Ensino de Pesquisa Operacional para alunos com pouco interesse em matemática
Maria Helena Campos Soares de Mello
Universidade Federal Fluminense
Antes de mais nada gostaria de agradecer o convite da SOBRAPO para participar deste painel de
Educação. Não tenho certeza sobre o que motivou este convite, ou se foi o fato de estar
coordenadora de curso de graduação há já mais de 10 anos, de ser assídua freqüentadora de
Congressos e Encontros de Ensino e Educação em Engenharia, tendo vários artigos publicados na
área de Ensino
Em todo o caso, não tenho mais credenciais do que a maioria dos presentes
para estar aqui e, pensando desta forma é que pretendo, no tempo que me foi
destinado, apresentar algumas das minhas experiências com ensino e sugerir
algumas reflexões.
Nestes mais de 20 anos em que tenho trabalhado com Educação Superior, a menor parte do tempo
tem sido com o Ensino de PO. No entanto, já tenho feito algumas observações que gostaria de
compartilhar com vocês. Tenho atuado em cursos de Engenharia (Produção, principalmente, mas
também Mecânica e Elétrica), Administração e Ciências Contábeis. Em todos com o Ensino de PO.
E constatei a brutal diferença entre os interesses dos alunos de graduação de cada um dos cursos.
Não é possível tentar abordar o tema de Programação Linear, Grafos, Programação Inteira,
Simulação, Teoria da Decisão, etc, igualmente com alunos de interesses tão distintos. No entanto,
os programas são muito semelhantes. Daí, tenho desenvolvido metodologia distinta para cada um
desses grupos.
Quando pensamos em PO, logo nos vem à mente modelos matemáticos, sistemas de desigualdades,
hiperplanos, politopos convexos... Imaginem usar esta linguagem para um aluno de quarto período
de Administração ou de Ciências Contábeis!
Em qualquer dos casos, inicio por uma revisão histórica da PO. Por que ela existe, para quê serve e
o motivo de ela estar inserida no curso do aluno. Sempre mando os alunos lerem o livro “1984”de
George Orwell, o que eles raramente fazem, alguns até pegam o filme numa locadora, mas não
vêem o que eu gostaria que eles vissem, para motivá-los ao problema da dieta e que não se
apaixonem por soluções que não incluam as preferências individuais. Já imaginaram se tivéssemos
todos que comer todos os dias fígado de porco, repolho cozido e farinha de trigo??? O que seria da
comida mineira!
Em qualquer dos casos, tenho dado ênfase sempre na formulação de
problemas, evitando a clássica e tediosa revisão de Álgebra Linear. Primeiro
eu os desafio com os problemas clássicos da Programação Linear: problemas
de alocação com duas variáveis, (o indefectível problema das cadeiras e das
mesas!) problemas simples de mistura, com duas variáveis, e a partir de então
os incentivo a buscar e criarem problemas relacionados com o seu cotidiano
ou com o seu ambiente de trabalho (os cursos de Adm e Cont são noturnos)
que se pareçam com o tipo de problemas de resolvemos. No início, alguns
ficam tímidos e não sugerem nada, aguardando com o caderno aberto, que os
problemas surjam no quadro. Outros trazem problemas mirabolantes, mesmo
problemas em dois ou mais níveis, super complexos. Acaba sendo um
brainstorming dirigido. Ficamos nesta por cerca de duas ou três semanas,
dependendo de cada turma. Alguns me trazem problemas que vou aproveitar
mais adiante, com simulação ou teoria da decisão. Determinação de tamanho
de amostra e outros problemas estatísticos acabaram aparecendo no curso de
Contábeis por conta de propostas dos alunos!
Esta metodologia tutorial tem a vantagem de envolver os alunos no seu
aprendizado. Não há ensino sem aprendizado. Não adianta eu preparar uma
aula linda, com power point, milhões de fórmulas com somatórios e
“derrondes”, de os alunos saíram de lá com vontade de trancar matrícula ou
depois de uma bela soneca!
E a matemática?? Claro que ela vai aparecer. Afinal, estes alunos fizeram dois
cursos de cálculo e dois de estatística, antes de cursarem esta disciplina. Mas a
sua relação com a Matemática não é muito amistosa. É quase de uma
admiração, como se fosse alguma coisa atingível só para alguns iniciados. O
que eu insisto com eles é a compreensão de como se resolve um sistema de
desigualdades. Como iniciamos com programação linear, problemas com duas
variáveis, teremos que rever equações de retas e planos máximos e mínimos
de funções de uma e duas variáveis, para que possamos estudar juntos o que
estamos fazendo e chegarmos a um consenso sobre a região viável e o fato de
a solução só poder estar num dos vértices. Aí eles já estão tão interessados em
buscar a solução que conseguem compreender a busca pelos vértices. Mas
começam a se preocupar com o fato de terem mais de duas variáveis de
decisão. Como farão gráficos de poliedros ou coisas piores! Daí, vem a
salvação: eu os apresento ao LINDO ou ao SOLVER, dependendo do que eu
percebo da “intimidade” com o Excell. Mas, para os propósitos, o LINDO
cumpre bem o papel.
A avaliação desta disciplina, especialmente no curso de C.Contábeis, tem sido
feita por meio de duas provas (uma ao final dos métodos determinísticos e
outra ao final dos métodos probabilísticos) e um trabalho final em que eles
devem aplicar, obrigatoriamente, algum dos métodos para solucionar
problemas relacionados à Contabilidade.
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Um dos trabalhos mais interessantes que já recebi e que foi apresentado por
um grupo de Miracema (cidade do Noroeste do Estado do Rio de Janeiro) foi
uma aplicação muito simples de ajuste de retas de mínimos quadrados e
cálculos de coeficientes de correlação. Um aluno que trabalhava na Prefeitura
da Cidade, teve acesso aos dados referentes ao orçamento de 2003 e
“descobriu” que as projeções para 2004 eram feitas todas usando mínimos
quadrados. Ficou fascinado e apresentou as contas e previsões para 2005, já
com algumas correções havidas ao longo do ano. Foi um trabalho com um
método muito simples, usando o Excell então, ficou mais simples ainda, mas o
mais importante, foi o fato de eles descobrirem a utilidade do que estavam
estudando!
O que muito tem me preocupado nos últimos anos é a forte evasão e mesmo
desprezo por áreas consideradas mais “difíceis”. Os alunos têm fugido de
disciplinas e conteúdos com matemática. Não chego ao ponto de dizer que os
números governam o mundo, mas quem conhece geometria tem uma grande
vantagem sobre os demais mortais! Brincadeiras à parte, minha preocupação é
real, mesmo com os destinos da PO. Temos tido algum sucesso com alunos de
graduação, motivando-os para esta área. Neste Simpósio mesmo, tivemos 4
alunos de graduação apresentando trabalhos, após terem sido submetidos a
esta metodologia. Mas são todos alunos de Engenharia, com quem usamos
muito mais matemática do que com os alunos dos outros cursos.
Acho que trabalhos como o do Samuel, buscando resgatar o prazer pela
Matemática nos Ensinos Médio e Fundamental são vitais, até para evitar que,
daqui a alguns anos se tenha, como num conto de Asimov, um gênio que
redescubra o algorítimo da soma...
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