituais. É possível também falar aqui de um senso de identidade que
37
Ver OLIVEIRA, Roberto Cardoso de. Sobre o Pensamento Antropológico. Rio de Janeiro, Co-Edição Tempo Brasileiro,
empresta valores ao indivíduo. Assim, a própria sociedade se diviniza, passa a ser algo sagrado,
ao qual os indivíduos se subordinam em nome de valores como segurança e força emocional. É
assim que o conceito de religião em Durkheim ressalta a importância das dimensões crença e
prática, mas também, e de forma não menos importante, apresenta a religião como igreja: “religião
é um sistema solidário de crenças e de práticas relativas a coisas sagradas, isto é, separadas,
interditas; crenças e práticas que unem em uma mesma comunidade moral, chamada igreja, todos
aqueles que a elas aderem. O segundo elemento que ocupa um lugar em nossa definição e que
não é menos essencial que o primeiro é o fato de que a idéia de religião é inseparável da idéia de
igreja, isto quer dizer que a religião deve ser uma forma eminentemente coletiva.” 39
A Nova Era, pelos vários motivos já mencionados em suas definição e caracterização,
constitui-se de fato como comunidade moral, mas não propriamente como igreja. A prática religiosa
se faz no seu caso como uma espécie de, para usar a expressão de Luís Eduardo Soares,
mosaico formado por bricolages particulares com os quais o indivíduo estabelece jogos de
linguagem: o reconhecimento de determinadas regras e o trânsito por elas já são suficientes para
promover o estar-junto e o reconhecimento dos outros enquanto membros de um mesmo grupo.40
De acordo com Enzo Pace: “neste círculo místico que eu estabeleço entre diversas ‘províncias de
significado’ religioso, de áreas culturais diferentes, a síntese visível é feita pelo indivíduo e pelo
grupo do qual sente que faz parte.”41 Parece-me que é justamente o fato de não possuir um caráter
institucional que permite a proliferação de movimentos como a Nova Era sem um choque frontal
com a forma ideológica moderna por excelência: o individualismo. Ao individualismo, é preciso
lembrar, está intimamente ligada a idéia de liberdade, seja a liberdade calcada no princípio da
igualdade natural dos homens, seja a liberdade calcada na diferença ou singularidade pessoal de
cada existência humana – como veremos em outro momento, sobretudo através do pensamento
Ministério da Ciência e Tecnologia, CNPq, 1988.
38
DURKHEIM, Émile. As Formas Elementares da Vida Religiosa. Petrópolis/RJ, Vozes, 1989, p. 45.
39
DURKHEIM, As Formas Elementares da Vida Religiosa, Op. cit., p. 79.
40
É importante lembrar aqui que o “estoque de conhecimento” (Schutz, Fenomenologia e Relações Sociais, Op. cit.), ou
seja, a bagagem de informações ou repertório de comunicação que um errante Nova Era possui é informado pela literatura,
filosofia, psicologia, sociologia, medicina, crenças orientais e livros nova-eristas propriamente ditos, no melhor estilo
bricoleur, pois os elementos desses vários discursos são rearranjados numa síntese coerente do ponto de vista interno, e
não conforme um único discurso entendido como “o” discurso autorizado. SOARES, Luís Eduardo. “Religioso por Natureza:
Cultura Alternativa e Misticismo Ecológico no Brasil”. O Rigor da Indisciplina: Ensaios de Antropologia Interpretativa.
Rio de Janeiro, Relume-Dumará, 1994, pp. 189-212.
de Georg Simmel. Embutida no individualismo está a questão de até onde a ação humana é
autônoma. A modernidade trouxe a idéia de uma liberdade bastante ampliada, quase irrestrita,
dada pelo fato de o homem ter alcançado sua maioridade na razão.
Sem as marcas da rigidez dogmática e da ortodoxia, a Nova Era agrupa as pessoas
preconizando um agir em rede que deve ser entendido como algo mais do que a união de pessoas
em torno do consenso das regras de conduta e das crenças, pois a rede “oferece apoio moral,
feedback, uma oportunidade de mútua descoberta e reforço, tranqüilidade, intimidade, festividade,
uma chance de compartilhar experiências e peças do quebra-cabeças.”42 Ou seja, ela oferece o
esteio emocional que o grupo pode oferecer sem, no entanto, exercer forças explicitamente
constrangedoras; logo com amplo espaço para a sensação de uma liberdade quase sem limites.
Daí decorre toda a distinção entre redes e igreja. Tomando por exemplo a Igreja Universal do
Reino de Deus, vemos que há uma forte hierarquização e um corpo de especialistas que
determinam a centralidade do conjunto de conhecimentos doutrinários próprios, bem como sua
distribuição. A Nova Era, por sua vez, pode até possuir os seus “templos” – no sentido de lugares
de encontro (se assim quisermos pensar os Centros Holísticos) – e as suas comunidades, mas não
tem um princípio de hierarquia. Mesmo quando estamos tratando dos guias espirituais ou gurus,
vemos que sua postura é extremamente arredia em relação a assumirem uma posição privilegiada
dentro de um grupo, autodefinindo-se apenas como espíritos mais evoluídos que apontam a
direção certa para os outros. O agir em rede é o que importa, pois é ele que garante o fluxo das
informações, e através delas o encontro (ainda que em diferentes locais); é o elo societal
construído à base de atos comunicativos.
Por tudo isto, prefiro juntar à noção durkheimiana de religião a concepção geertziana, a ser
explorada um pouco mais adiante, para entender a religião como um sistema simbólico, ou seja,
como um texto que deve ser lido e interpretado através da construção de um outro texto: a análise
etnográfica ou descrição densa. Mais do que um produto social, a religião deve ser vista como um
mundo humano culturalmente construído, lembrando com Geertz (sob influência assumida de
41
PACE, Enzo. “Religión y Globalización”. VI Jornada sobre alternativas religiosas na América Latina, Porto Alegre, 1996, p.
6, policopiado. “En este círculo místico que yo estabelezco entre diversas ‘províncias de significado’ religioso, de áreas
culturales diferentes, la síntesis visible la hace el indivíduo y el grupo del que siente que forma parte”.
Weber) que “o homem é um animal amarrado a teias de significados que ele mesmo teceu,
assumo a cultura como sendo estas teias e a sua análise, portanto, não como uma ciência
experimental em busca de leis, mas como uma ciência interpretativa, à procura de significados.”43
Nesta perspectiva, fica recuperado o próprio conceito de cultura, não de forma
essencialista ou reificada, mas como “algo relacional, uma inscrição de processos comunicativos
que existem, historicamente, entre sujeitos em relações de poder.”44 Portanto, entender a religião
sob essa perspectiva retira o peso da sua dimensão institucional, permitindo uma análise mais
condizente com o fenômeno, tal como ele se apresenta empiricamente, além de implicar uma
postura diante da própria construção do discurso científico, retirando-o de bases experimentais e
colocando-o em bases hermenêuticas.45
Contudo, uma mudança de perspectiva que dilua alguns pressupostos e implicações
contidos na definição de Durkheim do que é a religião não responde ainda à questão maussiana
ressaltada no início deste capítulo e que vincula-se também à discussão deste conceito e de sua
importância como objeto de estudo da sociologia. Então, como entender o movimento Nova Era
no que ele tem de coletivo estando os indivíduos tão independentes uns dos outros? A pergunta
de Marcel Mauss, lançada aos fenômenos mágicos, não tem uma resposta fácil e caminha no
sentido de afirmar que as pessoas, na verdade, não estão tão independentes assim, pois sua
aproximação das práticas mágicas só se dá a partir do momento em que elas conhecem e confiam
na linguagem da magia. Esse conhecimento e essa confiança entretanto, não têm origem na
vontade do indivíduo, mas em forças sociais – observáveis através das categorias típicas e
42
FERGUSON, Marylin. A Conspiração Aquariana: transformações pessoais e sociais nos anos 80. Rio de Janeiro,
Editora Record, s/d, p. 114.
GEERTZ, Clifford. A Interpretação das Culturas. Op. cit., p. 15.
44
CALDEIRA, Tereza Pires do Rio. “A presença do autor e a Pós-Modernidade em Antropologia”. Novos Estudos. São
Paulo, CEBRAP, n. 21, julho/1988, pp. 133-157, p. 142.
45
Na hermenêutica, a antropologia encontrou um campo fértil para explorar os dois problemas que sempre foram cruciais
para a disciplina e que se enlaçam, sugerindo um problema de ordem epistemológica único, qual seja a validação dos
dados etnográficos. Esses dois problemas são a necessidade de entender e respeitar na sua lógica intrínseca o ponto de
vista do nativo; e a necessidade de explicitar o papel do antropólogo como um mediador entre dois mundos diferentes e
as possibilidades de objetividade dessa mediação. Considero a hermenêutica como uma possibilidade de deslindamento
desses pontos cruciais de reflexão, na medida em que ela coloca a possibilidade de uma discussão sempre bilateral que
olha para o outro mas que também olha para si, entendendo que ambos são sujeitos de compreensão. A hermenêutica,
como diz Ricouer, é um pensamento que se pensa. Assim, a velha dicotomia sujeito/objeto torna-se inútil no círculo
hermenêutico, pois todos somos hermeneutas, todos estamos em diálogo com as tradições que nos formam e informam.
Mesmo o antropólogo não pode mais ser visto como o sujeito neutro, que se destaca de seu mundo para penetrar no
mundo de outrem e depois voltar ao seu mundo, mostrando a visão do outro e, quem sabe, sabendo mais sobre si e sobre
o outro (razão de ser da própria existência da disciplina). Ao contrário, não se pode perder de vista que o antropólogo
também tem as suas pré-compreensões, também ele está “pleno de cultura” quando tenta interpretar os sistemas
43
comuns do universo mágico e pelo fato de a magia ser buscada pelo intermédio de juízos de valor
apriorísticos (valores que são definidos socialmente, é claro) – que estão acima dele e que
permitem sua comunicação com o mundo do sagrado com vistas a intervir na realidade.
Vale ressaltar que a teoria maussiana da magia, assim como a durkheimiana da religião,
ergue-se sobre a noção de sagrado, entendendo que esta é uma representação coletiva, pois
estabelece a proibição e a prescrição de certas atitudes em detrimento de outras. Entretanto, em
Mauss, a forma de buscar a explicação dos fatos distancia-se daquela de Durkheim pois ele abre
mão dos dualismos – indivíduo e sociedade, representação e realidade, sagrado e profano, normal
e patológico etc. – para abraçar um certo monismo pelo simbólico ou pela significação, conforme
aponta Luís Fernando Dias Duarte, o que, de certa forma, aproxima-se da perspectiva
hermenêutica de religião tomada neste trabalho.46 Tendo em vista essas idéias, uma primeira
tentativa de responder à questão é feita através da noção de mana, um conceito que congrega
forças coletivas acima do fenômeno individual dos atos mágicos. A noção de mana encontrada na
Melanésia é a própria idéia compósita de força e de ambiente que Mauss procura como princípio
explicativo – e também coletivo – para a magia, posto que é força, ser, ação, qualidade e estado,
que se traduz numa massa de idéias: “poder de feiticeiro, qualidade mágica de uma coisa, coisa
mágica, ser mágico, posse do poder mágico, ser encantado, agir magicamente; ela apresenta,
reunidas em um único vocábulo, uma série de noções cujo parentesco entrevimos, mas que nos
eram dadas separadamente e realiza essa confusão, que na magia nos pareceu ser fundamental,
entre o agente, o rito e as coisas.” 47
simbólicos dos outros, e por isto não pode perder de vista as condições de criação do seu discurso. RICOUER, Paul. O
Conflito das Interpretações. Porto, Ed. Rés, s/d.
46
É importante não confundir monismo com monadismo. Lançando mão novamente de LALANDE, Vocabulário técnico e
crítico de filosofia, Op. cit., pp. 697-699, temos que monadismo é um “sistema que admite que o Universo é formado por
mônadas, por unidades individuais bem definidas que possuem um princípio de unidade interior, de ordem espiritual”. Por
outro lado, o termo monismo tem sentidos diversos e bastante especializados, variando de acordo com tendências teóricas
nacionais (monismo inglês, monismo alemão), de acordo com o contexto de sua aplicação ou mesmo de acordo com os
diferentes autores que fizeram uso deste termo. O importante, segundo a crítica de Lalande, é perceber que “o termo
monismo, mesmo que possa oferecer alguns inconvenientes, parece ser útil para designar qualquer doutrina que afirme que
a dualidade, a pluralidade (ainda que infinita como deve ser) supõe e requer, por razão de existência e razão de
intelegibilidade, uma unidade imanente que garante constitui a sua ligação. (...) Seja como for, um certo monismo é
essencial a qualquer filosofia digna deste nome, a qualquer filosofia que não seja preguiçosa”. Estas definições me
permitem associar o monadismo à unidade no sentido do Um, e o monismo à unidade no sentido do Uno.
Para ver a discussão completa da noção de pessoa moderna em Durkheim e Mauss – e também pelos continuadores
deste último, Lévi-Strauss e Louis Dumont –, ver DUARTE, Luiz Fernando Dias. “A Construção Social da Pessoa Moderna”.
Da vida nervosa nas classes trabalhadoras urbanas. Rio de Janeiro, Jorge Zahar/CNPq, 1986.
47
MAUSS, Marcel. “Esboço de uma Teoria Geral da Magia”. Sociologia e Antropologia. São Paulo, EPU, 1974, v. 2, pp.
37-176, p. 138.
Associado à noção de mana temos a idéia de valor – que pode ser religioso, mágico e
social. O mana é qualidade: é alguma coisa que possui a coisa chamada mana, mas não é a
própria coisa. O mana é substância: é passível de manipulação por aqueles que possuem mana
num ato mana, ou seja, “por indivíduos qualificados e durante um rito”. É transmissível e
contagioso, pode ser visto e ouvido, e, muitas vezes é especializado. O mana é atividade: “é uma
força e, especialmente, a força dos seres espirituais, isto é, das almas dos ancestrais e dos
espíritos da natureza.” 48 O mana não é uma força necessariamente ligada à idéia de espírito, mas
ambas se confundem e se reúnem, mantendo suas diferenças, de modo que não se pode explicar
uma pela outra: “... o mana é de início uma ação de um certo gênero, isto é, a ação espiritual à
distância que se produz entre seres simpáticos. É também uma espécie de éter, imponderável,
comunicável, que se expande por si mesmo. O mana é, além disso, um ambiente, ou, mais
exatamente, funciona num ambiente que é mana. É uma espécie de mundo interno e especial,
onde tudo ocorre como se só o mana ali estivesse em jogo. É o mana do mágico que age pelo
mana do rito sobre o mana do tindalo o que abala outros mana e assim por diante. Nessas ações e
reações, não entram outras forças além do mana. Elas se produzem como em um círculo fechado
em que tudo é mana e que deve ele mesmo ser mana – se assim podemos nos expressar.”49
A magia é, antes de mais nada, assunto de sentimentos. Essas conduções, reconduções e
condições engendradas pela sua força essencial são “um jogo de ‘juízos de valor’, ou seja, de
aforismos sentimentais que atribuem qualidades diversas aos diversos objetos que fazem parte de
seu sistema.” Juízos de valor, entretanto, não se operam simplesmente nos indivíduos por atos de
vontade posto que são construídos socialmente através da escolha, muitas vezes arbitrária e
sempre geral, da representação de certas plantas e animais, profissões e sexos, astros, meteoros,
elementos, fenômenos físicos, acidentes do solo, matérias etc. Neste ponto, Mauss reafirma a tese
durkheimiana ao dizer que: “a noção de mana, como a noção de sagrado, é, em última análise,
apenas a espécie de categoria do pensamento coletivo que fundamenta esses juízos, que impõe
48
49
MAUSS, “Esboço de uma Teoria Geral da Magia”, Op. cit., p. 139, grifos do autor.
MAUSS, “Esboço de uma Teoria Geral da Magia”, Op. cit., p. 140.
uma classificação das coisas, separa umas, une outras, estabelece linhas de influência ou limites
de isolamento.”50
Uma categoria importante para aqueles que fazem parte do movimento Nova Era é a
energia, que se configura como uma espécie de mana esotérico dos nossos dias, uma categoria
do pensamento coletivo que fundamenta juízos acerca das coisas, impondo classificações,
interdições e prescrições, ao mesmo tempo que viabiliza a comunicação entre as diversas práticas
do movimento Nova Era. Segundo Luís Eduardo Soares: “energia é a moeda cultural do mundo
alternativo que prepara o terreno simbólico para o desenvolvimento de uma linguagem comum,
independente das diversidades. Sua centralidade contribui também para o estabelecimento de uma
vasta rede de vasos comunicantes entre os diversos submundos alternativos e os espaços
axiológicos e simbólicos mais convencionais.”51 É importante notar que a energia, tal como o mana,
pode ser qualidade, substância e atividade. Vários objetos possuem mana, numa visão Nova Era,
dentre os quais o caso dos cristais parece ser o que mais se destaca, justificando terapias e
ornamentações de ambientes, graças às qualidades curativas e irradiadoras de boas energias que
possuem. Muitos a enxergam como existência física, a exemplo dos estudos acerca da aura das
pessoas, dos objetos e dos ambientes ou das concepções espiritualistas mais recentes de que a
alma pode ser vista através de sensoriamento magnético. Por fim, energia também é atividade,
destacando-se como força que emana da natureza (entendida no seu sentido mais amplo, do qual
deus e o homem fazem parte), construindo e desconstruindo os rumos da história. Exemplo desta
concepção são as filosofias de orientação sincrética que buscam convergências entre os
conhecimentos antigos do Oriente e do Ocidente, nas quais a própria idéia de energia vital
traduzida como uma centelha imortal – que existe sem que seja possível saber de fato algo dela –,
deve ser trabalhada nos limites dos corpos psíquico, mental, astral e vital para garantir a sua
evolução até os limites da perfeição.
Se o problema inicial de Marcel Mauss – que é, neste momento, o meu também – era
encontrar forças coletivas acima de um fenômeno, em princípio, individual, a noção de mana ou de
energia seria suficiente para dar cabo à discussão. Mas para Mauss ela é uma noção ainda muito
50
MAUSS, “Esboço de uma Teoria Geral da Magia”, Op. cit., p. 150.
intelectual, tal como analisada até agora. No nível da ação, ou seja, do funcionamento do
mecanismo da vida social, ainda não é possível enxergar como estas forças coletivas atuam e
como podem gerar como produto a magia, além de terem no mana sua fiel expressão.
Em busca da compreensão de como opera esse mecanismo, Mauss parte do suposto que
as representações e práticas mágicas são juízos, mas não são juízos analíticos, nem juízos
sintéticos a posteriori; são juízos sintéticos a priori quase perfeitos. Isso significa que a crença
precede qualquer espécie de experiência: “não estamos dizendo que a magia nunca recorre à
análise ou experiência: dizemos que ela é fracamente analítica, fracamente experimental e quase
que totalmente a priori.” Cabe ressaltar que o juízo mágico não se opera no indivíduo; pelo
contrário, é coletivo, pois há sempre mais de um indivíduo envolvido na prática mágica. Desde que
haja juízo mágico, “há síntese coletiva, crença unânime, em dado momento, numa sociedade, na
verdade de certas idéias, na eficácia de certos gestos.” Um juízo mágico é imposto por uma quaseconvenção, na qual o signo cria a coisa, a parte o todo, a palavra o evento etc. ... Importa o fato de
que as mesmas associações se processam e reproduzem na mente de diversos indivíduos de
modo a marcar a generalidade e o apriorismo dos juízos mágicos: “pois bem, só as necessidades
coletivas sentidas por todo um grupo podem forçar todos os indivíduos desse grupo a operar a
mesma síntese. A crença de todos, a fé é o efeito das necessidade de todos, de seus desejos
unânimes. O juízo mágico é objeto de um consentimento social, tradução de uma necessidade
social, sob cuja pressão desencadeia-se toda uma série de fenômenos de psicologia coletiva: a
necessidade sentida por todos, a todos sugere a finalidade; entre estes dois termos, uma infinidade
de meios-termos pode colocar-se (donde a extrema variedade dos ritos empregados para um só
objetivo), entre os quais impõe-se a escolha, que pode ser imposta pela tradição, pela autoridade
de um mágico de fama ou pelo impulso unânime e brusco de todo o grupo. É porque o efeito
desejado por todos é constatado por todos que o meio é considerado capaz de produzir o efeito
[...] Definitivamente, é sempre a sociedade que se paga a si mesma com falsa moeda de seu
sonho. A síntese da causa e do efeito só se produz na opinião pública.”
51
52
52
SOARES, “Religioso por natureza: cultura alternativa e misticismo ecológico no Brasil”. Op. cit., p. 197.
MAUSS, “Esboço de Uma Teoria Geral da Magia”, Op. cit, p. 153-154
A sociedade está presente na magia através de coerções em ritos positivos e negativos,
impondo proibições e mantendo repugnâncias que só por trás da magia se refugiam. Os
sentimentos individuais e coletivos é que permitem a criação das proibições, dos tabus, dos ritos
etc. As restrições impostas para o cumprimento dos ritos afetam os executantes e os beneficiados,
além dos materiais utilizados. Deste modo, “trata-se de todo um meio social que se emociona só
porque num de seus setores realiza-se um ato mágico.” O rito é um momento de expectativa
apaixonada da sociedade: “é porque a sociedade gesticula que a crença mágica se impõe e é por
causa da crença mágica que a sociedade gesticula. Não se está mais em presença de indivíduos
isolados que crêem, cada qual por si, na sua magia, e sim em presença de todo um grupo que crê
na sua.” 53
A magia, além disso, foge à metafísica, ao princípio místico que a alimenta, confundindo-se
com a vida laica, pois a magia é, essencialmente, técnica: a origem da magia revela a forma
primeira das representações coletivas que se tornaram, mais tarde, fundamentos do entendimento
individual. Esse é um forte indicador de que a Nova Era também possui algo de magia. O avanço
dos meios de dominação da natureza e da explicação da realidade pela razão significou, no
decorrer do processo histórico, a materialização de diversas formas de tecnologias. A proliferação
dessas novas tecnologias e a promessa de uma vida cada vez melhor, amparada por todo esse
aparato facilitador da vida, tornaram-se um valor central do homem moderno, que hoje é
aproveitado e ressignificado pela Nova Era. As práticas terapêuticas voltadas, num primeiro
momento, para a libertação, sob a égide de um discurso típico de contracultura, são substituídas
por outras, dirigidas para a obtenção de resultados. A mística e a magia confundem-se, permitindo
dizer que a Nova Era tem características mágicas, e não somente místicas. Outro ponto importante
é o modo como os errantes deste movimento encaram a questão da eficácia de suas técnicas. Em
geral, quando se experimenta qualquer terapia ou método de aproximação do aperfeiçoamento
pessoal ou auto-conhecimento (viagens astrais ou em discos voadores, terapias de vidas
passadas, contatos com anjos, terapias com cristais etc.) e não se obtém o resultado desejado, ou
53
MAUSS, “Esboço de Uma Teoria Geral da Magia”, Op. cit, p. 162.
mesmo quando não acontece nada, o guia, ou guru, justifica-se pela não observância das regras
do ritual mágico ou por empecilhos de karma particulares àquela pessoa.
Mesmo constatando coincidências entre as características da magia e as características do
movimento Nova Era e, ao mesmo tempo, verificando através dessas coincidências o que ambas
têm de social, parece-me ainda precipitado defini-la como magia. É preciso antes lembrar que
existe algum tipo de articulação entre as crenças e as práticas que sugere a interdependência
dinâmica entre essas duas dimensões. Antes mesmo das cores, dos cheiros, das melodias e das
palavras que povoam o mundo místico-esotérico, garantindo para seus participantes um ambiente
comum, dos seus aspectos mágicos e das próprias crenças e práticas que distinguem a Nova Era,
existe um fator maior que, parece-me, revela uma predisposição a todas essas coisas. O que
quero dizer é que há, além de uma estética Nova Era, uma motivação para encontra uma outra
maneira de lidar com a vida e organizá-la, pautada por sentimentos como tolerância, liberação (em
oposição à repressão), resignação em relação ao irreversível. Eu diria que há, antes de mais nada,
a vontade de viver com alegria, em oposição aos mecanismos culpabilizadores do Cristianismo, ou
seja, uma outra maneira de organizar a vida, um outro jeito de olhá-la. Neste sentido, podemos
tomar a
distinção estabelecida por Clifford Geertz entre ethos e visão de mundo. Ethos é
entendido como tom, caráter, qualidade de vida, estilo e disposições morais e estéticas de um
grupo, ao passo que visão de mundo é entendida como quadro que organiza estas coisas na sua
atualidade e fornece uma idéia geral sobre ordem, e, entendida a dinâmica que se estabelece
entre as duas noções, é possível buscar uma pista para compreensão sociológica da Nova Era,
fenômeno que à primeira vista parece tão incompreensível deste ponto de vista54.
A distinção entre ethos e visão de mundo não é nenhuma novidade teórica, conforme
admite o próprio Geertz, mas a inovação introduzida pelo autor, a meu ver, é a própria idéia que
fundamentará a compreensão da religião como sistema simbólico, que se apresenta como um
modelo de e um modelo para, ou seja, um ethos, na medida em que determina certas disposições
nos indivíduos, uma visão de mundo, na medida em que conforma a própria realidade em função
dessas disposições da mesma forma com que cria outras e novas disposições em função da
54
GEERTZ, A interpretação das culturas, Op. cit.
realidade. Além disso, é a dinâmica entre o modelo de e o modelo para que permite enxergar a
lógica da compreensão hermenêutica, colocando o conceito de religião sobre novas bases. No
caso da Nova Era podemos enxergar claramente como operam esses dois vetores componentes
dos sistemas simbólicos: em primeiro lugar, a idéia de fundar um novo indivíduo delineia um ideal
de sociedade bem como qualifica o antigo modo de ordenação social (tal como a idéia de
modernidade, por exemplo inventou a tradição para se inventar como um tempo novo); por outro
lado, ela determina um conjunto de práticas, um estilo de vida que tem uma estética própria. É na
intercessão desses dois vetores que a Nova Era pode ser vista como um sistema simbólico que se
oferece como um modelo da e para a ação dos errantes que a compõem. Por isso, faz-se
necessário promover uma compreensão profunda e correta dessa relação para qualificar o próprio
conceito de religião exigido por esse novo tipo de religiosidade.
Em primeiro lugar, os modelos de são figurações ou modelos abstratos de um fenômeno
real para compreendê-lo, enquanto os modelos para mediam a utilização de figurações ou de
modelos abstratos para tornar algo real. No caso dos sistemas simbólicos, temos o lugar por
excelência da intertransponibilidade dos modelos para e dos modelos de. Segundo Geertz, os
símbolos são fontes extrínsecas de informações através dos quais se criam padrões para a vida
humana – mecanismos extrapessoais para a percepção, compreensão, julgamento e manipulação
do mundo. Os sistemas religiosos enquanto sistemas simbólicos são padrões culturais, ou seja,
programas que fornecem um gabarito, ou diagrama, para organizar a vida social e psíquica,
analogamente aos sistemas genéticos, que fazem o mesmo com os processos orgânicos. A
necessidade desses padrões culturais justifica-se pelo fato de o comportamento humano mostrarse extremamente plástico, ou seja, com um grau de controle mínimo pelos programas genéticos: “o
homem, animal que faz ferramentas, que ri ou mente, é também um animal incompleto – ou mais
corretamente, um animal que se completa. Agente da sua própria realização, ele cria a capacidade
específica que o define a partir de sua capacidade geral para a construção de modelos
simbólicos.”55
55
GEERTZ, A Interpretação das Culturas. Op. cit., p. 190.
Mas os símbolos são também formulações tangíveis de noções abstratas da experiência
fixada em formas perceptíveis, incorporações concretas de idéias atitudes, julgamentos,
sentimentos ou crenças. Para compreender o significado da crença num contexto religioso é
preciso verificar que esta não é indutiva, ou seja, não parte da experiência até a elaboração mais
abstrata, mas, ao contrário, é “uma aceitação prévia da autoridade que transforma esta
experiência.”56 Ou seja, é preciso primeiro acreditar para depois ser dado o conhecimento do corpo
de crenças e práticas que constituem a linguagem de um sistema religioso. Nesse sentido, há uma
aproximação visível entre Geertz e Mauss, pois este último fala em juízos sintéticos a priori com
relação à crença na magia: “ligam-se os termos antes de qualquer experiência.”57 Parece-me que
Geertz está falando de algo bastante similar ao que propõe Mauss, embora com implicações bem
distintas: para Mauss trata-se de encontrar o sentido coletivo de um fenômeno aparentemente
individual; para Geertz trata-se de entender o círculo hermenêutico intrínseco à compreensão dos
símbolos quando estes estão dispostos segundo um contexto (aqui, o contexto religioso).
Para compreender uma determinada cosmologia religiosa é preciso vê-la como formulação
da realidade e também como gabarito para a produção da realidade, pois ela realiza as duas
coisas, expressando o clima do mundo e modelando-o. Mas, ao modelar a realidade, induz no
crente um certo conjunto de disposições, entendidas como probabilidade de praticar determinadas
ações, que circunscrevem sua vida através de um ritmo imputado às suas atividades bem como de
parâmetros de qualificação das suas experiências. Essas disposições, inspiradas pelas atividades
religiosas, consolidam-se no crente por duas vias bem distintas: ânimo e motivação. A motivação
apresenta-se como “uma inclinação crônica para executar certas espécies de sentimento em
determinadas situações, e essas espécies são habitualmente classes muito heterogêneas e maldefinidas.”58 Não se trata de comportamentos intencionais, mas de tendências a agir desta ou
daquela maneira, a sentir isto ou aquilo frente às circunstâncias da vida. O ânimo, por seu turno,
aproxima-se de uma inclinação e é marcado pela variedade de formas empíricas, definindo, por
conseguinte, formas diversas de expressar a devoção religiosa. Mas os símbolos que definem
esses motivos e disposições são os mesmos que os colocam num arcabouço cósmico: símbolos
56
GEERTZ, A Interpretação das Culturas. Op. cit., p. 125.
sagrados induzem comportamentos religiosos ao mesmo tempo que despertam formulações gerais
de ordem, permitindo que o campo religioso (atividade ou experiência religiosas) contamine os e
seja contaminado pelos outros campos da vida social. Isto sugere certa adequação dos recursos
simbólicos para governar nossa vida afetiva e envolve também a adequação desses recursos para
fornecerem um conjunto manipulável de critérios éticos e normas que governem nossa ação. A
resposta religiosa à suspeita de falta de ordem ou à necessidade de congruência entre o discurso
religioso e a realidade é: “a formulação, por meio de símbolos, de uma imagem de tal ordem
genuína do mundo, que dará conta e até celebrará as ambiguidades percebidas, os enigmas e
paradoxos da experiência humana.”59
A perspectiva religiosa, portanto, tem uma preocupação com o real no sentido de
apresentar-se como o verdadeiramente real e os símbolos que congrega e organiza têm a função
de intensificar, produzir e reproduzir esse real, tornando-o “inviolável pelas revelações discordantes
da experiência secular”. Essa discussão nos conduz inevitavelmente ao ritual, dimensão estrutural
da vida religiosa, pois é o rito que propicia esse sentimento de fatualidade das concepções
religiosas, além de demonstrar que elas estão corretas. É no rito “que as disposições e motivações
induzidas pelos símbolos sagrados nos homens e as concepções gerais da ordem da existência
que eles formulam para os homens se encontram e se reforçam umas às outras. Num ritual, o
mundo vivido e o mundo imaginado fundem-se sob a mediação de um único conjunto de formas
simbólicas, tornando-se um mundo único.”60
Dessa forma, enquanto para um observador o ritual só pode ser apreendido como
apresentação de uma perspectiva religiosa, para os participantes ele promove a junção entre
modelos de e modelos para, ou seja, une a visão ideal sobre a realidade ao próprio modo como
essa realidade é experimentada. Em outras palavras, os seres humanos encontram e reencontram
a sua fé, à medida que a projetam em ações rituais. O ritual aproxima, transforma a crença em
participação, ou seja, a crença se concretiza quando se encena o ritual. As motivações e
disposições são estimuladas da mesma forma que a imagem de uma ordem é desenhada, em
57
MAUSS, “Esboço de uma teoria da magia”, Op. cit., p. 153.
GEERTZ, A Interpretação das Culturas, Op. cit., p. 110.
59
GEERTZ, A Interpretação das Culturas, Op. cit., p. 124.
60
GEERTZ, A Interpretação das Culturas, Op. cit., p. 128.
58
ambos os casos, através de um mesmo conjunto de símbolos: “a representação faz do modelo
para e do modelo de aspectos da crença religiosa meras transposições de um e de outro.”61
Entretanto, admitida essa força dos rituais, torna-se necessário entender que a crença
religiosa coloca dois modos distintos de formulação simbólica: aquele que ocorre no meio de um
ritual e aquele que é vivido como um reflexo do ritual na vida cotidiana. Ao constatar que, na maior
parte de nossas vidas, estamos imersos no mundo cotidiano de objetos de senso comum e atos
práticos, Geertz destaca que as influências mais importantes do ritual estão para além do limite
espacio-temporal do próprio ritual. São os seus reflexos que dão um tom novo, um colorido
especial à “concepção individual do mundo estabelecido como fato nu.”62 Esta afirmação justifica o
próprio interesse sociológico pela religião, pois em detrimento daquela visão positivista de que ela
descreve a ordem social, com esta outra visão podemos afirmar que ela modela (de e para) a
sociedade juntamente com outros elementos (ambiente, política, riqueza, direito, sentimentos,
estética etc.). Fora do contexto ritual, o religioso manifesta o que está no mito e que se reafirma no
rito, pois agindo de modo inverso, ele estaria indo contra a índole do universo: “É justamente o fato
de colocar atos íntimos, banais, em contextos finais que torna a religião socialmente tão poderosa,
ou pelo menos com grande frequência. Ela altera, muitas vezes radicalmente, todo o panorama
apresentado ao senso comum, altera-o de tal maneira que as disposições e motivações induzidas
pela prática religiosa parecem elas mesmas, extremamente práticas, as únicas a serem adotadas
com sensatez, dada a forma como são as coisas ‘realmente’.”63
Dessa forma, os conceitos religiosos são importantes não só do ponto de vista estrito da
religião mas também para entender idéias mais gerais que tornam significativas boa parte da
experiência, seja ela intelectual, emocional ou moral dos indivíduos. As crenças religiosas
significam um polimento no mundo quotidiano das relações sociais e dos acontecimentos
psicológicos e, mais do que isso, são uma espécie de gabarito na medida em que modelam os
processos social e psicológico. Compreender as crenças religiosas é compreender de que maneira
“as noções dos homens, embora implícitas, do ‘verdadeiramente real’ e as disposições que essas
noções induzem neles, dão um colorido a seu sentido do racional, do prático, do humano e do
61
GEERTZ, A Interpretação das Culturas, Op. cit., p. 134.
moral.”64 Dito isto, a religião, como um sistema cultural, ou seja, como um sistema simbólico, é uma
resposta aos imperativos de ordem social e psicológica, constituindo-se como mais um dos
recursos estilísticos que o homem tem para organizar sua experiência no mundo (outros recursos
são o senso comum, a ideologia, a ciência). É isto que constitui a importância da religião para o
antropólogo, pois ela serve tanto ao indivíduo quanto ao grupo para forjar “de um lado [...],
concepções gerais, embora diferentes, do mundo, de si próprio e das relações entre elas – seu
modelo da atitude – e de outro, as disposições ‘mentais’ enraizadas, mas nem por isso menos
distintas – seu modelo para a atitude. A partir dessas funções culturais fluem, por sua vez, as suas
funções social e psicológica.” 65
É com base em todos esses elementos que o conceito de religião proposto por Geertz
pode ser bom para pensar essas novas formas de religiosidade dos nossos dias pois, como visto
através da argumentação que vem sendo desenvolvida, em nenhum momento ele se vincula ao
caráter
institucional
das
religiões
–
mesmo
quando
tenta
destacar
a
importância
sociológica/antropológica desses fenômenos. Segundo Geertz, agora de forma sintética, religião é:
“(1) um sistema de símbolos que atua para (2) estabelecer poderosas, penetrantes e duradouras
disposições e motivações nos homens através da (3) formulação de conceitos de uma ordem de
existência geral e (4) vestindo essas concepções com tal aura de fatualidade que (5) as
disposições e motivações parecem singularmente realistas.”66
Se a Nova Era possui crenças e práticas que a distinguem de qualquer outro desses novos
movimentos religiosos que eclodiram em nossa história recente, existe algo de religioso na sua
proposta. Se, ao mesmo tempo, ela não afasta idéias pertencentes à vida laica e se mostra como
um conjunto de técnicas as quais interferem na realidade, além de se processar-se num meio
mágico e manter idéias como as de propriedade, espírito e simpatia concernentes às imagens e
aos objetos que lhe são próprias – e que serão tratadas de modo especial em outro capítulo deste
trabalho –, sendo respaldada pela idéia comum de energia, então existe nela algo de mágico. E se
essas crenças, práticas, técnicas e noções ordenadoras estão engendradas de forma tal a compor
62
GEERTZ, A Interpretação das Culturas, Op. cit., p. 135.
