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CENTRO UNIVERSITÁRIO ASSUNÇÃO
PONTIFÍCIA FACULDADE DE TEOLOGIA
NOSSA SENHORA DA ASSUNÇÃO
PEDRO DONIZETI DE CAMPOS
UM ESTUDO HISTÓRICO - TEOLÓGICO DAS DIRETRIZES PASTORAIS DA
CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL (CNBB) (1991-2002):
UM PERFIL ECLESIOLÓGICO
SÃO PAULO – 2007
2
CENTRO UNIVERSITÁRIO ASSUNÇÃO
PONTIFÍCIA FACULDADE DE TEOLOGIA
NOSSA SENHORA DA ASSUNÇÃO
PEDRO DONIZETI DE CAMPOS
UM ESTUDO HISTÓRICO - TEOLÓGICO DAS DIRETRIZES PASTORAIS DA
CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL (CNBB) (1991-2002):
UM PERFIL ECLESIOLÓGICO
Dissertação apresentada como exigência parcial
para obtenção do título e Mestre em Teologia
Dogmática à Comissão julgadora da Pontifícia
Faculdade de Teologia Nossa Senhora da
Assunção, sob a orientação do Pe. Dr. Ney de
Souza.
SÃO PAULO – 2007
3
PÁGINA DE APROVAÇÃO
4
Dedico esta Dissertação, de modo especial, a
Deus, a Nossa Senhora e à Igreja, fazendo votos
de
que
possa
ajudá-la
em
sua
missão
evangelizadora. Dedico ainda às minhas irmãs de
comunidade, Irmã Ângela Maria de Moraes e
Irmã Ceila Cristiane Nunes, que não mediram
esforços para que pudesse ter tempo para minha
pesquisa.
Da
mesma
forma,
dedico-a
à
Comunidade Missionária Providência Santíssima,
da qual faço parte, assim como a toda a minha
família.
5
Agradeço
a
todos,
sem
distinção,
que
colaboraram para a concretização desse trabalho.
De modo especial, ao meu orientador, Pe. Ney de
Souza por sua dedicação e honestidade. Da
mesma forma, agradeço aos meus professores Pe.
Paulo Sérgio Lopes Gonçalves, Pe. Antonio
Manzatto, Ilmo senhor Renold Blanck, a Irmã
Maria Freire da Silva, Pe. Tarcisio Justino Loro,
Pe. J. Adriano por todos os esforços a mim
dispensados. Agradeço ainda a Adveniat pela
doação
semestral
de
meia
bolsa
que,
efetivamente, ajudou-me em meus gastos. A
todos, o meu muito obrigado e minhas orações.
6
ÍNDICE
ABREVIAÇÕES....................................................................................................................................................10
INTRODUÇÃO GERAL .................................................................................................................................... 13
CAPÍTULO I: UM PERFIL ECLESIOLÓGICO A PARTIR DO CONCÍLIO VATICANO II................ 19
INTRODUÇÃO ................................................................................................................................................... 20
1. O PROCESSO HISTÓRICO DA CONSTITUTIO DE ECCLESIA ............................................................ 22
1.1. O PRIMEIRO PERÍODO DO CONCÍLIO (11/10 A 08/12/1962)...........................................................23
1.2. O PRIMEIRO PERÍODO INTERSESSIONAL DO CONCÍLIO – 1962-63......................................... 29
1.2.1. OS TRABALHOS PÓS PRIMEIRA SESSÃO .................................................................................... 29
1.2.2. A TRANSIÇÃO PONTIFÍCIA ........................................................................................................... 31
1.3. O SEGUNDO PERÍODO DO CONCÍLIO (29/9 A 4/12 / 1963)............................................................. 32
1.4. O SEGUNDO PERÍODO INTERSESSIONAL DO CONCÍLIO – 1963-64 ......................................... 42
1.5. O TERCEIRO PERÍODO DO CONCÍLIO (14/9 A 21/11/ 1964)........................................................... 43
1.6. A CONSTITUIÇÃO DE ECCLESIA: EIXO DO CONCÍLIO............................................................... 47
2. UMA ANÁLISE TEOLÓGICA DA CONSTITUTIO DE ECCLESIA ............................................................ 49
2.1. O CONCÍLIO VATICANO II: UM CONCÍLIO PASTORAL E ECLESIOLÓGICO........................ 50
2.2. UM PERFIL ECLESIOLÓGICO A PARTIR DA CONSTITUIÇÃO DOGMÁTICA SOBRE A
IGREJA LUMEN GENTIUM.............................................................................................................................. 57
2.2.1. O EIXO MISTÉRICO: A TRINDADE COMO ORIGEM .................................................................. 61
2.2.1.1. A IGREJA COMO MISTÉRIO....................................................................................................................61
2.2.1.2. O MISTÉRIO DA TRINDADE COMO ORIGEM DA IGREJA.................................................................62
2.2.1.3. A IGREJA COMO SACRAMENTO ...........................................................................................................65
2.2.2. O EIXO MINISTERIAL: A TRINDADE COMO IMAGEM .............................................................. 67
2.2.2.1. A IGREJA: POVO DE DEUS......................................................................................................................67
2.2.2.2. A IGREJA POVO DE DEUS: SUA ESTRUTURA VISÍVEL ....................................................................72
2.2.2.3. A SANTIDADE COMO HORIZONTE COMUM A TODO O POVO DE DEUS......................................78
7
2.2.3. O EIXO ESCATOLÓGICO: A TRINDADE COMO FIM ................................................................. 80
2.2.4. COMUNHÃO E MISSÃO: UM PERFIL ECLESIOLÓGICO ........................................................... 82
CONCLUSÃO ..................................................................................................................................................... 89
CAPÍTULO II: A IGREJA DO BRASIL E SUA CONSTRUÇÃO PASTORAL A PARTIR DO
CONCÍLIO VATICANO II: UMA ANÁLISE HISTÓRICA ......................................................................... 90
INTRODUÇÃO ................................................................................................................................................... 91
1. OS PRIMÓRDIOS DO PLANEJAMENTO PASTORAL NO BRASIL: OS ANTECEDENTES DO
PLANO DE EMERGÊNCIA -1899 - 1962 ........................................................................................................ 93
1.1. AÇÃO CATÓLICA BRASILEIRA ......................................................................................................... 96
1.2. O MOVIMENTO POR UM MUNDO MELHOR................................................................................. 100
1.3. O MOVIMENTO DE NATAL E O MOVIMENTO DE EDUCAÇÕ DE BASE.................................. 102
1.4. A CONFERÊNCIA DOS RELIGIOSOS DO BRASIL: CRB.............................................................. 106
1.5. A CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL – CNBB .............................................. 107
2. O SEGUNDO PERÍODO: A FORMAÇÃO DA IDENTIDADE ECLESIAL - 1962-1979 ..................... 109
2.1. A DÉCADA DE 60: A FORMAÇÃO DE UMA IDENTIDADE ECLESIAL.......................................110
2.1.1. O PLANO DE EMERGÊNCIA: GÊNESE DA VIDA PASTORAL DA IGREJA NO BRASIL ......... 110
2.1.2 O CONCÍLIO VATICANO II E PPC.................................................................................................114
2.1.3. A FORÇA DE MEDELLÍN: CEBs E TdL. ...................................................................................... 119
2.2. A DÉCADA DE 70: A AFIRMAÇÃO DE UMA IDENTIDADE ECLESIAL..................................... 121
2.2.1. A ERA DAS DIRETRIZES E DA APLICAÇÃO DE MEDELLÍN.................................................... 121
2.2.2. PUEBLA: SINAL DE EQUILÍBRIO NA COMUNHÃO E NA PARTICIPAÇÃO............................ 129
3. O TERCEIRO PERÍODO: UM REPENSAR A SUA IDENTIDADE - 1980-1994 ................................. 132
3.1. A DÉCADA DE 80: CONFLITO ENTRE MENTALIDADES ........................................................... 133
3.1.1. A RELAÇÃO ENTRE IGREJA DO BRASIL E SANTA SÉ: CONFLITO DE PROJETOS .............. 133
3.1.2. A IGREJA DO BRASIL E A SUA ATUAÇÃO PASTORAL ............................................................. 141
3.2. A PRIMEIRA METADE DA DÉCADA DE 90.................................................................................... 144
3.2.1. AS DGAP E A PRIMEIRA METADE DA DÉCADA DE 90 PARA A IGREJA DO BRASIL........... 144
3.2.2. A CONFERÊNCIA DE SANTO DOMINGO................................................................................... 148
8
4. QUARTO PERÍODO: A DEFINIÇÃO DE UM PERFIL ECLESIAL: COMUNHÃO E MISSÃO ..... 150
4.1. AS DIRETRIZES DA AÇÃO EVANGELIZADORA: UM NOVO ENFOQUE ECLESIAL.............. 150
4.2. A VOLTA DOS GRANDES PROJETOS: PRNM E SINM ................................................................. 154
CONCLUSÃO ................................................................................................................................................... 158
CAPÍTULO III UM PERFIL ECLESIOLÓGICO DAS DIRETRIZES DE 1991-2002: UMA IGREJA