GEERTZ, A Interpretação das Culturas, Op. cit., p. 139.
64
GEERTZ, A Interpretação das Culturas, Op. cit., p. 141.
65
GEERTZ, A Interpretação das Culturas, Op. cit., p. 140.
63
um sistema no qual os elementos interagem em múltiplos níveis, em completa reciprocidade, não
há como conceituar essa nova forma de religiosidade a não ser como sistema simbólico mágicoreligioso de caráter místico-esotérico.
Assim, entender a religião como um sistema simbólico parece ser, pelo menos no que
respeita aos novos movimentos religiosos de tipo não-institucional, mais interessante do que insistir
na necessidade de identificar univocamente religião com igreja. Além do mais, permite enxergar
por que a religião, erigida sobre atos comunicativos, é tão poderoso indicador de uma refiguração
de relações com valores culturalmente construídos – como é o caso do individualismo nas
sociedades modernas.
66
GEERTZ, A Interpretação das Culturas, Op. cit., pp. 104-105.
Segundo Capítulo
DO INDIVIDUALISMO:
NOTAS PARA UMA ANTROPOLOGIA DO RELACIONAMENTO
“Dá tanto quanto recebes, tudo estará muito bem.”
Provérbio Maori
“O homem que deseja o bem deve comportar-se em relação aos outros de forma tão ativa e expedita quanto o
egoísta, o vil e o mau. É fácil constatá-lo, mas difícil agir em consonância com tal constatação.”
J. W. Goethe
Uma boa questão suscitada pelos novos movimentos religiosos diz respeito à reavaliação
de um valor fundamental da cultura moderna: o individualismo. No âmbito deste trabalho, a
questão do individualismo mostra-se central, devido à sua relação com outras discussões – umas
mais e outras menos – levantadas preliminarmente no primeiro capítulo, tais como o
ensimesmamento promovido pelo Cristianismo seja na sua forma católica, seja na sua forma
protestante, o fim dos grandes ideais coletivos de tipo revolucionário, ou, em síntese, o próprio fim
do espaço público. Soma-se a isto a associação, muitas vezes direta e automática, entre religião
ou religiosidade à noção de comunidade e, mais especificamente, ao vínculo grupal de tipo afetivo,
o que contrasta com o individualismo na sua forma clássica, associado a egoísmo, a atitudes
interessadas e ao cálculo racional. A partir desse contraste, o que se faz necessário compreender
é se o tipo de vínculo social estabelecido na religiosidade proposta pela Nova Era, alvo de minha
análise, demonstra a exacerbação do individualismo moderno ou se coloca a possibilidade de os
indivíduos estabelecerem outras relações que modificam esse valor.
A tendência teórica mais freqüentemente utilizada para tratar a questão é ver o
individualismo, no atual momento de efervescência religiosa, como extensão do processo de
privatização do sagrado promovido pela modernidade, logo como uma espécie de continuação do
individualismo moderno. Dessa forma, o sujeito racional da modernidade passa a arbitrar, inclusive,
sobre os imperativos da fé, abandonando os dogmas e as doutrinas rígidas para lançar-se no
tentador supermercado místico, onde cada um modela a sua religiosidade de acordo com suas
necessidades e seus interesses. Essa abordagem teórica parece-me, contudo, um tanto simplista,
perdendo de vista dimensões interessantes do que aparenta ser muito mais uma reconfiguração
das relações que as pessoas estabelecem com o individualismo enquanto valor, fazendo emergir
então novos significados na sua constituição. Muito mais do que afirmar a existência de um único
individualismo, o que se depreende a partir de constatações empíricas são os mais variados
sentidos implicados a partir do individualismo. Nesse sentido, o caso da Nova Era é exemplar.
As principais críticas aplicáveis à hipótese da exacerbação do individualismo dizem
respeito, por um lado, à concepção unívoca e generalizada da natureza humana como sendo
egoísta e interessada, que usa incessantemente sua capacidade para o cálculo, a fim de encontrar
o pleno gozo e a realização voluntarista do desejo individual, ou seja, uma visão estritamente
utilitarista do individualismo, e, por outro lado, à noção de história nela contida. No primeiro caso,
mais do que nunca, a antropologia vem convencendo suas co-irmãs das ciências sociais de que a
idéia de uma natureza humana perene e transcendental não existe, pois os mundos humanos são
culturalmente construídos – talvez este seja até o grande mérito da disciplina. Dessa forma, atribuir
um sentido único para o conceito de individualismo e elevá-lo à posição genérica daquilo que é
constitutivo do humano é reificar o próprio conceito e retirar-lhe sentidos que são contextuais.
Em relação à noção de história, vejo, a partir dessa hipótese, a reafirmação de uma
espécie de evolucionismo que só vê a possibilidade de compreensão do curso da história no fluxo
contínuo de um sentido que é único. No evolucionismo, uma vez apontada a direção, existe um
curso inevitável que caminha até a exacerbação máxima dessa direção indicada num momento
histórico primeiro. Permanece, portanto, nesse tipo de explicação a velha idéia cristã do mito de
origem no mundo edênico do qual Adão e Eva foram expulsos e para o qual querem a todo custo
retornar. Entretanto, tal como argumenta Morin, “o jogo do devir é de uma prodigiosa
complexidade. A história inova, deriva, titubeia. Muda de trilho, perde o rumo: a contracorrente
provocada por uma corrente mistura-se com a corrente e, tirando-a do rumo, torna-se a corrente. A
evolução é deriva, desvio, criação, e também rupturas, perturbações, crises.”67
É assim que se sucedem os fatos e as eras. No caso da modernidade, foi à custa da
destruição, reconstrução e reciclagem dos valores tradicionais que se construíram os valores
modernos. As interpretações acerca destes valores, gestadas no clima intelectual do século XIX,
foram amplamente influenciados pelas descobertas de Charles Darwin no campo da biologia,
permitindo que durante muito tempo acreditássemos na possibilidade de um curso histórico único e
previsível.68 De fato, o evolucionismo darwiniano tornou-se mais do que uma teoria das ciências
67
MORIN, Para sair do século XX, Op. cit., p. 312
As propostas dos clássicos da sociologia, a partir de seus distintos princípios explicativos, por exemplo, deixam clara essa
crença. Foi ela que permitiu a Marx ver no processo de modernização a transição entre os diversos modos de produção (do
feudalismo ao capitalismo, deste ao socialismo e deste ao comunismo); a Durkheim propor como lei geral a passagem da
solidariedade mecânica para a orgânica; a Weber a hiperburocratização das relações sociais com a predominância das
ações de tipo racional com relação a objetivos. Segundo Featherstone, “incorporado a essas teorias, com variados graus
de explicitação, havia o pressuposto segundo o qual a história tinha uma lógica interna ou um impulso direcional, entendido
como progresso. O conceito de progresso implica algum direcionamento no rumo da história e sugere a finitude desta
última, bem como a eventual entrega ou alcance de uma vida social melhor ou de uma ‘sociedade boa.’ “
FEATHERSTONE, Mike. “Culturas globais e culturas locais”. O desmanche da cultura. Studio Nobel, 199 , pp. 123-142, p.
125.
68
biológicas, configurando uma das correntes filosóficas mais poderosas e mais influentes em todos
os campos da produção científica, podendo ser metaforicamente vista como a versão laica e
científica do próprio mito de Adão e Eva. Prova de que ela continua viva, confirmando essa forte
influência, é essa visão “exacerbacionista” da modernidade e de seus valores.
Não quero, entretanto, simplesmente adotar a via oposta à tendência teórica dominante
dizendo que só há holismo ou coletivismo nos novos movimentos religiosos, de modo especial na
Nova Era. Pretendo, nos moldes do que Morin chama de pensamento complexo, perceber o que
há de holismo no individualismo dos nossos dias e também o que há de individualismo nesse
holismo, utilizando para isto a via da dádiva69. O que de fato gostaria de mostrar é que, para além
dessa inquisição teórica propiciada pela aplicação do paradigma utilitarista aos novos movimentos
religiosos dos nossos dias – não obstante o fato de a religião estar também sofrendo “os impactos
da lógica do mercado”, arriscando-se a “perder a sua aura e encanto”, conforme constatou Leila
Amaral Luz – , existe uma coletividade de pessoas reunidas em torno de problemas e de
sentimentos comuns, em busca de soluções para transtornos do cotidiano, mas também às voltas
com dúvidas e atropelos existenciais.70 Para mim, não basta lançá-los à fogueira da farsa, do
charlatanismo ou do hedonismo, mas cumpre olhar com generosidade o próprio utilitarismo aí
presente. Quando visito descompromissadamente a Igreja Universal do Reino de Deus ou quando
pego um periódico da Nova Era para ler, não consigo enxergar nas ações das pessoas que vivem
esses universos religiosos pragmatismo puro, no sentido de alcançar o maior ganho ou prazer
pessoal em detrimento dos outros que compartilham com elas aquele espaço ou aquela
linguagem, mas sim pessoas que buscam se unir a outras para juntas encontrar experiências e
sentidos nessas experiências que tornem a vida um pouco melhor para todos.
De um modo geral, quando queremos afirmar uma mudança de época ou de paradigma,
tendemos a exagerar as características da época que nos precede, reinventando-a de alguma
maneira. Assim procedeu a Modernidade em relação à Tradição, e nessa mesma direção vai
procedendo a Pós-Modernidade em relação à Modernidade. Entretanto, ao entender a história
69
Refiro-me aqui ao que alguns autores vêm chamando de paradigma da dádiva, inspirados nas idéias contidas no “Ensaio
sobre a Dádiva” de Marcel Mauss. Deixo para um pouco mais adiante a explicação completa do referido paradigma e sua
pertinência a este trabalho.
como deriva, todo momento transforma-se em momento de transição ou liminaridade, e os
fenômenos precisam ser vistos muito mais como híbridos do que como peças que compõem uma
realidade única e fechada, daí o fato de esses conceitos – Modernidade, Pós-modernidade e, por
outro lado, holismo, individualismo – parecerem tão questionáveis e excludentes.71 Do ponto de
vista empírico, o que sugere que a discussão seja feita nesses moldes é a própria filosofia de vida
apregoada pelos errantes da Nova Era, em que o aperfeiçoamento pessoal e a busca do
verdadeiro eu, só tem sentido e valor se pensados como fonte de um relacionamento melhor do
indivíduo com o seu meio e com o seu próximo. Como se vê, individualismo e holismo estão
relacionados numa formulação que privilegia os dois valores numa composição híbrida. Conforme
discute um leitor da revista Planeta – periódico do mundo esotérico que estou tomando como base
empírica de investigação: “são infinitos os recursos que Deus tem para ensinar ao homem o que é
a vida. Quando em contato com algo novo, muitos acham que descobriram a fonte da sabedoria e
desprezam outras fontes. Freqüentemente discordamos de outras correntes por utilizarem nomes e
definições diferentes daqueles a que estamos acostumados e não percebemos que os
ensinamentos são substancialmente os mesmos. São ângulos diferentes de uma mesma
manifestação. É uma atitude inteligente respeitar as diversas fontes de conhecimentos sem
radicalizar. Cada um trilha o seu caminho e tem uma necessidade diferente tanto psicológica e
mental quanto espiritualmente. F.D.O.”72
A mistura, a miscigenação, o sincretismo ou, na expressão de Sahlins, a indigenização da
modernidade – ou seja, o politeísmo dos valores do mundo contemporâneo co-extensivamente
aos valores ascéticos e bem demarcados do Iluminismo – estão na base de movimentos como a
Nova Era. É preciso, pois, verificar mais de perto como esses aspectos repercutem sobre os
valores modernos de um modo geral e, especificamente, sobre o individualismo.
70
LUZ, Leila Amaral. Carnaval da Alma: comunidade, essência e sincretismo na Nova Era. Rio de Janeiro,
UFRJ/PPGAS Museu Nacional. (Tese de doutorado), p. 1.
71
Bataille faz uma interessante interpretação da transição do mundo animal aos mundos humanos, que tomo aqui como
metáfora para este tipo de criação de conceitos. Discutindo a leitura que faz o homem acerca do mundo animal do qual se
origina, ele nos diz que a descrição do mundo sem o homem é uma descrição poética do mundo, porque o olho do animal
não vê o mundo, na medida em que não se distingue dele: o animal está submerso no continuum; é água dentro da água.
Da mesma forma, ao referir-se ao passado, o pensador já não é mais o homem daquele tempo anterior, e suas conclusões
são as de um olhar presente que volta-se para o passado, ou seja, alguma forma de recriação. E, conforme lembra o
próprio Bataille, “essa poesia é apenas uma via pela qual um homem vai de um mundo cujo sentido é pleno, ao
deslocamento final dos sentidos, de todo o sentido, que logo se revela inevitável.” BATTAILE, Georges. Teoria da Religião.
São Paulo, Ática, 1993, p. 22.
5. A dimensão histórica do individualismo: Dumont e Simmel
O individualismo tem uma longa trajetória na história do Ocidente, que precede a própria
modernidade e, como pretendo demonstrar, também a procede – entendendo-se que hoje estamos
vivendo um momento de questionamento e, quiçá, de rearranjo dos valores modernos. Tal como
nos mostra Dumont, o individualismo enquanto forma do “ser moral independente, autônomo e, por
conseguinte, essencialmente não-social, portador dos nossos valores supremos, e que se encontra
em primeiro lugar em nossa ideologia moderna do homem e da sociedade” (ou seja, o
individualismo enquanto valor) tomou forma ao longo de “dezessete séculos de história cristã” e
parece que sua história não terminou, pois a cada momento novas relações podem ser
estabelecidas com esse valor, modificando-o, como é o caso do que está ocorrendo hoje no âmbito
do campo religioso (embora não mais especificamente através do Cristianismo, como analisou
Dumont).73
Além disso, a forma da ideologia individualista – para usar a denominação de Dumont – vai
deixando para trás o modelo do ser moral não social para, ao mesmo tempo, tomar corpo. O
indivíduo cada dia mais sente-se portador de um corpo, além de uma alma que paira incorpórea,
inconcreta, transcendente, acima dele. O individualismo dos nossos dias é também um
individualismo de sangue, suor e lágrimas, no qual o indivíduo deve cuidar das necessidades tanto
do corpo quanto da alma. Um dos principais questionamentos que os tempos atuais colocam à
modernidade diz respeito à forma como se estrutura a lógica do pensamento moderno, calcada
sobretudo na filosofia de René Descartes e, conseqüentemente, à cisão entre corpo e alma. A
visão cartesiana propõe a valorização progressiva daquilo que é típico da alma, onde reside a
razão, em detrimento das sensações e impressões dos sentidos dos quais é dotado o corpo. O
mundo contemporâneo reserva, entretanto, para além do que postulou Descartes, uma valorização
do corpo e da alma. Embora permaneça o par corpo/alma, a relação entre eles não é de exclusão,
mas de união, de religação. Há uma redescoberta do corpo, que pode ser comprovada pela grande
72
Revista Planeta, São Paulo, Editora Três, n. 203, ago./1989, seção Leitor Debate, p. 56.
DUMONT, Louis. O Individualismo: Uma perspectiva antropológica da ideologia moderna. Rio de Janeiro, Rocco,
1993, pp. 36 e 37.
73
importância que têm os esportes, a ginástica, a alimentação saudável e todo o rol de preocupações
que dita o estilo de vida da chamada geração saúde nos dias atuais. No caso dos errantes da
Nova Era, isso vem combinado ou arranjado dentro de um sofisticado esquema intelectual que
justifica tais práticas.
Do ponto de vista estritamente sociológico, pensar o individualismo através do que vem
ocorrendo na esfera do sagrado coloca em destaque uma vez mais a tensão imbricada no par
indivíduo e sociedade. A efervescência religiosa dos nossos dias pauta-se por aspectos
antagônicos àqueles preconizados pelo individualismo clássico, tais como a afetividade e o desejo
de estar-junto, de fazer parte de uma comunidade de pessoas. Portanto, é preciso ver nos
acontecimentos do mundo contemporâneo mais do que a exacerbação dos valores modernos, uma
revisão profunda, um rearranjo na forma de lidar com esses valores. Como Dumont, acredito que o
que acontece no âmbito religioso está intimamente relacionado ao que acontece nas demais
esferas da vida social, impulsionando essa forma ideológica – o individualismo –, surgida no caldo
sincrético das primeiras manhãs do Cristianismo e que agora vai se refigurando no mesmo tipo de
paisagem sincrética, na qual florescem os novos movimentos religiosos, sendo o conteúdo de
relações bastante diferentes.
Aliás, vale lembrar que Dumont trabalha com a hipótese de que o individualismo surge no
Ocidente a partir da figura do renunciante, em muito parecido com os sannyasi hindu, que nos
primeiros tempos do Cristianismo afasta-se do mundo com o objetivo de descobrir a Verdade e,
para tanto, desdobra-se num processo de autoconhecimento. O mundo impoluto e profano daquele
momento de efervescência e sincretismo precisa ser deixado para trás em favor das coisas
genuinamente sagradas. Paulatinamente, ao contrário do que aconteceu na Índia, a renúncia do
mundo penetrou todo o campo social, e o indivíduo foi devolvido ao mundo, até encontrar-se
completamente imerso nele. É na transição do indivíduo-fora-do-mundo ao indivíduo-no-mundo
que se torna possível a gênese de uma sociedade individualista, a partir de uma matriz social de
tipo holista. Mais do que isto, é nessa transição e no tipo de desenvolvimento histórico que ela
desencadeia, que o individualismo passa a figurar como um valor, ou melhor, como o traço típico
da cultura ocidental.
Na linhagem de Mauss e da Escola Sociológica Francesa, Dumont defende a importância
das idéias – enquanto representações que são coletivamente construídas – para a perpetuação da
ordem social, pois as representações coletivas são por ele consideradas como realidades primeiras
da vida social. Mas, ao contrário daquele que pretendeu como mestre, Dumont estabelece o jogo
dos pares dicotômicos, optando por um pólo ou por outro, dependendo do momento histórico. O
conjunto das representações traduz-se para ele, então, como idéias e valores, o que denomina
ideologia e que se opõe aquilo que é realidade – a natureza.74 Desta forma, o individualismo é o
traço ideológico do mundo ocidental que corresponde ao fato universal de uma apreciação
(traduzida por juízos de valor) e prolonga-se em normas de conduta e padrões de socialidade.
Ainda segundo Dumont, “o mundo moderno subvertera o primado das relações entre os
homens, substituindo-o pelas relações entre os homens e as coisas”75. Significa dizer que os
desdobramentos do projeto civilizatório iluminista, do desenvolvimento capitalista no Ocidente (a
dita sociedade civil burguesa-urbano-industrial) e da afirmação da epistemologia científica como a
via verdadeira de explicação da realidade – em oposição à mitologia, ao senso comum, à religião
etc. – vieram determinar a estruturação das sociedades ocidentais modernas. Nessas sociedades
existe uma forte tendência a colocar as relações entre os homens calcadas em comportamentos do
tipo racional-instrumental totalmente desprovidos de qualidades sagradas e/ou simbólicas. Aliás,
dentro do quadro delineado, o que é sagrado tende a ser entendido como não-significação ou a ser
apresentado como ilógico nos domínios da realidade concreta.
A oposição entre lógica instrumental e lógica significativa, que se esboça a partir do que foi
dito no parágrafo anterior, levou o antropólogo Marshall Sahlins a uma reflexão bastante
interessante, contrapondo dois paradigmas que orientam as teorias antropológicas: o primeiro é
regido pela lógica prática, na qual “a ordem cultural tem de ser concebida como a codificação da
ação intencional e pragmática real do homem”; e o outro é regido pela lógica significativa, na qual
“a ação humana no mundo deve ser compreendida como mediada pelo projeto cultural que ordena
74
“Dou o nome de ideologia a um sistema de idéias e valores que tem curso num dado meio social. Chamo ideologia
moderna ao sistema de idéias e valores característico das sociedades modernas”. DUMONT, O Individualismo, Op. cit.,
p.20.
75
DUMONT, O Individualismo, Op. cit., p. 50.
imediatamente a experiência prática, a prática ordinária e o relacionamento entre as duas.”76 O
objetivo geral do autor, ao contrapor as duas lógicas antagônicas, é realçar a estrutura simbólica
engendrada na utilidade material e, para tanto, ele promove a confrontação da teoria com a teoria,
ou seja, a busca de elementos da própria teoria antropológica que possam trazer luz à
compreensão desse embate.
Na concepção de Sahlins, as teorias que se pautam pela lógica prática esquecem ou
relegam a segundo plano a qualidade genérica do humano – aquilo que o distingue e o constitui
como ser humano –, que é a capacidade de criar significados “de modo que, pelos processos de
valorização e significação diferenciais, as relações entre os homens, bem como entre eles e a
natureza, são organizadas.”77 Desse modo, elas perdem de vista que as próprias relações
materiais, incluindo técnicas e tecnologias, são mediadas pela cultura, ou seja, por um universo de
símbolos que lhes confere sentido dentro das sociedades às quais se ligam.
Esse traço da cultura moderna – ilustrado pelo embate entre os dois paradigmas teóricos
com uma certa hegemonia da lógica prática – leva à afirmação do individualismo como valor, posto
que: “em primeiro lugar, a ciência é suprema no nosso mundo e, para tornar possível o
conhecimento científico, modificou-se [...] a definição de ser, excluindo dela precisamente, a
dimensão axiológica. Em segundo lugar, a ênfase sobre o indivíduo levou a interiorizar a moral, a
reservá-la para a consciência individual, ao passo que era separada dos outros fins da ação e
distinguida da religião. O individualismo e a separação concomitante entre o homem e a natureza
desajuntaram assim o bem, o verdadeiro e o belo, e introduziram um profundo abismo entre ser e
dever ser. Essa situação é o quinhão que nos toca no sentido de que ela está no âmago da cultura
ou civilização moderna.”78
O individualismo é, então, como acreditou Simmel – antecedendo e influenciando a
proposta dumontiana –, a consciência da unicidade do indivíduo. Essa tomada de consciência,
segundo esse autor, remonta ao Renascimento, com a inauguração de uma ideologia humanista –
a partir da substituição do modelo teocêntrico de explicação da realidade pelo modelo
antropocêntrico –, em que a história passa a ser vista como fruto das ações humanas, e não mais
76
SAHLINS, Marshall. Cultura e Razão Prática. Rio de Janeiro, Zahar Editores, 1979, p. 68.
como objeto das potências divinas. Entretanto, é somente no século XVIII que o individualismo
como um valor penetra toda a sociedade (obviamente, toda a sociedade européia). Esse valor,
então, revestia-se da idéia de liberdade, calcada no princípio de igualdade natural, interessando
assim o homem em geral, ou seja, o homem universal, e não o homem particular e historicamente
constituído, pois a igualdade natural se prende à idéia de natureza como a instância da lei geral,
seja de uma ou mais leis, nos moldes dentro dos quais o espírito de época colocava o conceito de
natureza.79 A humanidade é a natureza comum das diversas individualidades e a individualização
nada mais é do que uma máscara histórica que torna obscura e distante essa essência
fundamental e comum.
Entretanto, o século XIX estabelece um rearranjo nessa forma da ideologia individualista,
permitindo que a liberdade evocasse a desigualdade, e não mais a igualdade, fortalecido que se
tornara o ego na forma anterior. Segundo Simmel: “após o indivíduo ter se libertado, em princípio,
das enferrujadas cadeias da corporação, do status hereditário e da igreja, a procura da
independência continuou até o ponto em que indivíduos que haviam se tornado independentes
quiseram também se distinguir uns dos outros. O que importava então não era mais que o
indivíduo fosse livre por ser um indivíduo [um exemplar da espécie humana], mas que fosse um
indivíduo particular e insubstituível.” 80
Dessa forma, ainda que o individualismo continuasse amparado pelo princípio da
liberdade, há um deslocamento de sua ênfase da constituição do homem moderno como sujeito
político e civil para a esfera da subjetividade pessoal, o que resulta na busca de autodeterminação
e num novo tipo de relação com os outros: “todas as relações com outros são, portanto, finalmente,
meras estações ao longo da estrada através da qual o ego chega até o seu self.”81
77
SAHLINS, Cultura e Razão Prática, Op. cit., p. 118.
DUMONT, O Individualismo, Op. cit., p. 249.
A expressão espírito de época vem sendo amplamente utilizada pelo antropólogo Otávio Velho, como afirmou o próprio
no “Encontro de Ciências Sociais da Religião: Passagem de milênio e pluralismo religioso na sociedade brasileira:
Homenagem a Pierre Sanchis”. Belo Horizonte, Departamento de Sociologia e Antropologia da FAFICH/UFMG, 16 a 18 de
junho de 1999.
80
SIMMEL, Georg. “Freedom and individual”. LEVINE, D. (Org.). Georg Simmel on individuality and social forms.
Chicago, Chicago University Press, 1971, p. 222. “After the individual had been liberated in principle from the rusty chains of
guild, hereditary status and church, the quest for the independence continued to the point where individuals who had been
rendered independent in this way wanted also to distinguish themselves from one another. What mattered now was no
longer that one was a free individual as such but that one was a particular and irreplaceable individual.”
81
SIMMEL, “Freedom and individual”, Op. cit., p. 223. “all the relations with others are thus ultimately mere stations along
the road by which the ego arrives its self.”
78
79
As duas formas de individualismo analisadas por Simmel, as quais se localizam
historicamente nos séculos XVIII e XIX, foram por ele denominadas, respectivamente,
individualismo quantitativo e individualismo qualitativo. A passagem de uma forma à outra marca
toda uma reconfiguração de valores na constituição da sociedade moderna. É nesse período
histórico que surge o indivíduo psicológico, aquele que se julga portador de uma autonomia capaz
de abrir interstícios na ordem social ao negá-la, lembrando que foi essa mesma ordem social que o
criou. Daí ter sido salientada a presença irrevogável da dicotomia indivíduo versus sociedade, pois
uma parte do indivíduo aparece sob a orientação de determinações estritamente internas, rebeldes
à ordem social que ele então se recusa a abraçar. Simmel, em conclusão, diz que: “através de toda
a idade moderna, o indivíduo busca o seu self, um ponto de referência fixo, sem ambigüidades. Ele
precisa de tal ponto fixo com mais e mais urgência em vista da expansão sem precedentes das
perspectivas teóricas e práticas, da complicação da vida bem como do fato – vinculado aos outros
dois – de que ele não pode mais achá-lo em nenhum lugar fora de si mesmo.”82
6. Leituras do individualismo no mundo contemporâneo: Lipovetsky, Mafesolli e o
Paradigma da Dádiva
O contexto histórico atual, tal como o dos séculos XVIII e XIX, continua informando as
refigurações das relações que as pessoas estabelecem umas com as outras sob a égide do
individualismo. Seguindo as pistas deixadas por Simmel em relação aos dois séculos anteriores,
demonstrando o caráter polissêmico do individualismo – ao invés da proposição exacerbacionista
do individualismo enquanto valor fundante que tende a progredir, exagerando sua forma primeva
no curso do tempo –, tentarei verificar se o que acontece hoje indicaria uma agregação de sentido
ao individualismo na sua formulação clássica. O ponto central da análise simmeliana reside na
admissão de diversos sentidos para um mesmo valor, atrelando-o ao contexto histórico, em geral
e, em particular, às complicações da vida moderna. É importante verificar que essas complicações
continuaram a ocorrer e a intensificar-se, até o ponto de serem tantas e associadas a tantos
82
SIMMEL, “Freedom and individual”, Op. cit., p. 222. “... throughout the modern era, the quest of the individual is for his
self, for fixed and unambiguous point of reference. He needs such a fixed point more and more urgently in view of the
unprecedented expansion of theoretical and practical perspectives and complication of life, and the related fact that be can
no longer find anywhere outside himself.”
aspectos de nossas vidas que passam a ser designadas e identificadas como próprias de outro
tipo de sociedade, a dita sociedade pós-industrial ou pós-moderna. Junto com essas ocorrências, a
consciência da individualidade vai tomando outras formas. As leituras que fazem Lipovetsky e
Maffesoli sobre o individualismo no momento atual são dois caminhos opostos de análise sobre a
questão – o primeiro partindo do indivíduo psicológico; o segundo do divino social. As duas
análises serão apresentadas a seguir.
Radicalizando a proposta simmeliana no seu viés individualista, somando a ela uma boa
dose do evolucionismo ao qual me reportei no início deste capítulo, Giles Lipovetsky vê no atual
momento de reconfiguração a exacerbação do individualismo em nossa cultura, defendendo a tese
de que este fenômeno, assim como outros, está sendo levados na esteira daquilo que ele chama
de processo de personalização. Desse modo, ele analisa, dentre outros aspectos da sociedade
pós-moderna, a efervescência religiosa dos nossos dias da seguinte forma: “É-se crente mas à
lista, conserva-se este dogma e elimina-se aquele, misturam-se os Evangelhos com o Corão, o zen
ou o budismo, a espiritualidade entrou na era caleidoscópica do supermercado e do self-service. O
turn over, a desestabilização investiu o sagrado ao mesmo título que o trabalho ou a moda durante
algum tempo cristão, alguns meses budista, alguns anos discípulo de Krishna ou de Maharaj Ji. A
renovação espiritual não resulta de uma ausência trágica de sentido, não é uma resistência à
dominação tecnocrática, mas, causada pelo individualismo pós-moderno, reproduz a sua lógica
flutuante. A atração do religioso é inseparável da dessubstancialização narcísica, do indivíduo
flexível em busca de si próprio, sem referenciais nem certezas - nem sequer a do poder da ciência
- não é de ordem diferente da atração efêmera, mas intensa por esta ou aquela técnica relacional,
dietética ou desportiva. Necessidade de o indivíduo se redescobrir a si próprio ou de se aniquilar
enquanto sujeito, exaltação das relações interpessoais ou da meditação pessoal, extrema
tolerância e fragilidade podendo consentir nos imperativos mais drásticos, o neo-misticismo
participa da gadgetização personalizada do sentido e da verdade, do narcisismo psi, seja qual for a
referência ao Absoluto que lhe subjaz. Longe de ser antinômica em relação à lógica maior do
nosso tempo, o ressurgimento das espiritualidades e esoterismos de toda espécie não faz mais do
que cumpri-la, aumentando o leque das escolhas e possibilidades da vida privada permitindo um
cocktail individualista do sentido de acordo com o processo de personalização.”83
O processo de personalização ou narcisismo, tal como foi analisado por Lipovetsky, é visto
como produto de uma cultura psi, ou seja, daquela cultura nascida da fratura da socialização
disciplinar que protegia o indivíduo ao colocá-lo num invólucro de regras e normas denominado
imaginário rigorista da liberdade.84 Localizada historicamente pelo autor a partir da década de 60,
essa cultura guarda características que levam ao extremo os valores modernos, de modo a
desfigurá-los – daí falar-se em pós-modernidade. Agora a liberdade toma como princípio a vontade
individual, dando lugar ao hedonismo, à permissividade, à procura de satisfação imediata. Na
análise de Silvana Seabra de Oliveira, significa dizer que “imperam novas regras de organização
social, um novo padrão de controle e gestão dos comportamentos: o máximo de opções e o
mínimo de austeridade; o máximo de desejo e o mínimo de constrangimento. A idéia de liberdade,
antes reservada à esfera jurídica, ao saber ou, no máximo, à economia expande-se para os
costumes e para a vida cotidiana. Debilita-se o ideal moderno de subordinação individual às
exigências da vida coletiva, solapado pelo princípio da realização pessoal e da absoluta
incomparabilidade das pessoas e da sua subjetividade.”85
Portanto, Lipovetsky admite uma superação da modernidade, mas o novo tipo histórico que
emerge dessa superação é o indivíduo narcísico ou, em outras palavras, aquele cujas
características exacerbam o individualismo moderno, tendo sido gestado ao longo dos séculos que
correspondem
à
implementação
da
modernidade
e
alcançado
seu
ápice
no
mundo
contemporâneo. O corolário mais importante dessa nova forma de individualismo é o esvaziamento
do espaço público, pois tudo passa a ser arbitrado na esfera particular. Indicadores desse
processo apontados pelo autor, são o culto ao corpo – seja nos esportes, seja nas terapias ou
técnicas curativas de cunho alternativo –, a política personalizada, enfim, a espetacularização ou
sedução como estratégias de conquista das massas. Entretanto, para Lipovetsky, persiste a
83
LIPOVETSKY, Giles. A Era do Vazio: ensaio sobre o individualismo contemporâneo. Lisboa, Editora Relógio d’água,
s/d., pp. 110-111.
É a chamada cultura do narcisismo, assim denominada por Cristopher Lasch no livro homônimo lançado em 1979, o qual,
junto com as obras de Daniel Bell, estimulam e inspiram a análise de Lipovetsky.
85
OLIVEIRA, Silvana Seabra de. Para uma releitura dos anos 70: a cultura individualista. Belo Horizonte,
FAFICH/UFMG, 1994. (Dissertação de mestrado).
84
atração pelo relacional pelo atuar publicamente, agora não mais nos padrões modernos, mas na
radicalização destes padrões. Dado o fim dos grandes ideais coletivos, orientados para a
construção, no futuro, da sociedade ideal para todos, o que importa é a luta para resolver as
questões quotidianas, o que favorece a formação de pequenas associações com interesses
superespecializados e organizados analogamente a teias ou redes de associações.
Começando por um ponto de partida oposto, mas constatando fenômenos empíricos
semelhantes àqueles descritos por Lipovetsky, a proposta de Maffesoli ancora-se na idéia de
socialidade, o que o faz ver nesses fenômenos exatamente o contrário do que viu Lipovetsky, ou
seja, o declínio do individualismo. Para ele, nos tempos que correm há uma tendência a
privilegiarmos os aspecto da experiência do grupo em detrimento dos grandes ideais universais
típicos do mundo moderno. A con-fusão – a fusão de tudo ao mesmo tempo – dos nossos dias,
em função de realidades históricas que põem em xeque os valores modernos, cria a ambiência
perfeita para as agregações sem contornos definidos, com fronteiras identitárias tênues e sem
grandes permanências no tempo – a massa. As relações que se estabelecem no seio dessas
agregações são de tipo táctil: “na massa a gente se cruza, se roça, se toca, interações se
estabelecem, cristalizações se operam, grupos se formam.”86 Esse tipo de relação opõe-se, na
visão do autor, ao individualismo moderno. Seu principal argumento para refutar a possibilidade de
exacerbação do individualismo moderno é que a modernidade opera, antes de mais nada, por
distinção. “A distinção é, talvez, uma noção que se aplica à Modernidade, por outro lado ela é
totalmente inadequada para descrever as formas de agregação social que vêm à luz.” Essas novas
formas de agregação operam através de mecanismos como a proxemia e a empatia, ou seja,
através do componente relacional da vida social constituído pelas histórias concretas vividas pelas
pessoas no seu quotidiano e por situações imperceptíveis que, juntas, formam o fenômeno macro
num processo que é, antes de mais nada, sinérgico. Esse componente é a própria trama
comunitária, onde “por sedimentação, tudo o que é insignificante – rituais, odores, ruídos, imagens,
construções arquitetônicas – se transforma no que Nietzsche chamou ‘diário figurativo’. Diário que
nos ensina o que é preciso dizer, fazer, pensar, amar. Diário que nos ensina ‘o que podemos viver
aqui, já que vivemos aqui’. Dessa maneira se forma um ‘nós’ que permite a cada um olhar para
‘além da efêmera e extravagante vida individual’, sentir-se ‘como o espírito da casa, da linhagem,
da cidade’.”87
Mas é preciso atentar que a problemática da oposição holismo versus individualismo
coloca-se numa área epistemológica bem mais abrangente, a qual nos faz confrontar com as
próprias bases de constituição da ciência moderna calcadas nas propostas de Descartes. Desse
modo, vemo-nos diante não só da dicotomia referida mas também de uma série de outras
dicotomias que vão acompanhar a história do pensamento social, quais sejam: indivíduo versus
sociedade, sagrado versus profano, normal versus patalógico, ação versus estrutura,
representação versus realidade. Não querendo repetir o esquema cartesiano das oposições
binárias, como amplamente enfatizado em outros momentos deste trabalho, precisei encontrar uma
terceira via interpretativa para compreender as relações sociais estabelecidas a partir de uma
religiosidade Nova Era e, a partir daí, repensar o individualismo. Essa terceira via, refere-se à
possibilidade oferecida pelo paradigma da dádiva – fruto das pistas teóricas deixadas por Marcel
Mauss no seu Ensaio sobre a Dádiva – que tenta substituir as oposições binárias pela lógica do
simbolismo. Não se trata apenas de entender o símbolo do ponto de vista da semiótica ou da
semiologia, mas de radicalizar o aspecto da natureza simbólica da relação social. Nesta
perspectiva, o que são símbolos “senão traduções individuais da presença do grupo por um lado, e
das necessidades diretas de cada um e de todos, de suas personalidades, de suas inter-relações,
por outro? [...] Nossas festas, explicam os neocaledônios, são os movimentos da agulha usada
para unir as partes do telhado de palha, para fazer um telhado único.”88
Na concepção de Mauss o que se verifica é a possibilidade de tradução entre os diversos
campos em que se equilibra a ação do homem em sociedade, ou seja, a interpenetração contínua
entre o utilitário e o simbólico, o interesse e o desinteresse ou entre sagrado e profano. A
conseqüência dessa postura teórica sobre o método é que os fatos sociais não podem mais ser
vistos como coisas – exteriores e coercitivas – mas como símbolos, que são totais, pois têm a
86
MAFFESOLI, Michel. O Tempo das Tribos: o declínio do individualismo nas sociedades de massa. Rio de Janeiro,
Forense Universitária, 1987, p. 102.
87
MAFFESOLI, O Tempo das tribos, Op. cit., pp. 16 e 169.
88
MAUSS, “Ensaio sobre a dádiva”, Op. cit., p. 19
possibilidade de imbricação, gradação e tradução nos diversos planos da ação. Neste ponto o que
se estabelece entre o indivíduo e a sociedade não é uma relação de distinção, um hiato que afasta
os dois pólos gestores da ação humana, mas uma relação de co-tradução. A obrigação imposta
pela sociedade permanece, mas deixa de ser vista sob uma perspectiva hierarquizante, para ser
percebida do ponto de vista de uma obrigação de liberdade. Nos termos de Karsentini, “trata-se de
superar a temática da obrigatoriedade, de romper sua função explicativa exclusiva, para chegar a
uma problemática da determinação que atue justamente como liberdade.”89 Se existe, algum
universal possível para entender a diversidade cultural criada pelo homem – aquilo que Mauss
chamou de “rochas humanas”– , este só pode ser visto como a obrigação de liberdade em dar,
receber e retribuir a dádiva nobre90. O núcleo que não varia dentre todas as morais é exatamente
aquilo que o conjunto das sociedades conhecidas afirma como desejável. Neste sentido, aquilo
que os homens devem fazer não difere daquilo que de fato já fazem. Assim, essas rochas de que
fala Mauss podem ser traduzidas num paradigma: o da dádiva, que transforma a crítica ao
utilitarismo econômico dos teóricos do final do século XIX em uma característica empírica do
comportamento humano em sociedade. Em outras palavras, nos relacionamos com o utilitarismo
performaticamente, pois este pode ser visto com maus olhos se demonstrado explicitamente. Mas,
existe pouca diferença entre o que é performance e o que é a ação de fato, pois não se deve
separar o que é do que deve ser, uma vez que é moralmente desejável exatamente aquilo que o
conjunto das sociedades conhecidas parece de fato afirmar como tal. Assim, Mauss prefere trocar
o utilitarismo – que é muito mais a interpretação utilitarista da ação – por aquilo que se apresenta
na vida real ou prática como uma certa obrigação paradoxal da generosidade. A partir desta
perspectiva, a ação social deve ser interpretada nos seus próprios termos pois, sendo sua
natureza simbólica, “encarregada de significar ativamente”, o resultado é uma amálgama de
obrigação e liberdade, interesse e desinteresse.91
De um ponto de vista epistemológico, a proposta de Mauss implica o casamento arriscado
das proposições e posturas teóricas de Durkheim e Weber, numa interpretação plural do vínculo
89
KARSENTINI apud CAILLÉ, Alain. “Nem holismo nem individualismo metodológicos”. Revista Brasileira de Ciências
Socias. São Paulo, ANPOCS, v. 13, n. 38, out/1998, pp. 5-37, p.10.
90
MAUSS, “Ensaio sobre a Dádiva”, Op. cit., p. 42-43.
91
CAILLÉ, “Nem holismo nem individualismo metodológicos”, Op. cit., p. 10 (grifos do autor).
social. A grande contribuição de Weber é mostrar como as religiões ao mesmo tempo em que
explicam a realidade, fundam também uma ética, ou racionalidade com relação a valores. Esta, por
sua vez, determina visões de mundo, desenhando para o indivíduo um quadro valorativo que
justifica suas condutas dentro e fora da esfera religiosa – as tais teias de significado, das quais nos
fala Geertz na sua interpretação de Weber. Mas esse quadro de valores é construído socialmente
– daí a importância do esquema durkheimiano. Sem querer corroborar o sociologismo já tão
criticado em Durkheim, entendo, como ele, que as representações informam as escolhas,
classificações e denominações de objetos, atos e coisas relativas ao grupo e às instituições que
compõem o tecido social, sendo expressão do que, dentro de uma coletividade, faz sentido e tem
valor. É dessa forma que a cosmologia que faz existir uma instituição social ou grupo informa as
ações dos indivíduos
e seus modos de organizar a vida quotidiana. Em outras palavras, só
podemos agir individualmente quando temos uma certa maneira de representar aquilo que somos,
aquilo que queremos vir a ser, aquilo que queremos fazer. Entretanto, na perspectiva de Durkheim,
essas representações precisam ser operacionalizadas no plano intelectual, por um lado, e, por
outro,
afetivamente sentidas. Na minha perspectiva, amparada uma vez mais por Mauss, as
representações são a própria realidade social: não há o fato e por detrás dele a representação,
pois esta já é o próprio fato.
Entendo que a proposta teórica maussiana coloca um modo outro de interpretação da
reconfiguração do sagrado no contexto das sociedades contemporâneas, possibilitando re-unir, no
sentido de pôr em comunicação, conforme o gosto do espírito de nossa época, as propostas
opostas e extremas desenvolvidas por Lipovetsky e Maffesoli, ampliando e complexificando a
apreensão e a compreensão das mudanças em curso, em particular do que diz respeito ao
individualismo. Ao “sugerir que nenhuma sociedade humana poderia edificar-se exclusivamente
sobre o registro do contrato e do utilitário, insistindo, ao contrário, em que a solidariedade
indispensável a qualquer ordem social só pode surgir da subordinação dos interesses materiais a
uma regra simbólica que os transcende”, Mauss avança e dá as bases do casamento
paradigmático entre Durkheim e Weber – que é também, em certo sentido, o casamento entre as
perspectivas de Maffesoli e Lipovetsky, levando-se em consideração a aposta coletivista e
individualista de cada um.92
O grande trunfo compreensivo oferecido pela lógica da dádiva está no fato de este
paradigma conseguir unir pontos de vista inversos, privilegiando-os numa combinação híbrida
muito boa para pensar a história como um movimento de transição, liminaridade e hibridização, e
não mais como algo que tem um curso único a ser seguido. Ademais, o modo de pensar presente
na dádiva responde pelo questionamento imposto pela pós-modernidade à modernidade sobre os
alcances lógicos de suas explicações, ou seja, sobre o engessamento que os esquemas teóricofilosóficos impunham através de sua base lógica dual – regida pelos princípios de distinção e
identidade – à própria realidade. Desse modo, Mauss demonstra, através da dádiva, que o vínculo
social é efetivado sobre bases ambivalentes dentro das quais é preciso “apostar na
incondicionalidade – pois na aliança se deve dar tudo – mas reservando-se a possibilidade de
recair, a qualquer momento na desconfiança. Ou ainda, mergulhar na incondicionalidade [...] mas
não incondicionalmente nem necessariamente para sempre. Permanecendo, pois, num éter de
ambivalência irredutível, porque constitutivo da aliança entre inimigos e rivais. Ambivalência que
explica o fato de que as dádivas obrigatórias obriguem a quem dá e a quem recebe, que sejam ao
mesmo tempo remédio e veneno, benefício e desafio, uma ambivalência própria ao regime que se
pode chamar de incondicionalidade condicional.”93
É essa incondicionalidade condicional que permite mesclar liberdade e obrigação, os dois
gestores da ação humana em sociedade, isolados esquematicamente no holismo e no
individualismo metodológicos: “a dádiva é indissociavelmente ‘livre e obrigada’ de um lado, e
interessada e desinteressada de outro. Obrigada, pois não se dá qualquer coisa a qualquer
pessoa, num momento qualquer ou de qualquer modo, sendo o momento e as formas da dádiva de
fato socialmente instituídos, como bem nota o holismo. Contudo, se se tratasse unicamente de
mero ritual e pura mecânica, expressão obrigatória de generosidade, então nada ocorreria na
verdade já que, mesmo socialmente imposta, a dádiva só adquire sentido numa certa atmosfera de
espontaneidade. É preciso dar e retribuir. Sim, mas quando, quanto, com que gestos, quais
92
CAILLÉ, “Nem holismo nem individualismo metodológicos”, Op. cit., p. 12.
entonações? Quanto a isso, mesmo a sociedade selvagem mais controlada pela obrigação ritual
deixa ainda um grande espaço para a iniciativa individual.”94 Desse modo, a lógica da dádiva
coloca numa linha horizontal a ação individual e a estrutura social, sem ter que lançar mão de um
complexo arsenal analítico, à moda das teorias sistêmicas, permitindo ver, como diria o próprio
Mauss, as coisas sociais em movimento. Aliás, pelo que se percebe de sua obra, Mauss tinha
verdadeiro horror ao espírito de sistema.
Portanto, ver holismo no individualismo, e vice-versa, não se trata de uma síntese analítica
que englobe tudo em tudo. Existem imperativos de realidade que pedem tal constatação e por mais
que estejamos ainda presos às formulações mecanicistas que o pensamento moderno nos
ensinou, devemos soltar as amarras e buscar modos de compreender as relações sociais que
sejam mais abrangentes. Invertendo e ampliando a pergunta de partida dumontiana, ou seja, como
surge o individualismo a partir de uma matriz social tipicamente holista, tentei compreender como
surge um movimento como a Nova Era, que se pauta pelo holismo numa sociedade tipicamente
individualista e como ambos os valores, antes considerados antagônicos, continuam a co-existir
numa formulação híbrida, isto é, sem uma relação hierárquica. Talvez o primeiro e fundamental
passo foi entender que o individualismo não pode mais ser pensado como mônada no sentido
clássico da unidade do UM, mas a partir de um monismo pelo simbólico que garante unidade do
UNO. É a partir disso que se torna possível ver o próprio individualismo como força de agregação
na sociedade contemporânea. Ao menos, é esta a conclusão que vem através do que assisto
acontecer no campo religioso em geral e, de maneira específica, na Nova Era, pois mantendo as
conquistas na direção da maior liberdade individual – sonho que está presente no Ocidente desde
o Renascimento –, torna-se possível usar dessa liberdade para escolhas antes inusitadas, tal como
a forma de viver o sagrado. Esse tipo de fenômeno permite uma troca de conjunção muito
significativa entre os pares dicotômicos criados sob a égide do pensamento moderno: agora, ao
invés de dizer sagrado ou profano, indivíduo ou sociedade, utilitário ou simbólico, podemos dizer
sagrado e profano, indivíduo e sociedade, utilitário e simbólico.
93
94
CAILLÉ, “Nem holismo nem individualismo metodológicos”, Op. cit., p. 15-16.
CAILLÉ, “Nem holismo nem individualismo metodológicos”, Op. cit., p. 16.
A lógica através da qual opera o errante Nova Era se insere nessa atmosfera de dádiva e é
inclusiva, e não exclusiva. Essa lógica baseia-se na experiência mística, em detrimento da crença
num sistema fechado de explicações. Dessa forma, o modo de agir nesse tipo de religiosidade não
se prende ao vínculo identitário rígido, mas à liberdade de escolha entre as diversas práticas e
formas de viver o sagrado. Daí resultam duas de suas características mais importantes –
subjacentes ao aspecto não institucional das crenças e à diversidade das práticas –: o ecletismo e
o sincretismo. O ecletismo caracteriza-se exatamente pela diversidade de possibilidades de
exercício do sagrado e, conseqüentemente, de modalidades do estar-junto. O sincretismo, por sua
vez, é a capacidade de plasmar conceitos e formas de conhecimento vindos das mais diferentes
áreas e dos mais diferentes tempos, atribuindo-lhes outros significados. Com relação a esta última
característica, Leila Amaral Luz propõe ainda que se trata de um sincretismo em movimento, pois,
além de plasmar conceitos, os buscadores da Nova Era operam um constante trânsito através da
ambiência típica do movimento, que se constitui no conjunto das diversas práticas Nova Era.
Desse modo, a autora propõe a “des-canonização da relação entre lugar e essência”, pois na Nova
Era as identidades não podem ser rigidamente demarcadas nem realizar um sincretismo como
síntese.95
Junto com os ingredientes que fazem parte do multiverso Nova Era, o individualismo,
enquanto valor, avança em relação ao individualismo qualitativo de Simmel, mas não pela direção
apontada por Lipovetsky, no sentido da personalização ou privatização do sagrado. O que importa
para os errantes da Nova Era não é relacionarem-se com os outros no afã de chegar ao inner self
(o verdadeiro eu), o que caracterizaria um relacionamento utilitarista ou hedonista em relação ao
outro e um individualismo egótico ou personalista; trata-se, isto sim, de conseguir, por forças
próprias e um trabalho curativo externo, chegar ao inner self para depois relacionar-se com os
outros (que são os outros humanos e os outros da natureza) e, nesse sentido, relacionar-se bem
com estes outros. Dessa forma, os outros já não são mais estações ao longo da estrada do
95
Segundo a autora, “o fenômeno da Nova Era coloca os interessados, desta feita, frente a algo que se diferencia de uma
unificação de discursos , no âmbito de identidades contrastivas. O esforço de cruzar e juntar domínios inusitados e, assim,
suspender dualidades, traz à tona e coloca em debate um sincretismo de novo tipo: um sincretismo em movimento. [...] O
sincretismo na religião vem deixando de ter necessária ou exclusivamente, um lugar fixo de hibridação e passou a se
constituir, também, no deslocamento de diferenças híbridas, como uma das novas condições da experiência espiritual,
neste final de século”. LUZ, Leila Amaral. Carnaval da Alma, Op. cit., p. 5.
processo de voltar-se para si, mas a própria motivação para que se coloque o pé na estrada. Vejo
esboçado aqui o antiutilitarismo prático de que fala Caillé ao ler o Ensaio sobre a Dádiva, de
Marcel Mauss. As filosofias concernentes ao movimento Nova Era, ao menos aquelas de que
tenho notícia até agora, não esboçam nenhuma característica que possa demonstrar o hedonismo
ou um senso de utilidade em relação ao outro tal como fala Lipovetsky. Nós – e aí uso
propositadamente a terceira pessoa do plural –, cientistas sociais, temos a mania de nos querer
capazes de enxergar uma realidade outra para além do que está posto na realidade mesma,
porque para nós a realidade mesma está disfarçada por representações, ideologias, pré-noções.
Penso que o Ensaio sobre a Dádiva ensina mais do que uma teoria e um método, pois coloca para
nós uma maneira diferente de nos colocarmos frente aos fenômenos que buscamos compreender:
uma maneira generosa de olhar o mundo que nos cerca. Por isso, o que vejo quando participo de
um grupo de tendência Nova Era ou quando leio um periódico de tendência Nova Era, não é
alguém querendo usurpar os outros em nome da própria felicidade, do prazer sem fim, do maior
lucro com o menor esforço; existe, isto sim, um forte componente individual, no sentido de que o
caminho de cada um só pode ser descoberto por ele próprio e de que cada um descreve uma
trajetória única, diferente de todas as demais. Muitas vezes, as vias para alcançar o verdadeiro eu
passam pelas mãos de gurus, ou guias espirituais, cuja atuação tem um caráter mágico, o que
inclui, também, troca, compra, venda de serviços etc. Mas, tal como visto no capítulo primeiro, nem
mesmo a magia pode ser vista como um fenômeno puramente individual, na medida em que ela
envolve também sentimentos e crenças que são coletivos. Portanto, estes indícios do
individualismo não podem ser vistos isoladamente, nem lidos somente pela lógica do mercado,
nem serem vistos como o fim do espaço público e da solidariedade entre os homens. Afinal, o
mercado também concentra características para além do interesse, do egoísmo e do puro cálculo
racional. Como nos diz Mauss: “foram nossas sociedades ocidentais que, muito recentemente,
fizeram do homem um ‘animal econômico’. Mas não somos ainda todos seres desse gênero. Em
nossas massas como em nossas elites, a despesa pura e irracional é prática corrente [...]. O homo
oeconomicus não está atrás de nós, mas à nossa frente, como o homem da moral e do dever,
como o homem da ciência e da razão”.96
Portanto, é preciso destacar que se cria a partir daí um tipo de sensibilidade que é, antes
de mais nada, coletiva, uma formulação da opinião pública (e não privada, como muitos insistem).
É neste sentido que posso afirmar, junto com Maffesoli, que “a sensibilidade coletiva, originária da
forma estética, acaba por constituir uma relação ética”, pois ao compartilhar um tempo comum,
com características estéticas comuns, há um voltar-se para o outro e um doar-se ao outro, que
significa compartilhar também sentimentos comuns.97 Por isso, penso ser possível falar de um
individualismo afetivo, isto é, aquele que faz com que o indivíduo seja uma unidade com o outro.
Não quero utilizar aqui de uma daquelas palavras-mestras que resolvem tudo, e sim operar um
conceito híbrido, que ressalta simultaneamente os traços do individualismo moderno e os traços da
socialidade. Trata-se portanto de unir as propostas de Lipovetsky e Maffesoli, posto que ambos
estão tratando dos mesmos fenômenos empíricos, só que com olhares diferentes. Para mim, a
possibilidade de incorporação de filosofias e práticas holistas, tomando novamente em perspectiva
a Nova Era, no universo individualista moderno só é possível porque está acontecendo uma
reconfiguração da própria ideologia moderna. Antes de ver nisto, a afinidade entre psicologismo e
alternativismo, tal como pontuou Lipovetsky, penso que as práticas psi e sua difusão são
indicadores daquela reconfiguração, no sentido de que aparecem como tentativa de “recosturar a
fragmentação”, de religar, e, nesse sentido, de promover socialidade. A análise de Cardoso Jr. e
Russo a este respeito vem ao encontro do que estou querendo dizer: “... as práticas alternativas se
aproximam mais de um paradigma propriamente religioso do que as práticas e teorias “psi”. Se
nestas o indivíduo apresenta-se como único locus possível de uma totalização e, ao mesmo
tempo, aponta para a impossibilidade de qualquer totalização, no universo alternativo o
“fechamento” de alguma forma se torna possível por remeter a alguma entidade externa ao
indivíduo, seja esta a natureza, o cosmos ou, como nos Florais de Bach, a Grande Unidade”. 98
96
MAUSS, “Ensaio sobre a dádiva”, Op. cit., pp. 176-177.
MAFFESOLI, O tempo das tribos, Op. cit., p. 27 e 38.
98
CARDOSO JR., Ewerton Meneses e RUSSO, Jane A. “Florais de Bach e o Ideário Alternativo: uma discussão preliminar”.
Policopiado, pp. 29 e 31.
97
7. Cidade, mercado e religião: comunicação em redes no mundo globalizado
Resta ainda tentar compreender o que está acontecendo no mundo hoje para corroborar
estas novas relações com o individualismo. Até agora, a discussão vem se desenrolando em nível
de conceito, e penso ser preciso trazê-la para um campo de análise mais contextual, até mesmo
para uma apreensão mais completa desse sentido agregado ao individualismo que venho tentando
destacar. Sem dúvida, o momento atual é de rearranjo; logo momento privilegiado para conhecer e
entender as forças sociais em jogo na sociedade. Talvez a palavra rearranjo pareça leve demais
para muitos, dado o hipercriticismo e a declaração do fim de tantas coisas em nossas ciências
sociais, mas, a meu ver, ela traduz um cuidado analítico condizente com um momento que se
assemelha à fase de liminaridade dos rituais de passagem, ou seja, um tempo de transição. Os
sinais mais profundos dessa transição encontram-se sobretudo nas transformações estéticas e na
oposição lógica que a pós-modernidade vem colocando ao projeto moderno. Do ponto de vista
histórico, uma boa pista para pensar o momento histórico contemporâneo pode ser
paradigmaticamente contemplada tomando-se o que acontece no âmbito das relações
internacionais: diante da necessidade crescente da expansão capitalista abrem-se caminhos para
novas formas de combinação entre o local e o global, em substituição ao conflito ideológico entre
socialismo e capitalismo que bipolarizava o mundo. Assim, o sujeito autocentrado do EstadoNação moderno descobre-se diante de um mundo globalizado em que se realçam múltiplas
identidades. O mundo globalizado impõe o adensamento dos contatos interculturais, a mesclagem
étnica e a própria fragmentação cultural. Junto com esses fenômenos e a partir deles, colocam-se
questões morais no sentido de definir coletivamente o que é certo e o que é errado. Daí, por
exemplo, é que emergem todas as discussões contemporâneas em torno do direito comunitário, ou
seja, aquele que regula a formação de blocos econômicos entre países e pensa como equacionar
o que está regulamentado a partir das realidades nacionais com a nova realidade supranacional
nascida da união dos diversos estados nacionais.
Se no plano internacional as coisas se apresentam dessa maneira, no plano nacional não é
muito diferente, até porque, lembrando a máxima da Nova Era de que tudo se conecta a tudo,
notadamente quando estamos tratando de um mundo globalizado. No Brasil, passamos por uma
reconfiguração de nossos espaços públicos. Após o longo período de ditadura militar, passados os
piores anos da década perdida e dada a nossa inserção na lógica do capital financeiro do sistema
mundial, o saldo é uma sociedade que a custo tenta encontrar a ordem democrática, ainda que
fora do campo estritamente político – daí a importância da análise do campo religioso e do campo
jurídico (sobretudo dos direitos do consumidor e dos direitos humanos), pois é aí que se esboçam
novas formas de participação dos indivíduos na esfera pública. Conforme a análise de Luiz
Eduardo Soares: “o revival do interesse intelectual, existencial e político pela ética (facilmente
identificável) ou a busca de investigações e experimentações individuais, através de terapias,
disciplinas esotéricas ou práticas alternativas, parecem expressar um amplo reconhecimento de
que dois modelos se esgotaram, pelo menos do ponto de vista das camadas médias
intelectualizadas ou daqueles sob sua forte influência: o modelo moral e religioso tradicional –
pudico, hipócrita, autoritário e machista – e o maniqueísmo simplista que o substitui
temporariamente e nos manteve na ingênua ilusão de que a ditadura encapsulara um ser coletivo
carente, sofrido, mas essencialmente benigno e civilizado, capaz de zarpar para a modernidade
laica, racional e justa ou para o paraíso da liberdade sexual e igualdade dos gêneros”99.
Além desses fatos conexos às esferas política e econômica, deve-se ressaltar também
outros – não menos importantes – como por exemplo o forte intercâmbio informacional
possibilitado pelas novas tecnologias de comunicação, as quais, além de propiciarem a formação
de uma consciência planetária, agregando novos sentidos às categorias de tempo e de espaço,
abrem-se como novos canais de encontro e de formação do vínculo societário. Em outras palavras,
a abrangência do processo de globalização abre a discussão não só do ponto de vista do mercado
e da política mas, sobretudo, do ponto de vista cultural, social e comunicacional. Não há como
confundir globalização com internacionalização das atividades produtivas e de consumo, pois
antes “é preciso examinar o que a globalização, o mercado e o consumo têm de cultura. Nada
disto existe ou se transforma a não ser porque os homens se relacionam e constróem significados
99
SOARES, “Religioso por natureza”, Op. cit., p. 190.
em sociedade.”100 Neste ponto, vejo-me assumindo o paradigma da razão simbólica como fonte de
entendimento das relações sociais.
A dinâmica do sistema global em termos de cultura, consumo, produção, valores, modos e
estilos de vida não se distribui de forma homogênea pelas suas partes constitutivas. Globalização
não significa padronização, mas diferenciação integrada.101 Portanto, tomar a globalização como
perspectiva (e não como objeto, conforme a prescrição de Otávio Velho) torna-se uma prerrogativa
essencial para entender os acontecimentos do mundo contemporâneo, dentre os quais o
fenômeno dos chamados novos movimentos religiosos.102 Nesse sentido, eles devem ser vistos
como sistemas de comunicação, ou sistemas simbólicos, que põem em contraste realidades locais
com a perspectiva global.
O espaço privilegiado para verificar tal articulação é, sem dúvida, a cidade, pois ela
emerge, neste contexto, como instância reguladora de localismos e globalidades, ou seja, como
lugar de referência para o indivíduo e suas relações societárias. Vale dizer que a cidade é lugar de
co-presença, pois é lugar de concentração humana. Mauss, ao descrever os movimentos de tribos
caçadoras no Alasca, revela o sentido deste encontro no espaço urbano: “a partir do inverno se
reconcentram naquilo que se chama de ‘cidades’. É então, durante todo o tempo desta
concentração que elas se põem em um estado de perpétua efervescência”103. Além disso, um olhar
para o urbano permite-nos ver que o rearranjo dos espaços públicos – no plano nacional e
internacional – não significa o seu fim, mas uma revisão das distinções público/privado, resultando
numa forma outra de lidar com esses espaços e atribuir-lhes significado.
Desde a gênese da sociedade moderna, tal como detectado por Weber, a organização
urbana significou um lugar central do desenvolvimento do Ocidente e esboça a crescente
valorização que a racionalidade alcança nas sociedades modernas.104 É na cidade que o mundo
moderno tem sua gênese, distinguindo-se do mundo agrário – leia-se tradicional – e tornando-se
um espaço com características peculiares, não encontrado em outros tempos e lugares históricos.
100
CANCLINI, Néstor Garcia. Consumidores e Cidadãos: conflitos multiculturais da globalização. Rio de Janeiro,
Editora da UFRJ, 1995, p. 20.
101
IANNI, Octávio. “Metáforas da Globalização”. Idéias. Campinas: IFCH/UNICAMP, Ano I, n. 1, Jan/Jun. 1994, pp. 7-21.
102
VELHO, Otávio. “Novas perspectivas: globalização”. Besta-fera: recriação do mundo: Ensaios críticos de
Antropologia. Rio de Janeiro, Relume-Dumará, 1995, pp. 221-225, p. 221.
103
MAUSS, Marcel. “Ensaio sobre a Dádiva”, Op. cit., p. 95
Do mesmo modo, acredito que a cidade aparece como o palco das transformações pelas quais as
sociedades modernas vêm passando neste final de século e de milênio e o estudo desse espaço e
das relações que o homem estabelece com ele podem ser uma das chaves de compreensão
dessas mesmas transformações. Além do mais, se tomamos as relações entre cidade e liberdade
– propostas por Simmel e também pelo já citado Weber – vemos claramente como elas estão
interconectadas à compreensão do individualismo enquanto valor, pois este, por sua vez, tem uma
relação estreita com as possibilidades de afirmação da vontade individual em oposição às forças
sociais externas105.
A relação da cidade com o meu objeto de estudo propriamente dito, ou seja, o movimento Nova
Era, faz-se a partir do momento em que meu olhar antropológico não pode prescindir de um pensar
geográfico. Assim, conforme caracterizado no primeiro capítulo deste trabalho, as principais
características da Nova Era são o caráter não institucional das crenças e a diversidade das
práticas. Ambas colocam essa forma mágica-mística-religiosa-esotérica de expressão do sagrado
dentro de um formato diferente da forma comum como costuma-se pensar a religião – ligada à
igreja; logo, ao templo. Na Nova Era a religião prescinde do templo ou do lugar, mas não de um
local, e o seu local é a cidade.106 Quando, investida desse pensar geográfico, eu me pergunto
“onde estão os meus nativos?”, a resposta é imprecisa, mas sem dúvida sugere o espaço urbano.
A resposta é imprecisa porque não posso pensar num templo como o dos católicos ou o dos
neopentecostais da Igreja Universal, onde todos que estão ali presentes podem, ao menos de
modo fugaz e transitório, ser identificados como católicos ou neopentecostais. No caso da Nova
Era, o espaço é bem mais amplo e os errantes encontram-se pulverizados nele, formando redes
cujos nódulos e interconexões fogem de qualquer modelação mais rígida, pois esta significaria
perder de vista exatamente as características centrais que fazem da Nova Era, ipsis literis, um
104
WEBER, Max. “Conceito e categorias da cidade”. VELHO, Otávio G. O Fenômeno Urbano. Rio de Janeiro, Zahar
Editores, 1973. 2. ed., pp. 68-89.
105
SIMMEL, Georg. “A metrópole e a vida mental”. VELHO, Otávio (org.). O Fenômeno Urbano. Rio de Janeiro, Jorge
Zahar Editores, 1973, 2. ed., pp. 11-25.
106
Parto das definições oferecidas por Castells entre espaço de lugares e espaço de fluxos: “o espaço de fluxos é a
organização material das práticas sociais de tempo compartilhado que funcionam por meio de fluxos. Por fluxos entendo as
sequências intencionais, repetitivas e programáveis de intercâmbio e interação entre posições fisicamente desarticuladas,
mantidas por atores sociais nas estruturas econômica, política e simbólica da sociedade.” Mas, “o espaço de fluxos não
permeia toda a esfera da experiência humana na sociedade em rede. Sem dúvida, a maioria das pessoas nas sociedades
tradicionais, bem como nas desenvolvidas vive em lugares e, portanto, percebe seu espaço com base no lugar. Um lugar é
movimento. A cidade apresenta-se, assim, como instância reguladora de fluxos e de lugares107. É
em meio ao cenário urbano e observando seu modo de funcionamento, embora criando nele novos
significados, que se constróem as redes da Nova Era, redes de solidariedade onde tudo se troca –
à maneira da lógica da dádiva – misturando interesse e desinteresse, obrigação e liberdade: “no
fundo são misturas. Misturam-se as almas nas coisas, misturam-se as coisas nas almas. Misturamse as vidas, e é assim que as pessoas e as coisas misturadas saem cada qual de sua esfera e se
misturam: o que é precisamente o contrato e a troca.”108
Cidade, mercado e religião – este é o universo de coisas misturadas, cuja compreensão é possível
muito menos pela sua separação do que pela sua apreensão assim por inteiro, como fato social
que é total. Por trás desse amálgama penso poder encontrar uma das chaves de compreensão de
como se equilibram os pares individualismo/liberdade e comunidade/processos comunicativos na
vida do errante da Nova Era. Além disso, responder à pergunta “onde estão os meus nativos?” é
também, de algum modo, identificar os errantes da Nova Era; ou seja, é, em alguma medida,
saber quem são eles. Mas desde já fica a advertência de que não se trata de emprestar-lhe uma
identidade rígida e bem delimitada, própria de uma perspectiva estritamente moderna. É preciso
destacar que na palavra identidade, como a quero utilizar aqui, “escondem[-se] negociações de
sentido, jogos de polissemia, choques de temporalidades em constante processo de
transformação, responsáveis em última instância pela sucessão de configurações hermenêuticas
que de época para época dão corpo e vida a tais identidades. Identidades são, pois, identificações
em curso.”109 Para alcançar, entretanto, tais relações é preciso primeiro lançar mão de algumas
um local cuja forma, função e significado são independentes dentro das fronteiras da contigüidade física.” CASTELLS,
Manuel. “O Espaço de fluxos”. A Sociedade em Rede. São Paulo, Paz e Terra, 1999, pp. 403-455.
107
Quando digo que o espaço urbano é o local de emergência das redes da Nova Era não estou me esquecendo das
comunidades alternativas, mais diretamente herdeiras das propostas da contracultura, situadas no campo. Dois fatos me
fazem relacioná-las ainda assim com o espaço urbano. O primeiro diz respeito à própria forma como se pode tomar
conhecimento dessas comunidades, ou seja, através da troca de informação com aqueles que estão nas redes da Nova
Era, que, por sua vez, localizam-se na cidade. Não é fato comum, por exemplo, pessoas que já residem no campo tomarem
parte neste tipo de comunidade. O segundo fato, amplamente relacionado ao primeiro, diz respeito à escolha dos errantes
por este tipo de prática. A pessoa que escolhe tomar parte numa comunidade alternativa o faz justamente em negação à
vida urbana, e, ao que me parece, a linha que separa a negação plena da afirmação plena é muito tênue. Por isso, o
contingente que vive em comunidades alternativas é formado por pessoas que viveram na cidade mas que não apreciam ou
deixaram de apreciar a vida urbana e suas implicações, preferindo assim renunciar a este espaço e fincar pé em outro que
seja a oposição perfeita deste. O que quero dizer com essas duas constatações é que o campo, enquanto lugar das
comunidades alternativas, só existe como contraponto da cidade, ou seja, em relação com a cidade.
108
MAUSS, “Ensaio sobre a Dádiva”, Op. cit., p. 71.
109
SANTOS, Boaventura de Souza. “Modernidade, Identidade e Cultura de Fronteira”. Tempo Social. São Paulo, USP, V.
os
5, n . 1-2, pp. 31-52, 1993 (editado em nov. de 1994), p. 31.
idéias já disseminadas sobre o espaço urbano em geral, procurando, é claro, relacioná-las ao meu
objeto de pesquisa. Passemos a elas.
A cidade ocidental é, para Weber, a conjunção de três aspectos, para ele essenciais, os
quais conjugados, permitem falar de um tipo ideal de cidade: o mercado, o poder e a comunidade.