EVANGELIZADORA .............................................................................................................. ........................160
INTRODUÇÃO ................................................................................................................................................. 161
1. ANÁLISE TEOLÓGICA DA EVOLUÇÃO ECLESIOLÓGICA INERENTE ÀS DIRETRIZES: (19912002) ................................................................................................................................................................... 164
1.1. OS FUNDAMENTOS TEOLÓGICOS DAS DIRETRIZES DA AÇÃO PASTORAL DA IGREJA NO
BRASIL: DOC 45 ............................................................................................................................................... 165
1.1.1. O CONCÍLIO VATICANO II: UM LEGADO DE COMUNHÃO E MISSÃO ................................. 165
1.1.1.1. O CONCÍLIO E O PPC: UMA RECEPÇÃO ORIGINAL.........................................................................169
1.1.2. A INFLUENCIA DA POPULORUM PROGRESSIO, DA CONFERÊNCIA DE MEDELLÍN E DO
SÍNODO SOBRE “A JUSTIÇA NO MUNDO” DE 1971.................................................................................... 172
1.1.2.1. A POPULORUM PROGRESSIO E O CONCEITO DE DESENVOLVIMENTO INTEGRAL ................172
1.1.2.2. MEDELLÍN E A EVANGELIZAÇÃO LIBERTADORA.........................................................................174
1.1.2.3. O SÍNODO SOBRE A JUSTIÇA NO MUNDO E A QUESTÃO DA LIBERTAÇÃO INTEGRAL ........177
1.1.3. A EXORTAÇÃO APOSTÓLICA EVANGELLII NUNTIANDI E A EVANGELIZAÇÃO INTEGRAL
............................................................................................................................................................................. 181
1.1.3.1. O CONTEÚDO DA EVANGELLI NUNTIANDI........................................................................................184
1.1.4. A CONFERÊNCIA DE PUEBLA.................................................................................................... 191
1.1.5. A CARTA ENCÍCLICA REDEMPTORIS MISSIO.......................................................................... 196
1.1.5.1. O CONTEÚDO TEOLÓGICO DA REDEMPTORIS MISSIO...................................................................197
1.2.
AS
DIRETRIZES
DA
AÇÃO
PASTORAL:
DOC
45:
UMA
ANÁLISE
TEOLÓGICA........................................................................................................................................................204
1.3. OS FUNDAMENTOS TEOLÓGICOS DAS DIRETRIZES DA AÇÃO EVANGELIZADORA DA
IGREJA NO BRASIL: DOC 54.......................................................................................................................... 215
1.3.1. SANTO DOMINGO E O PROJETO DA NOVA EVANGELIZAÇÃO ............................................. 216
1.3.1.1. SANTO DOMINGO E A NOVA EVANGELIZAÇÃO ............................................................................217
9
1.3.1.2. SANTO DOMINGO E A CENTRALIDADE DE JESUS CRISTO COMO FUNDAMENTO PARA A
ECLESIOLOGIA DE COMUNHÃO .....................................................................................................................................222
1.3.1.3. SANTO DOMINGO E O PROTAGONISMO DOS LEIGOS ...................................................................225
1.2.2. A CARTA ENCÍCLICA TERTIO MILLENNIO ADVENIENT E A PREPARAÇÃO DO JUBILEU DO
ANO 2000............................................................................................................................................................ 229
1.4. AS DIRETRIZES DA AÇÃO EVANGELIZADORA: DOC 54: UMA ANÁLISE TEOLÓGICA....... 232
1.4.1. ORIENTAÇÕES PRÁTICAS PARA A AÇÃO EVANGELIZADORA E PASTORAL........................234
1.4.2. O PROJETO RUMO AO NOVO MILÊNIO: O RESGATE DE UMA ECLESIOLOGIA
COMUNHÃO-MISSÃO ....................................................................................................................................... 247
1.5. AS DIRETRIZES DA AÇÃO EVANGELIZADORA: DOC 61 E O PROJETO SER IGREJA NO
NOVO MILÊNIO ............................................................................................................................................... 250
1.5.1. O PROJETO SER IGREJA NO NOVO MILÊNIO.......................................................................... 255
CONCLUSÃO.....................................................................................................................................................257
CONCLUSÃO GERAL......................................................................................................................................260
BIBLIOGRAFIA ............................................................................................................................................... 263
10
SIGLAS E ABREVIAÇÕES
AA- Decreto Apostolicam actuositatem sobre o apostolado dos leigos
AAS- Acta Apostolicae Sedis
ACB- Ação Católica Brasileira
AG- Decreto Ad gentes sobre a atividade missionária da Igreja
AL- América Latina
AS- Acta Sinodali
CD- Decreto Christus Dominus sobre a função pastoral dos bispos na Igreja
CEBs- Comunidade Eclesial de Base
CELAM- Conferência Episcopal Latino-americana
CEP- Conselho Episcopal de Pastoral
CFL- Exortação Apostólica Christifidelis laici
CIC- Catecismo da Igreja Católica
CM- Comunicado Mensal
CNBB- Conferência Nacional dos Bispos do Brasil
COMLA- Congresso Missionário Latino-americano
CRB- Conferência dos Religiosos do Brasil
DGAE- Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora
DGAP- Diretrizes Gerais da Ação Pastoral
DH- Declaração Dignitatis humanae sobre a Liberdade Religiosa
DSD- Documento de Santo Domingo
DP- Documento de Puebla
DV- Constituição dogmática Dei verbum sobre a Revelação Divina
EN- Exortação Apostólica Evangelii Nuntiandi
ES- Carta Encíclica Ecclesiam Suam
GE- Declaração Gravissimum educationis sobre a educação cristã
GS- Constituição pastoral Gaudium et spes sobre a Igreja no mundo de hoje
11
IM- Decreto Inter mirifica sobre os meios de Comunicação Social
INP- Instituto Nacional de Pastoral
ITCR- Instituto de Teologia e Ciências Religiosas
JAC- Juventude Agrária Católica
JEC- Juventude Estudantil Católica
JIC- Juventude Independente Católica
JOC- Juventude Operária Católica
JUC- Juventude Universitária Católica
LG- Constituição Dogmática Lumen gentium sobre a Igreja
MCS- Meios de Comunicação Social
MEB- Movimento de Educação de Base
MMM- Movimento por um Mundo Melhor
NA- Declaração Nostra Aetate sobre a relação da Igreja com as religiões não-cristãs
Non placet- não (voto contra)
OE- Decreto Orientalium Ecclesiarum sobre as Igrejas Orientais
OT- Decreto Optatum totius sobre a formação sacerdotal
PB- Plano Bienal
PB- Puebla
PC- Decreto Perfectae Caritatis sobre a renovação da vida religiosa
PE- Plano de Emergência
Placet iuxta modum- sim, mas com modificações (voto favorável, mas condicional)
Placet- sim, de acordo (voto favorável)
PO- Decreto Presbyterorum Ordinis sobre o ministério e a vida sacerdotal
PP- Encíclica Populorum Progressio
PPC- Plano de Pastoral de Conjunto
PRNM- Projeto Rumo ao Novo Milênio
RCRB- Revista da Conferência dos Religiosos do Brasil
RCRB- Revista da Conferência dos Religiosos do Brasil
12
REB- Revista Eclesiástica Brasileira
rev. ampl.- Revisada e Ampliada
rev. aum. - Revisada e Aumentada
RMi- Carta Encíclica Redemptoris Missio
RSTP - Revue des Sciences Philosophiques et Théologiques
SAR- Serviço do Assistente Rural
SC- Constituição Sacrosanctum Concilium sobre a Sagrada Liturgia
SCAI- Serviço de Cooperação Apostólica Internacional
SINM- Ser Igreja no Novo Milênio
SNAC- Secretariado Nacional de Catequese
SNAL- Secretariado Nacional de Liturgia
SNALE- Secretariado Nacional do Apostolado dos Leigos
SNAMHI- Secretariado Nacional dos Ministérios Hierárquicos
SNAP- Secretariado Nacional das Prelazias
SNAPES- Secretariado Nacional de Pastoral Especial
SNAR- Secretariado Nacional dos Religiosos
SNAS- Secretariado Nacional da Ação Social
SNASEM- Secretariado Nacional dos Seminários
SNAT- Secretariado Nacional de Teologia
SNAV- Secretariado Nacional das Vocações
SNED- Secretariado Nacional de Educação
SNOP- Secretariado Nacional de Opinião Pública
TdL- Teologia da Libertação
TMA- Carta Apostólica Tertio Millennio Advenient
TMI- Carta Apostólica Novo Millennio Ineunte
UR- Decreto Unitatis redintegratio sobre o Ecumenismo
V- Volume
13
INTRODUÇÃO GERAL
Apresento a presente pesquisa intitulada “UM ESTUDO HISTÓRICOTEOLÓGICO DAS DIRETRIZES PASTORAIS DA CONFERÊNCIA NACIONAL
DOS BISPOS DO BRASIL (CNBB) (1991-2002): UM PERFIL ECLESIOLÓGICO”,
como fruto de minhas pesquisas, experiências e intuições acerca do perfil eclesiológico
inerentes às mesmas.