A cidade figura como o lugar de mercado, um mercado local e variado que garante a satisfação
das necessidades da população; é também uma circunscrição administrativa representada por um
território politicamente delimitado e por uma organização política das relações sociais que
acontecem no interior desse território; e, por outro lado, sendo um aglomerado de relações sociais
politicamente organizadas, é uma comunidade com organização de poder. Para compreendê-la é
preciso estudar as relações de dominação das quais é palco, pois na constituição da cidade essas
relações de mando e obediência encontram uma nova forma de legitimidade: "a cidade ocidental –
nascida contra o Estado patrimonial feudal, contra o poder central do príncipe e da luta pela
autonomia e pela independência política – é o produto de uma atitude que Weber chama de
revolucionária porque portadora de uma nova legitimidade. A autonomia urbana é produto de uma
legitimidade conquistada por usurpação, bem como está na origem de uma nova forma de
sociação. É lutando contra o príncipe e sua fortaleza que as diferentes camadas sociais urbanas
em estado de defesa se unem, dando origem a todas as alianças e conjurações que caracterizam
o desenvolvimento urbano ocidental em sua fase moderna."110
A própria noção de cidadania aparece como modalidade de adesão à comunidade urbana
na cidade ocidental moderna. Ser membro da cidade, participar de sua vida, significou, do ponto de
vista histórico, deixar para trás os laços comunitários tradicionais – neste período de construção da
sociedade burguesa industrial associados a aspectos étnicos e religiosos – e
aderir às
associações, por livre escolha individual. Daí é que se diz que o homem moderno é o homem das
organizações. Exemplo dessa ruptura, que contribuirá decisivamente para a formação da
burguesia, é a oposição entre cidadão e estrangeiro. É a partir desta oposição e da gênese desta
outra forma de associação que é posto em marcha o processo de individualização decorrente da
racionalização: "através da constituição da noção de cidadania é posta em marcha a segmentação
urbana e a entronização do indivíduo como centro da ética social. Ser um cidadão a título individual
dá forma, segundo Weber, a uma cidadania revolucionária, pois ela reconhece uma primeira forma
de pertinência urbana livre, ligada a uma atividade econômica. Assim, a cidade ocidental é um
lugar de promoção social, donde o ditado, hoje clássico, ‘o ar da cidade torna livre’.”111
Em suma, aderir à comunidade urbana, no momento de constituição das cidades
modernas, significou negar os elos tradicionais étnicos e religiosos em nome de uma maior
liberdade. Esse é o processo de racionalização das relações sociais instaurado junto com a
modernidade de que fala Weber. Com ele, emerge um outro sentido de cidadania, associado à
livre escolha das organizações das quais tomar parte, escolha esta motivada por objetivos
instrumentais associados à lógica do mercado, à defesa do território e à definição jurídica das
relações sociais do ponto de vista político-administrativo; logo, em oposição aos antigos laços que
aconteciam segundo o costume ou segundo as relações de afeto, ou seja, da sociedade em
oposição à comunidade. O sentido da liberdade neste caso coloca-se dentro de uma lógica
excludente, pois tomar parte na sociedade significa renunciar a tudo que se refere à comunidade.
Essa preocupação com a liberdade é especialmente o que alimenta a reflexão de Simmel
acerca da psicologia do indivíduo na vida metropolitana, o que é facilmente compreensível se
consideramos toda a discussão do individualismo desenvolvida pelo autor. Simmel, então, tenta
descobrir como a personalidade se acomoda aos ajustamentos que precisa realizar em função de
forças externas, como as que são exercidas pela estrutura da metrópole. Na verdade, reinstaura-se
nesta discussão o dilema clássico da sociologia, que se coloca como um problema moderno (leiase: de compreensão das sociedades modernas), da relação entre indivíduo e forças sociais e seu
corolário mais evidente: as relações entre liberdade e coerção. Segundo Simmel, “o século XVIII
conclamou o homem a que se libertasse de todas as dependências históricas com relação ao
Estado e à religião, à moral e à economia.”112 Junto com estas modificações, surgiu a divisão
complexa do trabalho social, que coloca cada indivíduo exercendo uma função diferenciada na
sociedade e necessariamente interagindo com outros indivíduos para a produção de riquezas.
110
PEREZ, Léa Freitas. “Dois olhares sobre o urbano: Max Weber e a Escola de Chicago”. Veritas. Porto Alegre, v. 39, n.
156, dez/1994, pp. 621-637, p. 625.
111
PEREZ, “Dois olhares sobre o urbano”, Op. cit., p. 626.
112
SIMMEL, “A metrópole e a vida mental”, Op. cit., p. 11.
Assim, cada indivíduo, ao mesmo tempo que se torna indispensável ao processo produtivo, tornase integrado à comunidade de pessoas que como ele dependem uns dos outros. A diferenciação e
a interdependência são as duas faces do processo de individualização que colocam o indivíduo em
constante relação com a sociedade, impedindo inclusive que esta se desagregue.
Mas a multiplicidade de imagens da vida metropolitana designa para o homem que vive na
cidade a base psicológica dessa individualidade. Em outras palavras, a metrópole realiza uma
intensificação de estímulos nervosos para o habitante citadino de modo a fazê-lo criar um
mecanismo de defesa à multiplicidade de imagens que para ele se apresentam: “com cada
atravessar de rua, como o ritmo e a multiplicidade da vida econômica, ocupacional e social, a
cidade faz um contraste profundo com a vida de cidade pequena e a vida rural no que se refere
aos fundamentos sensoriais da vida psíquica.”113 Diante dessa diversidade de imagens e desses
estímulos, muitas vezes contraditórios e que apelam para as profundezas da mente, torna-se
necessário agir com a cabeça, e não com o coração, o que propicia o processo de racionalização.
Além disso, a economia ocupa um lugar central na cidade, tal como pontuado por Weber. E a
lógica do mercado não leva em consideração as peculiaridades de cada um dos habitantes
metropolitanos; ao contrário, tudo e todos são lançados dentro da lógica comum do quanto vale. A
economia monetária e o domínio da lógica racional excluem as relações emocionais, pessoais e
íntimas do espaço urbano. Nele, ao contrário, o homem é um número, e a produção para o
mercado evita contatos e relações pessoais entre consumidores e fornecedores de produtos, o que
abre espaço para o egoísmo econômico e intelectualmente calculista. É a lógica do contrato. O
anonimato decorrente dessa lógica empresta ao homem metropolitano,
“através da natureza
calculativa do dinheiro, uma nova precisão, uma certeza na definição de identidades e diferenças,
uma ausência da ambigüidade nos acordos e combinações surgiram nas relações de elementos
vitais – tal como externamente esta precisão foi efetuada pela difusão universal dos relógios de
bolso.”114
Assim, as próprias condições de vida na metrópole exigem essa sincronia plena, pois uma
das conseqüências da divisão do trabalho, a partir do capitalismo industrial, é a interdependência
113
SIMMEL, “A Metrópole e a Vida Mental”, Op. cit., p. 12.
entre as diversas funções então criadas. A marcação/organização rígida dos encontros sociais é
uma necessidade estrutural da sociedade capitalista e ganha cada vez mais importância à medida
que esta se complexifica. Nas sociedades modernas ocidentais o tempo do trabalho exerce um
papel estruturador de horários e calendários, e instaura-se no cerne de nosso quadro valorativo,
conferindo significação para nossas ações cotidianas: “pontualidade, calculabilidade, exatidão são
introduzidas à força na vida pela complexidade e extensão da existência metropolitana e não estão
apenas muito intimamente ligadas à sua economia do dinheiro e caráter intelectualístico. Tais
traços também devem colorir o conteúdo da vida e favorecer a exclusão daqueles traços e
impulsos irracionais, instintivos, soberanos que visam determinar o modo de vida de dentro, ao
invés de receber a forma de vida geral e precisamente esquematizada de fora.”115
A lógica do dinheiro e a vida intelectual intensa culminam naquilo que Simmel chama de
atitude blasé, o mecanismo de defesa contra os estímulos contrastantes que são impostos na vida
urbana. A conseqüência da adoção dessa atitude é uma espécie de embotamento crítico, ou seja,
uma falta de sensibilidade para perceber as distinções entre as coisas e as pessoas, com um
predomínio das coisas sobre as pessoas. Tudo passa a ser nivelado pela lógica do quanto vale.
Em correspondência com essa autopreservação em relação às imagens da cidade, o indivíduo
desenvolve uma atitude social de reserva, a qual o faz parecer frio e indiferente. A reserva e a
indiferença desdobram-se em uma forte impressão de independência do indivíduo, implicando
dois sentimentos contraditórios: de ampliação da liberdade de forma quase ilimitada; e de solidão
em meio à multidão. Mas, “o ponto essencial é que a particularidade e incomparabilidade que, em
última análise, todo ser humano possui sejam de alguma forma expressas na elaboração de um
modo de vida.”116 A liberdade da cidade é, portanto, marca do próprio estilo de vida metropolitano.
Ao contrário da atitude blasé descrita por Simmel, segundo a qual as pessoas tendem a
criar um mecanismo de defesa em relação à intensificação dos estímulos visuais presentes na vida
metropolitana, o flâneur, figura desenhada por Walter Benjamin a partir da poesia e do estilo de
vida de Charles Baudelaire – o poeta da modernidade –, tem uma atitude altamente receptiva em
relação a essas imagens. Ele se alimenta delas, faz delas a sua diversão, o seu modo de
114
SIMMEL, “A Metrópole e a Vida Mental”, Op. cit., p. 14.
encontrar-se com o mundo, de sentir-se em casa num mundo que lhe parece estranho. Até
mesmo Simmel, partidário do blaseísmo, enxerga no processo de urbanização e nas relações
psíquicas do indivíduo com esse processo, a preponderância cada vez maior do ver sobre o
ouvir.117 Assim, o flâneur exercia prazerosamente o exercício do olhar. Olhava a paisagem
preenchida pela multidão, pois pretendia distinguir tão sutilmente aquelas pessoas, segundo as
suas diversas camadas, como faz um geólogo ao estudar formações rochosas. Pretendia
identificar os vários tipos de habitantes (personagens) da cidade que se confundiam na multidão:
durante o dia, os funcionários públicos, comerciantes, advogados e operadores da bolsa; e a
gentalha da vida noturna: bêbados, prostitutas, miseráveis. Além desses personagens-habitantes,
havia também os transeuntes que se perdiam na multidão, geralmente pessoas excluídas da nova
lógica urbana, mas que ainda buscavam espaço para nela se encaixarem, a exemplo dos
desempregados. O flâneur simplesmente observava do lado de fora as figuras que faziam parte do
mundo urbano, pois não admitia de forma alguma privar-se de sua privatização, ao mesmo tempo
que sobrevivia perdendo-se nos espaços públicos. Ocioso, caminhava como se fosse uma
personalidade: assim era o seu protesto contra a divisão do trabalho, que transformava as pessoas
em especialistas e impunha a operosidade e a busca frenética por eficiência. Por volta de 1840 era
moda, entre os adeptos da flânerie, levar tartarugas a passear pelas passagens, pois eles
gostavam de deixar que seu ritmo fosse ditado por elas. Se dependesse deles, o progresso teria
de aprender esse passo. Mas não foram eles quem nisso tiveram a última palavra: foi Taylor (o
teórico da administração) que transformou em palavra-de-ordem o “viva a eficiência”. Deste modo,
a flânerie pode ser vista como protesto à ordem imposta pelos tempos modernos.
Portanto, a imagem do flâneur evidencia, já no século XIX, um tipo de relação possível no
espaço urbano que combina o uso pleno da liberdade para além do interesse e da racionalidade
instrumental, através de uma linguagem própria para comunicar um certo estilo de vida. Acho que
a analogia neste aspecto é possível em relação aos errantes citadinos da Nova Era, pois, ao
115
SIMMEL, “A Metrópole e a Vida Mental”, Op. cit., p. 15
SIMMEL, “A Metrópole e a Vida Mental”, Op. cit., p. 21.
Segundo Simmel, as principais causas da hegemonia da visão sobre os outros sentidos são os meios de transporte
público. No século XIX, antes do desenvolvimento dos ônibus, dos trens, dos bondes, as pessoas não conseguiam ficar
diversos minutos ou até horas tendo de se olharem umas às outras sem se dirigirem a palavra como o fazem naqueles
meios de transporte urbanos.
116
117
contrário de entrar na lógica do mercado, transformando sua fé em mercadoria – como querem
muitos –, eles conseguem usar o mercado com um sentido completamente diferente do
convencional, e assim negam o cálculo, o pragmatismo, a lógica instrumental. Sua atitude não é
completamente desinteressada, à maneira da karmayoga para os hindus, mas sim revestida de um
interesse que combina racionalidade e generosidade, onde se busca a celebração, a festa, o pleno
gozo da vida, o prazer estético, mas não solitário ou egoísta, e sim em relação harmônica com a
divindade que existe nos outros. Nesse sentido, há uma diferença brutal entre o errante da Nova
Era e o flâneur do século XIX. Este último é o andarilho solitário das passagens, dos cafés, das
casas comerciais – aquele que busca estar sozinho para observar a multidão. É o caso extremo do
individualismo qualitativo de que fala Simmel, no qual vale a individualidade pela diferença. São
bem diferentes os errantes da Nova Era que, mesmo sendo andarilhos cujas trajetórias são únicas
e incomparáveis, querem encontrar os nós das redes de solidariedade e juntar-se aos outros
andarilhos como eles, para celebrar e trocar as experiências adquiridas em cada uma dessas
trajetórias.
Vale chamar a atenção para o modo típico do flâneur de olhar o espaço urbano, pois creio
que podemos encontrar aí mais algumas analogias. O flâneur vê a cidade com um olhar, antes de
mais nada, de estranhamento. Mais do que as mudanças empíricas que marcam a constituição do
espaço urbano no século passado, Benjamin destaca a forma nova como as pessoas passam a
olhar a e viver na a cidade.118 A vida quotidiana metamorfoseia-se num permanente espetáculo –
ao menos no olhar do flâneur. Penso que também podemos ver assim a forma como os errantes
da Nova Era tentam lidar com o espaço urbano. Seu olhar para a cidade, que se traduz em modo e
estilo de vida, é uma espécie de halo reconciliador, pois não se reveste de um discurso
revolucionário no sentido de querer mudar essa estrutura muitas vezes estressante, mas de tentar,
por outros meios, usufruir uma vida melhor nessa estrutura tal como ela se apresenta.
Se a aproximação dos errantes da Nova Era à figura do flâneur – o errante citadino da
Paris do século passado – faz-se pelo modo análogo como ambos lidam ludicamente com o
118
A mudança empírica à qual me refiro é a própria constituição de Paris como metrópole moderna. Sem as passagens e
calçadas criadas na arquitetura de Haussman a flânerie não seria possível. Sem a literatura panorâmica (obras coletivas,
elaboradas à maneira do folhetim) a flânerie não seria possível. Do mesmo modo que sem colocar o pé no mercado,
espaço urbano, essa aproximação é possível também porque o flâneur é, de certa forma, um
estrangeiro, ao menos pelo seu modo de olhar o mundo pelo lado de fora. Basta lembrar que o tipo
social correspondente ao estrangeiro revela, segundo Simmel, que “este [o estrangeiro] é por
assim dizer o viajante potencial: embora não tenha partido ainda não superou completamente a
liberdade de ir e vir. Fixou-se em um grupo espacial particular, ou em um grupo cujos limites são
semelhantes aos limites espaciais. Mas sua posição no grupo é determinada, essencialmente, pelo
fato de não ter pertencido a ele desde o começo, pelo fato de ter introduzido qualidades que não
se originaram nem poderiam se originar no grupo.” É exatamente essa ambigüidade de “ser o que
não se é” – no sentido de não ser possível viver uma essência enquanto mônada ou totalidade –
que revela a característica mais marcante daquilo que pode ser adjetivado como Nova Era, ou
seja, o desejo da eterna busca de uma essência fundada no relativismo que congrega o diverso,
ao invés de demarcar uma identidade.
Além do mais, o estrangeiro é marcado pela mobilidade, pois ele não é proprietário de
terra – no sentido figurado de possuir uma “substância vital que é fixa”. Assim, “a pessoa
fundamentalmente móvel entra ocasionalmente em contato com todos os elementos do grupo, mas
não está organicamente ligada com qualquer deles por laços estabelecidos de parentesco,
localidade e ocupação.”119 Traduzindo o termo mobilidade pelo termo errância, torna-se facilmente
perceptível como essa característica está presente naqueles que tomam parte da Nova Era. O
movimento de busca de uma essência que não existe em si mesma caracteriza os errantes como o
centros ou nódulos de várias redes, cujas ligações se dirigem em múltiplas direções,
transformando o vínculo social em fruição constante, em ato comunicativo (como veremos no
próximo capítulo, através da análise das correspondências retiradas da revista Planeta). Portanto,
o errante não está ligado ao grupo organicamente, mas redianamente – para imitar a brincadeira
de Pierre Weil, líder da Universidade Holística de Brasília, quando ele diz “o verbo a conjugar é o
verbo rediar.”120
aproveitando o fascínio descomprometido pelas imagens urbanas, ou seja, compreendendo o mercado e o consumo, não
seria possível entender o ponto de vista deste personagem.
119
SIMMEL, Georg. “O Estrangeiro”. MORAES FILHO, Evaristo. Simmel. São Paulo, Ática, 1983, pp. 165-181. (Coleção
Grandes Cientistas Sociais), p. 182 e 184.
120
Weil apud LUZ, Carnaval da Alma, Op. cit., p. 342.
Outra marca do estrangeiro é a objetividade, pois ele está fora das redes dos interesses
localizados (de família e partido, por exemplo), o que lhe confere um misto de indiferença e
envolvimento capaz de formar um senso crítico para ler a realidade do grupo, de certa forma
melhor do que um próprio membro. A objetividade sugere, portanto, uma possibilidade de
participação e recepção ativa no seio do grupo: “assim como a objetividade de uma observação
teórica não se refere à mente como uma tabula rasa passiva onde as coisas inscrevem suas
qualidades, mas, ao contrário, refere-se à sua atividade total que opera segundo suas próprias leis,
e à eliminação, através disso, de ênfases e deslocamentos acidentais, por meio dos quais as
diferenças individuais e subjetivas produziriam retratos diferentes do mesmo objeto.” Deste modo,
“a objetividade também pode ser definida como liberdade: o indivíduo objetivo não está amarrado a
nenhum compromisso que poderia prejudicar sua percepção, entendimento e avaliação do que é
dado.”121 Essa qualidade – a objetividade – pode ser observada no errante da Nova Era a partir de
sua rejeição a qualquer enquadramento mais rígido da conduta dentro de dogmas e ortodoxias, ou
seja, dentro de uma interpretação que se firma como a autorizada, até mesmo porque o
conhecimento de cada um se constrói a partir da bricolage de diversos sistemas simbólicos que
não coincidem inteiramente com os dos outros. A negação do vínculo institucional, marca da
concepção mais corrente de religião, é o que incomoda o errante Nova Era. A liberdade e a
necessidade de traçar um caminho próprio são valores para ele imprescindíveis na definição de
suas práticas como religiosas, no sentido de que os põem em ligação com o sagrado que está em
si, no outro e no universo.
A problemática anunciada por Simmel no início do século sobre o urbano, em certa medida
combinando-se com as reflexões de Weber, atualiza-se à proporção que se complexificaram as
sociedades modernas ao longo deste século. Conforme destacou Gilberto Velho, nas sociedades
complexas há uma coexistência de diferentes modos e estilos de vida e visões de mundo dentro de
um mesmo espaço: o espaço urbano. Entretanto, permanece a possibilidade de as pessoas
participarem, em momentos específicos, da mesma província significativa (Schutz) ou rede de
significados (Geertz), que um determinado evento ou fenômeno engendra, sem que estejam
121
Simmel, “O Estrangeiro”, Op. cit. 184 e 185.
necessariamente ligadas por vínculos perenes ou identidades rígidas. Essas pistas levantadas a
partir de Schutz e Geertz, junto com os acontecimentos históricos que se processaram no decorrer
do século XX, acenam para a necessidade de que as propostas de Simmel e Weber fossem
atualizadas, sobretudo a partir do modelo de redes. Ainda segundo Gilberto Velho, as atualizações
realizadas pelos estudiosos da sociedade urbana “mostraram, entre outros fatos, a existência de
redes de relações – networks – que atravessavam o mundo social de modo horizontal e vertical.
Ou seja, por mais significativas e inclusivas que pudessem ser categorias como família e
parentesco, bairro e vizinhança, origem tribal e/ou étnica, grupos de status, estratos e classes
sociais, registravam-se circulação e interação sociais associadas a experiências, combinações e
identidades particulares, individualizadas. O mercado e o trabalho, a vida política com suas
transformações são, sem dúvida fatores estimulantes dessas “travessias sociológicas” com
maiores ou menores custos individuais e sociais.” 122
A sociação, neste caso, acontece segundo critérios relativos de tempo e espaço que
permitiriam falar em momentos-comunidade, os quais podem acontecer nos mais diversos pontos
do espaço urbano (de certa forma protegidos pelo anonimato) e sem horários ou marcações
rígidas de calendário. São momentos nos quais emergem as redes de solidariedade, que
transformam indivíduos isolados numa comunidade afetiva fundada sob um universo simbólico
comum, evidenciando alguns de seus nódulos123.
8. Novas relações, antigos valores? O individualismo afetivo
É neste ambiente de redes de relações que o espaço urbano contemporâneo se constitui
como uma arena aberta à comunicação (dádiva de informações). Em outras palavras, a
comunicação torna-se possível, pois o espaço urbano é o ambiente comum que esta comunicação
122
VELHO, Gilberto. “Unidade e fragmentação em sociedades complexas”. Duas Conferências. Rio de Janeiro, Câmara de
Estudos Avançados/FCC/UFRJ, 1992, pp. 13-46, p. 28.
123
Conforme narra Gilberto Velho, a propósito de demonstrar a pluralidade de estilos e visões de mundo coexistentes nas
sociedades complexas, a “incorporação” de um “preto velho” por um senhor (médium/”cavalo”) no calçadão de Copacabana
foi um evento capaz de reunir os mais diferentes tipos de pessoas: senhoras, jovens, homens, estudantes, motoristas e
trocadores, funcionários, negros e brancos. Todos queriam consultar a “entidade” que tão inesperadamente “baixou” ali
naquele senhor. Foi preciso organizar uma fila, pois os curiosos não paravam de se aproximar, e só depois de uma hora,
terminado o transe, as pessoas se dispersaram e o próprio médium tomou um ônibus e foi embora.
pressupõe conforme nos mostrou Schutz: “esse ambiente comum é estabelecido pela
compreensão que, por sua vez, se fundamenta no fato de que os sujeitos motivam-se
reciprocamente em suas atividades espirituais. Assim, originam-se os relacionamentos de
compreensão
mútua
(Wechselverständnis)
e
o
consentimento
(Einverständnis)
e,
consequentemente, um ambiente comum de comunicação.” Compreensão mútua implica a
comunhão de um código, de uma linguagem cujos termos façam sentido e, diga-se de passagem,
façam preferencialmente o mesmo sentido para os envolvidos no processo comunicativo, pois
consentimento é co-sentimento, ou seja, é sentir junto com o outro.
Por isso, chamo o individualismo que a Nova Era representa de afetivo, pois trajetórias
individuais entrecruzam-se através de atos comunicativos. Nele, biografia e história encontram-se
de maneira evidente, reconstruindo isso que chamamos, não sem controvérsia, de cultura. Desse
modo, “em potencial, cada um de nós pode voltar à sua vida consciente passada e ir tão longe
quanto vai a lembrança enquanto nosso conhecimento do outro permanece limitado ao segmento
de sua vida e suas manifestações observados por nós. Nesse sentido, cada um de nós sabe mais
sobre si próprio do que sobre o outro. Mas, num sentido específico, o contrário é verdade. Na
medida em que cada um de nós pode vivenciar os pensamentos e atos do outro no presente
vívido, enquanto que ambos só podemos captar os nossos próprios atos no passado, por meio de
reflexão, sei mais do outro e ele sabe mais de mim do que cada um de nós sabe sobre sua própria
corrente de consciência. Esse presente comum a ambos, é o campo puro do ‘Nós’... Nós
participamos... sem um ato de reflexão, da simultaneidade vívida do Nós, enquanto o Eu só
aparece até o retorno reflexivo... Nós não podemos captar nosso próprio agir em seu presente real;
podemos apenas captar aquele passado de nossos atos que já foram; mas vivenciamos os atos do
outro no seu desempenho vívido”124.
Nesse sentido, a cidade surge no mundo contemporâneo como lugar ideal para manter
alguns valores universais, poupando o indivíduo de um sentimento de desencontro frente à
pluralidade da vida planetária. Segundo Borja, “o século XX, que está se finalizando, é o século
das cidades. O século XXI será urbano e o progresso econômico, o bem-estar social e a
124
Schutz, Fenomenologia e Relações Sociais, Op. cit., p. 163.
integração cultural dos povos determinar-se-ão, em grande parte nas cidades.”125 O espaço da
afetividade, modernamente confinado aos grupos sociais primários, estende-se agora para a
cidade, que se oferece como palco para a formação de grupos para os quais o lugar representa o
próprio laço social, pois é ele que torna possível o desfile das diversas tendências e estilos de vida
sem choques, e até mesmo promovendo encontros entre essa diversidade nos nós das diversas
redes sociais. Enfim, o lugar é produto e ingrediente da vida quotidiana, pois ele é cenário e
também ator das relações sociais que nele se apresentam. O local apresenta-se assim como fator
de socialidade, ou conforme Rubim: “como lugar privilegiado da vida e suas relações (sempre
impregnadas de pessoalidade). É o lugar dos laços afetivos, do aconchego, das emoções da
energia vital, do sentir-se em casa. É o lugar por excelência, de realização do (con)viver, do
compartilhar a vida, da vida em comum, da comunidade de ação e da fala (comunicação, em
suma), enfim, da comunidade que se faz identidade.”126
Como se vê, as fronteiras da casa ou do espaço privado ampliam-se e as fronteiras do
Estado (enquanto delimitação política que se fazia também delimitação identitária) tornam-se mais
fluidas, transformando as cidades na representação mais concreta de quem somos, além de lugar
do encontro, do estar-junto. Mas as fronteiras da cidade são o próprio mundo globalizado através
da comunicação social e também mediática; ou seja, são as fronteiras do cosmopolitismo. A
comunicação pode acontecer através de sistemas informáticos de redes, pelo consumo de
sanduíches McDonald’s ou pela formação de redes de solidariedade em torno do que globalmente
julga-se importante, como é o caso das redes de solidariedade de caráter religioso, exemplificada
aqui pela Nova Era. O espaço urbano é, neste sentido, um conjunto de nós pertencentes a
diversas redes, um conjunto de sujeitos que co-existem num mesmo espaço físico mas que
pertencem a diferentes redes, cujos interesses podem divergir ou convergir – fato que torna
inviável uma apreciação sistêmica dessas redes de relacionamentos. De tudo o que foi dito importa
reter apenas como essa situação corrobora a sobrevivência do espaço público, ainda que sob uma
outra forma, uma forma que, ao contrário do que se valorizava na modernidade, está fora da esfera
125
BORJA, Jordi. “As Cidades e o Planejamento Estratégico: uma Reflexão Européia e Latino-Americana”. FISCHER, Tânia
(org.). Gestão Contemporânea: Cidades Estratégicas e Organizações Locais. Rio de Janeiro, Fundação Getúlio Vargas
Editora, 1996, pp. 79-99, p. 79.
política exclusivamente, embora não exclua essa esfera também como um espaço de ação. A
cidade contemporânea religa, assim, os sentidos da palavra cidade (aglomeração de famílias e
tribos) e da palavra urbe (local sagrado de reunião, santuário) que eram distintos no mundo antigo
e que foram fundidos de modo unilateral no mundo moderno.
Por isso, insisto uma vez mais que dizer que a Nova Era é a religiosidade do eu pode ser
uma afirmação perigosa, pois é preciso antes qualificar o que é este eu. Por tudo o que foi visto,
creio ter mostrado que este eu é um eu de comunicação e não de egoísmo e autocentramento
puros. Ademais, este eu só se constitui nos seus relacionamentos com os outros, relacionamentos
estes que têm componentes inseparáveis de interesse e desinteresse, de obrigação e liberdade,
cuja (des)construção, através de análise empírico-etnográfica, será feita a seguir.
126
RUBIM, Albino. “Métropole: Lugar de Conviver, Televiver e Ciberviver”. FISCHER, Gestão Contemporânea, Op. cit.,
pp.73-76, p. 74/75.
TERCEIRO CAPÍTULO
COMUNIDADE EM AÇÃO RUMO À NOVA ERA
“Nós (a indivisível divindade que opera em nós) temos sonhado o mundo, mas temos consentido em sua arquitetura
tênues e eternos interstícios de desrazão para saber que é falso.”
Jorge Luís Borges
“O amanhã já começou, está se delineando uma situação planetária que já superou as barreiras erguidas
pelas ciências e pelas políticas tradicionais, o mundo do futuro, que vai se esboçando nas propostas e nas
realizações da ciência hodierna, será mais vasto, imprevisível, rico e poético do que podemos imaginar;
territórios insuspeitados serão conquistados pelo homem, os reinos entrevistos pela magia e pela Cabala, pela
astrologia e pela literatura de profecia, poderão coexistir com os territórios descobertos pela ciência;
preparemo-nos, adaptemo-nos a essa nova época, aprendamos a ler nos fragmentos do presente o mais
completo desenho de um amanhã diferente. E sobretudo não renunciemos a qualquer suspeita, a qualquer
hipótese. A tarefa da imaginação hoje é justamente instaurar uma ‘corajosa tolerância de todo o fantástico’.”
Umberto Eco, comentando o espírito da revista Planeta
Neste capítulo, dedicar-me-ei à análise do discurso propriamente dito daqueles que
participam das redes Nova Era. Para tanto, é sempre útil precisar de novo a pergunta central da
investigação. Conforme venho mostrando, o objeto desta pesquisa são os processos de
comunicação entre aqueles que tomam parte da chamada Nova Era. Parto da hipótese de que
estes processos de comunicação indicam, ao contrário do que vem se afirmando como uma
possível exacerbação dos valores modernos, de modo geral, e do individualismo, em especial, que
estamos presenciando uma reconfiguração de tais valores, que vem alterando os conteúdos
significativos das relações sociais. Entendo que os novos movimentos religiosos, especialmente
aqueles de cunho internacional e cosmopolita, como a Nova Era, que eclodem neste fin-de-siècle,
em que há toda uma rediscussão e, mesmo, um questionamento do projeto civilizatório moderno,
surgem a partir da diluição dos grandes referenciais que se configuravam como sistemas
explicativos da realidade – o Cristianismo e a Ciência –, engendrando explicações outras para as
novas relações sociais que ora se apresentam. Os processos comunicativos que tomo para
análise, estão, ao mesmo tempo, na origem e no fim deste rearranjo geral dos valores, e não
podem ser explicados pelos modelos de comunicação convencionais, mas pela formação de redes
de solidariedade, nas quais a troca de informações não tem um sentido linear, mas multidirecional.
Os participantes dessas redes, ao trocarem informações, estão vivenciando o próprio estar-junto
e, mais do que isto, estão afirmando uma referência identitária, não se tratando, entretanto, de
identidades rígidas e bem definidas, mas de identificações em curso que conformam um tipo de
vínculo social peculiar ao mundo contemporâneo.
A comunicação no mundo moderno e contemporâneo
A
comunicação
ocupa
lugar
privilegiado
nas
sociedades
modernas
ocidentais.
Acompanhando a evolução do capitalismo, notadamente a partir da Revolução Industrial, a
comunicação tornou-se indispensável para a circulação de bens, idéias e serviços. Isto foi possível,
em grande parte, graças ao desenvolvimento de técnicas de reprodução sofisticadas e
automatizadas, que se aprimoraram desde a prensa de Gutemberg até as modernas máquinas
informáticas com capacidade de formar as redes dos nossos dias. Além disso, a própria
estruturação das ditas sociedades modernas, em que a urbanização crescente e a centralidade do
trabalho industrial ganharam força sobre outras formas de distribuição espacial e de produção de
riquezas, colocou a comunicação num lugar privilegiado já que se tornou uma conseqüência e uma
necessidade dessa estrutura social, a exemplo das estradas, das malhas ferroviárias, das rotas
aéreas, dos correios e telégrafos, da telefonia, dos satélites, das redes de computadores, do jornal,
do rádio e da televisão, dentre outros. Dessa forma, nas sociedades contemporâneas a
comunicação segue sua trajetória como epíteto da ordem sociocultural. A intensificação dos
contatos culturais possibilitados pelo avanço tecnológico e pela globalização econômica que,
juntos, transformam o mundo numa aldeia global, faz repensar os próprios paradigmas teóricos da
comunicação, em face da necessidade de compreensão deste mundo outro que se ergue a partir
das/contra as estruturas das sociedades industriais.
Desde já, é importante esclarecer o próprio conceito de comunicação e as perspectivas
processual e relacional que sua operacionalização tem neste trabalho, pois existe uma tendência
no campo da teoria da comunicação em restringir seu escopo analítico aos meios de comunicação
de massa, pressupondo que estes são poderosíssimos e subjugam, por meio da manipulação, os
receptores passivos de suas mensagens. Esse tipo de tendência coloca dois problemas que
precisam ser discutidos antes da análise de discurso que me proponho fazer. Afinal, optei por
processos comunicativos que acontecem num meio de comunicação de massa. São eles:
1. Será possível estabelecer uma associação unívoca entre comunicação de massa e
comunicação social?
2. Qual é a medida real do poder dos meios de comunicação sobre seus públicos?
Baudrillard – o apocalíptico – aponta para a diferença entre massa e social, postulando que
a emergência da massa nas sociedades modernas significou o fim do social. Para ele, o que
ocorreu foi a afirmação do individualismo, do atomismo individual. Utilizando a figura do buraco
negro para representar a massa, Baudrillard destaca o modo acrítico com que ela absorve e digere
tudo quanto lhe é oferecido, de forma tal que os efeitos do processo comunicativo tornam-se
irrecuperáveis para o emissor: "o vácuo social é atravessado por objetos intersticiais e
acumulações cristalinas que rodopiam e se cruzam num claro-escuro cerebral. Tal é a massa, um
conjunto no vácuo de partículas individuais, de resíduos do social e de impulsos indiretos: opaca
nebulosa cuja densidade crescente absorve todas as energias e os feixes luminosos circundantes,
para finalmente desabar sob seu próprio peso."127 O que se depreende é que as massas atraíram
para seu interior o social e, tal como fazem os buracos negros, transformaram-no em algo obscuro
e inacessível. Mas será possível crer numa cultura de massa ubíqua e onipotente capaz de
esmagar toda e qualquer forma de vínculo social? Se isso fosse verdade, talvez se pudesse crer
que a comunicação social morreu junto com o social e que para as massas só resta a comunicação
pelos mass media.
Por outro lado, na perspectiva maffesoliana, já bastante explorada no capítulo anterior, a
massa, ao contrário, representa o lugar do encontro, do encontro, inclusive corpóreo, no qual a copresença tem maiores condições de acontecer. Conseqüentemente, a massa torna-se o lugar
privilegiado da sociação entre as pessoas128.
Vejo no quadro descrito um dos principais problemas dos estudos de comunicação que
remetem à segunda questão, ou seja, o privilégio que é conferido ao ponto de vista do emissor e a
quase desconsideração em relação ao campo da recepção, ou a consideração deste último como
um campo passivo. Além disso, a confusão entre comunicação social e comunicação pelos mass
media coloca fortes entraves ao estudo da comunicação nos dias atuais, em que os meios são
cada vez mais substituídos pelas mediações. Um exemplo de que a concepção de comunicação
está contaminada pelo paradigma da comunicação pelos mass media é a discussão acerca do
impacto de novas tecnologias, sobretudo em informática, nas diversas sociedades, capitaneando o
chamado processo de globalização. As conclusões até agora são bastante lacônicas e justificamse pela impossiblidade de teorizar sobre um mundo que se desintegraliza sobre si mesmo diante
de equipamentos que se renovam de forma ultra rápida e requerem/impõem novos modos de
relacionar-se com eles, novos modos de relacionamento para as pessoas que deles se utilizam.
Ora, é preciso reter disto tudo – transformações, crises, inovações etc. – que o ser humano que
está produzindo estes meios e se utilizando deles é o agente de seu próprio mundo.
127
BAUDRILLARD, Jean. À Sombra das Maiorias Silenciosas. São Paulo, Editora Brasiliense, 1985, p. 11.