Essa dissertação está construída a partir do método genético, cuja forma
argumentativa descendente fundada numa matriz dedutiva
1
nos possibilita apreender do
universal ao particular, ou seja, do Magistério até o locus eclesial analisado. Esse, por sua vez,
está “mais de acordo com a dimensão histórica do homem e da economia da salvação, o qual
toma por ponto de partida a Revelação. (...) Procura retraçar autenticamente a história da
revelação tal como se desenrolou no passado, etapa por etapa, sem prejulgar as explicitações
atuais do magistério” 2.
1
A Teologia Dedutiva “se caracteriza por ser uma ´teologia de cima´ - ´von oben´ ou ´katábasis´ (a partir de
cima) -, ao usar o método dedutivo. Parte do dogma, da própria formula da Revelação a fim de adquirir-lhe
maior compreensão pela via da analogia com as realidades humanas, percebendo-lhes os pontos de semelhança e
dessemelhança. (...) A estrutura fundamental dessa teologia consiste em sistematizar, definir, expor e explicar as
verdades reveladas. (....) Sua finalidade é declarar, explicitar o que está na revelação, procurando trazer maior
inteligência para a fé. Realiza de modo direto e explícito o programa estabelecido por Santo Anselmo: ´fides
quaerens intellectum´ - a fé que busca a inteligência”. Cf. LIBANIO, J.B.; MURAD, A. Introdução à Teologia:
Perfil, Enfoques, Tarefas. São Paulo: Loyola, 1996. p. 102. Cf. Também COMBLIM, J. História da Teologia
Católica. São Paulo: Herder, 1969. p. 163-168.
2
LATOURELLE, R. Teologia: Ciência da Salvação. São Paulo: Paulinas, 1981. p. 84.
14
Nesse ínterim, justifico a disposição dos Capítulos, haja vista que, partindo do
Magistério Conciliar (primeiro Capítulo), procurei evidenciar, a partir da análise da evolução
histórica da construção da identidade pastoral (segundo Capítulo), traços que pudessem
comprovar um perfil eclesiológico inerente às Diretrizes Gerais do Episcopado Brasileiro.
Destarte, no primeiro Capítulo dissertar-se-á acerca do Concílio Ecumênico
Vaticano II, percebendo sua incidência pastoral e, principalmente, sua dimensão
eclesiológica. O Capítulo está construído em dois momentos: no primeiro, procurar-se-á
dissertar acerca da formação histórica da Constitutio De Ecclesia perpassando os três
primeiros períodos do Concílio, dispensando um maior esforço de atenção sobre a elaboração,
discussão e aprovação da Constituição Dogmática Lumen gentium, eixo do Concílio.
Num segundo momento, procurar-se-á fazer uma análise teológica sobre os grandes
eixos da Constituição, a fim de delinear um entre os muitos possíveis perfis ou imagens da
Igreja. Para tanto, tomar-se-á o Mistério Trinitário como eixo hermenêutico e o método
dedutivo para a sua análise teológica, no intuito de descrever um perfil eclesiológico, que se
revelará como eclesiologia de comunhão e missão.
Por fim, o presente Capítulo procurar-se-á, embora de forma indicativa,
correlacionar os princípios basilares da eclesiologia conciliar com as Diretrizes Gerais da
Igreja no Brasil, visto que, o Concílio é o marco zero da vida pastoral da Igreja no Brasil.
No segundo Capítulo procuro dissertar, de forma descritiva, as etapas evolutivas
inerentes ao processo de planejamento pastoral da Igreja no Brasil. Por isso, escolhi abordálas de forma metodológica dividindo-as em quatro grandes blocos para melhor evidenciar tal
evolução.
Os blocos aqui apresentados são conforme disposição própria. O primeiro bloco
procurará evidenciar os primórdios do planejamento pastoral da Igreja no Brasil, fatos e
15
movimentos que antecederam e prepararam o advento do Plano de Emergência (PE) 3. O
segundo concentrar-se-á mais na apreciação do que aqui é denominado como formação da
Identidade eclesial. Fala-se do Plano de Emergência e, conseqüentemente, do Plano de
Pastoral de Conjunto (PPC) como aplicação clara e precisa do Concílio Vaticano II. A opção
metodológica em dividir por décadas tem como objetivo visibilizar a caminhada do
Planejamento Pastoral à luz das grandes Conferências Episcopais de Medellín, na década de
60, e de Puebla, na década de 70. A Igreja do Brasil é profundamente marcada pela sua
atuação social.
Os dois últimos blocos dissertarão acerca da crise dessa identidade devido ao Projeto
hegemônico, que a partir do pontificado de João Paulo II, começou a ser instaurado pelo
mundo todo. Tem-se, nesse período, a grande crise da Igreja do Brasil, principalmente no que
tange às CEBs e, de modo particular, à Teologia da Libertação (TdL). O quarto bloco, após
ter-se discorrido sobre a evolução das Diretrizes, toca o centro polarizador deste conflito: a
mudança de orientação de suas Diretrizes, passando de “Ação Pastoral” para “Ação
Evangelizadora”. Nesse período, animada pelo impulso de preparar o novo milênio, a Igreja
se lança novamente à confecção de Projetos também Hegemônicos, para todo o seu território
eclesial, como o Projeto Rumo ao Novo Milênio (PRNM) (1996-2000) e o Ser Igreja no Novo
Milênio (SINM) (2000-2002).
Procurar-se-á no terceiro Capítulo, analisar de forma teológica a evolução
eclesiológica da Igreja no Brasil, a partir de suas Diretrizes Gerais, tendo como objeto de
estudo as Diretrizes Gerais referentes ao espaço de tempo entre 1991 a 2002. Para tanto,
primeiramente estudar-se-á o documento 54, referente ao quadriênio de 1991-1994. Nele está
expresso todo esforço de adaptação e concretização de toda a evolução teológica no que se
refere à eclesiologia iniciada com o evento Conciliar, realizado entre os anos de 1962 a 1965.
3
A partir do primeiro Capítulo esta e outras siglas, assim como as abreviações estarão elencadas no inicio do
texto.
16
Antes de sua análise, dissertar-se-á acerca dos principais eventos teológico-pastorais
ocorridos desde o Concílio Vaticano II, ou seja, as Conferências de Medellín e de Puebla, os
Sínodos, os documentos pontifícios de Paulo VI – Populorum Progressio e Evangelii
Nuntiandi – e, principalmente a Redemptoris Missio e a Tertio Millennio Advenient de João
Paulo II. A exposição desses eventos julga-se oportuna por se tratarem de eventos
influenciadores tanto em âmbito teológico quanto em âmbito pastoral.
Neste ínterim, esses eventos teológico-pastorais foram capitais para a formação do
que é a Igreja na América Latina e, conseqüentemente, no Brasil. Todos eles serão abordados
a partir da temática da evangelização. A razão dessa escolha, entre muitas outras possíveis,
justifica-se pelo fato de que ela, no decorrer dos anos após o Concílio, tenha se tornado o
princípio identificador de toda a realidade eclesial, seja enquanto essência seja enquanto
missão.
A partir do Vaticano II, o termo evangelização vai se erigindo e ganhando espaço e
predicações. Com o conceito de Desenvolvimento Integral exposto na Populorum Progressio,
Medellín assumirá o conceito de Evangelização Libertadora, enquanto que o Sínodo sobre a
Justiça no mundo -1971- falar-se-á de Libertação Integral. Com o advento da Evangelii
Nuntiandi, o termo evangelização será oficialmente acolhido e aplicado a toda Igreja; daqui
em diante, a evangelização será entendida como o conjunto de serviço da Igreja frente ao
mundo.
Conseqüentemente, a Igreja no Brasil receberá essas contribuições e, com o passar
dos anos, irá forjar, a partir de suas Diretrizes, um rosto definido e uma prática pastoral bem
consciente. A partir da Redemptoris Missio, há uma especificação do que é evangelização,
pastoral e missão ad gentes. Esse documento foi capital para um primeiro aggiornamento da
compreensão eclesiológica por parte da Igreja no Brasil.
17
Esse aggiornamento é também acompanhado pela sensibilidade em ler os “sinais
dos tempos” presentes neste contexto. O Capítulo explicitará dois fatos que o autor julga
principais na construção desta nova conjuntura: o primeiro diz respeito à evolução teológica
precedente seguida de novos eventos teológicos, dentre os quais merecem destaque o
chamamento do Papa João Paulo II para uma nova evangelização, renovada em seu ardor, em
seus métodos e em suas expressões e a Confêrencia de Santo Domingo, com a temática da
evangelização inculturada, e de modo especial, a ênfase que o referido Papa deu à preparação
do grande Jubileu do ano 2000 com a Encíclica Tertio Millennio Adveniente. O segundo
refere-se ao grande êxodo de fiéis da Igreja Católica para as outras seitas ou o abandono
completo da fé, por meio de uma postura de indiferentismo religioso.
Sensível, principalmente, a estes “sinais dos tempos”, a Igreja no Brasil compreende
que, fundamentalmente, necessita mudar não só sua forma de ação pastoral, mas também sua
estrutura e, principalmente, a compreensão de sua identidade e de sua missão. É nesse período
que os Bispos do Brasil promulgam o documento 54, em que mudam não só o título das
Diretrizes, de ação pastoral para ação evangelizadora - mas também a sua estrutura e,
conseqüentemente, muito embora não perceptivelmente, o rosto, o horizonte e a prática
pastoral de toda a Igreja no Brasil.
A evangelização passa de uma dimensão da ação pastoral a ser o principio
constitutivo de toda ação pastoral. A Evangelização deve ser inculturada e acompanhada de
quatro exigências irrenunciáveis expressas pelo serviço, pelo diálogo, pelo anúncio e pelo
testemunho de comunhão eclesial. Essas quatro exigências estão em consonância com as seis
dimensões, a diferença está no lugar proeminente e de destaque que a missão-evangelização
ocupa.
Por essa exposição, é possível perceber a evolução eclesiológica e o novo perfil
eclesiológico que se forja a partir das Diretrizes da ação evangelizadora: uma Igreja mais
18
evangelizadora que pastoral, muito embora não a elimina; uma Igreja verdadeiramente
ministerial, onde todos são sujeitos dessa ação evangelizadora; uma Igreja que evangeliza e
que precisa ser constantemente evangelizada.
Contudo, o presente trabalho, a partir da exposição feita nesses três Capítulos, não
quer ser um ponto final nessa discussão eclesiológica inerente às Diretrizes, mas uma
contribuição para essa própria Igreja, que procura constantemente estar em sintonia com o
Magistério Petrino e, ao mesmo tempo, fiel a sua realidade eclesial. É certo que, a partir desse
estudo, muitos outros assuntos e temas poderão ser abordados para melhor completá-lo e
avançar nessa compreensão eclesiológica, visto que, a eficiência pastoral prescinde
necessariamente de uma clara e objetiva compreensão eclesiológica.
19
CAPÍTULO I
UM PERFIL ECLESIOLÓGICO A PARTIR DO CONCÍLIO VATICANO II
20
INTRODUÇÃO
O presente Capítulo tem por intenção dissertar acerca do Concílio Ecumênico
Vaticano II, percebendo sua incidência pastoral e, principalmente, sua dimensão
eclesiológica. Nossa pesquisa se apresenta em dois momentos: no primeiro, procurar-se-á
dissertar acerca da formação histórica da Constitutio De Ecclesia, perpassando os três primeiros
períodos do Concílio, dispensando um maior esforço de atenção sobre a elaboração, discussão e
aprovação da Constituição Dogmática Lumem gentium, eixo do Concílio. Sobre os demais
Documentos, será apenas indicada uma bibliografia.
Num segundo momento, procuraremos fazer uma análise teológica sobre os grandes
eixos da Constituição, a fim de delinearmos um entre os muitos possíveis perfis ou imagens
da Igreja. Para tanto, tomaremos o Mistério Trinitário como eixo hermenêutico e o método
dedutivo para nossa análise teológica, no intuito de descrevermos um perfil eclesiológico, que
se revelará como eclesiologia de comunhão e missão.
Tendo em vista que toda a ação eclesial seja ela pastoral ou evangelizadora, em
qualquer Igreja local, inclusive a do Brasil, tem suas raízes hermenêuticas justamente no
modelo eclesiológico presentificado pelo Concílio Vaticano II, o que se justifica o seu estudo,
a fim de que se possa entender os sucessivos planos pastorais das Igrejas locais.
O Concílio é o marco zero da vida pastoral da Igreja no Brasil; os seus dois primeiros
planos de Pastoral: o Plano de Emergência (PE), aprovado às vésperas do Concílio (abril de
1962), e o Plano de Pastoral de Conjunto (PPC), discutido a aprovado ao final do Concílio
21
(dez. de 1965) situam-se justamente no decurso do próprio Concílio e, conseqüentemente,
bebem de sua fonte. Nesse sentido, o Concílio foi o maior evento da vida da Igreja do Brasil.
O texto que se segue procurará ser fiel a suas fontes e, entremeio às descrições
históricas - teológicas do evento conciliar, introduzirá, já de antemão, o que o episcopado
brasileiro elaborou a partir de suas Diretrizes.
22
1. O PROCESSO HISTÓRICO DA CONSTITUTIO DE ECCLESIA
Nesse primeiro momento de nosso trabalho, analisaremos, de forma concatenada, o
processo de apresentação, elaboração, discussão e promulgação da Constitutio De Ecclesia no
desenrolar dos quatro períodos conciliares. Assim, duas observações se fazem importantes:
não abordaremos o período antepreparatório datado entre 1956 a 1960, nem a fase
preparatória que vai de 1960 a 1962, por razões de delimitação da abordagem. Porém, seguese uma bibliografia básica acerca do tema 4.
Da mesma forma, por razões de delimitação, não serão apresentadas, no decurso de
nosso trabalho, as questões discutidas pelos Padres conciliares relativas aos outros Esquemas,
mas apenas na discussão da então referida Constituição; contudo, daremos uma bibliografia
básica sobre esses debates não focados em nossa pesquisa.
4
As fontes relativas aos trabalhos estão conservadas num arquivo próprio do Concílio Vaticano II, no Vaticano.
Foram editados até agora os pareceres enviados em resposta à consulta antepreparatória: Acta et Documenta
Concílio oecumenico Vaticano II apparando. Series I antepraeparatoria, Cidade do Vaticano, 1960-1961, 4 v.
em 16 tomos, o último dos quais é de índices. À preparação foi dedicada uma Series II praeparatoria, que consta
até agora de 3 v. em 8 tomos (Cidade do Vaticano, 1965-1989), que contém as atas da comissão central
preparatória. Para uma análise pormenorizada dos antecedentes do Concílio Vaticano II, assim como dos
Documentos e dos Organismos e trabalhos Preconciliares, cf. KLOPPENBURG, B. Concílio Vaticano II: v. I:
documentário Preconciliar. Petrópolis: Vozes, 1962. Para uma leitura mais analítica, cf. ALBERICO, G. (org.).