O grande problema das abordagens acerca dos processos comunicativos tradicionais é
que eles invertem a importância dos elementos neles envolvidos. Há uma supervalorização do
meio em relação à mensagem e em relação às pessoas concretamente envolvidas no processo.
Os estudos realizados pelo sociólogo canadense McLuhan contêm interessantes insights sobre a
comunicação de massa, mas, infelizmente, associam-se inevitavelmente ao campo da emissão em
detrimento da recepção, o que pode ser facilmente comprovado por sua célebre fórmula: "o meio é
a mensagem". Isso significa que uma mensagem pode ter efeitos diversos sobre a sociedade e
seus membros de acordo com o tipo de veículo usado como suporte em sua transmissão. "Num
sentido mais amplo, que o modo de transmissão da cultura influencia essa cultura e, por
conseguinte, acaba por transformá-la profundamente."129 Essa conclusão é a meu ver bastante
plausível, mas incompleta, pois antes é preciso compreender por que uma sociedade usa
determinados modos de transmissão cultural e não outros.
Não foi só McLuhan quem defendeu a supremacia dos meios sobre as mensagens ou
sobre os agentes e os receptores destas mensagens.130 Devemos lembrar a crítica dos
frankfurtianos, que viam nos meios de comunicação instrumentos diabólicos de uma cultura
vocacionada para a mediocridade e para a uniformidade, a qual atuaria sobre os espíritos das
pessoas, tal como o ópio que Marx assimilara à religião. Assim como nesses dois exemplos, a
maioria das teorias da comunicação resume-se a teorias dos meios de comunicação de massa
num maniqueísmo simplista (emissão-recepção) cuja base remonta ao behavorismo do estímulo e
resposta. As diversas abordagens para o estudo do fenômeno da comunicação de massa que se
sucederam foram fortemente influenciadas pela idéia de que os meios de comunicação detêm o
poder de subjugar, através da manipulação, os espectadores passivos. De fato, conforme lembra
Schutz, “as ações sociais envolvem comunicação, e qualquer comunicação é necessariamente
fundamentada em atos de trabalho. A fim de me comunicar com outros tenho de desempenhar
atos abertos para o mundo exterior que serão supostamente, interpretados pelos outros como
signos do que quero transmitir. Gesto, fala, escrita, etc. estão baseados em movimentos corporais.
128
MAFFESOLI, O Tempo das Tribos, Op. cit.
BALLE, Francis. “Comunicação”. BOUDON, Raymond (Org). Tratado de Sociologia. Rio de Janeiro, Jorge Zahar,
1995, p. 579.
130
Para um retrospecto crítico sobre as teorias da comunicação ver BALLE, “Comunicação”, Op. cit.
129
Até aqui se justifica a interpretação behavorista da comunicação. Ela erra ao identificar o veículo
de comunicação, ou mais precisamente, o ato de trabalho, com o próprio significado
comunicado.”131
Diante desses impasses colocados pelas teorias propriamente ditas de comunicação,
recorro uma vez mais a dois teóricos, já bastante citados neste trabalho, cujas idéias são muito
boas para pensar a comunicação numa perspectiva diferente dessas anteriormente apresentadas.
Da fenomenologia de Schutz e do princípio de reciprocidade de Mauss pretendo extrair um modelo
outro para pensar os processos comunicativos dos errantes da Nova Era. Somo a esse modelo, as
ferramentas metodológicas da análise de discurso e de redes (networks) como forma de
compreender a comunicação estabelecida através das cartas dos leitores da revista Planeta – um
dos lugares onde as redes simbólicas da Nova Era materializam-se (nódulo das redes), fornecendo
os elementos suscetíveis de compreensão dos significados em jogo para aqueles que delas
participam.
Schutz parte da divisão analítica do mundo social em dois, considerando os tipos de
relacionamentos que nele se pode estabelecer, ou seja: o mundo da vida, onde ocorrem relações
de tipo face a face; e o mundo dos contemporâneos, de relações de tipo indireto. Para ele, o que
se denomina como processos de comunicação, em geral, só podem ser assim designados quando
dizem respeito a relações do primeiro tipo. Mas, o mundo dos contemporâneos é uma espécie de
versão do mundo da vida, havendo uma continuidade entre os dois pólos, com experiências que
vão se aproximando em termos de grau, ora de um, ora de outro. Assim, ao menos
potencialmente, o meu contemporâneo representa a co-presença, compondo comigo o espírito de
um tempo, de uma época. Mas é preciso entender por que Schutz vê nos processos face a face a
verdadeira representação do ato comunicativo.
Para ele, “o processo de comunicação propriamente dito associa-se a uma ocorrência no
mundo exterior que tem a estrutura de uma série de eventos politeticamente construídos no
tempo exterior.” Ou seja, esses eventos desdobram-se em etapas que ocorrem seqüencialmente
num tempo externo ao ato comunicativo: para comunicar algo a alguém é preciso antes formular o
131
SCHUTZ, Fenomenologia e Relações Sociais, Op. cit., p. 201.
que vai ser comunicado, e essa formulação não é apenas um ato intelectual mas, antes, o
cruzamento de toda a vivência do comunicador com o código cultural vigente, fazendo-o comunicar
uma coisa, e não qualquer outra. Os eventos politeticamente construídos guardam a intenção do
comunicador, que lança mão de um código de expressão aberto à interpretação adequada pelo
receptor. Conforme Schutz, “o seu próprio caráter politético garante a simultaneidade do fluxo em
curso das experiências no tempo interior do comunicador com as ocorrências no mundo exterior,
bem como a simultaneidade dessas ocorrências politéticas no mundo exterior com as experiências
de interpretação no tempo interior da pessoa a quem foi endereçada a comunicação.”132 Não me
parece que Schutz, ao descrever os processos de tipo face-a-face como os processos de
comunicação legítimos esteja falando de relações que só podem se processar na proximidade
física, corpórea. Parece-me, outrossim, que ele está falando de uma situação compartilhada num
mesmo tempo, mas não necessariamente no mesmo espaço. É preciso, por um lado, que os
parceiros compartilhem concomitantemente dimensões de tempo exterior e interior – história e
biografia. É preciso, por outro lado, que estejam reunidos num ambiente comum de comunicação,
sendo que esse ambiente é muito mais simbólico do que físico.
Assim, a divisão entre o mundo da vida e o mundo dos contemporâneos fica cada vez mais
nuançada nos nossos dias com os alcances oferecidos pelas novas tecnologias de comunicação.
Mesmo na lógica do anonimato recíproco dos parceiros, típico da civilização moderna, é possível
estabelecer um relacionamento com parceiros individuais ao alcance imediato ou mediato.133 Hoje,
nossa situação social vai crescentemente sendo moldada por relacionamentos com parceiros
individuais, e não com tipos anônimos, sem identidade pessoal que cumprem um papel específico
no cosmo social – tal como é o caso do burocrata, do líder partidário ou sindical, do governante
etc. Estamos cada vez mais dispostos a escolher parceiros no mundo social que atendam a
demandas pontuais com eficiência – como as ONG (Organizações Não Governamentais) e os
pequenos grupos religiosos, políticos e econômicos, por exemplo, integrados na forma de redes de
solidariedade – ao invés das grandes propostas reformistas, cuja atuação muitas vezes se perde
132
SCHUTZ, Fenomenologia e Relações Sociais, Op. cit., p. 212
Por isto invoquei a figura do flâneur no segundo capítulo, pois penso que ele já prenunciava um protesto contra o
anonimato, embora não escolhesse parceiro de nenhuma natureza específica, a não ser a própria multidão, pois não queria
privar-se de sua privatização.
133
nas malhas do jogo político, quando não das próprias distorções da burocracia que as grandes
estruturas institucionais acabam por enfrentar.
É nesse sentido que pretendo entender como a comunicação social desempenha um papel
fundamental como forma de entender o homem contemporâneo e as diferentes relações que ele
pode estabelecer com os seus valores nos diferentes contextos históricos que vão se constituindo.
Não se trata de dizer que a comunicação é a arte de criar ilusões, ou de manipular as massas
indefesas, ou de ludibriar os outros em função do maior ganho, conforme apregoado por muitos,
mas de rever essas mesmas concepções, pressupondo que a comunicação de massa se vale de
uma necessidade criada a partir da estruturação das sociedades modernas, potencializando muitas
vezes essa necessidade a favor do sistema produtivo em que ela própria está inserida. Mas isto
não impede que as mensagens emitidas tenham significados diversos e sejam diferentemente
absorvidas nem, tampouco, que nos seus interstícios abram-se espaços para um tipo de
comunicação que se aproxima mais do sentido original do termo comunicação, que é agir em
comum, do que para a individualização/atomização das pessoas. Pelo menos é isto o que
transparece do material que tomo para análise: trata-se de um veículo de comunicação de massa
(mídia impressa) que se presta, em alguns momentos específicos (seções de cartas dos leitores), a
ser utilizado como lugar de encontro entre as pessoas, lugar que aponta lugares de encontro para
as pessoas, lugar do feedback às mensagens veiculadas no próprio veículo.
Vale dizer que o tipo de organização em que se estrutura o movimento Nova Era –
preconizando um agir em rede ao invés da estrutura institucional de igreja – precisa ser pensado,
não somente como uma força moral, mas como algo que propõe uma ética calcada na empatia, ou
seja, um posicionamento diante da realidade e da própria moral, sempre pensado em relação ao
outro134. Até mesmo porque a rede, tal como a define Caillé a partir da dádiva, “é o conjunto das
pessoas em relação às quais a manutenção de relações interpessoais de amizade ou de
camaradagem, permite conservar e esperar confiança e fidelidade. Mais do que em relação aos
134
A ética, enquanto elemento fundante da socialidade, é vista da seguinte forma por Maffesoli: “a uma moral imposta e
abstrata pretendo opor uma ética que se origina num grupo determinado, que é fundamentalmente empática (Einfühlung),
proxêmica. A história pode dignificar uma moral (uma política); o espaço, por sua vez, vai favorecer uma estética e produzir
uma ética”. MAFFESOLI. O Tempo das tribos, Op. cit., p. 22.
que estão fora da rede, em todo caso.”135 Em outras palavras, ao fundar o vínculo social na
liberdade de escolha das formas de exercício do sagrado, o que garante a existência das redes
são as qualidades especiais que as mensagens têm, ou seja, seu poder de conduzir o errante no
caminho do auto-aperfeiçoamento, somado a elementos de solidariedade e vontade de tornar esta
ajuda mútua, o que me permite concluir que: mensagens são pessoas.
A comunicação pensada através das redes, para além da emissão de uma mensagem e
sua recepção num processo linear, envolve, a partir de seus múltiplos nódulos, múltiplas direções
da comunicação. É bom lembrar que a idéia de agir em rede por si só é muito ampla, cabendo
distinguir três dimensões, que se cruzam e interpenetram-se, neste conceito mais geral, quais
sejam: sociabilidade, espacialidade e temporalidade. Essas dimensões, distintas através da
proposta metodológica de Scherer-Warren, consistem em:
1. Sociabilidade: redes sociais primárias;
2. Espacialidade: conexões locais-globais através de redes técnicas;
3. Temporalidade: articulações entre novos ideários e a tradição cultural e seus significados em
termos de processo civilizatório (redes ou temporalidades históricas).136
A Nova Era, por suas características, permite uma análise nos três níveis. No entanto,
nesta parte do trabalho estarei analisando sobretudo a primeira dimensão. As outras duas,
aparecem de forma indireta, e de certa forma foram tratadas nas descrições e discussões dos
capítulos precedentes. A dimensão da sociabilidade permite, por um lado, que as redes sejam
vistas a partir de múltiplas ênfases, de acordo com os atributos que nelas se desejam vislumbrar,
mas todas traduzem e falam de uma rede UNA, construída através de processos comunicativos.137
135
CAILLÉ, “Nem holismo nem individualismo metodológicos”, Op. cit., p. 18.
SCHERER-WARREN, Ilse. “Ações coletivas na sociedade contemporânea”. Revista Sociedade e Estado, Rio de
Janeiro, v. XIII, n. 1, jan./jul. 1998, pp. 55-70.
137
Existe toda uma discussão teórica em torno da definição dos termos sociabilidade e socialidade. Segundo Perez, “a
sociabilidade corresponderia a forma concreta do social, ou seja, o social moderno, tendo uma consistência própria, uma
estratégia e uma finalidade. Formada pelo indivíduo e suas associações contratuais, apoia-se em idéias como vontade
geral, progresso geral da humanidade (dever-ser), soberania e auto-determinação, articula-se numa lógica da troca e numa
ética do trabalho e da poupança, desenvolve a chamada solidariedade mecânica e formas de participação
institucionalizadas e baseadas na idéia de representatividade, o voto, por exemplo. A socialidade diz respeito às relações
de vizinhança, os costumes, os hábitos que tornam possível a convivência, sendo, assim, uma expressão do societal, isto é,
do estar-junto, no qual é privilegiado o lúdico, a partilha de sentimento comum”. Assumo a opção pelas características que
marcam o termo socialidade e recorro a autores que, mesmo utilizando o termo sociabilidade, resguardam para ele o
sentido da socialidade ora apontado. PEREZ, Léa Freitas. “Fim de século, efervescência religiosa e novas reconfigurações
societárias”. Texto apresentado nas IX Jornadas sobre alternativas religiosas na Amércia Latina, Rio de Janeiro, 21-24/set.,
136
Por outro lado, “permite investigar relações sociais a partir de elementos de sua estruturação (os
nós e as teias), de sua funcionalidade (os tipos de conexões) e de sua configuração territorial (o
local, o global e conectividade em torno de diversas escalas espaciais).”138 Desse modo, podemos
distinguir nesses elementos a superposição de redes simbólicas, redes de comunicação e redes
físicas. Alguns indicadores do movimento Nova Era podem ajudar a melhor visualizar tais
dimensões. Podemos ver o movimento Nova Era como rede de símbolos que coloca em
comunicação os mais diversos sistemas simbólicos (filosofias orientais, ocidentais e de povos
indígenas) formando um manancial de discursos passível de unificação, ao qual os errantes
recorrem para construir seu caminho de auto-aperfeiçoamento. Mas a Nova Era é também uma
rede física que coloca em comunicação diversos espaços que lhe são típicos – os chamados
centros holísticos, as comunidades alternativas, os eventos e festivais. Quando se chega num
centro holístico, por exemplo, é possível perceber anúncios e referências a outros acontecimentos
em outros centros. Há também um crossover das pessoas entre os centros holísticos, os
workshops, as reuniões e eventos característicos da Nova Era.139 Além disso, ela combina dois
espaços – o global e o local – num discurso transnacional e transcultural nas fronteiras do
cosmopolitismo. Finalmente, podemos perceber o movimento Nova Era como uma rede de
comunicação propriamente dita quando percebemos o troca-troca de informações e experiências,
o qual faz com que as pessoas tenham acesso às diversas práticas curativas e terapêuticas, aos
1999, p. 3.
138
SCHERER-WARREN, “Ações coletivas na sociedade contemporânea”, Op. cit., p. 61.
139
A pesquisa de José Guilherme Cantor Magnani, cujos resultados ficaram conhecidos através do artigo “O NeoEsoterismo na cidade”, é um interessante mapeamento/classificação da rede física da Nova Era dentro da cidade de São
Paulo. Revista USP, São Paulo, n. 31, pp. 6-15, set./nov. 1996, ver especialmente páginas 11-12. Segundo Magnani, as
redes físicas da Nova Era podem ser visualizadas em cinco tipos de locais: 1) Instituições filosófico-espiritualistas que
“caracterizam-se por apresentar um corpo doutrinário próprio, ritualística e níveis de iniciação. Possuem hierarquia interna,
distinguindo ao menos entre grupo de seguidores e mestre/dirigente, os vínculos que estabelecem aproximam-se dos de
tipo religioso. Muitas delas são filiais, adaptações ou criações locais inspiradas em instituições com sede ou origem no
exterior”; 2) Centros Integrados que “são espaços que reúnem e organizam de forma criativa várias atividades, como
práticas divinatórias, terapias variadas, cursos de formação, venda de produtos, vivências coletivas. Não apresentam
doutrina própria nem seguem um conjunto rígido de dogmas ainda que não deixem de fundamentar suas escolhas através
de um discurso mais ou menos coerente que pode combinar várias tradições religiosas, filosófico-ocultistas, gnósticas, etc.”;
3) Centros especializados: associações, institutos, escolas, academias e clínicas voltadas para pesquisa e ensino de temas
neo-esotéricos, treinamento e/ou aplicação de técnicas específicas; 4) Espaços individualizados: são aqueles que
“oferecem uma ou mais modalidades de práticas neo-esotéricas a cargo de uma ou várias pessoas, mas sem identificação
ou nome especial”; 5) Pontos de venda: lugares ou lojas que têm uma finalidade puramente comercial numa relação
pragmática com o neo-esoterismo, não obstante possa haver uma afinidade dos proprietários com certas doutrinas e
filosofias reconhecidamente Nova Era.
livros consagrados e, principalmente, às vivências de cada um, que representam também um
caminho para o aperfeiçoamento pessoal e a experiência da comunidade afetiva.140
O que acontece é que a as redes são formações latentes, ou seja, elas não estão expostas o
tempo todo, mas existem em potencial. Sua visualização só é possível em lugares e, sobretudo,
em momentos bastante específicos, como as reuniões, os workshops, as comunidades alternativas
e, como pretendo demonstrar a partir do próximo tópico, nos espaços destinados à comunicação
de leitores num periódico consagrado do mundo alternativo. Esses, a meu ver, são lugares onde as
redes de solidariedade emergem: um momento-comunidade.
Os processos comunicativos Nova Era e a Revista Planeta
A fim de mostrar o que acontece no âmbito do multiverso da Nova Era, procurando, tal
como fez Mauss, apreender as coisas sociais no seu movimento e na sua complexidade, passo a
introduzir aqui a análise do discurso de um periódico consagrado no meio místico-esotérico, com
certeza amplamente lido pelos errantes da Nova Era: a revista Planeta. De um modo especial,
estarei verificando as seções da revista que são abertas aos leitores: Leitor Pergunta, Clube da
Comunicação, Leitor Debate, Planeta Responde. Aliás, foi pesquisando a própria revista e
verificando uma destas seções que encontrei, na pergunta de um leitor e na resposta da revista, a
justificativa que faltava para tornar definitiva a minha escolha. Um leitor diz o seguinte: “Sou leitor
assíduo, admirador e grande propagandista de Planeta. Recomendo-a a amigos e parentes, mas
encontro dificuldades em defini-la. Costumo dizer que ela publica estudos, informações e
atualidades sobre religiões, ciências psíquicas, esotéricas, arqueológicas, etc. mas não estou
satisfeito com essa definição...” F.A.S. A revista responde: “... quanto a uma definição da proposta
de Planeta, cremos que a melhor de todas permanece a de nossos fundadores, Louis Pauwels e
140
Dos aspectos que podem ser enfatizados na idéia de rede, destaca-se a reciprocidade, pois, de acordo com Melucci: “os
movimentos sociais das sociedades complexas como redes submersas de grupos, pontos de encontros e circuitos de
solidariedade [...] tratam-se de movimentos com uma estrutura segmentada, reticular e multifacetária, na qual os elos
tornam-se explícitos somente durante períodos transitórios da mobilização coletiva em torno de problemas que trazem a
rede latente para a superfície e, posteriormente, deixam-na submergir novamente no tecido da vida cotidiana”. Melucci
acrescenta ainda que “a solidariedade, substrato dos movimentos, é cultural em caráter e localiza-se no terreno da
produção simbólica do cotidiano. Problemas de identidade individual e da ação coletiva se mesclam: a solidariedade do
grupo é inseparável dos anseios pessoais e das necessidades afetivas e comunicativas cotidianas dos participantes nas
redes.” MELUCCI apud SCHERER-WARREN, ”Ações coletivas na sociedade contemporânea”, Op. cit., p. 60.
Jacques Bergier. Já no primeiro número da edição francesa, em outubro de 1961, ambos
publicaram editorial em que diziam: ‘Planeta defende o espírito de tolerância e de liberdade em
todos os domínios do conhecimento contemporâneo. No exame dos aspectos essenciais,
escondidos ou visíveis, da aventura humana de nossos dias, ela propõe ao leitor exercer uma
curiosidade sem limites ou preconceitos. Quer se trate de idéias, artes, ciências humanas ou
religiões ela não se permite críticas negativas, procurando, isto sim, o que une os homens e não o
que os divide.’ ”141
Os elementos contidos na pergunta do leitor e na resposta da revista contemplam duas
preocupações básicas que justificaram minha escolha e orientaram todo o meu trabalho. A primeira
refere-se a uma vontade de resguardar ao movimento Nova Era uma de suas principais
características: a diversidade das práticas. Assim, se optasse por realizar o trabalho de campo com
um grupo exclusivamente, teria apenas uma visão bastante específica desta coisa múltipla e
amorfa que é a Nova Era, ao passo que analisando a revista Planeta pude ver o interesse das
pessoas se dirigir aos mais variados assuntos. A elaboração de uma lista de temas que aparecem
nas cartas dos leitores ajudou-me a constatar esta variedade: ufologia, parapsicologia,
quiromancia, astrologia, movimento Hare Krishna, treinamento autógeno, sofrologia, realismo
fantástico, cabala, fenômenos paranormais, gnose, oratória, metafísica, ficção científica, tarô,
hologramas, comunidades rurais, comunidades alternativas urbanas, rosacruz, maçonaria,
hipnotismo, espiritismo, egiptologia, cromoterapia, cultos afro-brasileiros, selos e moedas,
metapsíquica, umbanda, grafologia, tantrismo, desdobramento, hermetismo, medicamentos
naturais e farmacêuticos, reencarnação, Bíblia, pirâmides, danças sagradas, hieróglifos,
iriodiagnose, Ramatis, Seicho-no-ie, física e matemática, xamanismo, biorritmo, psicodrama,
magia, ecologia, biopsicoenergética, terapias de regressão, câncer, vícios, esperanto, psicografia,
autoconhecimento, viagem astral, mandala, arqueologia, homeopatia, martinismo, telepatia,
civilizações antigas, folclore, druídas, Hinduísmo, Judaísmo, Islamismo, Cristianismo, Budismo,
Zen-budismo, igrejas e seitas evangélicas, carismáticos, kirilian e mediunidade, radiestesia,
141
Revista Planeta, São Paulo, Editora Três, n. 68, mai./1978
macrobiótica, teosofia, taichichuan, apicultura, acupuntura, shiatsu, xantala, técnicas de
relaxamento, teoria da relatividade, cristais, tanatologia, chanelling, rebirth, sufismo, rajneeshismo,
dentre outros. A segunda razão de minha escolha diz respeito à própria condução teórica dada ao
trabalho, ou seja, o eixo temático individualismo/processos comunicativos. Penso ter encontrado
nas cartas dos leitores da revista, indícios de como as pessoas vêm se relacionando de um modo
diferente umas com as outras a partir do que chamo de reconfiguração do individualismo (dentro
do quadro mais geral de reconfiguração de valores no mundo contemporâneo). Nesta
reconfiguração aparece um eu que é tanto público quanto privado, ou seja, um eu que se constrói
através de uma prática religiosa que de fato não é institucional, mas que se realiza em atos
comunicativos com outras pessoas mediados por centros, revistas, livros, encontros. Da análise de
discurso e de seu contraste com os elementos contidos em minha hipótese de trabalho pretendo
compreender até que ponto cada ator social – tanto o que cria quanto o que recebe a mensagem –
enxerga sentido para as suas razões individuais num substrato comum que é o tipo de
sensibilidade religiosa despertado pela Nova Era.
É importante notar que duas categorias ou conceitos modulares da realidade propiciam a
articulação do discurso dos errantes da Nova Era. A categoria energia, já citada e previamente
discutida no capítulo primeiro, diz respeito àquilo que é comum ao mundo místico-esotérico e que
permite a interação entre a diversidade de práticas: é a moeda cultural do mundo místico,
lembrando a expressão de Luís Eduardo Soares; é ela que garante, de certa forma, o
entendimento do caráter mágico da Nova Era, mostrando que mesmo sendo esta um fenômeno
em que as pessoas parecem independentes umas das outras, existem categorias que têm um
significado coletivamente compartilhado. A categoria trabalho, por sua vez, designa um modo de
ação que se coloca para os errantes da Nova Era como um esforço contínuo e exaustivo em busca
do auto-aperfeiçoamento, lembrando que atos comunicativos são também, nesse sentido, atos de
trabalho. Juntas, as duas categorias permitem, para além da construção de um discurso acerca da
própria crença, ou seja, uma teologia – até mesmo porque não existe um corpo de crenças
fechado –, a comunicação, no sentido de ação em comum, entre os indivíduos que compartilham
essa sensibilidade religiosa.
A prática religiosa construída a partir desses processos comunicativos configura-se como
ato de trabalho, e sua compreensão é decisiva para entender o que significa concretamente ser
Nova Era, e como ser Nova Era significa também constituir uma comunidade. É exatamente isto
que estarei tentando fazer a partir de agora. Como ressaltei, a Nova Era é, antes de mais nada,
uma religiosidade incorpórea que não pode ser apreendida conforme a lógica das religiões
tradicionais. As redes de solidariedade que conformam o movimento – no caso refiro-me às redes
de comunicação – estão imersas dentro do anonimato urbano, mostrando-se apenas em alguns
pontos e momentos específicos. Desse modo, as seções de cartas da revista Planeta aparecem
como um desses pontos. As cartas se traduzem como atos de trabalho, conforme definido por
Schutz, em que o esforço pelo aperfeiçoamento pessoal, realizado através da troca de informações
sobre as diversas vias oferecidas pela Nova Era – técnicas, métodos, conhecimentos esotéricos,
científicos, religiosos e para-científicos –, promove o encontro com o outro, conformando o próprio
vínculo social.
Esses atos de trabalho porém apresentam, de modo geral, uma certa homogeneidade,
inclusive no caso específico das cartas da revista Planeta, pois são realizados numa linguagem
comum. A leitura exaustiva das 2.679 cartas pôde fornecer-me uma tipologia das mesmas,
agrupadas em seis tipos, que serão exemplificadas e exploradas a partir de uma amostra sorteada
(lembrando uma vez mais que não se trata de uma amostra de cunho estatístico, mas tão somente
uma técnica para diminuir o número de cartas a serem trabalhadas, bem como para retirar da
escolha das cartas qualquer arbitrariedade no sentido de confirmação da hipótese). A tipologia
construída pode ser preliminarmente visualizada a partir da tabela 1.
Tabela 1: Visualização preliminar da tipologia das cartas pesquisadas na revista Planeta
Tipologia das cartas de leitores publicadas pela revista Planeta (1972-1999)
I. Correção de informações veiculadas em artigos e seções da Revista
II. Solicitação de informações de várias ordens
III. Anúncios de formação de grupo em torno de determinado interesse e de divulgação de
grupos ou entidades
IV. Críticas/elogios à revista
V. Correspondência com outras pessoas para:
e) Troca de impressões e informações dentro de determinado tema
f) Estabelecimento de relações mais íntimas (amizade, namoro e casamento)
g) Troca/venda/doação de livros, revistas e objetos
d) Auxílios (solicitação/oferecimento) em diversas situações
VI. Discussão profunda de temas
Passo, a seguir, a explorar essa tipologia, ressaltando que algumas das cartas são
analisadas e outras são simplesmente apresentadas, a título de ilustração, nos anexos deste
trabalho.
I.
Correção de informações veiculadas em artigos e seções da revista
Este é um tipo de carta bastante incomum na revista Planeta (e, diga-se de passagem,
bastante comum em outras revistas e publicações de outros gêneros). Descobri-o apenas pela
leitura completa das cartas. Mesmo assim são raríssimos os casos – algo como duas ou três cartas
em 2.679. Dentre a amostra de cartas sorteada não aparece nenhum caso. Sendo assim, o nãodado pode tornar-se dado e sua compreensão algo bastante elucidativo.
Vale dizer que a revista Planeta trata de assuntos muito controversos (dentro do próprio meio
esotérico), nos quais as opiniões são muito divergentes. Por outro lado, estão na base de uma
postura Nova Era o relativismo dos valores e a despretensão quanto à descoberta da verdade final
das coisas.142 Acredito que esses fatos deixam os errantes intimidados em dizer “Isso está errado”.
142
Isto me lembra uma parábola do Buda, bastante comum entre os errantes da Nova Era que diz o seguinte: a verdade é
como um elefante que os cegos apalpam a fim de identificá-lo. Um exclama ao tocar a tromba: ‘Eu sei como é o elefante’.
O outro que está segurando o rabo responde: ‘Sei melhor que você com o que ele se parece’. Um terceiro acaricia-lhe as
orelhas: ‘Compreendo integralmente o modo como é formado este animal’, enquanto o último tocando-lhe as patas diz: ‘Eu
é que realmente o conheço’. Finalmente, incapazes de chegarem a um acordo começam a brigar entre si. Esta parábola é
Por isto, os artigos e reportagens sempre se cercam de todo o cuidado de apresentarem a
bibliografia ou o depoimento de personalidades em que estão baseados. Penso também que
escrever para corrigir informações não é um motivo forte para os leitores da revista, até mesmo
porque no espírito da Nova Era ninguém se arroga o dono da verdade. As discussões têm a
finalidade de somar, e não de dividir opiniões. A verdade é encarada como algo contextual e, às
vezes, pessoal, pois está ligada à trajetória de auto-aperfeiçoamento de cada um.
No caso, o melhor que se tem a fazer é discutir para somar as informações, pois isto sim faz
crescer, constitui-se como ato de trabalho em direção à descoberta do verdadeiro eu e pode ser
útil tanto no plano pessoal quanto para os outros. Esse é um detalhe importante, pois se este eu de
que estamos tratando fosse de fato egoísta, o que o moveria a tornar públicas as suas reflexões
pessoais? Se assim o fosse, as pessoas guardariam para si essas reflexões pois esta é a atitude
típica de um egoísta. O outro, neste caso, seria apenas usado como degrau para alcançar esse
maior conhecimento, mas não é isto o que me parece estar em jogo. O auto-aperfeiçoamento deve
ser alcançado pelo maior número de pessoas possível pois é isto o que garante a liberação do
pleno potencial, ou a construção da Era de Ouro – a Era de Aquário – como um mundo novo e
melhor para todos.
Vejamos o seguinte exemplo, retirado da seção Leitor Debate, que tem esta característica de
debater ao invés de rebater as idéias, versando sobre o tema viagem astral: “Na Planeta 72, foi
publicada carta do leitor M.A.C., onde questiona os objetivos da já popularizada viagem astral.
Como ele solicitou a opinião de outros leitores sobre o assunto, escrevo esta nota. Na Planeta 54,
na seção O Leitor Debate, há uma vasta explanação sobre viagem astral e a natureza dos diversos
corpos do homem, de autoria de Eduardo Niklaus. Podem se esclarecer muitas dúvidas. Afora isso,
existem os artigos Deslocar Sem o Corpo e Você Pode Fazer Uma Viagem Astral, que saíram
nas Planeta 9 e 48. A literatura sobre o assunto é vasta, porém cito: O Plano Astral, de C.W.
Leadbeater, e Projeção do Corpo Astral, de Sylvan J. Muldoon e Hereward Carrington, ambos da
Editora Pensamento. Na minha humilde opinião, a viagem astral merece consideração e estudo,
porém não deve ser considerada como uma experiência mística ou transcendental. Pelo fato de
geralmente invocada para mostrar o grande equívoco do Ocidente moderno: o de identificar o discurso científico com a
ser uma das tantas possibilidades humanas, uma de suas faculdades, não deve ser exagerada sua
importância. Afinal, ninguém fica maravilhado com o fato de enxergar, apesar de a visão ser uma
capacidade tão fantástica quanto andar sem o corpo físico. Aproveito para elogiar a carta de
J.C.F., defendendo a ‘teoria da reencarnação’, porém creio que o melhor argumento para os que
contestam a vida após a morte é o seguinte: esperem e verão. M.S.M.O.”143
Note-se como expressar a opinião significa para o leitor muito mais do que contestar a posição
do outro leitor que provocou o debate. Significa, acima de tudo, indicar artigos e livros onde aquele
poderia ampliar o seu horizonte sobre o tema em questão. Num segundo momento é que ele
expressa “sua humilde opinião”, no sentido de somar ou apresentar uma visão possível e pessoal
da viagem astral. Na oportunidade, comenta também o tema da reencarnação, discutido em carta
de outro leitor, fato que mostra bem como o repertório temático de um único errante comporta os
mais variados assuntos, no melhor estilo bricoleur, além de demonstrar a efetividade do feedback
dos processos comunicativos estabelecidos nessas seções de cartas.
A questão do feedback é central para perceber que a lógica da formação de redes envolve
muito mais do que a associação de pessoas com mentalidade semelhante. As redes oferecem,
sobretudo, a oportunidade de mútua descoberta, de tranqüilidade, de intimidade e de chances de
compartilhar experiências e de trocar idéias a fim de montar um quebra-cabeças, do qual cada
indivíduo que participa possui algumas peças, mas não concebe a imagem final a ser montada. E o
bom de tudo isto reside justamente no fato de não se conceber uma imagem final e permitir perderse no jogo de trocas, na experiência lúdica de se jogar sem ter um objetivo pré-determinado a ser
alcançado. Vale a pena levar um pouco mais longe essa analogia com o jogo e, sobretudo, com o
quebra-cabeças. Percebe-se que o interessante para quem abraça a Nova Era não é ter as
mesmas peças ou o mesmo jeito de jogar dos outros que estão neste mesmo caminho. Se todos
tivessem as mesmas peças ou jogassem da mesma forma nenhum resultado novo poderia ser
construído, ao final, a partir de sua re-ligação. O que está de fato em jogo é encontrar pessoas
com a mesma postura aberta a troca de experiências e de pontos de vista, o que caracteriza aquilo
que Buber chama de “crescente fome de afinidades”. Entretanto, estas afinidades não estão
verdade.
hipostasiadas em idéias e projetos comuns, mas requerem, isto sim, uma atitude semelhante e
tolerante diante das inúmeras vias de ver o e agir no mundo.
Portanto, o que este tipo de carta (por ser raríssimo) nos mostra, em relação à reconfiguração
do individualismo, é que o respeito à liberdade individual, ao direito de pensar diferente, ao desejo
de personalizar a própria verdade estão de fato presentes na forma como as pessoas lidam com o
sagrado numa perspectiva Nova Era – e isto se estende também para fora do campo religioso,
esboçando as próprias feições das relações sociais de nossos dias. Mas, isto não significa, como
querem apressadamente concluir alguns, o fim do espaço público, o fim do social, a privatização
do mundo, a vitória do egoísmo utilitarista do mercado sobre qualquer forma de solidariedade. Ao
contrário, é exatamente por respeitar o indivíduo na sua máxima capacidade de escolha, na sua
autonomia, reconhecendo diferenças e defendendo um espírito de tolerância, que a Nova Era
agrega as pessoas e torna-se um movimento, formando redes de solidariedade.
II.
Solicitação de informações de várias ordens – endereços, livrarias, editoras, livros,
nomes, localização de artigos de determinado tema na própria revista, auxílios e
esclarecimentos, ascendentes, obtenção de números antigos da revista
Este é um dos tipos de carta mais importantes que aparece na revista Planeta. Como estas
seções de cartas configuram-se como nódulo das redes Nova Era, elas apontam direções,
administrando o fluxo informacional nas direções de outros nódulos que atendam pontualmente às
necessidades específicas dos errantes da Nova Era num determinado momento. Ou seja, na
maioria dos casos a comunicação estabelecida com a revista não é o ponto final do processo, mas
sim o seu início. Assim, são fornecidos endereços de entidades e de centros especializados, bem
como nomes e endereços de correspondência de pessoas famosas no mundo esotérico, artigos e
informações aos quais o leitor pode recorrer dentro e fora da revista e qualquer outro tipo de
solicitação.