História dos Concílios Ecumênicos. São Paulo: Paulus. 1995. p. 391-400. A REB também é um grande celeiro
de artigos sobre o assunto, além de fornecer em suas cessões de Comunicações e Documentação, documentos e
subsídios afins, como se segue: REB, Petrópolis, v. XXI, n. 2-3, [jun-set] 1961; v. XXII, n. 1-3, [março-jun-set]
1962.
23
1.1. O PRIMEIRO PERÍODO DO CONCÍLIO (11/10 a 08 /12 / 1962)
Em 11 de outubro do ano de 1962, com a alocução do Papa João XXIII Gaudet
Mater Ecclesia 5 dava-se a solene abertura do 21° Concílio Ecumênico intitulado Vaticano II,
com a presença de 2.540 Padres conciliares. Segundo cálculos fidedignos, no ano de 1961
havia cerca de 2.191 circunscrições territoriais, entre patriarcados, exarcados, dioceses,
prelaturas nullius, abadias isentas e vicariatos apostólicos. Diante de uma somatória básica,
considerando os bispos auxiliares, os diversos bispos da cúria vaticana, os bispos chegavam
em todo o mundo à cerca de 4.000.
De forma probatória, é mister afirmar que:
todas as dioceses, ou quase, estavam representadas e que cinco sextos de todo o
episcopado mundial tinham respondido ao apelo do papa. Jamais, não só na história
da Igreja, mas pode-se talvez dizer em toda a história, uma assembléia se
apresentou tão numerosa e com caracteres tão universais 6.
5
O Pe. João Batista Libanio ressalta, em sua obra, que a alocução ou discurso Inaugural do papa João XXIII foi
programático e, neste ínterim, é o grande divisor de águas do Concílio. Ele ressalta quatro eixos que norteiam tal
discurso. Cf. Concílio Vaticano II: em busca de uma primeira compreensão. São Paulo: Loyola, 2005. p. 65-6.
Em um de seus artigos, Intitulado Concílio Vaticano II: abordagem pastoral ressalta três palavras decisivas neste
discurso: pastoral, ecumenismo e aggiornamento. Disponível em: <http/www.cebsuai.rog.br/Libanio_cont.htm>
Acesso em: 25/04/2006. Para uma análise da referida alocução cf. CATÃO F. A. C. O perfil distintivo do
Vaticano II: recepção e Interpretação. In: GONÇALVES, P. S. L.; BOMBONATO, V.I. (Org.). Concílio
Vaticano II: Análise e Prospectivas. São Paulo: Paulinas, 2004. p. 99-102.
6
MARTINA, Giacomo. História da Igreja: de Lutero a nossos dias. v. IV: A era contemporânea. São Paulo:
Loyola, 1997. p. 290. Passim. Também I padri presenti al Concílio ecumênico Vaticano II, sob a coordenação da
Secretaria Geral do Concílio, 1966. Acerca da sua preparação e o desenvolvimento de seus quatro períodos, além
de sua contextualização no cenário mundial e teológico, cf. SOUZA, Ney de. Contexto e desenvolvimento
histórico do Concílio Vaticano II. In: GONÇALVES, P. S. LOPES; BOMBONATO, V.I. (Org.). Concílio
Vaticano II. Análise e Prospectivas. São Paulo: Paulinas, 2004. p. 17-67. Cf. também ALBERIGO, Giuseppe
(org.). História dos Concílios Ecumênicos. Op. cit. p. 393- 440. LIBANIO, J.B. Igreja Contemporânea: encontro
com a modernidade, São Paulo: Loyola, 2000.
24
Dentre esse universo de participantes de todo o mundo, a Igreja do Brasil, que
contava com 174 bispos, no momento da consulta em 1959, teve ao final das quatro sessões
conciliares, em 1965, o seu número acrescido em 55 novos bispos, ou seja, um total de 229
bispos, sendo 7 estrangeiros e 222 brasileiros. Contudo, nem todos esses participaram tanto da
fase antepreparatória como das sessões do Concílio.
Dos 167 bispos, considerados brasileiros pelo anuário Pontifício em 1959, somente
132 enviaram o seu “vota” 7 no que tange à fase Antepreparatória. Em relação à participação
nas sessões do Concílio, segundo José Oscar Beozzo foi assim:
Na primeira sessão do Concílio, participaram 173 bispos dos 204 (84,8%); na
segunda, 183 de 220 (83,2%); na terceira, 167 de 221 (75,5%); na quarta, 192 de
227 (84,6%). A Estes 227, deveriam ser agregados outros dois, nomeados nos
últimos dias do Concílio: Luís Gonzaga Fernandes (6/11/1965), para auxiliar de
Vitória (ES), e Ivo Lorscheiter (12/11/1965), para auxiliar de Porto Alegre (RS). Se
incluirmos estes dois, com sua participação nos atos finais do Concílio, o número
sobe para 194 participantes, sobre 229, e a porcentagem passa para 84,7% 8.
Após as formalidades e orações de início, já no dia 13 de outubro 9, quando da
7
Os “votas” foram dirigido aos bispos do Brasil pelo secretário de Estado, Domenico Tardini. “As primeiras
respostas chegaram em julho de 1959 e as últimas, em julho do ano seguinte, depois de nova carta de Tardini,
urgindo a manifestação dos retardatários. As respostas do Brasil à consulta ocupam 216 páginas do volume II,
Pars VII, das Acta et Documenta Concílio oecumenico Vaticano II appurando, series I (antepraeparatoria),
editadas pela Poliglota do Vaticano entre 1960-1961”. Cf. BEOZZO, José Oscar. Concílio Vaticano II (19621965): a participação da Conferência Episcopal Brasileira. In: INSTITUTO NACIONAL DE PASTORAL
(Org.). Presença Pública da Igreja no Brasil (1952-2002): Jubileu de ouro da CNBB, Op. cit. p. 73.
8
Ib. p. 78. Cf. também KLOPPENBURG, B. Concílio Vaticano II. v. II: Primeira Sessão. Petrópolis: Vozes,
1963. p. 43.
9
Para o transcurso natural do Concílio, o Papa João XXIII, decretou e promulgou em Motu Próprio Intitulado
Appropinquante Concílio, o Regulamento denominado Ordo Concilii Oecumenici Vaticani II Celebrand,
contendo duas partes e 70 artigos. In: REB, Petrópolis, v. 22, n. 4, p. 991-1004, [dezembro] 1962. Para uma
leitura em vernáculo, cf. KLOPPENBURG, B. Concílio Vaticano II. v. II: Primeira Sessão (set-dez 1962). Op.
cit. p. 271-286.
25
primeira Congregação Geral10 houve, por parte de alguns Cardeais europeus – Liénart e
Frings-, o pedido de adiamento das eleições das Comissões, a fim de que houvesse tempo
para contatos, evitando-se, assim, a mera confirmação das Comissões preparatórias. Essa
postura foi o primeiro sinal da consciência conciliar que se estava nascendo, rompendo o
rigorismo postulado pela Cúria Romana.
11
Neste ínterim, somente no dia 16, na segunda
Congregação Geral, é que as Comissões foram eleitas, tomando por base as listas emitidas
pelas Conferências episcopais, “resultando daí uma nítida preferência pelos bispos centroeuropeus em prejuízo aos bispos latinos”
12
. Somente na terceira Congregação Geral é que
foram pronunciados os nomes dos membros eleitos. 13
Os Padres conciliares detiveram-se desde o dia 22 de outubro até o dia 13 de
novembro, debatendo acerca da reforma litúrgica, ou seja, da quarta até a décima oitava
Congregação Geral. Em seguida, começaram as discussões sobre as “Fontes da Revelação”
ocupando da 19ª até a 24ª Congregação Geral, ou seja, desde o dia 14 ao dia 21 de novembro.
Os dois Esquemas posteriores, sobre os “Meios de Comunicação Social” e sobre a “Unidade
da Igreja” tiveram ambos três Congregações Gerais, ou seja, a primeira da 25ª até a 27ª e a
segunda da 28ª à 30º Congregação Geral 14.