A carta a seguir, por exemplo, mostra como o trânsito através das informações pode ser
aberto: faz ir para frente, voltar, andar em círculos até conseguir o que de fato interessa. Mesmo no
caso de dados específicos isto acontece. Vejam: “Sou um pesquisador esotérico e, como pretendo
143
Revista Planeta, São Paulo, Editora Três, n. 77, fev./1979, p. 64.
exercitar-me no manejo dos tattwas (vibrações do éter), não pude obter, na cidade em que resido,
o horário do nascimento do sol, necessário ao exercício de pesquisa que pretendo efetuar. Escrevi
ao Movimento Gnóstico Cristão Universal – Lumisial de Santos e, em resposta, obtive o informe de
que deveria consultar a edição Almanaque do Pensamento, em cujas páginas encontraria o que
desejava. E, ao consultá-lo, verifiquei que no gráfico destinado ao nascer do sol constavam
somente as tabelas para Brasília, Rio de Janeiro e São Paulo. Como estou impossibilitado de dar
continuidade ao exercício que me proponho, solicito a especial gentileza de que me informem o
horário do nascimento do sol em minha cidade, ou para quem deverei endereçar a minha
correspondência. E.B.T.”. Logo em seguida, a resposta da revista: “Não se trata do Almanaque do
Pensamento, mas de outra publicação da mesma editora, chamada Calendário Astrológico
Perpétuo, onde poderá encontrar as informações de que precisa144”.
O tipo de carta mais freqüente nesta seção é a solicitação de endereços145. Boa parte deste
espaço aberto à comunicação dos leitores tem a função de remeter o interessado para pontos
físicos das redes da Nova Era. Além do mais, como não estou tratando apenas do período
histórico atual, no qual a mídia de massa de um modo geral e a mídia especializada têm se
encarregado de divulgar essas informações, a revista cumpria ali – sobretudo nas décadas de
70/80 – essa função, tão importante para os errantes. Há também um elemento de confiabilidade,
pois as informações solicitadas e informadas vêm de um veículo de comunicação de massa que
tem uma imagem e uma responsabilidade pública pelas quais zelar.
Voltando às informações solicitadas, não há padrão de temas ou assuntos que possa ser
demarcado. Isto só acontece eventualmente, quando um artigo traz alguma informação nova ou
aponta para centros ou acontecimentos novos no circuito convencional, caso em que aparecem
144
Revista Planeta, São Paulo, Editora Três, n. 72, set./1978, p. 65.
Numa destas solicitações de endereço, deparei-me com uma carta interessante que pedia indicações de comunidades
em Belo Horizonte: “Gostaria de obter endereços de comunidades em Belo Horizonte. P.T.”. A resposta da revista foi a
seguinte: “Projeto Harmonia: rua Aimorés, 462/119, 224-6596, BH; Comunidade Mãe D’Água, CP 1722, Belo Horizonte, MG
(n. 128, mai/1983)”. Parece trivial, mas a grande coincidência é que a Comunidade Mãe D’Água – citada na reposta da
revista – foi fundada e era dirigida pelo guia espiritual com quem fiz uma pequena pesquisa de campo, convivendo com um
de seus grupos de trabalho em Belo Horizonte no período de outubro-novembro/1998. Chamou-me a atenção o fato de que
uma mesma pessoa aparece em momentos diferentes, com atividades completamente diferentes – demonstrando assim, o
caráter errante e a diversidade das práticas possível para aqueles cuja inspiração é Nova Era. Quando conversei com
Sarvananda, ele se mostrou avesso a qualquer tipo de experiência coletiva, inclusive mencionou o fato de que já havia
dirigido uma comunidade alternativa e que isto não dava certo, assim como já havia fundado uma escola iniciática, que
também não deu certo porque não tinha “os alicerces certos”. Além disso, Sarvananda foi professor de yoga durante muitos
145
várias cartas sobre tal tema. Normalmente reina a mais ampla diversidade temática bem no espírito
da Nova Era. Um tipo de informação comumente solicitada nesta seção, além dos endereços,
refere-se à indicação bibliográfica, que remete, por sua vez, para a constituição das redes
simbólicas da Nova Era, e ocorre pelas razões de confiabilidade no veículo. Vale dizer que os
recursos simbólicos e as informações distribuídos através das redes constituídas nestas seções de
cartas e a maneira como as pessoas utilizam e aproveitam estes fluxos informacionais constituem
fatores importantes de manutenção das próprias redes e de diferenciação dos indivíduos nas suas
trajetórias pessoais. A coesão e a manutenção das redes dependem das ações individuais, mas
estas acabam apresentando similaridades e promovem ações coletivas que podem tomar
diferentes formas. (Mais exemplos deste tipo de carta podem ser encontradas no anexo I, dando
uma idéia ampla dos diversos tipos de informação que circulam).
É interessante perceber como a informação, no caso das cartas da revista Planeta, tem um
sentido de instrução, de direção. Se a Nova Era, como venho enfatizando, se caracteriza pela
diversidade das práticas ou, como nos diz Sanchis, significa “mil formas, mil caminhos, mil
instrumentos auto-reflexivos ou externos, mil referências históricas”, é preciso saber se conduzir
por eles. Este é o papel dos centros, das lojas de artigos esotéricos, dos guias, dos veículos de
comunicação como a revista Planeta: conduzir os errantes pelos caminhos que ambientam a Nova
Era. É óbvio que este não é o seu papel exclusivo, pois trata-se também de empresas,
organizadas segundo as leis do mercado, do contrato. Daí surgem os impasses: a religião teria se
perdido na lógica do mercado? E, neste caso, a religiosidade do eu, a Nova Era, seria o exemplo
típico da exacerbação do individualismo moderno, ou seja, do homem racional guiado pela lógica
do máximo ganho até mesmo nos assuntos espirituais? Para responder a tais perguntas, recorro
uma vez mais a Sanchis, quando ele diz que “a feira mística, de fato, propõe ao homem
contemporâneo uma imagem aproximada do seu próprio rosto ...”146. Na civilização industrial,
forma cultural que se consolidou no século passado e da qual somos filhos, o econômico não pode
deixar de ser visto como fator constitutivo da arquitetura social. Essa é a especificidade da dádiva
do nosso tempo: a utilização do próprio mercado como via de reencantamento do mundo e como
anos e, quando o conheci, trabalhava com um grupo de pessoas proferindo palestras, realizando vivências e buscando
modalidade do estar-junto. Na feira mística sagrado e profano estão em contágio arriscado e
permanente, determinando o fim das fronteiras entre o que é puro e o que é impuro (já esboçado
pelo espírito de tolerância e pela descrença numa verdade final objetiva e intrínseca às coisas
típica nos errantes da Nova Era), mostrando que não foi a religião que se dobrou ao mercado mas
que as pessoas, tocadas por um tipo de sensibilidade religiosa que é fruto dos acontecimentos do
mundo contemporâneo, transfiguraram a troca do mercado em instrumento de vivência espiritual e
de vivência em grupo.
Dito de outro modo, as relações estabelecidas pelos que tomam parte da Nova Era parecem
equilibrar-se sobre a seguinte equação: o repertório temático lança mão de toda sorte de assuntos
e práticas esotéricos; o modo de lidar com esses temas e práticas é técnico (mágico), com
finalidades individuais específicas que não dispensam a lógica do mercado como meio de troca; e
o resultado macroscópico é re-ligação, dádiva de informações, reciprocidade de pontos de vista
que orientam significativamente as ações individuais produzindo o vínculo social na forma de
redes. Logo se vê, portanto, a partir dessa equação, como são inter-relacionadas as vias de leitura
teóricas apresentadas por Lipovetski (processo de personalização) e Maffesoli (declínio do
invidualismo), discutidas no capítulo anterior e que nos conduziram ao paradigma da dádiva.
Significa dizer, conforme Mauss, o inspirador de tal paradigma, que na constituição do vínculo
social verifica-se a possibilidade de tradução entre os diversos campos em que se equilibra a ação
do homem em sociedade, ou seja, a interpenetração contínua entre utilitário e simbólico, interesse
e desinteresse, sagrado e profano, indivíduo e sociedade. Nessa perspectiva, os símbolos são
“traduções individuais da presença do grupo por um lado, e das necessidades diretas de cada um
e de todos, de suas personalidades, de suas inter-relações, por outro.” Assim como as festas dos
neocaledônios – exemplo da estrutura simbólica da dádiva noutro contexto social, distinto temporal
e espacialmente do das sociedades industriais –, que segundo estes “são os movimentos da
agulha usada para unir as partes do telhado de palha, para fazer um telhado único”, vejo, no
mundo contemporâneo, essa estrutura sendo atualizada por movimentos como a Nova Era,
tentando re-unir mercado e sociedade, egoísmo e solidariedade, liberdade e obrigação, numa
guiar as pessoas para a transformação pessoal. Reunião com Sarvananda, Belo Horizonte, 29/10/1998.
formulação que defende a construção de um indivíduo melhor para a conseqüente construção de
uma sociedade melhor.147
III.
Anúncios de formação de grupo em torno de determinado interesse (temático ou
prático) e de divulgação de atividades de grupos ou entidades
Os grupos de estudo são uma modalidade importante de reunião entre os errantes da Nova
Era. Ao se negarem a ser encarados como religiosos, refratários e avessos que são a qualquer
forma institucionalizada e padronizada de contatar o sagrado. Os grupos de estudo, portanto,
configuram-se como um meio de encontrarem-se, sem cair nesta lógica. Muitos deles contam com
a figura de um guia espiritual, que conduz os trabalhos – alguém cuja vivência e estoque de
conhecimento é maior do que o dos demais.148 O sentido das reuniões em grupos é a troca de
experiências, seja do guru com os seus seguidores, seja entre os próprios seguidores. Por isso, os
formatos mais comuns desse tipo de reunião são os workshops e as palestras. Outros formatos
ainda podem ser mencionados, tal como as vivências, os festivais e os encontros.149 Vale dizer que
não há qualquer tipo de segregação ou distinção por grupo ou tendência; todos são aceitos e
respeitados, pois trata-se de uma escolha individual, cuja eficácia só pode ser avaliada também
individualmente.
É interessante notar que a revista, no seu papel de empresa, não se fechou a esse tipo de
comunicação, muito embora ele possa ser considerado uma forma indireta de propaganda. Veja-se
o seguinte exemplo: “Em atenção aos grupos de pesquisas, universidades e demais amigos
interessados pelas atividades culturais do prof. Peter Conway, fundador da Organização para
Conscientização
e
Integração
da
Humanidade,
gostaríamos
de
prestar
os
seguintes
esclarecimentos: 1 – a confirmação das datas para as conferências e cursos de ufologia avançada
deve ser anunciada a partir do dia 2 de outubro, pois estamos aguardando a chegada de material
146
SANCHIS, “As Religiões dos Brasileiros”, Op. cit., p. 32
MAUSS, “Ensaio sobre a dádiva”, Op. cit., p. 19
148
Swami Sarvananda, guia de um grupo de tendência Nova Era o qual entrevistei em outubro de 1998, explica por que ele
agrega um grupo de pessoas à sua volta da seguinte forma (a partir do princípio da reencarnação): “cada um de nós
estamos em níveis diferentes de compreensão de conceitos, de crença e tudo mais. De alguma forma há uns que estão um
passo à frente e outros que estão um passo atrás. Os que estão um passo à frente são obrigados a dar a mão para os que
estão um passo atrás. É isto que estou fazendo. Não digo que estou longe, apenas um passo o bastante para pegar a mão
e dizer ‘venha, é para lá’.”
149
Para uma análise completa destas modalidades de reunião enquanto rituais, ver LUZ, Carnaval da Alma, Op. cit.
147
importado que deverá ser adicionado à estrutura dos programas. 2 – Contratos para conferências
sobre parapsicologia, psico-cibernética, astroarqueologia, científico-espiritualismo, macro e
microcosmonáutica somente serão estudados a partir do mês de novembro próximo. 3 – Os
desenhos e pinturas transcendentais do prof. Conway estão esgotados. Possivelmente teremos
uma nova coleção em jan./fev. de 1979. 4 – A formação de grupos filhos da Organização para a
Conscientização e Integração da Humanidade é feita sob rigorosa seleção exigindo-se muita
‘juventude’, clareza de raciocínio, disposição para o estudo e muito espírito de pesquisa,
desprezando-se distinções de idade, cor, sexo, raça ou posição social. 5 – Os grupos obedecem
ao limite máximo de 20 componentes para que haja, sempre que necessário orientação práticoteórica individual. 6 – A obrigatoriedade do estudo da língua inglesa entre os membros de um
grupo deve-se ao fato de acreditarmos que esse idioma é mundial e que através do mesmo
conseguiremos abraçar todos os povos inclusive permite amistoso intercâmbio entre membros de
grupos nacionais e internacionais. Sempre que nos escreverem, queiram enviar selos para
resposta. J.R.M.C., Assessoria de Imprensa Peter Conway Productions”150. Se pensarmos em
propaganda em sentido comercial, certamente não é compreensível o fato de a revista, como
empresa, abrir espaço para mensagens como a desta carta sem nada cobrar por ele, mas se
pensamos em publicidade, no seu sentido literal, que é tornar pública alguma coisa, podemos
entender que é estrategicamente importante publicar este tipo de informação pois ela torna a
revista interessante e atraente para o público. A informação não tem nenhum valor quando não é
tornada pública. Seu sentido está na troca. Penso que, neste ponto, podemos visualizar a própria
lógica da dádiva operando, pois misturam-se aí interesse e desinteresse, impondo a obrigação da
liberdade. Os editores, esporadicamente, publicavam nota eximindo-se da responsabilidade por
qualquer informação ali veiculada, mas não deixaram de publicá-las, porque são elas a maior fonte
de interesse do público leitor de Planeta151.
É interessante ressaltar também que a imagem de comunidade que pode ser vislumbrada
através deste tipo de comunicação opõe-se à idéia de comunidades como sendo constituídas
150
Revista Planeta, São Paulo, Editora Três, n. 73, out./1978.
Como o material que estive utilizando para análise pertencia, em grande parte, a um colecionador, pude perceber o
quanto as informações eram importantes para ele, pois apareciam sempre com observações, círculos e indicações para
passar uma informação para outras pessoas.
151
exclusivamente por relações de solidariedade, mas que contemplam solidariedade e interesse
numa formulação híbrida. A cara das comunidades que emerge desse tipo de carta, mostra uma
imagem complexa de direcionamentos imprecisos: comunidades integradas por pequenas redes
de laços fortes, que não são, contudo, perenes, superpondo-se entre si através de laços frouxos.
Nesta imagem, as cartas divulgadas pela revista Planeta podem ser vistas como redes de laços
frouxos utilizadas como pontes para grupos de laços mais fortes, como os grupos de estudo
dirigidos pelo Prof. Peter Conway. Isto corrobora a idéia de que, além de uma comunicação
multidirecional, ocorre comunicação entre níveis e redes de tipos diferentes. O modo como
acontece este tipo de comunicação, pode ser comprovada por exemplos como o que se segue:
”Você que vive perdido nesse emaranhado mistério da vida, que se desespera nas longas noites
de insônia, que sente-se doente física e espiritualmente: eu o convido a participar de nossa
comunidade. Como você, eu leio Planeta. Conheci a Comunidade através desta instrutiva revista
(Planeta 87). A Comunidade não é afastada do mundo, pode ser desenvolvida em qualquer lugar,
sem limite de distância. Marque um encontro com você mesmo. Recupere o paraíso na Terra.
Maiores informações escreva para CP 19187, São Paulo, SP”152.
Na Planeta número 87, indicada pelo autor desta carta, há de fato um anúncio no Clube da
Comunicação da comunidade a qual ele se refere. Trata-se de uma entidade chamada Synthesis
Institute (que reconheço como sendo a mesma comunidade da qual o leitor fala pelo fato de
aparecer o mesmo número de caixa postal no anúncio e na carta dele). O anúncio diz o seguinte:
”Amizade, ajuda e experiência. Convidamos 100 pessoas interessadas em estabelecer laços de
amizade, de ajuda mútua e em realizar uma experiência que mude o sentido da sua vida a
participar de nossa Comunidade, sem limitações de idade, raça, religião, ideologias e nem de
latitude. Maiores informações escrever para M. M., CP 19187, São Paulo, SP”153.
O que pretendo mostrar com este tipo de carta é o modo como a Nova Era constitui-se
como comunidade moral, e não como igreja. Nestas cartas fica claro que a prática religiosa
expressa, no caso da Nova Era, o que Luís Eduardo Soares chamou de mosaico formado por
bricolages particulares. Nesse mosaico, os indivíduos estabelecem jogos de linguagem nos quais o
152
Revista Planeta, São Paulo, Editora Três, n. 94, jul/1980, p. 64.
reconhecimento de uma mesma atitude, ou seja, de uma atitude aberta e tolerante frente à
diversidade e à diferença, bem como o trânsito por diversas práticas ou o simples reconhecimento
de sua legitimidade como tentativa de alcançar o aperfeiçoamento pessoal já são suficientes para
promover o estar-junto e o reconhecimento dos outros enquanto membros de um mesmo grupo.
Por outro lado, a ausência desse caráter institucional de igreja é insuficiente para mostrar
que a Nova Era constitui um ícone da exacerbação do individualismo. O que fica evidente é que o
fato de não possuir um caráter institucional permite a sua proliferação sem um choque frontal com
a forma ideológica moderna por excelência – o individualismo clássico – ou, para retomar uma
questão dumontiana, mostra como uma sociedade individualista produz também fenômenos
coletivos em moldes comunitários. Além disso, a ausência do caráter institucional não demonstra
que estejamos tratando do mesmo individualismo moderno levado às últimas conseqüências, pois
como vimos com Simmel o individualismo é um valor que admite a polissemia, a mudança
qualitativa construída historicamente. Deste modo, as marcas da rigidez dogmática e da ortodoxia,
ausentes no formato de redes,
faz com que a Nova Era agrupe as pessoas sem recobrar
consenso das regras de conduta e das crenças. Importa, isto sim, o agir em rede, pois é este tipo
de ação que garante o fluxo das informações e, através deste, a religação entre os indivíduos
(ainda que nos mais diferentes locais, em momentos imprecisos e com as mais diferentes
pessoas), configurando o elo societal construído à base de atos comunicativos.
Outros exemplos deste tipo de carta podem ser encontrados no anexo II.
IV.
Críticas/elogios à revista
Este também não é um tipo de carta muito comum na revista Planeta (embora seja comum em
revistas de outros gêneros), pois os leitores não querem discutir a revista, mas os temas tratados
nela. Ao contrário do que postulou McLuhan – o meio é a mensagem – mensagens são pessoas,
pois comunicação é, antes de mais nada, relação social.154 Contudo, achei interessante aprofundar
153
Revista Planeta, São Paulo, Editora Três, n. 87, dez./1979.
Mauss e Weber reciprocidade.
m
,
Segundo este último, “um mínimo de reciprocidade nas
ações é, portanto, uma característica conceitual. O conteúdo pode ser o mais diverso: conflito, inimizade, amor sexual,
amizade, piedade, troca no mercado, ‘cumprimento’, ‘não cumprimento’, ‘ruptura’ de um pacto, ‘concorrência’ econômica,
erótica ou de outro tipo, ‘comunidade’ nacional, estamental ou de classe [...]”. WEBER, Max. “Ação Social e Relação
Social”. FORACCHI, Maria Alice M. e MARTINS, José de Souza. Sociologia e Sociedade. Rio de Janeiro, LTC, 1983.
154 Sendo relação social, a comunicação pressupõe, como nos ensinara
um pouco neste tipo de carta com um único objetivo (mais metodológico do que teórico): mostrar
alguns excelentes exemplos de como a comunicação entre os leitores é efetiva. Ou seja, as cartas
não são mensagens lançadas ao buraco negro da massa, mas espécies de dádivas preciosas que
precisam cumprir seu fluxo, circular, levar a todas as direções seu significado e, acima de tudo,
religar as pessoas, gerar vínculos entre elas. De toda a argumentação que venho desenvolvendo
até aqui, o ponto que poderia ser considerado o meu calcanhar de Aquiles é justamente a
incerteza sobre o que acontece no campo da recepção, isto é, se o feedback, cuja importância
destaquei anteriormente, de fato ocorre. É neste sentido que as cartas que criticam/elogiam a
revista lançam luz.
A primeira carta que vi com essa finalidade foi exatamente o único caso desfavorável à minha
hipótese de trabalho, pois inculcou-me uma terrível dúvida acerca
do que acontece com as
mensagens veiculadas pela revista. O conteúdo da carta é o seguinte: “De um leitor recebemos a
seguinte reclamação: “Há um ano, quando me reuni com alguns amigos, lançamos a idéia de um
Seminário Amador de Parapsicologia. Colocamos um aviso em Planeta e pensamos que
receberíamos muitas cartas. Tal não aconteceu – só cinco cartas – e a esperança de realizar o
seminário ficou nessas cartas, e no consolo da revista dizendo que a idéia estava lançada e que
não tinha caído no vazio. Como achamos de suma importância este seminário para troca de
informações, debates, etc., torno a lançar a idéia esperando maior interesse e colaboração
R.A.S.”155.
Mas os contra-exemplos são mais constantes e bem mais enfáticos. Veja-se a carta que
segue: “Escrevo para Planeta, a revista que, sem saber, me ajudou demais. Com as vibrações de
dois ‘loucos’, Jacques Bergier e Louis Pauwels, ela nasceu em Paris; e com a vibração de algum
‘louco’ brasileiro ela pintou por aqui em setembro de 1972, quando eu tinha 13 aninhos e já
começava a questionar o “quem sou?”, “de onde vim” e “pra onde vou?”. Era uma revista bem
hermética, estranha e para gente muito especial. Quando ela estava no número 56, saiu o meu
apelo para contatos com todos que sentissem dentro de si algo maior e infinito. Em 77, quando
passava por uma estranha crise existencial, choveram cartas e elas iluminaram o meu caminho;
155
Revista Planeta, São Paulo, Editora Três, n. 71, ago./1978.
eu, que me achava louca por gostar de esoterismo, ufologia, alimentação natural, etc., encontrei
várias pessoas que, se falarmos que tudo isso é loucura, eram muito mais loucas do que eu.
Depois vieram contatos pessoais; até hoje tenho grandes e maravilhosos irmãos em São Paulo,
Minas, Rio Grande do Sul e Brasília, quase o Brasil inteiro, que conheci através de Planeta. Fomos
nos encontrando e, todos irmãos, buscando atingir a Luz. Em 79, joguei uma outra mensagem e
pude conhecer mais gente. E que incrível...! Como poderia conhecer e ser irmã de alguém
distante, sem sair de casa? Se essa revista não existisse como poderíamos nos encontrar?
Quando Planeta mudou sua forma, não gostei. Achei que ia ficar sensacionalista, mas o conteúdo
dela não foi modificado; aliás, está melhor, mais aberta, mais simples (apesar de cara – culpa do
petróleo). Conversando com um irmão de cuca, comentávamos o valor da Planeta. Se ela sustenta
materialmente bem seus editores, sustenta maravilhosamente bem os leitores espiritualmente.
Tenho o maior prazer em perguntar para o jornaleiro: ‘Ei, já saiu Planeta?”, e ir devorando cada
palavra e encontrando os ‘loucos’ no Clube da Comunicação. Que você seja eterna Planeta, pois
muita gente cresce através de você. R. S.”156. Além da carta da leitora mostrar muito bem como
existe uma comunicação efetiva, isto é, multidirecional e recíproca, alguns elementos chamam a
atenção. Em primeiro lugar, palavras e expressões como “vibrações”, “buscando atingir a Luz”,
mostram como opera a categoria energia enquanto moeda cultural do mundo místico. Através
delas a autora da carta aproxima-se dos fundadores da revista e também dos “irmãos”, “loucos do
Clube da Comunicação” que falam uma mesma linguagem e, por isso mesmo, se encontram. Em
segundo lugar, lembrando a metáfora do jogo que utilizei para mostrar a importância do feedback,
é interessante notar a expressão utilizada pela leitora: “joguei uma outra mensagem”. Assim os
atos comunicativos, representam atos de trabalho, mas também jogos de linguagem que servem à
constituição do vínculo social. Após ter jogado uma mensagem, o resultado automático para a
leitora foi “conhecer mais gente”.
Mesmo na crítica do leitor em relação aos cortes que são feitos nas cartas, pode-se
verificar os traços de um eu ávido por comunicar-se e que utiliza de fato as seções de cartas da
revista Planeta como espaço público, espaço de co-presença: “Por que os senhores não publicam
156
Revista Planeta, São Paulo, Editora Três, n. 93, jun./1980.
na íntegra os artigos que escrevemos? Não vejo razão para vocês cortarem os textos mais
interessantes, porque não há subversão e nem imoralidade. Os textos são de inteira
responsabilidade de quem os assina. H.R.N.”. O apelo do leitor foi respondido pela Revista da
seguinte forma: “Simplesmente não dispomos de espaço para publicar na íntegra todas as cartas
de leitores que recebemos. Somos obrigados a selecionar apenas as que têm interesse mais geral
e mesmo assim aproveitar somente trechos.”157
V.
Correspondência com outras pessoas para:
a) Troca de impressões e informações dentro de um determinado tema
Penso ser neste tipo de cartas que encontro o clube da comunicação propriamente dito, as
redes comunicativas da Nova Era, pois não se trata da troca de informações com o veículo de
comunicação, mas do fluxo de informações entre pessoas. Ademais, na perspectiva da análise de
redes sociais a partir de um enfoque relacional, ou seja, considerando que as condutas dos
indivíduos são explicadas fundamentalmente por suas relações com os outros, percebe-se que os
laços entre os indivíduos são o fator fundante de momentos que podem ser chamados de
comunidades afetivas, que se apresentam nas cartas a serem analisadas neste tópico.
Este é o tipo mais comum de cartas na revista Planeta, caracterizado por textos bem objetivos
em relação à sua finalidade: trocar idéias. É o que podemos verificar, especialmente, no seguinte
depoimento, enviado à seção Clube da Comunicação: ”Nesta seção, espero encontrar as pessoas
certas para verdadeiras e convenientes trocas. Acho que os leitores desta revista são as pessoaschave dessas trocas. Precisamos (eu e muitos outros) trocar, urgentemente, idéias, conceitos,
conhecimentos, ensinamentos e experiências, pois sem dúvida alguma os leitores desta revista se
diferenciam das demais pessoas justamente pelos tipos de conhecimentos adquiridos, logicamente
pelo seu tipo de comportamento em face do mundo em que vivemos. Assim lanço aqui a idéia de
formarmos um ‘Clube da Comunicação’ com todos os que gostam e lêem a Revista Planeta.
C.F.“158
157
158
Revista Planeta, São Paulo, Editora Três, n. 84, set./1979.
Revista Planeta, São Paulo, Editora Três, n. 197, fev./1989, p. 66.
Para o movimento Nova Era são fundamentais as idéias de que o despertar do eu superior –
do self, segundo a denominação junguiana – é o objetivo maior da existência humana e a de que o
processo desse despertar implica transformações interiores nos níveis fisiológico, psicológico,
emocional, racional, espiritual. Esse é o objetivo maior, porque supõe-se que se cada indivíduo se
transforma as coletividades das quais ele faz parte também acabam sendo transformadas. Por
isso, na Nova Era, é indispensável a preocupação com técnicas e métodos capazes de ajudar na
transformação e na expansão da consciência. É preciso antes, entretanto, conhecer essas técnicas
e esses métodos, e isso se faz através da troca de informações com outras pessoas. Claro que
existem aqueles que se arriscam a experimentar de tudo um pouco, sem muito critério. De modo
geral, o que se vê – o que vi por minhas experiências junto a pessoas que esperam a Nova Era, o
que vejo pelas cartas dessa revista – são pessoas preocupadas em descobrir sua trajetória de
auto-aperfeiçoamento, não simplesmente na base do acerto e erro, e sim buscando se informar e
estudar aquilo que melhor responda às suas necessidades. Isto só é possível porque existem
correntes de opinião pública que informam e formam as pessoas que acreditam estar vivendo um
tempo novo e que por acreditarem nisso são motivadas a fazer alguma coisa para se adequar a ele
e, mesmo, para construí-lo, como pode-se perceber pela carta a seguir: “Estamos adentrando na
nova Idade de Ouro. Os ascensionados oferecem-lhe, sem compromisso e grátis, as chaves de
uma vida cheia de paz, amor e abundância. Escreva solicitando informações. A.O.M.”159
A partir das cartas para troca de impressões e informações (cujos exemplos constituem o
anexo III deste trabalho), pode-se visualizar melhor o modo de lidar com os temas e práticas de
interesse do errante da Nova Era. Os meios utilizados são mesmo mágicos, no sentido de que têm
finalidades individuais específicas que podem ser “uma vida cheia de paz, amor e abundância”, ou
outros como o da carta a seguir: “Tenho pesquisado e colecionado dados e informações sobre o
problema do consumo de tóxicos na sociedade atual. Gostaria de corresponder-me com pessoas
interessadas no assunto, para trocar idéias. Se você tem problemas com vícios ou viciados e
deseja solucioná-los, disponho-me a enviar, gratuitamente, subsídios que podem ser de valia
159
Revista Planeta, São Paulo, Editora Três, n. 170, nov./1986.
nesses casos. V. de S.”160. Mas esses meios mágicos se processam abaixo de potentes forças
coletivas que determinam a formação das redes161. São as necessidades coletivamente sentidas
que forçam os indivíduos a operararem a mesma síntese, ou seja, a crença é o efeito das
necessidades dos indivíduos diante de acontecimentos e eventos que se apresentam a uma
coletividade, mas estas só ganham sentido quando compartilhadas com os outros numa mesma
linguagem. Como diz Mauss, “o juízo mágico é objeto de um consentimento social, tradução de
uma necessidade social, sob cuja pressão desencadeia-se toda uma série de fenômenos de
psicologia coletiva: a necessidade sentida por todos, a todos sugere a finalidade [...]. É porque o
efeito desejado por todos é constatado por todos que o meio é considerado capaz de produzir o
efeito [...]. Definitivamente, é sempre a sociedade que se paga a si mesma com falsa moeda de
seu sonho. A síntese da causa e do efeito só se produz na opinião pública.”162 Em última análise,
desejos e necessidades individuais comuns a uma coletividade só se resolvem pela via mágica –
característica das técnicas e terapias da Nova Era – se há um consenso social em torno da
utilização desta via e não de outra. As escolhas públicas são informadas pelo espírito de época em
que estão contextualizadas, ou seja, pela ordem simbólica de que são fruto e a qual constróem,
pois, conforme Castells “culturas são formadas por processos de comunicação. E todas as formas
de comunicação [...] são baseadas na produção e consumo de sinais. Portanto, não há separação
entre ‘realidade’ e representação simbólica. Em todas as sociedades, a humanidade tem existido
em um ambiente simbólico e atuado por meio dele.”163
Assim, penso que esse tipo de cartas mostra, no nível da ação, ou seja, do funcionamento
do mecanismo da vida social, como as forças coletivas atuam lingüisticamente, contribuindo para a
propagação das práticas típicas da Nova Era, bem como para própria formação de redes em torno
desta propagação de informações.
b) Estabelecer relações mais íntimas (amizade, namoro e casamento)
Revista Planeta, São Paulo, Editora Três, n. 72, set./1978.
Uma demonstração de como operam as forças coletivas num fenômeno aparentemente individual pode ser encontrada
no capítulo 1, através da análise da categoria de energia e sua comparação com a noção de mana.
162
MAUSS, “Esboço de Uma Teoria Geral da Magia”, Op. cit, p. 153-154
160
161
Indício de que, muitas vezes, as relações interpessoais podem se aprofundar e alcançar um
nível físico são as propostas para estabelecer relações mais íntimas. Na contramão daquilo que
Lipovetsky e outros vêm apontando como o fim do espaço público, onde o que acontece é um
encasulamento dos indivíduos, corroborando sua atomização e a personalização de suas relações,
aparece este tipo de carta, bastante comum na revista. Nas revistas mais atuais, é inclusive o tipo
de carta mais freqüente. A afinidade pelos temas veiculados na revista Planeta serve de garantia
para ao menos tentar conquistar êxito em relações “mais íntimas”, pois como diz um leitor: “sou
muito solitário e gostaria de ter uma amiga. Sou extremamente voltado a assuntos como os
abrangidos pela Revista Planeta. J.F.B.”164. Às vezes, a referência aos temas místicos pode ser
mais sutil, como a do leitor que faz menção a Hermann Hesse, cuja literatura é bastante apreciada
no meio Nova Era, autor de O lobo das estepes e Sidharta. Diz este leitor: “vivo nestas estepes, à
procura de outros que tenham a capacidade de formar e assumir amizades. A. O. V.”165
Para ver mais cartas deste tipo, consultar anexo IV.
c) Troca/venda/doação de livros, revistas e objetos
Complementando a solicitação de informações à revista, que se constitui numa forma de
acessar as redes físicas da Nova Era, este tipo de carta tenta conformar uma espécie de rede em
miniatura, garantindo a satisfação de necessidades bem específicas dos leitores. Mas, sem dúvida,
é um canal para fazer circular objetos importantes das práticas Nova Era. Veja-se o que diz este
leitor: “Desejo adquirir o livro Mundos em Colisão, de Emanuel Velikovsky. Quem quiser vender
ou trocar por outro, favor escrever. Possuo, também, uma obra de sir Isaac Newton (em
português): As profecias de Daniel e o Apocalipse, que está à venda. Universo/77”166. As
solicitações podem ser também genéricas, se o errante deseja abarcar o máximo de
conhecimentos dentro da ampla diversidade temática de que geralmente dispõe, como a do
seguinte leitor de Planeta, por exemplo: “Compro livros de ocultismo, esoterismo, hermetismo,
163
CASTELLS, Manuel. “A Rede e o Ser” e “A cultura da virtualidade real”. A Sociedade em Redes. São Paulo, Paz e
Terra, 1999, v. 1, pp. 21-47 e pp. 352-401, p.394.
164
Revista Planeta, São Paulo, Editora Três, n. 151, abr./1985.
165
Revista Planeta, São Paulo, Editora Três, n. 71, ago./1978, grifo meu.
magia, budismo, teosofia, maçonaria, etc., obras de Paul Brunton, Eliphas Levi, Krisnamurti e
revistas Planeta e A Dúvida. M.C.F.”167 Aparecem ainda solicitações de grupos que, apesar de
terem um contorno mais bem definido, fazem solicitações genéricas como o seguinte: “O capítulo
AMORC Vitória está ampliando sua biblioteca e para tanto necessita de doações de livros e
revistas que sirvam como fonte de pesquisa e estudo. Qualquer correspondência pode ser enviada
para: J.M.R. de B.”168 Por outro lado, há os grupos específicos, que fazem solicitações específicas
como a seguinte: “Estamos organizando nossa biblioteca sobre artes marciais e filosofias orientais,
e gostaríamos muito de receber doações de qualquer matéria relacionada com tais assuntos.
Livros, revistas, artigos e recortes, enviar para Club da Filosofia do Kung Fu.”169
d) Auxílios (solicitação/oferecimento) em diversas situações
Este tipo de carta mostra bem o caráter solidário das redes. Assim, as pessoas oferecem e
pedem ajuda em casos de doença ou de outras necessidades, esperando que algum outro
participante dê o auxílio tão desejado. Há os que oferecem ajuda a outras pessoas, estendendolhes a mão, como é o caso deste leitor do Rio de Janeiro: “Se estiver hospitalizado e não tiver
quem o visite, escreva-me. Eu irei. J.S.B. da C.”170 Há também os que pedem ajuda, esperando
encontrar apoio ou resposta nas redes de solidariedade da Nova Era: “Rogo a todo e qualquer
irmão, sem distinção de raça, credo ou convicção filosófica, que ajude espiritual, mística ou
cientificamente o meu filho W.S.M. de 15 anos. Ele é portador de uma doença óssea incurável pela
ciência médica terrena. Aparentemente é normal, sendo inclusive bastante inteligente, mas tem um
sério problema: qualquer queda, pancada ou mesmo uma torção mais forte ocasiona fratura óssea.