10
Entende-se por Congregação Geral “o nome oficialmente usado para designar a reunião plenária na Aula
conciliar. As Congregações Gerais são propriamente as grandes sessões de trabalho do Concílio Ecumênico,
durante as quais os Padres conciliares, discutem e votam os projetos ou textos (chamados também ‘Esquemas’)
elaborados pelas Comissões Preconciliares, louvando-os (‘placet’), emendando-os (‘placet iuxta modum’) ou
rejeitando-os (‘non placet’), como bem lhes parecer diante do Senhor. Cada congregação é presidida, em nome e
com autoridade do Papa, por um dos dez Cardeais do Conselho de Presidência”. KLOPPENBURG, B. Concílio
Vaticano II. v. II: Primeira Sessão (set-dez 1962). Op. cit. p. 73. Também KOSER, Constantino. A Primeira
Sessão do Concílio Vaticano II. In: REB, Petrópolis, v. 22, n. 4, p. 908-9, [dezembro] 1962.
11
Cf. KLOPPENBURG, B. Concílio Vaticano II. v. II: Primeira Sessão (set-dez 1962). Op. cit. p. 77-9.
12
ALBERICO, G. (org.). História dos Concílios Ecumênicos. Op. cit. p. 401.
13
KLOPPENBURG oferece em sua obra Concílio Vaticano II. v. II: Primeira Sessão. Op. cit. p. 51-60 os nomes
de todos os membros eleitos.
14
Para uma leitura aprofundada sobre as discussões destes Esquemas, assim como das votações em plenário
pelos Padres conciliares nas Congregações Gerais realizadas na primeira sessão, cf. KLOPPENBURG, B.
Concílio Vaticano II. v. II: Primeira Sessão (set-dez 1962). Op. cit. p. 71-268. De forma mais condensada,
KOSER, Constantino. A Primeira Sessão do Concílio Vaticano II, In: REB, Petrópolis, v. 22, n. 4, p. 904-936,
[dezembro] 1962.
26
No dia 23 de novembro, na vigésima quinta Congregação Geral, o Esquema sobre a
Igreja fora apresentado aos Padres conciliares15 sob dois moldes, a saber: “Esquema da
Constituição dogmática sobre a Igreja”
16
e um segundo “Esquema da Constituição
dogmática acerca da bem-aventurada Virgem Maria, Mãe de Deus e Mãe dos homens” 17.
O Esquema De Ecclesia era originariamente composto com onze Capítulos18, que,
com a análise dos presentes, foram reelaborados em outros decretos; o segundo, acerca de
Maria, foi incorporado no tratado De Ecclesia, com maior riqueza que o primeiro.
O presente Esquema, embora louvado por alguns, foi alvo de profundas críticas, haja
vista que, sua preocupação central, fundava-se sobre a “natureza e a estrutura da Igreja” e, em
seu bojo, “ligava a visão da Igreja como instituição, idéia dominante a partir de Roberto
Belarmino, com a concepção apresentada na encíclica sobre a Igreja de Pio XII”
19
; nesse
aspecto, os Padres conciliares atribuíram ao Esquema apresentado excessivo “jurisdicismo e
triunfalismo” (De Smedt, Bruges) “visão pouco profunda do poder episcopal e da função dos
leigos” 20.
15
Cf. KLOPPENBURG, B. Concílio Vaticano II. v. II: Primeira Sessão (set-dez 1962). Op. cit. p. 197.
Cf. Schema Constitutionis Dogmaticae De Ecclesiae, p. 7-90. A metade aproximadamente das páginas são
notas explicativas ou citações da Sagrada Escritura e dos Santos Padres, que propriamente não forma parte do
texto. Apud NICOLAU, M. et al. Igreja do Concílio Vaticano II: comentário à Constituição Dogmática Lumen
gentium. Op. cit. p. 16.
17
Cf. Schema Constitutionis Dogmaticae de Beata Maria Virgine, Matre Dei et Matre Hominum, p. 91-122. O
texto doutrinal reservado a este Esquema é relativamente breve (p. 91-98); mas as notas que o declaram e
confirmam ocupam as páginas 99-122. Apud NICOLAU, M. et al. Igreja do Concílio Vaticano II: comentário à
Constituição Dogmática Lumen gentium. Op. cit. p. 16.
18
Assim estão enunciados os onze Capítulos: Cap. I – De Ecclesiae militantis natura, Cap. II – De mebris
Ecclesiae militantis eiusdemque necessitate ad salutem, Cap. III – De episcopatu ut supremo gradu sacramenti
ordinis et de sacerdotio, Cap. IV – De episcopis residentialibus, Cap. V – De Statibus evangelicae perfectionis
acquirendae, Cap. VI – De laicis, Cap. VII – De Ecclesiae Magistério, Cap. VIII – De auctoritate et oboedientia
In Eclésia, Cap. XI – De relationibus Inter Ecclesiam et Statum, Cap. X – De necessitate Ecclesiae annuntiandi
Evangelii omnibus gentibus et ubique, Cap. XI – De oecumenismo. Op. cit. p. 16. Também, BETTI, U.
Cronistória da Constituição. In: BARAÚNA, G. A Igreja do Vaticano II. Op. cit. p. 1143.
19
SOUZA, Ney de. Contexto e desenvolvimento histórico do Concílio Vaticano II. In: GONÇALVES, P. S.
LOPES; BOMBONATO, V.I. (Org.). Concílio Vaticano II: Análise e Prospectivas. Op. cit. p. 40. Cf. também
KOSER, Constantino. A Primeira Sessão do Concílio Vaticano II, In: REB, Petrópolis, v. 22, n. 4, p. 930-1,
[dezembro] 1962.
20
NICOLAU, M. et al. A Igreja do Concílio Vaticano II: comentário à Constituição Dogmática Lumen gentium.
Op. cit. p. 18. Para uma leitura aprofundada acerca das discussões dos Padres Conciliares, cf. KLOPPENBURG,
B. Concílio Vaticano II. v. II: Primeira Sessão (set-dez 1962). Op. cit. p. 230-265.
16
27
Havia de fato, um problema de fundo que residia no modo como se concebia a Igreja,
visto que, o que os Padres da ala conservadora desejavam é que a discussão “não se limitasse
à Igreja militante, uma vez que a Igreja triunfante é meta e ilumina o caminho que, no tempo
aquela deve seguir” 21. Ao mesmo tempo, outros Padres conciliares declaravam a necessidade
de reformulação do Esquema, como demonstra dois testemunhos; um do cardeal Suenens que
recordou-se que se considerasse a Igreja em si mesma, na sua natureza e na sua
missão de mãe e mestra, para, em segundo lugar, se examinar frente aos grandes
problemas que agitam o mundo de hoje, como os relativos à pessoa humana e à
sociedade nas suas exigências de justiça e paz 22.
O outro do então Cardeal Montini que
chamava a atenção para a necessidade de aprofundar o texto e de realçar as relações
entre Cristo e a Igreja, de modo a aparecer com evidencia que a Igreja fundada por
Cristo tudo recebe d´Ele, sendo sua continuação no tempo e instrumento querido
por Ele para a salvação dos homens 23.
As discussões sobre o Esquema De Ecclesia duraram desde o dia primeiro até o dia
sete de dezembro, perfazendo desde a trigésima primeira Congregação Geral até a trigésima
sexta. O Esquema não foi submetido à votação, mas foi considerado pelos Padres inaceitável
21
Ib. p. 18.
Ib. p. 19.
23
Ib. p. 19.
22
28
para as futuras discussões conciliares, a fim de ser totalmente refeito24. Essa decisão foi
frustrante.
Com o encerramento do primeiro período, aos oito dias de dezembro, nenhum dos
cinco Esquemas discutidos estava definido. Na alocução25 proferida, o Papa Bom procurou
confortar
os Padres conciliares afirmando que era compreensível que para se chegar a um
consenso seria necessário um tempo maior. A opinião pública ficou desiludida por
não serem apresentados resultados concretos. Muitos católicos se escandalizaram
com a discórdia dos Padres conciliares, o que acontecera em todos os Concílios
anteriores 26.
Essa alocução do Pontífice procurou restituir a alegria e a esperança dos próprios
Padres conciliares, assim como dos que estavam preocupados e até desiludidos. Como afirma
Frei Constantino Koser, “a Primeira Sessão do Concílio não foi uma fase negativa, por certo
será avaliada como uma das grandes horas positivas na história da Igreja”
27
. Ainda, a
“primeira fase do Concílio se encerrou empanada pela enfermidade do Papa (...) Mas fechou
também com a certeza inabalável de que o intervalo entre a primeira e a segunda fase será
fecundo” 28.
24
KLOPPENBURG, B. Concílio Vaticano II. v. III: Segunda Sessão (set-dez 1963). Petrópolis: Vozes, 1964. p.
24.
25
Cf. REB, Petrópolis, v. 22, n. 4, p. 1028-103, [dezembro] 1962.
26
SOUZA, Ney de. Contexto e desenvolvimento histórico do Concílio Vaticano II. In: GONÇALVES, P. S.
LOPES; BOMBONATO, V.I. (Org.). Concílio Vaticano II: Análise e Prospectivas. Op. cit. p. 41.
27
KOSER, Constantino. A Primeira Sessão do Concílio Vaticano II. In: REB, Petrópolis, v. 22, n. 4, p. 933,
[dezembro] 1962.
28
KOSER, Constantino. Após a Primeira Sessão do Concílio. In: REB, Petrópolis, v. 22, n. 4, p. 829,
[dezembro] 1962.
29
1.2. O PRIMEIRO PERÍODO INTERSESSIONAL DO CONCÍLIO – 1962-63
1.2.1. OS TRABALHOS PÓS-PRIMEIRA SESSÃO
Já antes do término do primeiro período, foi distribuído entre os Padres um fascículo
no qual as várias dezenas de Esquemas preparatórios foram sintetizadas em vinte assuntos,
procurando assim atender a todos os Padres no que se referia às suas intervenções.
Inusitada ainda foi a decisão do Papa João XXIII em emitir um Ordo agendorum29,
ou seja, “uma norma para a iminente pausa e ao mesmo tempo a decisão de criar uma
comissão de coordenação, que acompanharia o desenvolvimento do trabalho conciliar,
sobretudo no período de suspensão da assembléia” 30.
Essa Comissão de Coordenação, criada aos dezessete dias de dezembro, era
composta por seis cardeais 31 eleitos pelo Papa sobre a presidência do secretário de Estado A.
G. Cicognani, cuja tarefa era de aperfeiçoar esses assuntos, muitas vezes com a colaboração
de subcomissões e depois dirigi-las ao Papa para aprovação e encaminhamento aos Padres
conciliares.
Referente ao Esquema De Ecclesia, que ia claramente designando como eixo do
Concílio 32, a sua reelaboração foi encomendada a uma comissão Mista, composta de Padres e
Peritos da Comissão Teológica e do Secretariado do Cardeal Bea. De 21 de fevereiro até 13
29
O título completo é: Ordo agendoroum tempore quod Inter conclusionem primae periodi concilii Oecumenici
et initium circundai intercedit. In: REB, Petrópolis, v. 23, n. 1, p. 1034-1035, [março] 1962. Com a mesma força,
pode-se também aludir a Carta emitida por sua Santidade o Papa João XXIII endereçada aos Bispos do mundo
todo em data de 8 de fevereiro de 1963, porém com data de 6 de janeiro, Intitulada Mirabilis ille. In:
KLOPPENBURG, B. Concílio Vaticano II. v. III: Segunda Sessão (set-dez 1963). Op. cit. p. 344-351. Segundo
Guilherme Baraúna, estes dois documentos constituem o elo de ligação entre a Primeira e a Segunda Sessão
conciliar. Cf. Crônica dos trabalhos Intersessionais do Concílio. In: REB, Petrópolis, v. 23, n. 2, p. 423-431,
[junho] 1963.
30
ALBERICO, G. (org.). História dos Concílios Ecumênicos. Op. cit. p. 406.
31
São eles: Confalonieri, Döpfner, Liénart, Spellman, Suenens e Urbani.
32
É notável esta percepção na Carta Pastoral Quaresmal do ano de 1963 do Cardeal Achile Lienar, Bispo de
Lille, Intitulada “A Igreja à luz do Concílio”. In: REB v. 23, n. 2, p. 488-492, [junho] 1963.
30
de março, estiveram reunidos, analisando os seis Esquemas apresentados
33
. Para maior
eficiência, foi criada uma subcomissão, cujo encargo era “providenciar sobre a reelaboração
do Esquema, valendo-se mesmo de representantes de outras Comissões em matéria afins às de
sua competência
34
. O trabalho dela devia ser depois examinado pela Comissão Doutrinal
inteira, e, finalmente, transmitido à comissão de coordenação para lhe obter o ‘placet’”.
A subcomissão, reunida pela primeira vez a 25 de fevereiro, optou pelo Esquema
belga, articulado em quatro Capítulos, a saber: Capítulo I sobre o Mistério da Igreja, discutido
e aprovado durante a sessão em curso nas reuniões de 5 a 9 de março; o Capítulo II sobre a
Constituição Hierárquica da Igreja foi discutido entre os dias 15 a 28 de maio; o Capítulo III
acerca dos Leigos foi aprovado sem grandes dificuldades e o Capítulo IV, sobre o Estado de
Perfeição, foi vivamente discutido em duas reuniões entre os dias 27 e 28 do mesmo mês e,
posteriormente, modificado completamente.
O Esquema foi votado em duas partes: os dois primeiros Capítulos no dia 28 de
março de 1963 e os dois últimos, no dia 4 de julho e, conseqüentemente, impressos em dois
fascículos distintos, dos quais o primeiro continha o Capítulo primeiro e o segundo e o outro,
os dois últimos, enviados aos Padres concomitantemente nos meses de maio e de agosto.
Propôs-se, ainda, para discusão posterior, que o Capítulo III sobre o Povo de Deus se
dividisse em dois, sendo um que tratasse do Povo de Deus em Geral e um outro do Leigo, de
forma específica. O Esquema agora já possuía não mais quatro, mas cinco Capítulos.
Neste ínterim, esperava a comissão doutrinal ter prestado um bom trabalho para uma
melhor recepção e discussão nos trabalhos conciliares referentes ao segundo período.
33
“Um veio da Bélgica, elaborado por Mons. Philips, professor na Universidade de Louvaina e senador do reino
belga; outro foi elaborado por Mons. Parente assessor do Santo Ofício; um terceiro veio da Alemanha; um quarto
da França, outro do Chile, outro da Espanha”. Cf. In: KLOPPENBURG, B. Concílio Vaticano II. v. III: Segunda
Sessão (set-dez 1963). Op. cit. p. 24.
34
BETTI, U. Cronistória da Constituição. In: BARAÚNA, G. A Igreja do Vaticano II. Op. cit. p. 141.
31
1.2.2. A TRANSIÇÃO PONTIFÍCIA
No findar do primeiro período e, principalmente, nos primeiros meses de 1963, as
condições de saúde do Papa João XXIII se agravaram de forma progressiva; contudo, isso não
o atrapalhou, conforme suas possibilidades, de acompanhar os trabalhos conciliares e de ainda
publicar a encíclica “Pacem in terris”; Entretanto, no dia 3 de junho do mesmo ano, veio a
falecer.
Após os funerais próprios, foi realizado um breve conclave, de 19 a 21 de junho, em
que se elegeu o novo Papa, o cardeal Montini, que assumiu o nome de Paulo VI. Uma
pergunta pairava no o ar desde a morte de João XXIII: o Concílio vai continuar? A resposta
veio na primeira Radiomensagem do novo Papa, um dia após sua eleição, quando disse que “a
parte preeminente do Nosso Pontificado será ocupada pela continuação do Concílio
Ecumênico Vaticano II, no qual estão fitos os olhos de todos os homens de boa vontade” 35.
Já no dia 27, o Papa por meio do Secretário de Estado, não só confirmou a
continuação, como fixou a data de 29 de setembro como a de abertura do novo período
conciliar 36. O fato de ter sido membro da comissão central preparatória e participante ativo da
primeira sessão sugeriu o Papa Paulo VI a revisão do regulamento a fim de maior
funcionalidade; além disso, propôs a criação de um restrito Colégio de moderadores, que
“formariam o elo de ligação entre o Papa e a assembléia; esta seria dirigida, por revezamento,
pelos membros desse Colégio” 37.
35
KLOPPENBURG, B. Concílio Vaticano II. v. III: Segunda Sessão (set-dez 1963). Op. cit. p. 484-487.