Sofreu até hoje cerca de 12 fraturas. Desde os 4 meses de idade começou sua via crucis, quando
quebrou a perninha no próprio berço; desde essa época não parou mais. No momento, está com o
166
Revista Planeta, Op. cit., n. 61, out./1977.
Revista Planeta, Op. cit., n. 107, ago./1981.
168
Revista Planeta, Op. cit., n. 86, nov./1979.
169
Revista Planeta, Op. cit., n. 124, jan./1983.
170
Revista Planeta, Op. cit., n. 68, mai./1978.
167
segundo cotovelo fraturado (o primeiro já ficou defeituoso, e deve ser submetido a uma cirurgia
ortopédica). Sofre ainda de uma enfermidade auditiva, acompanhada de ruídos e surdez, já tendo
perdido nessa tenra idade, 45% e 55% de audição em cada ouvido. Está sob controle médico há
vários anos, o que felizmente parece ter interrompido parcialmente o processo da enfermidade
auditiva. Portanto, apelo a todas as criaturas bondosas que queiram dar um pouco de si mesmas,
ajudando assim, de alguma forma, a restaurar a saúde e a felicidade de uma criança O. M. N.”171
Ou ainda este outro exemplo: “Sou deficiente física, leio Planeta assiduamente e creio nos
fenômenos paranormais e nas leis ocultas que regem o universo. Porém, vivo numa profunda
solidão depressiva e gostaria de me corresponder com pessoas que já tenham superado isso.
M.A.T. de M.”172
Há também os que lançam-se às redes de uma maneira bem descompromissada: “Pintor,
poeta, 25 anos, deseja encontrar um mecenas. Cartas para J.D. dos S.”173 Outros que sentem-se
responsáveis por pessoas que estão fazendo o mesmo tipo de caminhada, mostrando, inclusive, o
interesse que as seções de cartas da revista Planeta despertam: “Sou leitora da revista Planeta e
observo que, através da seção Clube da Comunicação, há muitas pessoas interessadas em
radiestesia. Comunico-lhes através desta que conheço uma excelente curso (radiestesia e energia
de formas) por correspondência. Melhores informações no próprio endereço de correspondência.
La Radiesthésie – Centro Técnico de pesquisas Radiofônicas, rua Amaral, 392, São Paulo, SP.”174
Pelo tipo de mensagens apresentadas fica difícil pensar num indivíduo interessado que coloca
o motivo particular acima de qualquer lei, fazendo do amor próprio a origem e o fim de todas as
coisas ou fazendo o cálculo de quanto vale uma ajuda ao próximo ou o que irá ganhar com isto.
Neste caso fica claro um sentido eminentemente ético, proxêmico na ação destas pessoas,
delineando características de um viver em comunidade.
VI.
171
Discussão profunda de temas (a partir de reportagens e outras cartas de leitores
publicadas pela revista ou de livre escolha do leitor-correspondente)
Revista Planeta, Op. cit., n. 94, jul/1980.
Revista Planeta, Op. cit., n. 197, fev./1989.
173
Revista Planeta, Op. cit., n. 111, dez./1981.
174
Revista Planeta, Op. cit., n. 124, jan./1983.
172
Em contraponto às cartas do tipo correção de informações ou, mesmo, do tipo críticas/elogios
à Revista, e no mesmo sentido das cartas de tipo troca de informações, as cartas que discutem
temas de modo profundo têm um espaço amplo e aparecem em grande quantidade. Isto revela
uma face do público, já ressaltada no primeiro capítulo: o fato de ser composto maioritariamente
por camadas médias e altas da população, com grau de instrução bastante elevado, comprovado
aqui pela capacidade de textualizar raciocínios analíticos sofisticados com clareza e de maneira
não superficial.
É importante dizer que o tom da discussão mantém-se em nível cordial, livre e sem grandes
tensões. As cartas tentam cobrir falhas de informação que porventura ocorrem nos artigos
publicados na revista ou adicionar um ponto de vista diferente daquele que foi usado pelo
jornalista. Não se trata, portanto, de discutir posições ou demarcar verdades e pontos de vista (que
assim demarcariam identidades rígidas diferentes), mas de procurar esclarecer algum detalhe que
possa não ter ficado claro em relação à posição tomada no artigo. Conforme depoimento colhido
por Leila Amaral Luz no Encontro para a Nova Consciência em Campina Grande, tomado de uma
teóloga católica, mas que tem cores da Nova Era, “a realidade não é ou isto ou aquilo, mas a
realidade é mais isto e mais aquilo” 175. Para mostrar que é este o tom que impera nas discussões,
veja-se a seguinte carta de um leitor paulista: “Em Planeta 65 li o artigo Os Monstros, o que me
leva à reflexão do papel dos deformados em nossa sociedade. Esses seres marcados pela
deformidade estão predestinados a carregar um fardo de provações maiores que o normal, tendo
ainda que desenvolver uma dose de compreensão acima da média para poderem suportar as
humilhações impostas por pessoas tidas como perfeitas. O que não podemos esquecer é que
essas pessoas são tão humanas quanto nós. E são, na realidade, mensageiros de esperança, de
fé e crença no Homem que tem força suficiente para superar seus preconceitos, tornando o mundo
mais justo e digno para aqueles que trazem em si o sacrifício e a dura luta pela vida. S.A.D. da
S.”176
175
176
LUZ, Carnaval da Alma, Op. cit., p. 354.
Revista Planeta, Op. cit.,n. 68, mai./1978.
Veja-se agora este outro, tentando somar informações ao ponto de vista esboçado pela
jornalista: “Li o magnífico texto de Edna de Andrade, sob o título Xamã em Planeta 64. De início
diz a autora: ‘Não tendo paralelo no mundo civilizado, o xamanismo tem sido objeto de estudo de
antropólogos do mundo inteiro. Nas modernas sociedades não existe uma figura que possa ser
comparada a do xamã primitivo’. Na minha opinião isso não é exato. Basta que analisemos o que
ocorre com o chamados paranormais, sensitivos ou médiuns. Estudemos a vida de um Francisco
Cândido Xavier e veremos o quanto esse médium sofreu em sua iniciação. Entrevistemos os
chamados pais-de-santo do candomblé e da umbanda. Saberemos o quanto sofreram com
doenças, perseguições, terrores, etc. Guardadas as devidas proporções, verificamos que há um
perfeito paralelismo entre os grandes médiuns modernos e os xamãs primitivos. Comparemos a
iniciação de sofrimento e purificação, a função de intermediários entre encarnados e
desencarnados, os serviços prestados como oráculos, curandeiros e sacerdotes. A diferença é
apenas de cultura, de evolução, de concepção. A essência é a mesma. Diz ainda a autora do texto:
‘o futuro xamã geralmente é escolhido durante o período da adolescência. Isto pode ser
determinado pela sua propensão em cair doente ou sofrer de epilepsia’. O Dr. Eliezer Mendes
afirma que o epiléptico é um médium, um paranormal desequilibrado, e que um médium é um
epiléptico equilibrado. Aí está o testemunho de um cientista. Esse paralelismo não poderia deixar
de existir, pois somos uma só humanidade, temos uma só origem e um só destino. Somos todos
irmãos. C.de M..”177
É interessante notar que o pano de fundo dos argumentos desenvolvidos nas duas cartas
chama atenção para uma suposta unidade no humano. No caso da primeira carta, um artigo sobre
monstros leva a uma importante reflexão social que tenta mapear as dificuldades das pessoas de
modo geral em reconhecer a mesma qualidade do humano presente nos deformados ou
deficientes. No caso da segunda carta, o leitor diz que não considera “exata” – e não errada – a
opinião da autora do artigo de que não há paralelos do xamanismo no mundo moderno, apesar de
ter
achado “magnífico” o artigo. Para demonstrar seu ponto de vista, o leitor lança mão de
argumentos tais como experiências de paranormalidade, de sensitivos, de médiuns e adeptos da
177
Revista Planeta, Op. cit., n. 70, jul./1978.
umbanda, além de citar um médico, ou seja, um representante do “saber autorizado”, mostrando
que, por trás da diversidade destas práticas, está o mesmo ser humano e que, por isto, há a
possibilidade de encará-las sob um mesmo prisma, inclusive aproximando-as do chamado
xamanismo, objeto de toda a discussão. É essa unidade no humano que permite a harmonização
de pontos de vista tão distintos, delineando um espírito de extrema tolerância. Como diz o leitor da
segunda carta, “a diferença é apenas de cultura, de evolução, de concepção. A essência é a
mesma”. Aqui fica explícito o relativismo fundacionista178, ou seja, uma concepção de que a
essência do humano funda-se na própria diversidade, idéia que está na base do movimento Nova
Era.
Toda a discussão sobre a troca de informações, desencadeada a partir desta tipologia de
cartas, e o seu significado para a composição das relações sociais inspiradas pela Nova Era,
mostra-se central para compreender o que venho chamando de individualismo afetivo. O
individualismo afetivo representa o modo como trajetórias individuais se entrecruzam através de
atos comunicativos, sendo que a informação é o material básico – a dádiva nobre – do qual se
alimentam esses atos comunicativos – na sua tripla obrigação de dar, receber e retribuir. Significa
dizer que a informação só adquire sentido e valor quando comunicada aos outros e não quando é
guardada para si. É em nome da troca de informações que as relações sociais acontecem,
mostrando que mensagens são pessoas, e que pessoas formam redes de solidariedade.
Em conclusão, o que todas essas mensagens – as que foram aqui discutidas e as que foram
apresentadas em anexos –, em seus mais variados conteúdos procuram comunicar através de
uma linguagem que é tipicamente Nova Era, antes de mais nada, é aquilo que venho chamando,
junto com Otávio Velho, de espírito de época, espírito de nossa época: experiências que surgem
na vida quotidiana concreta, nas experiências vividas pelas pessoas que compartilham esta
linguagem comum, mas que estão impregnadas de uma ressonância e de uma profundidade
míticas que as transformam em um dos modelos de vínculo social no mundo contemporâneo.
178
LUZ, Carnaval da Alma, Op. cit., p. 350.
Esse espírito de época, muitas vezes permite chamar as sociedades contemporâneas de
sociedades de informação. Mas, é preciso qualificar o que significa esta expressão. Na análise dos
tipos de cartas presentes na revista Planeta, ficou evidente a centralidade da troca de informações
como principal ingrediente da constituição das relações sociais entre os errantes da Nova Era. É
interessante notar que na palavra informação encontram-se reunidos os elementos necessários
para descrever esse fato, pois há uma linguagem comum que forma a ação, trazendo algo que
está de fora para dentro dos indivíduos, ou seja, incutido-lhes modos de ver o e agir no mundo,
que criam e recriam o próprio mundo179. Se há uma linguagem compartilhada, pode-se dizer que
estamos tratando com tipos sociais não exclusivamente privados, ou com individualidades
puramente egoístas e voluntaristas que imitam a lógica do mercado nas suas práticas religiosas,
mas sim com tipos sociais que realizam sua religiosidade através de processos comunicativos, nos
quais importa a troca simbólica que só acontece quando se experimenta o estar-junto com os
outros.
179
O processo de aprender e apreender uma linguagem, que justifica o uso da expressão trazer algo que está de fora para
dentro dos indivíduos, mostra como atuam as forças coletivas acima de fenômenos aparentemente individuais, conforme
mostrou Mauss em relação à magia. São as ditas correntes de opinião pública atuando sobre as ações individuais, que
resultam em fenômenos coletivos cuja base é a dádiva, ou reciprocidade.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
“Vejo através dos olhos, e não com eles.”
William Blake
“A flecha que uns não vêem partir, outros vêem chegar.”
Marcel Mauss
O exercício de olhar a realidade e tentar compreendê-la é, sem dúvida, um exercício que
exige do pesquisador muito cuidado, sobretudo na hora de fazer inferências sobre o que foi
observado e constatado, bem como de apontar os alcances e os limites que essas constatações
engendram. Como primeiro passo é mister reavaliar até que ponto as propostas deste trabalho
foram concretizadas. Toda a discussão precedente prestou-se a uma finalidade que, longe de
pretender chegar a uma verdade inquebrantável, tinha pretensões modestas de polemizar e
complexificar o debate acerca da constituição do vínculo social nos dias atuais, utilizando, como
registro empírico, os processos comunicativos nas redes da Nova Era. Deste modo, propus uma
via de leitura que não descarta o interesse como meio de promoção do vínculo social, mas o retira
de bases ontológicas e extrapola as interpretações egóticas e personalistas da ação humana,
tentando mostrar as razões simbólicas contidas na lógica do mercado. Nesse sentido, quis
contemplar os motivos e as disposições que se colocam no ponto de vista daquele que abraça
determinadas crenças, determinadas práticas e, junto com estas, estilos e modos de vida.
Nessa dissertação, foram apresentados processos comunicativos dos ditos errantes da
Nova Era, a fim de discutir a correspondência entre esses processos e a reconfiguração do
individualismo no mundo contemporâneo. O campo religioso, de um modo geral, mostra-se
extremamente rico de significados, que servem para perceber como se constitui o vínculo social a
partir das possíveis transformações ocorridas na construção do eu em consonância com a
ambiência histórica de cada época. Dentro desse vasto horizonte, penso que a relação espaçotempo do mundo globalizado é um dos principais insights analíticos que aparece como chave de
compreensão das reconfigurações valorativas e, por conseqüência, societárias dos tempos que
correm. Mais uma vez, insisto na idéia de que se trata de uma mudança no mundo – dada pela
livre circulação de mercadorias, dinheiro, informações, pessoas etc. –, mas também de uma
mudança na constituição das categorias de tempo e espaço que está sendo marcada, sobretudo,
pela imagem de um mundo UNO (religado), no qual se destaca a admissão da pluralidade
histórica, cuja conseqüência é a relativização da relação entre espaço e identidade. Trata-se
também de uma mudança do ponto de vista das idéias, que opera a desconstrução da hegemonia
do tempo sobre o espaço, colocando em xeque a concepção de história como um fio único que
deve ser uma marcha em frente ao progresso.180
O exame detalhado das principais características da Nova Era, bem como dos novos
significados que ela introduz num valor central da cultura ocidental – o individualismo –permitiu-me
perceber que há, por um lado, aquilo que Leila Amaral Luz chamou de des-canonização entre
essência e lugar, já que a Nova Era se mostra como um tipo de religiosidade que “antes de ser
essencialista apresenta-se mais como uma busca pela essência.”181 Por outro lado, o lugar se faz
na conjugação de fluxos globais e práticas locais e na tentativa de equacioná-los. Fluxos
cosmopolistas e internacionais compõem a imagística e o multiverso de práticas da Nova Era, com
vistas a atender necessidades locais, não demarcáveis por qualquer traço identitário rígido mas por
identificações momentâneas e efêmeras. O poder dos fluxos globais é indubitavelmente grande e
sua lógica altera o significado e a dinâmica dos lugares, a exemplo do apelo ecológico presente no
movimento Nova Era, que leva adiante a idéia de fundar um ecumenismo em nome da defesa do
planeta Terra e da vida nele. Mas, a contraparte das culturas locais não pode ser esquecida,
lembrando, com Featherstone, que “traçar os limites em torno de um determinado espaço é um
ato relacional que depende da configuração de outras localidades significantes, no interior das
quais o indivíduo procura situar esse espaço.”182 Deste modo, as realidades locais dos pequenos
grupos, dos centros holísticos, dos encontros, vivências e workshops são demarcadas pela
necessidade de fazer aperfeiçoar o eu, mas esse aprimoramento se faz em relação ao outro, ou
em relação à construção de uma melhor convivência com o outro.
Essas conjugações de fluxos presentes no mundo contemporâneo é que conformam, a
meu ver, o espírito de época do qual estão imbuídos os errantes da Nova Era. É exatamente isto
que possibilita fundar a unidade na diversidade ou, para tomar de empréstimo uma outra
180
Uma análise das relações entre progresso, curso unitário da história e modernidade é oferecida por COELHO DOS
SANTOS, Francisco. “O acaso das origens e o ocaso das finalidades”. NASCIMENTO, Maria Regina do e TORRESINI,
Elizabeth W. R. (orgs.). Modernidade e Urbanização no Brasil. Porto Alegre, EDIPUCRS, 1998, pp. 21-31. Neste texto o
autor mostra que “na lógica da modernidade a história humana é identificada a um processo de emancipação, a uma
evolução que, a termo, conduz à realização dos ideais da humanidade. Tudo muda, tudo deve mudar, tudo deve ser
superado, e o valor reside justamente lá onde se encontra a última superação. É como conseqüência desse sentido
progressivo que o que se encontra mais próximo do fim do processo, isto é, aquilo que é mais avançado ou mais
desenvolvido é também o que é mais valorizado: o mais avançado é o que corresponde ao ideal de emancipação ou, o que
é a mesma coisa, ao ideal de realização da civilização. Evidentemente, não é possível conceber a história como realização
progressiva da humanidade se ela não é compreendida como um processo que segue um curso unitário e contínuo. Ou
seja, só é possível falar de progresso se não existe senão uma história: a história universal da humanidade”.
expressão de Leila Amaral Luz, que os faz “capturar uma ‘essência’ simultaneamente fundacionista
e relativista”. Analisando o Encontro para a Nova Consciência: O Pensamento da Cultura
Emergente, de Campina Grande (1997), a referida autora pôde perceber um traço marcante no
espírito da Nova Era, para além das especificidades dos grupos ou das pessoas que compõem o
movimento: a concepção de uma unidade prévia. Esta não se apresenta como realidade ontológica
e universal, mas sim de forma relativa. A comprovação desta forma de ver e viver a realidade, pode
ser vista, então, através dos diferentes modos com que se representa o tempo e da polifonia de
vozes que performam estas representações sem que isto, entretanto, gere desagregação, mas, ao
contrário, congregue as pessoas em torno de uma comunidade. Desse modo, como afirma ainda
Luz em trabalho anterior, “o ‘imaginário holístico’ poderia ser compreendido como uma
representação simbólica dessa comunidade sem essência, seja pessoal ou social. [...] É uma
linguagem, diríamos, que oferece a possibilidade de agir localmente – na medida em que as
técnicas terapêuticas funcionam como meios (rituais) para o processo incessante do indivíduo
‘tornar-se melhor’, dentro da sociedade existente e através de seus relacionamentos concretos e
face-a-face – pensando globalmente – isto é, pensando o ‘estar junto’ como existindo antes do
‘estar com’. “183
Na análise de Featherstone, um dos fatores que contribui para a mudança de perspectiva
no modo de ver o e agir no mundo provém daquilo que chamei de (re)encontro entre Oriente e
Ocidente. Sob os impulsos da globalização econômica e das descobertas no campo das
tecnologias de informação, o Ocidente assiste à quebra de algumas verdades que pressupunha
universais, mas que não passavam de um desejo de universalização. Importa dizer que esse
(re)encontro de certa forma celebra o poder agrupador dos sistemas simbólicos, sem, contudo, vêlos como fronteiras da diferença. Segundo Featherstone, “neste final de século XX há um
reconhecimento progressivo de que os povos do mundo não-ocidental têm histórias próprias.
Particularmente importante nesse processo, no contexto da era que se seguiu à Segunda Guerra
Mundial, tem sido a ascensão do Japão, não somente porque seu sucesso econômico parecia
apresentá-lo como um país que superava o Ocidente, quanto à modernização, mas porque os
181
LUZ, Carnaval da Alma, Op. cit., p. 354.
japoneses começaram a estruturar teorias da história universal que contestavam a inserção do
Japão em um continuum, formulado no Ocidente, constituído por sociedades pré-modernas,
modernas e pós-modernas [...]. Tem havido uma percepção crescente de que a história não é
apenas ‘temporal ou cronológica, mas também espacial e relacional’ (Sakai, 1989: 106), de que
nossa história é gerada em relação com outras temporalidades coexistentes e espacialmente
distintas.”184
No mundo, que ora se apresenta como um conjunto de realidades históricas coextensivas,
a religião, sobretudo em sua vertente não-institucional, como no caso da Nova Era, precisa ser
vista como sistema de comunicação ou sistema simbólico capaz de colocar em relação a realidade
local com uma perspectiva global. Nesse sentido, é preciso retomar a discussão em torno do
urbano traduzido em cosmopolitismo, pois o tornar-se cidadão do mundo muitas vezes é o tornarse estrangeiro. Perceber a diversidade que compõe o mundo gera atitudes de relativismo cultural
diante da pluralidade de valores, o que favorece sentimentos de tolerância e de unidade na própria
diversidade (embora a reação oposta também possa acontecer, reavivando um etnocentrismo
duro, a exemplo dos neonazismos, neofascismos, fundamentalismos e integrismos de que temos
notícias todos os dias através dos meios de comunicação). As diferenças, no caso dos estilos e
modos de vida cosmopolitas, não são disjuntivas, servindo, antes, como fonte de convergência em
torno do fato básico de que: somos diferentes, mas construímos a nossa própria diferença de
modo estranhamente parecido.185
Vejo, assim, a relação com o sagrado favorecida hoje muito mais pelo compartilhamento
de um espaço num tempo de fluxos do que por uma construção temporal-histórica num espaço fixo
– como é o caso das grandes religiões mundiais, à exceção do Islã, que tem outras características
que fazem dessa religião a que mais cresce no mundo atualmente. Mas, no caso da Nova Era, é o
fato de os errantes se concentrarem num espaço polifônico e polissêmico que propicia um
182
FEATHERSTONE, “Culturas globais e culturas locais”, Op. cit., p. 131.
LUZ, “As Implicações éticas dos sentidos Nova Era de comunidade”, Op. cit., p. 69.
184
FEATHERSTONE, Mike. “Culturas globais e culturas locais”. O desmanche da cultura. Studio Nobel, 199 , pp. 123-142,
p. 126.
185
Como afirma Eco: “é como se, no modo simbólico, se verificasse um consenso fático: não há acordo quanto ao que o
símbolo quer dizer mas há acordo quanto a reconhecer-lhe o poder semiótico. Que depois cada qual o interprete à sua
maneira não conta, o consenso social é alcançado no momento em que todos juntos reconhecem a força, o mana do
símbolo”. ECO, Umberto. “Símbolo”. Enciclopédia Einaudi: Signo. Lisboa, Imprensa Nacional/Casa da Moeda, 1994, v.
31.
183
ambiente comum de comunicação, ou seja, a comunhão de um conjunto de estilos e formas de
viver o sagrado. Há, neste sentido, a substituição da teologia – do discurso racional sobre Deus –
por uma experiência de Deus, a mística, pautada pela prática religiosa mais do que pelo
enquadramento de Deus em categorias racionais. Mas essa experiência centra-se num eu que
deseja tocar no sagrado, no incognoscível através do outro: “aquele ou aquela que por sua
alteridade e diferença movem o eu na direção a uma jornada de conhecimento sem caminhos
previamente traçados e sem seguranças outras do que a aventura da descoberta progressiva
daquilo que algo ou alguém que não sou eu pode trazer. Esse ou essa que não sou eu também
não é isso (algo coisificado ou reificado), e sim alguém que a mim se dirige, que me fala e a quem
respondo, um outro sujeito, cuja diferença a mim se impõe como uma epifania, uma revelação.”186
É interessante perceber como o vínculo social de tipo religioso, a partir do enfoque não
institucional com o qual estou lidando, marca no indivíduo duas características do estrangeiro (tipo
social descrito por Simmel): a mobilidade e a objetividade. A mobilidade marca o errante da Nova
Era na sua busca incessante e infinita de conhecimentos e de práticas novas que o conduzam ao
auto-aperfeiçoamento; a objetividade, por sua vez, implica certo distanciamento dos grupos,
resguardando um envolvimento crítico que não admite a aceitação de uma única visão de mundo
tornada verdade universal. Assim, como tentei mostrar no primeiro capítulo, o conceito de religião
já não pode ser concebido exclusivamente como igreja ou comunidade de fiéis cujo pouso é fixo,
mas precisa incluir nos seus significados as redes de solidariedade que se espraiam no espaço
urbano (ou em relação a ele, no caso das comunidades alternativas), justapondo-se e superpondose umas às outras e oferecendo mil possibilidades de caminhos e práticas. É no sentido de somar
essa possibilidade como forma de compreender o vínculo social nas sociedades complexas que
Gilberto Velho invoca a noção de organização social proposta por Firth, na qual “através da
interação entre indivíduos e suas redes de relações, podemos lidar com o fenômeno da
negociação da realidade em múltiplos planos. A própria idéia de negociação implica o
reconhecimento da diferença como elemento constitutivo da sociedade. Como sabemos, não só o
conflito, mas a troca, a aliança e a interação em geral constituem a própria vida social através da
186
BINGEMER, Maria Clara L. “A Sedução do Sagrado”. CALIMAN, Pe. Cleto (org.). A Sedução do Sagrado: o fenômeno
experiência, da produção e do reconhecimento explícito ou implícito de interesses e valores
diferentes”. Segundo Gilberto Velho, “o fenômeno da negociação da realidade, que nem sempre se
dá como processo consciente, viabiliza-se através da linguagem no seu sentido mais amplo,
solidária, produzida e produtora da rede de significados de que fala Geertz. Em outras palavras, a
cultura, nos termos de Schutz, enquanto comunicação, não exclui as diferenças mas, pelo
contrário, vive delas.187
As idéias de ânimo e motivação, tão caras a Geertz, e a idéia de ambiente, presente em
Schutz e em Mauss, podem ser vistas, então, de forma convergente, de modo a confirmar a
relação entre organização social e diferenças na forma de representar os símbolos sagrados. O
ambiente caracteriza-se pelo entreleçamento entre finas redes de relacionamentos sociais, na qual
o indivíduo é introduzido e mantido através de atos comunicativos, lembrando que, ao mesmo
tempo, esse ambiente só existe porque existe uma linguagem comum compartilhada por aqueles
que tomam parte das redes. A característica mais marcante desse ambiente – pressuposto de sua
existência – é, sem dúvida, a reciprocidade ou, nos termos de Mauss, a atmosfera da dádiva.
Segundo Perez, “isso nos faz lembrar que o domínio do social [...] é o domínio da modalidade, isto
é, das formas comuns partilhadas pelos grupos e por eles escolhidas entre outras formas possíveis
e que a cultura comunica, dado que – como nos chamou atenção Edmund Leach – a interconexão
de fatos culturais transmite, ela própria, informação àqueles que participam destes fatos’.“188 A
concepção de ambiente, entretanto, admite que o símbolo (entendido como veículo de transmissão
cultural) só pode ser compreendido a partir de seu duplo caráter: por um lado, como fonte
extrínseca de informação do conhecimento humano sobre o mundo e, por outro lado, como
concepção que dá significado às coisas. É exatamente o que faz Geertz, ao tentar caracterizar o
pensamento humano como momento da produção e organização simbólica, ressaltando que “o
desenvolvimento, a manutenção e a dissolução de ‘disposições’, ‘atitudes’, ‘sentimentos’, e assim
por diante, não constituem ‘um processo fantasmagórico que ocorre em torrentes de consciência
religioso na virada do milênio. Petrópolis-RJ, Editora Vozes, 1998, pp.79-115, p. 84.
187
VELHO, Gilberto. “Unidade e fragmentação em sociedades complexas”. Duas Conferências. Rio de Janeiro, Câmara de
Estudos Avançados/FCC/UFRJ, 1992, pp. 13-46.
188
PEREZ, Léa Freitas. “Sincretismo religioso e nomadismo cultural na sociedade contemporânea”. NETO, Antônio Fausto
e PINTO, José Milton (org.). O indivíduo e as mídias: ensaios sobre comunicação, arte e sociedade no mundo
contemporâneo. Rio de Janeiro, Diadorim, 1996, pp. 123-128.
que estamos proibidos de visitar’”. Ao tratar da organização simbólica,
estamos tratando da
“discriminação de objetos, acontecimentos, estruturas, processos etc. em nosso ambiente. Aqui,
também, ‘estamos descrevendo as formas pelas quais as pessoas executam parte de seu
comportamento predominantemente público.”189 Desse modo, é preciso perceber que uma
cosmologia religiosa realiza, a um só tempo, a formulação da realidade e um modo de agir nela,
expressando o clima do mundo e modelando-o. Ademais, ao modelar a realidade, induz no crente
um certo conjunto de disposições e motivos. Assim, os símbolos que definem estes motivos e
disposições são os mesmos que os colocam num arcabouço mais amplo (cósmico): símbolos
sagrados induzem comportamentos sagrados, ao mesmo tempo que despertam formulações
gerais, permitindo que o campo religioso se misture a outros campos da vida social e constitua
aquilo que Mauss chamou de fatos sociais totais.
Na minha concepção – razão que justificou a realização desta pesquisa – estudar a Nova
Era como um movimento social, ou seja, como um movimento que agrega as pessoas, que gera
vínculo social (apesar de este manter uma configuração fragmentária), é de extrema relevância, na
medida em que serve para pensar o contexto histórico atual. Embora definida como religiosidade
do eu , a Nova Era pressupõe um voltar-se para o outro e um diálogo de múltiplas vozes em que a
palavra de ordem é reciprocidade. É essa reciprocidade que permite a troca de pontos de vista
bastante diversificados, mas que partem do fato indistintamente relevante para todos os envolvidos
nesse diálogo, de que a troca, ela mesma, faz melhor o indivíduo, funda a comunidade afetiva
ideal. Movimentos como a Nova Era só são possíveis porque existe um eu ávido por comunicar-se,
que se constrói a partir da experiência social pela via da linguagem.
A análise das redes de solidariedade que se formam a partir de processos comunicativos,
como os que foram estudados no terceiro capítulo deste trabalho, apesar de se desenvolver muitas
vezes em um nível individual e subjetivo, indicam o modo como as pessoas atuam entre si no
quotidiano, não perdendo de vista a comunidade afetiva que acaba por ser conformada a partir de
ações recíprocas. Como afirma Fisher, os laços entre indivíduos são a essência da sociedade e o
189
GEERTZ, A Interpretação das Culturas, Op. cit., p. 184.
principal fator de criação de diferentes tipos de comunidades.190 No caso da Nova Era, esta
essência se traduz em busca da essência, ou seja, o vínculo sociativo se faz na conjugação entre
as mais diversas práticas num tempo de fluxos e em lugares que não são fixos. Deste modo, as
redes da Nova Era são comunidades que se formam no tempo – apesar de não serem perenes – e
num espaço que não é fixo. por isso falei de momentos-comunidade. Entretanto, como a
diversidade está na base do movimento Nova Era (de forma fundante e relativista), convivem no
seu seio as mais diversas temporalidades, logo os mais diversos modos de viver estes momentoscomunidade191.
Penso que esta é a grande conclusão do meu trabalho: a Nova Era é um convite ao
diálogo com a ambiência histórica do mundo contemporâneo, diálogo polifônico que se faz com a
linguagem deste mundo, construindo-o e, em larga medida, representando o sonho de erguer uma
Babel, “não para atingir os céus da terra, mas para abaixar os céus até a terra” (conforme a
formulação literária de Dostoiévski que ouso tomar de empréstimo agora).
190
Idéia inspirada na discussão de PANFICHI, Aldo. “Del vecindario a las redes sociales: cambio de perspectivas en la
sociología urbana”. Debates en Sociología, n. 20-21, 1996, pp. 35-48. Interessante também perceber esta idéia a partir da
teoria da estruturação de Giddens, que vem tentando mostrar que as categorias de tempo e espaço não podem ser vistas
apenas como cenários da ação individual ou da estrutura social. Segundo o autor, estes devem ser vistos como essência do
vínculo societário e, consequentemente, da ciência social, uma vez que “toda a vida social ocorre em – e é constituída por –
interseções de presença de ausência no ‘escoamento’ do tempo e na ‘transformação gradual’ do espaço”. GIDDENS,
Anthony. “Tempo, Espaço e Regionalização”. A Constituição da Sociedade. São Paulo, Martins Fontes, 1989, pp. , p. 107.
191
Sobre os diversos modos de viver o tempo, presentes no movimento Nova Era, ver análise detalhada em LUZ, Carnaval
da Alma, Op. cit. (especialmente capítulo 6: “Encontro para a Nova Consciência ou o Carnaval da Alma”).
ANEXO I
Cartas do tipo solicitação de informações de várias ordens –
endereços, livrarias, editoras, livros, nomes, localização de artigos de
determinado tema na própria revista, auxílios e esclarecimentos,
ascendentes, obtenção de números antigos da revista
“Gostaria de saber o endereço do Círculo Esotérico da Comunhão do Pensamento. José Luiz
Souza, rua F-2, Q-2, L-18, B. das Laranjeiras, Goiânia-GO.
Resposta da Revista: O círculo Esotérico da Comunhão do Pensamento fica à rua Rodrigo Silva,
87, São Paulo, Tel.: 36-5236” (n. 73, out./1978).
“Gostaria de saber em que livro da Bíblia encontrarei o artigo publicado na seção O Leitor Debate
de Planeta 68, sob o título A Bíblia e a Reencarnação. Michael Marciano, rua Voluntários da
Pátria, 3012, ap. 6, Santana, SP” (n. 73, out./1978).
“Desejo obter informações sobre os livros de astrologia de D. Emma de Mascheville, mais
conhecida nos meios ocultistas como Lorelai. José Eloi de Freitas, Av. Gustavo Adolfo, 1907, Vila
Medeiros, São Paulo, SP.
Resposta da Revista: Sugerimos que o leitor procure o Centro de Pesquisa e Difusão da Astrologia
Científica, rua Cardoso de Almeida, 1005, casa 1, pois são ex-alunos de D. Emma que fundaram
este centro” (n. 77, fev./1979).
“Gostaria que Planeta publicasse uma pequena bibliografia de livros sobre realismo fantástico.
Renato Luiz D. Fagundes, rua 1º de maio, 101, Glória, Porto Alegre, RS. (LP)
Resposta da Revista: A Zipak Livraria possui uma grande variedade de livros sobre realismo
fantástico: De Volta às Civilizações Perdidas de Quixe Cardinale; O Livro dos Mistérios de Bergier
e Gallet; O Despertar dos Mágicos de Pauwels e Bergier; Ritos Estranhos no Mundo de Jacques
Marcireau; O Homem Eterno de L. Pauwels e J. Bergier; A Ilha da Magia de William B. Seabrook; e
A Era de Aquário de Jean Sendy são alguns” (n. 87, dez./1979).
“Gostaria de saber o endereço para correspondência de Francisco Xavier. Adauto de Araújo
Vicente, Av. Rio Branco, 1613, B. Bela Vista, Campina Grande, PB” (n. 88, jan./1980).
“Estou interessada no endereço da franco-maçonaria. Cláudia Costa, rua Abadia dos Dourados,
402, São Paulo, SP.
Resposta da Revista: A sede da loja franco-maçônica fica na Rua São Joaquim, 138, Liberdade,
São Paulo, SP” (n. 90, mar./1980).
“Gostaria de obter o endereço das revistas Question De e Planète. Oldeney de O. Filho, rua
marecehal Jofre, 86/101, Grajaú, Rio de Janeiro.
Resposta da Revista: A revista francesa Planète não existe mais. O endereço da Question De é
114, Champs Elysées 75008, Paris” (n. 97, out./ 1980).
“Gostaria de obter informações detalhadas do curso do casal Hermínio e Bianca. Antônio Josué
Bellini, Jundiaí, SP.
Resposta da Revista: O casal Hermínio e Bianca promove periodicamente o curso sobre Técnicas
Físicas da Consciência Humana nos seguintes lugares: Belo Horizonte – Rua Goitacazes, 71/701,
226-4510; Brasília – Prof. Rotilde, 223-2751; e Rio de Janeiro – 521-1193” (n. 98, nov./1980).
“Gostaria de obter o endereço da Academia de taichichuan do professor Roque Severino. Maria
Ângela, rua Batatais, 348/15, São Paulo, SP
Resposta da Revista: Está localizada à Rua Augusta, 2333, 3º andar, São Paulo, SP” (n. 108,
set./1981).
“Necessito do endereço da Sociedade Budista do Brasil. Clélia de Araújo, Gália, SP
Resposta da Revista: O endereço é Rua Imperatriz Leopoldina, 8, Rio de Janeiro” (n. 111,
dez./1981).
“Necessito endereço do Centro Raja Ioga. Francisco Guimarães Motta, Rua D. Delfina, 12-A, Rio
de Janeiro, RJ
Resposta da Revista: Centro de Raja Ioga de São Paulo, Rua Dr. Estevão de Almeida, 53, São
Paulo, SP” (n. 117, jun./1982).
“Necessito endereço de radiestesista. Karla Nayara, rua Angelo Oriente, 1800, São Paulo, SP
Resposta da Revista: Indicamos Pedro Durelli, Al. Santos, 663/104, 288-5730, São Paulo, SP.”
“Necessito endereços dos grupos gnósticos em diversas localidades do Brasil. Sérgio Navarro, rua
Araçatuba, 1898, São Paulo, SP.
Resposta da Revista: Grupo Gnóstico Cristão: rua Princesa Isabel, 7/43, Bauru, SP; av. Brasília,
116/2, Curitiba, PR; rua Marabá, 383, Belo Horizonte, MG; CP 239, Guarulhos, SP” (n. 124,
jan./1983).
“Gostaria de obter o endereço do ufólogo e astrofísico Allen Hynek, dos Estados Unidos. Walter
Magalhães, rua Melquíades, 1570, São Paulo, SP.
Resposta da Revista: Cartas para o Sr. Allen Hynek poderão ser enviadas para o International Ufo
Reporter, P.O. Box 1621, Lima Ohio 45802, USA” (n. 130, jul./1983)
“Preciso saber se saiu algum exemplar da Planeta sobre energia das pirâmides e purificação
energização da água. Arthur Hadikian, Al. Santos, 927/12, São Paulo, SP” (n. 138, mar./1984).
“Gostaria de entrar em contato com a ordem A.O.M. Carlos Tieves, Taió, Santa Catarina.
Resposta da Revista: A.O.M. (Ascensionada Ordem Mística): CP 3360, Curitiba, PR” (n. 150,
mar./1985).
“Gostaria de obter um endereço para contato com Livio Vinardi, o fundador da biopsicoenergética.
Sônia Behrendt, Bragança Paulista, SP.
Resposta da Revista: Livio Vinardi: P.O. Box 144191, Coral Gables, Florida, 33114, USA” (n. 193,
out./1988).
“Gostaria que vocês me fornecessem endereços de psicólogos habilitados e de confiança par
afazer regressão de memória (terapia de vidas passadas) e me indicassem um método para curar
ou minimizar as dores de trigêmeo. Marion Grace Bayer, São Paulo, SP
Resposta da Revista: Quanto à regressão de vidas passadas – ressalvando que esse tratamento
só é feito em casos em que é especificamente necessário –, sugerimos as Drªs. Julika Kiskos (R.
Tupi, 436, SP), Eliane dos Santos (R. Pintassilgo, 558, SP) e Mª Regina Raposo de Andrade (R.
Líbero Rípoli, 216, SP). Para a cura de trigêmeo, a leitora pode procurar o dr. Jorge Pagura, fone
(011) 542-6100, médico alopata que usa o medicamento “Tregeton” para aliviar as dores, ou o dr.
Clayton, guia espiritual do médium Antônio Geraldo de Pádua (R. Cunha Gago, 800, SP) que tem
conseguido bons resultados neste tipo de tratamento” (n. 194, nov. 88).
“Gostaria de saber onde posso fazer um curso de cromoterapia aqui na cidade onde moro. Edson
Feitosa, São Paulo.
Resposta da Revista: Contate a Escola GEA (R. Pedro de Toledo, 242) ou o Centro de Ciências
Avançadas Hilarion (R. das Camélias, 129)” (n. 5, mai./1992).
“Gostaria de saber como devo proceder para adquirir as edições de Planeta do mês de
agosto/1991 até a presente data. Marco Aurélio de Oliveira, Nova York, Estados Unidos.
Resposta da Revista: Escreva para o nosso Departamento de Atendimento ao Leitor (R. William
Speers, 1000, São Paulo, SP, 05067-900), solicitando as edições” (n. 238, jul./1992).
“Desejo saber o endereço da Fundação Cacique Cobra Coral. Joaquim Oliveira, Campo Maior, PI.
Resposta da Revista: Escreva para CP 260, Guarulhos, SP, 0711-970” (n. 254, nov./1993).
“Qual o endereço do Círculo Esotérico da Comunhão do Pensamento no Brasil? Marcos Morais,
Maceió.
Resposta da Revista: O endereço é R. Dr. Rodrigo Silva, 85, São Paulo, SP, 01501-010, (011)
606-5236” (n. 277, out./1995).
“Preciso do endereço do escritor José Trigueirinho Netto. Elvira Oliveira, Vargem Grande Paulista,
SP.
Resposta da Revista: Para contatá-lo, escreva para a CP 29, Carmo da Cachoeira, MG, 37225000” (n. 278, nov./1995).
“Gostaria de obter informações sobre obras de sufismo já editadas e saber como posso adquiri-las.
Eliane Badaró, Sete Lagoas, MG
Resposta da Revista: Sugerimos os seguintes livros: os Sufis de Idries Shah, Editora Cultrix;
Histórias da Tradição Sufi e Sufismo para Hoje de Omar Ali-Shah, da Edições Dervish. E indica
três livrarias paulistas onde os livros podem ser adquiridos” (n. 298, jul./1997).
ANEXO II
Cartas do tipo anúncios de formação de grupo em torno de
determinado interesse (temático ou prático) e de divulgação de
atividades de grupos ou entidades
“Para você que é amante da natureza e se interessa pela preservação do verde, existe agora uma
entidade dedicada exclusivamente à proteção da flora e fauna nacionais. É uma sociedade sem
fins lucrativos ou políticos que se encarrega de divulgar as idéias de conservação e mesmo
fiscalização do verde. Trata-se da Sociedade Brasileira para Defesa da Flora e Fauna.Todos
aqueles que estiverem dispostos a colaborar com a entidade podem filiar-se a ela como sócios. O
interessado pode ainda tornar-se um membro um pouco mais ativo, se for nomeado delegado
regional para alguma parte do Brasil. Para maiores informações, entre em contato com a entidade,
escrevendo para a rua Glauco Velasquez, 271, São Paulo, SP, A/C. Dr. Wanderley S. Silveira,
tels.: 266-3287 e 265-0415” (n. 75, dez./1978).
“Gostaria de saber o que vem a ser a tão indagada personalidade AFFA. Aproveito e informo aos
interessados em ufologia que queiram se fazer sócios da nossa Fundação de Pesquisas
Ufológicas e Astronômicas para que escrevam a FPUA, Ricardo Benevides Marques, Rua General
Potyguara, 1119/301, Fortaleza, CE” (n. 85, out./1979).
“Convidamos todos que se interessem por arqueologia, espeleologia, folclore, indianismo, história
natural, mineralogia, documentação bibliográfica e musicográfica a visitar-nos às terças ou quintasfeiras das 14h30 às 18h. Museu Paulista de Antropologia, Rua Domingos de Silos, 114, Jardim
São Bento, São Paulo, SP” (n. 90, mar./1980).
“Nave é uma publicação pirata, aquariana, sem fins lucrativos, interessada na divulgação da
consciência cósmica e universal em prol da Nova Era de Aquarius. Solicite um exemplar. Regina
Sylvia, CP 352, Niterói, RJ” (n. 124, jan./1983).
“Foi inaugurada em 1º de junho próximo passado a Livraria Esotérica, que tem livros sobre
acupuntura, psicologia junguiana, homeopatia, medicina natural, ioga e outras obras oportunas e
necessárias ao ciclo de Aquário que se aproxima. Livraria Esotérica, Pça. Roosevelt, 92, São
Paulo, SP, 259-7833” (n. 151, abr./1985).
“Na América do Norte, fundou-se a Associação de Mobilização Mundial de Combate à AIDS,
reunindo pessoas que queiram aliar-se ao ideal de bem servir, indistintamente, a todos os
atacados pela doença. Os interessados podem escrever Mobilizations Against Aids (em português,
inglês, espanhol ou esperanto) – 2120 Market Street/ Suite 106 – CAG 04114 – San Francisco,
USA. Aqueles que queiram organizar uma associação nos mesmos moldes podem escrever para o
Prof. Manoel Messias Bacco, CP 9905, São Paulo, SP, 01051” (n. 171, dez./1986).
“Somos um núcleo de pesquisas voltado para a Era de Aquarius visando o crescimento da
humanidade e desejamos contatar pessoas interessadas em participar. Aquarius – Núcleo de
Estudos e Pesquisas (Anep), CP 9972, São Paulo” (n. 243, dez./1992).
ANEXO III
Cartas do tipo correspondência com outras pessoas para troca de impressões e informações
dentro de um determinado tema
“Fala-se que o mundo está em vésperas de uma colisão com um astro que saiu de sua órbita.
Dizem, também, que existem planos para destruir este astro com bombas atômicas, assim que
atingir alguns milhões de quilômetros da Terra. Seria ingenuidade esperar-se uma resposta
afirmativa ou não? Durval Corrêa da Silva, Av. Guapira, 1358, Tucuruvi, São Paulo, SP” (n. 70,
jul./1978).
“Solicitamos a colaboração de pessoas que acreditam na existência de civilizações extraterrenas e
nas suas contínuas visitas a nosso planeta, com o fim de, em futuro próximo, criar um local com
instalações para estabelecer contatos com tais criaturas.
Pedimos o favor de nos enviar os seus dados pessoais, o relato de alguma aparição e o selo para
a correspondência. Pretendemos realizar um congresso a fim de traçar as diretrizes do
empreendimento. As correspondências deverão ser enviadas para: rua João Paes, 50, jardim
Petrópolis, Brooklin Paulista, São Paulo, SP, A/C. Hugo Arruda Castanho Júnior” (n. 76, jan./1979).
“A GIFET – Grupo de Investigações de Fenômenos Extraterrestres – gostaria de receber
correspondência do Brasil e países de língua espanhola, francesa e inglesa. Rua Cássio de
Almeida, 721, Vila Guilherme, São Paulo, SP” (n. 78, mar./1979).
“Estudante de direito deseja corresponder-se com pessoas do sexo feminino, para troca de postais
e de idéias que comprovem a reencarnação da alma e também espiritismo, ioga, budismo, filosofia,
rosacruz, astrologia, seicho-no-iê, etc. Renato Castro Abud, rua Santo Antônio, 298, Vila Carvalho,
Campo Grande, MS” (n. 78, mar./1979).
“Desejo fazer parte de um grupo ou comunidade que viva os mais sadios princípios e hábitos
naturalistas em contato com a natureza. Ely Salgado, CP 33024, Leblon, Rio de Janeiro, RJ” (n.
78, mar./1979).
“Gostaria de comunicar-me com pessoas experientes nos ramos de esoterismo, religiões, controle
mental, etc. Adalberto Luiz de Araújo, CP 416, Petrópolis-RJ” (n. 84, set./1979).
“Estudante de ciências ocultas deseja entrar em contato com pessoas que residam em Petrópolis e
se interessem em fundar um clube com a finalidade de estudar, debater e praticar fenômenos
ocultos. Antônio Tavares Cabral, CP 608, Petrópolis-RJ” (n. 85, out./1979)
“Gostaria de receber informações sobre Bhagwan Shree Rajneesh”. Fernando Alves de Lima, Av.
Afonso Pena, 1497, Uberlândia, MG” (n. 87, dez./1979).
“Gostaria de corresponder-me com entidades filosóficas, culturais e espiritualistas, para
enriquecimento de estudo extremamente informal que efetuo. Escrevam-me também leitores de
Planeta, para diálogo construtivo, ideológico e franco. Cartas em inglês, português ou esperanto.
Washington Rodrigues, rua Comandante Petit, 203, Eduardo Gomes, RN” (n. 88, jan./1980).
“Desejo aprofundar pesquisas e trocar idéias sobre os princípios ensinados na Bíblia com as
testemunhas de Jeová, e receber explicações sobre o povo de Deus que formará a Nova Ordem
governada por Cristo. Guaraci Camargo, rua José Suneifield, 16, Piraçununga, SP” (n. 89, fev./
1980).
“Estamos preparando uma expedição científica e filosófica a lugares insólitos por nós conhecidos;
pedimos às pessoas interessadas que nos escrevam. Professor Pierre Champollion, D.A. da
Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da UFMG, Rua Carangola, 288, Belo Horizonte, MG”
(n. 91, abr./1980).
“Gostaríamos de corresponder-nos com todos os grupos e pessoas interessadas nos seguintes
assuntos: arqueologia, astroarqueologia, cosmologia, paleontologia, realismo fantástico, mitologia,
astronáutica, exobiologia, etc. Contamos com biblioteca e quatro anos de pesquisa nos assuntos
relacionados acima. Edmilson Valentim Mussi, Rua Angola, 81, J. Buonfiglioli, Jundiaí, SP” (n. 91,
abr./1980).
“Gostaria de corresponder-me com pessoas de ambos os sexos e qualquer idade que entendam
de gemologia, osmoterapia, hieróglifos, tattwas e guematria. Sabine Sammut, R. Dr. Murici, 439,
ap. 81, Curitiba, PR.”
“Quem desejar participar de uma expedição à região proibida, situada entre o Xingu e o Tapajós,
escreva-me. Sebastião F. de Godoy, CP 5038, Campinas, SP” (n. 93, jun./1980).
“Desejo corresponder-me com pessoas interessadas em desenho de animação. Maria Goretti
Gasparini, rua Visconde de Pirajá, 422/203, Ipanema, Rio de Janeiro, RJ” (n. 97, out./ 1980).
“Gostaria de me corresponder com pessoas vegetarianas, iogues, naturais e também com
extraterrenos, iniciados e iluminados. Silas Rickli, CP 17, Lavras, MG” (n. 98, nov./1980).
“Gostaria de trocar correspondência sobre egiptologia, ufologia, astrologia, esoterismo, estudos
herméticos, teosofia, Bíblia, além de trocar revistas, selos e postais. Ricardo de Albuquerque, R.
Tenente Andrade Maia, 36, Campinho, RJ” (n. 98, nov./1980).
“Gostaria de comunicar-me com alguém que saiba aplicar a Massagem Psíquica. José Maria de
Campos, Com. João Fernandes, 148/4, Barbacena, MG” (n. 107, ago./1981).
“Gostaríamos de entrar em contato com pessoas interessadas em comunidades rurais,
alimentação natural, esoterismo, ufologia, e que estejam vibrando com o pensamento da Nova Era
de Aquarius. Regina Sylvia e João Roberto. Rua Santa Rosa, 130/201-A, Niterói, RJ” (n. 108,
set./1981).
“Desejo entrar em contato com cabalistas, ocultistas, hermetistas, alquimistas. Marco Antonio, CP
10036, Rio de Janeiro, RJ”. (n. 108, set./1981)
“Gostaria de manter correspondência com pessoas que crêem na existência de discos voadores.
Arthur Yamane, rua Prof. Torres Homem, 165, Santos, SP” (n. 111, dez./1981)
“Os interessados em fazer parte de um grupo dedicado ao estudo da astrologia, alquimia e magia
no Rio de Janeiro, escrevam para L.A., CP 40025, Rio de Janeiro, RJ” (n. 117, jun./1982).
“Desejo contatar com irmãos do planeta Klermer ou de outros que estejam em missão na Terra.
Maria P. Costa, CP 1024, Belém, PA” (n. 117, jun./1982).
“O Centro de Estudos Alternativos e de Vida Natural – CEAVN – gostaria de manter contato com
entidades, grupos e pessoas que se dediquem ao estudo e pesquisa de tecnologias alternativas,
alimentação natural, agricultura alternativa, terapêutica e medicinas naturais e outros estudos
alternativos, para intercâmbio de idéias e material informativo. Escrevam para CEAVN, A/C. de
Mariano Correia Paredes, Conj. Gov. Divaldo Suruagy, Bl. 4, Ap. 301, Maceió, AL” (n. 120,
set./1982).
“Estou a limiar um grupo que vise um maior aprofundamento de matemática e cosmogonia, bem
como, física, química, biologia e filosofia. Acrescentando a isto os temas: ufologia e realismo
fantástico. Desejo que as pessoas interessadas façam contato comigo tanto para troca de idéias
sobre abstracionismo, como também para assuntos rotineiros, sem mencionar o interesse
depositado em futuramente fazer parte do grupo. Rômulo Oliveira, rua Mocotolombó, 59, Recife,
PE” (n. 120, set./1982).
“Desejo manter contato com universalistas e ecléticos de todo o Brasil. O importante é ter a mente
aberta às idéias da nova era de Aquário, a idade de ouro. Ederson Mello, CP 1871, Curitiba, PR”
(n. 123, dez./1982).
“Desejamos comunicar aos interessados que já recebemos o programa de cursos de Touch for
health que serão ministrados em Findhorn, Escócia, durante as estações de outono e inverno.
Quaisquer informações poderão ser obtidas com Henry ou José Aragão, CP 150, Araruama, RJ”
(n. 123, dez./1982).
“Caso os amigos estejam interessados em comunicar-se realmente com os espíritos que habitam o
plano astral diretamente sem intermediários e mistificações, escrevam-me e ensinarei como
encontrar o método bem simples. Jane, CP 40013, Rio de Janeiro, RJ” ( n.129, jun./1983).
“Gostaria que alguém que entenda profundamente e pratique cabala entre em contato comigo
porque necessito de orientação no assunto. Irmão Lua, rua Pinheiros, 880, São Paulo, SP” (n.129,
jun./1983).
“Gostaria de entrar em contato com pessoas que fazem viagem astral e o desdobramento astral.
Antônio Fornos, rua Catalão, 142, São Vicente, SP” (n. 130, jul./1983).
“Desejo corresponder-me com pessoas que gostem de escrever ou que leiam obras de Jung, Erich
Fromm, Karen Horney e Marx, música do Caetano e Gil para troca de idéias e estudos. Daniel
Felipe, quadra 401, bl. B, ap. 102, Cruzeiro Novo, DF” (n. 132, set./1983).
“O senhor Manoel de Freitas, fazendeiro de Goiás, desejando colaborar com o movimento da Nova
Era, está desmembrando sítios de 100 x 100 metros de seus vastos e férteis domínios, doando-os
a todos aqueles que desejarem possuir terras para futura radicação no local ou construções de
benfeitorias. O importante é o interessado ser maior de 18 anos e estar disposto a, dentro do prazo
de 10 anos, radicar-se ou iniciar melhoramentos nas terras gratuitamente recebidas. As doações
têm caráter exclusivamente pessoal, com um sítio por pessoa, não se aceitando como beneficiado
firmas ou companhias imobiliárias. Os interessados deverão escrever para Josias Alves Arruda,
rua Aritiba, 1045, Rio de Janeiro, RJ” (n. 133, out./1983).
“Se você quiser saber tudo sobre extraterrestres, é só entrar em contato comigo. José Adauto, CP
43348, São Paulo, SP” (n. 134, nov./1983)
“Somos uma família integrada no movimento comunitário alternativo. Nosso empenho mais efetivo
tem se voltado para a macrobiótica e o trabalho Rajneesh, ou seja, dieta equilibrante, saúde e
descontração psicofísica. Isto nos dá boa capacidade de trabalho no movimento da Nova Era.
Somos também experientes em subsistência, trabalhos pesados, agricultura, acampamento, etc.
Estamos propondo reunir famílias ou membros que tenham afinidade com a proposta de criarmos
pelo menos uma comunidade macrobiótica não sectária, descontraída, auto-suficiente e produtiva.
Pedimos aos interessados que entrem em contato conosco. Chico e Célia, Rua Goiás, 1363,
Uberaba, MG” (n. 134, nov./1983).
“Se você deseja conhecer o interior de uma nave onde o combustível é o amor e a fraternidade, e
seus tripulantes, sonhadores conscientes batalhando pela Nova Era, escreva para CP 352, Niterói,
RJ” (n. 136, jan./1984).
“Aqueles que se interessam pelo estudo da psicologia, parapsicologia, ioga integral, medicina
psicossomática etc., abordados de forma clara e com aplicações na vida diária, entrem em contato
com os telefones 570-4962/570-4217, ou no endereço: Av. Cons. Rodrigues Alves, 780, São
Paulo, SP” (n. 138, mar./1984).
“Nunca se falou tanto em catástrofe mundial como neste ano. (...) Se não existisse em nós a
certeza de que todo este caos é para o nascimento de uma humanidade fraterna e justa,
certamente estaríamos paranóicos como muitos, cavando tocas para nos esconder. Ocorre que
desejamos mesmo é que tudo se revele, tudo se apocalipse realmente para que a humanidade
finalmente se aquarianize. Para este caos existe um novo verbo: aquarianizar. Vamos juntos tornar
este verbo ação de nossas atitudes diárias, para que mais rapidamente possamos ter um mundo
melhor. É um convite. Regina Sylvia, CP 352, Niterói, RJ” (n. 138, mar./1984).
“Jovem aquariano de 22 anos, apreciador de André Gide, Fernando Pessoa, Cristo, Rajneesh e
Ingmar Bergman, gostaria de manter correspondências com pessoa liberadas de ambos os sexos
que estejam em busca de uma verdade absoluta. Oscar Santos, CP 2418, Porto Alegre, RS” (n.
150, mar./1985).
Desejo corresponder-me com pessoas que queiram romper a solidão e também gostem das
belezas naturais e queiram mentalizar comigo a paz mundial. Mara, CP 4007, Salvador, BA” (n.
159, dez. 1985).
“Gostaria de trocar idéias com pessoas que conheçam as culturas índias das tribos sioux,
cheyenne, shoshqne, apaches, pés pretos, crecks, etc., que possam enviar-me desenhos, artigos,
livros ou revistas, e que também pesquisem ou estudem as culturas da Índia, Japão, China,
Noruega. Guilherme Alves, R. Ernesto França, 177, São Gonçalo, RJ” (n. 170, nov./1986).
“Estudioso do oculto e da magia procura aqueles que estão voltados para os mesmos assuntos
para troca de correspondência. Colopatiron, Grupo Brasileiro de Pesquisas, BR 101, Km 265,
Paulo Lopes, SC” (n. 171, dez./1986).
“Estudioso de magia, ocultismo e religiões, procuro pessoas realmente interessadas nesses
assuntos para troca de correspondência. Adel Scheifler, BR 101, km 265, Penha, Paulo Lopes, SC”
(n. 176, mai./1987).
“Liberte-se de todos os grilhões trabalhando com a energia cósmica e com os mestres. Sempre é
tempo para usufruirmos de uma vida mais plena em amor, sabedoria e poder, ampliando nossa
visão. Maiores informações escreva – enviando selo para resposta – para AOM, CP 3360, PR” (n.
176, mai./1987).
“Apreciaria corresponder-me com pessoas interessadas em debater a Teoria da Relatividade,
desde as diferenças das noções de tempo/espaço até a interligação destas com os OVNI’s. Darci
Adam Jr., R. Vicente Russomano, 40, Pelotas, RS” (n. 179, ago/1987).
“A raiz das religiões contém em sua essência o esoterismo das mesmas e a saída para a
humanidade. Peço aos que pensam como eu e desejam trabalhar para melhoria social e espiritual
de todos que façam comigo a união, no presente dos antigos confederados das brumas do
passado. Luiz Alberto, CP 17703, Rio de Janeiro, RJ” (n. 193, out./1988).
“Desejo me corresponder com pessoas jovens de todo o Brasil que se interessem pelos assuntos
abordados por Planeta, especialmente misticismo, ecologia, vida natural e psiquismo. Carlos
Eugênio, CP 394, Corumbá, MS“ (n. 203, ago./1989).
“Gostaria de contatar pessoas, principalmente residentes em São Paulo, que já deram obrigações
a Obatalá, e também a entidades afro-brasileiras. Ósunmàré, CP 24, Poá, SP” (n. 203, ago./1989).
“Gostaria de me corresponder com pessoas sensíveis e místicas que acreditem no valor da vida e
a encarem com simplicidade. Adalberto Camargo, CP 18129, São Paulo, SP” (n. 205, out./1989).
“Desejo me corresponder com pessoas que, como eu, acreditem numa nova era, na possibilidade
da paz, no amor e na amizade a fim de dialogarmos sobre reencarnação, ecologia e todos os
temas abordados em Planeta. Fátima, CP 247, Maringá, PR” (n. 205, out./1989).
“Desejo contatar pessoas interessadas em organizar uma nova fraternidade com o intuito de
registrar e resguardar ensinamentos de cunho esotérico. Anderson Lima, R. 1, 96, Rio de Janeiro,
RJ” (n. 241, out./1992).
“Gostaria de contatar ordens telêmicas de Aleister Crowley, a Soberana Ordem Militar do Templo
de Jerusalém, ordens maçônicas de Papus e sacerdotisas da gnose. Marcelo Gomes, CP 3732,
São Paulo, SP” (n. 242, nov./1992).
“Quero corresponder-me com pessoas que compreendem e atuam com o Eu sou... e também com
pessoas interessadas no assunto. Luiz Carlos de Brito, CP 486, Joinville, SC” (n. 258, mar./1994)
“Gostaria de localizar o endereço do leitor Eudes Ramos Américo, que conheci através desta
seção. Desejo também colocar-me a disposição de todos que buscam o autoconhecimento e
queiram corresponder-se acerca dos assuntos abordados em Planeta ou não. Acredito no amor
universal, na amizade, na troca de conhecimentos e energia. Michelle Benevides de Paiva, Rua
Leonardo Mota, 545/4, Fortaleza, CE” (n. 261, jun./1994).
“Procuro pessoas dentro de Porto Alegre ou no interior do RS que preservem rituais e tradições
indígenas do nosso estado. Gostaria de trocar correspondência e experiências xamânicas e
também encontrar alguém que me conduza por esse caminhos mágicos, pois, sendo eu neto de
caingangues, pretenso saber mais de meus antepassados. Marco Antônio, Av. Nilo Ruschel, 36,
Porto Alegre, RS” (n. 268, jan./1995).
“Com o intuito de valorizar as amizades e auxiliar o processo evolutivo da consciência humana, o
Clube da Nova Era convida pessoas de todo o Brasil a fazer parte do grande círculo de amizades
por correspondência para troca de experiências, conhecimentos e informações. O clube oferece e
divulga boletins, jornais e trabalhos diversos de várias entidades e organizações esotéricas
gratuitamente. CP 46319, São Paulo, SP, 05110-970” (n. 274/ jul./1995).
“Gostaria de me corresponder com pessoas de todo o País que desejem trocar idéias sobre
assuntos esotéricos com a devida seriedade. Nirdes Seixas, R. José Moreira Leal, 130, ap. 302,
Recife, PE” (n. 277, out./1995).
“Tenho 28 anos, sou do signo de Touro e gostaria de me corresponder com pessoas sem
preconceito racial, idade ou credo, que gostem da vida e acreditem em boas amizades.
Vanderlúcio S. Mota, Av. Imigrantes, 11180, Boa Vista, RR, 63309-190” (n. 295, abr./1997).
“Tenho 18 anos, sou aquariana com ascendente em Áries e me interesso por xamanismo. Gostaria
de me corresponder com pessoas interessadas no assunto para troca de experiências e
informações. Natalia Caldas, R. Afonso Terra, 199, rio de Janeiro, RJ, 21520-010” (n. 306,
mar./1998).
Anexo IV
Cartas do tipo correspondência com outras pessoas para estabelecer
relações “mais íntimas” (namoro, amizade e casamento)
“Senhor culto e independente que aprecie literatura, arqueologia, viagens e comida naturista, com
idade mínima de 65 anos, corresponda-se com Rosa Maria, CP 57029, São Paulo, SP” (n. 92,
mai./1980)
“Jovem militar, 22 anos, 1,70m de altura, 60 kg, moreno-acetinado, olhos e cabelos castanhos.
Estuda ufologia e fenômenos extraterrestres, quer corresponder-se com pessoas de 16 a 30 anos
para troca de informações, literatura, etiquetas, distintivos, fotografias, flâmulas e chaveiros.
Aguarda a era de aquário e quer cultivar amizade. Afonso de Carvalho, rua nove, 360, Belo
Horizonte, MG” (n. 128, mai/1983)
“Não tenho preconceitos de cor, sexo, condição social ou econômica. Gostaria de contatar pessoas
sós, para amizade sólida e troca de idéias sobre assuntos místicos. Para mim, o que importa no
relacionamento é a abertura da mente e a beleza interior. Cláudia, CP 188, Conselheiro Lafaiete,
MG” (n. 132, set./1983).
“Gostaria de manter contato com garotas vegetarianas ou macrobióticas para amizade. Diomísio
de Andrade, rua São Rafael, 431, Santos, SP” (n. 133, out./1983).
“Gostaria de me corresponder com pessoas do sexo feminino que pratiquem esoterismo, ioga,
ocultismo, espiritualismo, para termos uma amizade e muita troca de idéias. Josseney da Silva, CP
182, Presidente Venceslau, SP” (n. 136, jan./1984).
“Procuro pessoas que tenham nascido na mesma data que eu – dia 15 de novembro de 1968 –
para futura amizade. Desejo também trocar idéias e conhecimentos com desenhistas, pensadores
e amantes da arte. Zulmira de Sá, Chácara São João, Atibaia, SP” (n. 179, ago/1987).
“Procuro amigos sinceros que compartilhem comigo interesses por filosofias espiritualistas
(rosacrucianismos orientais) e que queiram travar grandes amizades. Tenho 32 anos e desejo
contatar pessoas com idades e maturidades afins de toda parte do Brasil. Maria Aparecida da
Silveira, R. Alfredo Filgueiras, 166/304, Nilópolis, RJ” (n. 194, nov./1988).
“Sou de Leão com ascendente em Peixes; desejo fazer amizades com pessoas de signos
compatíveis com o meu e que sejam sensíveis e carismáticas. Marcelo Augusto, rua Major Freire,
325, São Paulo, SP” (n. 5, mai./1992).
“Gostaria de manter correspondência com garotas de todo o Brasil interessadas em OVNIs,
esoterismo e ciências ocultas, além de uma boa amizade. Lucindo Barbosa de Oliveira, CP 5216,
São Bernardo do Campo, SP” (n. 238, jul./1992).
“Sou romântica e tenho 33 anos. Procuro amigos que gostem de natureza, animais e esportes
radicais, para amizade, troca de correspondências e talvez encontros para caminhadas e passeios
diferentes. Mírian Marçon, CP 533, Sorocaba, SP, 18001-970” (n. 298, jul./1997).
ANEXO V
Cartas do tipo discussão profunda de temas
“A resposta sobre a origem do homem pode ser encontrada em todas as boas religiões e filosofias.
Encontrar e compreender a verdade é um direito que poucos homens adquirem através de
coragem, discernimento, estudo e sobretudo por sua elevada espiritualidade. A verdade é um
conjunto de aspectos e conceitos que define e explica toda a ventura sideral, o seu relacionamento
com o cosmos e com a força criadora chamada Deus. Deve ser esta verdade a busca maior do
homem, porque quando a alcança ele fica ciente das leis que regem o cosmos e descobre de onde
veio e para onde vai. O homem inicia sua longa caminhada em busca da verdade ainda no reino
mineral, evoluindo para o vegetam e o animal até atingir a consciência e a forma humanas. Essas
sucessivas reencarnações lhe dão o direito de conhecer a verdade e o libertam dos ciclos
reencarnatórios.
Considerando a verdade como meta das nossas vidas, devemos ver tudo o que se relaciona com
ela como partes integrantes de um grande processo evolutivo. É muito importante o encontro
consigo mesmo, com seus semelhantes e com Deus” Hélio Carvalho de Nóbrega, rua Franklin do
Amaral, 799, N. Cachoeirinha, São Paulo, SP” (n. 86, nov./1979).
“Defrontam-se duas correntes de uma mesma energia: uma ortodoxa e horizontal do Ocidente, e
outra oriental, tentando verticalizar-nos. Não é nossa intenção diminuir o prestígio nem de uma
nem de outra pois sabemos que cada uma atua no seu devido tempo e espaço. Nesta
humanidade, imobilizada em sua maioria por sistemas dogmáticos, necessário e urgente se tornará
o surgimento de um processo capaz de guiar e amparar esses seres já incapacitados, sem rumo
certo e condições para se orientar e mover com seus próprios recursos. Eis aí a sublime missão da
umbanda tradicional, missão esta que ela vem desempenhando maravilhosamente por meio de
seus componentes. Se não fosse assim, ai do Ocidente. Wilfredo Bauer, rua 75, 49, Teófilo Otoni,
MG” (n. 111, dez./1981).
“A maioria das pessoas jamais se deu conta no decorrer de suas vidas que, além do Universo dos
processos mentais conscientes, existem outros tantos universos desconhecidos contendo mundos
tão vastos, tão amplos, que se torna difícil falarmos deles sem recorrer ao exótico linguajar
simbólico.
Atualmente, tais mundos de ação da alma humana têm sido identificados com o inconsciente (seja
pessoal ou coletivo) que, na realidade, seria apenas o portal de acesso àquelas amplitudes
indizíveis. Incontestável, porém, é a realidade daqueles mundos.
Contrariando o pensamento geral, o direto conhecimento daquelas religiões não estabelece
privilégios de nenhum grupo ou pessoa. Constitui esta consecução um direito de qualquer homem,
assim como também lhe é permitido desfrutar de tudo que ali existe, bem como contatar com seus
habitantes, que se apresentam à nossa visão interna sob proporção e formas ora humanas, ora
animalescas ou, não raramente, sob formas híbridas. Entretanto – e isto está descrito de maneira
unânime – qualquer que seja a forma assumida por eles, paira em torno uma aura de poder, de
beleza e magnitude, ultrapassando em muito nossas mais ousadas ficções.
Extasiado pelas visões magníficas, o homem criou em delas os mitos, as lendas e cerimônias que,
com o tempo, tornaram-se o ponto central de muitas religiões e, certamente percebendo
empiricamente que a constante repetição de determinados comportamentos (orações, jejuns,
cantos, etc.) aliados, ou não, à ingestão de drogas obtidas de plantas (sagradas) lhe davam
acesso rápido aqueles mundos, criou sistema mágico/místicos de consecução que, à margem das
religiões oficiais, eclodiam no nascimento do neo-ocultismo de nossos dias.
Ora, sendo aquelas visões, aqueles seres, puras manifestações de forças veladas sob forma
antropomórficas, de elevadíssimos ideais carregados de forte energia e dinamismo, o repetido
contato com uma delas em especial – ou como dito no ocultismo ‘com uma divindade’ – tem seu
ápice numa perfeita e total identificação do agente invocado com o invocador. Quando tal
identificação torna-se permanente, isto é, quando a personalidade humana morre em favor daquela
entidade, diz-se que é um Deus, um Avatar, um Daimon que se encarnou na Terra. (...)
Devemos aqui ressaltar um ponto que nos parece importante: esta união, esta tomada do homem
pelo Deus, não deve ser confundida com a possessão à qual se define como sendo a posse do
indivíduo por um externo, e contra a vontade dele. (...)
Em resumo: tanto deuses como demônios existem no próprio homem, sendo energias profundas,
mal conhecidas e mal dirigidas. Isto posto percebe-se logicamente que não deveríamos exaltar
deuses em detrimento de demônios, e vice-versa. O que deve ser feito é aprender como conhecêlos melhor, de como uni-los equilibradamente dentro de nós, pois o homem necessita, para o seu
desenvolvimento perfeito lidar tanto com Deuses como Demônios. Euclydes Lacerda de Almeida,
CP 334, Linhares, ES” (n. 130, jul./1983).
“Finalidade da vida humana? Por que em tudo tem de haver uma razão de ser? É assim quando se
tem um pensamento materialista que para tudo procura um objetivo. Porém, a parte que nos
destaca dos demais animais conhecidos (o espírito?) não possui necessidades: elas são
instintivas. Assim, tal fato de destaque tende à paz, o que não é um fim (paz: ausência de desejo;
antes de direito primeiro e último estado). Alfredo de Castro, Rio de Janeiro, RJ” (n. 159, dez.
1985).
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