Cf. Carta de Paulo VI ao Card. Tisserant sobre a II Sessão do Concílio. In: REB, Petrópolis, v. 23, n. 4,
p.1054-1056, [dezembro] 1963.
37
ALBERICO, G. (org.). História dos Concílios Ecumênicos. Op. cit. p. 410.
36
32
Ainda determinou que se criasse uma categoria de ouvintes do Concílio, de modo a
poder introduzir alguns leigos na qualidade de participantes das sessões plenárias; por fim,
tomou para si a responsabilidade de reformar a Cúria Romana 38.
1.3. O SEGUNDO PERÍODO DO CONCÍLIO (29/9 a 4/12 / 1963) 39
A abertura da segunda Sessão Conciliar deu-se no dia 29 de setembro, primeiramente
com a Celebração Eucarística, presidida pelo Cardeal Tisserant, e, após, pelo discurso de
Paulo VI, que denotou o tom dos trabalhos desse segundo período, numa clara exposição de
continuidade ao predecessor e de concentração de trabalhos acerca do tema eclesiológico.
Em seu discurso, o Papa destaca que
para se saber claramente em que bases se assentam este Concílio e quais são seus
objetivos, que se podem resumir em quatro, por uma questão de clareza: a noção
ou, melhor, a consciência da Igreja, sua renovação, a restauração da unidade entre
todos os cristãos e o diálogo da Igreja com os homens de nosso tempo
40
.
Mais adiante continua:
38
No dia 21 de setembro, O Papa Paulo VI, reuniu os oficiais maiores e menores da Cúria Romana para lhes
comunicar desejos, aspirações e ordens quanto a uma próxima reforma e à necessária adequação aos novos
tempos. Cf. Discurso de Paulo VI à Cúria Romana. In: REB, Petrópolis, v. 23, n. 4, p.1057-1062, [dezembro]
1963. A reforma propriamente dita, fez-se com a Regimini ecclesiae, de 15 de agosto de 1967.
39
Neste período se fará também as votações finais acerca do Esquema sobre a Liturgia e sobre os meios de
Comunicação Social, além de ser introduzido para estudo, o Esquema sobre o Ecumenismo. Cf.
KLOPPENBURG, B. Concílio Vaticano II. v. III: Segunda Sessão (set-dez 1963). Op. cit. p. 303-408.
40
VATICANO II: Mensagens, Discursos, Documentos. São Paulo: Paulinas, p. 50.
33
O principal tema desta segunda sessão do Concílio Ecumênico será a Igreja.
Indagar-se-á qual a sua natureza íntima e como exprimir sua definição na
linguagem corrente, de maneira a precisar o que realmente é e esclarecer seu
múltiplo mandato em função da salvação 41.
O trabalho conciliar iniciou-se aos trinta dias de setembro, primeiramente com
algumas palavras introdutórias do presidente da comissão doutrinal, o Cardeal Ottaviani, e da
exposição dos novos regulamentos42 pelo então secretário Cardeal Browne. Após essas
formalidades, os Padres conciliares detiveram-se sobre o novo Esquema De Ecclesia43, já
entregue aos mesmos pelo Secretário de Estado, Cardeal Amleto J. Cicognani em duas etapas:
o primeiro, em data de 22 de abril, que “continha o novo texto do Capítulo I (‘Do mistério da
Igreja’), do então Capítulo II (‘Sobre a Constituição Jerárquica da Igreja e, em particular do
episcopado’)”; o segundo, em data de 19 de julho “contendo o então Capítulo III (‘Do Povo
de Deus e, em particular, dos leigos’)
e
o Capítulo IV (‘Sobre a vocação à santidade na
Igreja’)” 44.
O novo Esquema foi acolhido com maior receptividade, pois se tratava de um texto
mais ecumênico e pastoral, sem aquela fria rigidez proveniente do estilo jurisdicista, mas, ao
41
Ib. p. 51.
Em audiência com o Cardeal Cicognani, no dia 13 de setembro de 1963, o Papa Paulo VI aprovou e mandou
observar o texto com as modificações próprias para o bom funcionamento do Concílio. Cf. KLOPPENBURG, B.
Concílio Vaticano II. v. III: Segunda Sessão (set-dez 1963). Op. cit. p. 505-507.
43
O texto do Esquema encontra-se em AS II/1, p. 215-281; as Intervenções em AS II/2, p. 9-913, AS II/3, p.10674 e AS II/4, p.29-359. As Intervenções escritas: AS III/1, p. 467-801. Uma publicação dos debates conciliares
do segundo período encontra-se em: In: REB, Petrópolis, v. 23, n. 4, p. 943-988, 1963. (texto organizado por
Boaventura Kloppenburg).
44
NICOLAU, M. et al. Igreja do Concílio Vaticano II: comentário à Constituição Dogmática Lumen gentium.
Op. cit. p. 19. As emendas ou observações que os Padres tinham enviado por escrito antes de se encontrar de
novo, reunido o Concílio, em Setembro de 1963, estão reunidas em fascículo, Intitulado Emmendationes a
Concilii Patribus scripta exhibitar super schema Constitutiones Dogmatiacae de Ecclésia. Typis polyglotis
Vaticanis 1963. Sobre a parte I tem 47 p. e 372 observações ou emendas, das quais 1 se refere ao título, 9 à
introdução, 156 ao Capítulo I, 206 ao Capítulo II. Apud NICOLAU, M. et al. Igreja do Concílio Vaticano II:
comentário à Constituição Dogmática Lumen gentium. Op. cit. p. 20.
42
34
contrário, enriquecido pelos recursos abundantes das imagens bíblicas. Muitas foram as
intervenções, como a do Cardeal Frings, Arcebispo de Colônia que propunha
uma descrição da Igreja como comunidade escatológica de santos, de modo que
aparecesse por um lado, a Igreja em tensão para a santidade, por outro, a Igreja já
perfeita nos seus santos. Também propunha a idéia de fazer parte deste Esquema o
relativo à Virgem Santíssima, que se encontrava noutro Esquema separado 45.
Desejava-se também um aprofundamento acerca da doutrina do Corpo Místico, uma
apresentação mais inteligível da Igreja para os não cristãos, que constituem dois terços da
humanidade e, neste sentido, uma passagem mais óbvia e natural do Corpo Místico ao Povo
de Deus e da igualdade dos membros à distinção hierárquica. É nesse contexto que o Bispo
de Bressanone, G. Gargitter,
sugeria já a transladação do Capítulo III (sobre o Povo de Deus, no qual tratava dos
leigos), de modo que fosse o Capítulo II, a seguir do Capítulo I sobre o mistério da
Igreja. Desta forma seria mais natural a passagem da Igreja, concebida como
mistério e Corpo místico, à concebida como Povo de Deus, passando-se assim
facilmente do conceito de igualdade de seus membros ao de jerarquia e dos bispos
aos presbíteros e diáconos 46.
45
NICOLAU, M. et al. Igreja do Concílio Vaticano II: comentário à Constituição Dogmática Lumen gentium.
Op. cit. p. 20.
46
NICOLAU, M. et al. Igreja do Concílio Vaticano II: comentário à Constituição Dogmática Lumen gentium.
Op. cit. p. 20.
35
Contudo, no dia 1º de outubro, foi feita uma votação sobre o Esquema no seu todo,
tendo uma aprovação esmagadora, ou seja, 2.231 votos favoráveis e somente 43 votos
contrários 47. No decorrer do mês de outubro foi discutido cada um dos pontos do Esquema,
iniciando primeiramente pelo Capítulo I, que durou apenas três Congregações Gerais, da 39ª a
41º 48. Do dia 4 até o dia 16, ocupando deste a 42ª Congregação Geral até a 49ª 49, discutiu-se
o segundo Capítulo que tratava sobre a Constituição Hierárquica da Igreja, e de maneira
particular do episcopado, “espinha dorsal de todo o Concílio” 50.
Duas foram as discussões dos Padres conciliares acerca desse Capítulo: a primeira,
constituindo a questão de fundo,
era estabelecer dogmaticamente a posição do episcopado na estrutura eclesiástica
querida por Cristo. Tratava-se, em suma, de fazer a doutrina sobre o episcopado sair
de um certo estado de raquitismo, e de, ao mesmo tempo, harmonizá-la, sem
minimamente desfalcá-la, com a doutrina sobre o Pontífice Romano definida pelo
Vaticano I 51.
Originariamente, foi proposto que o “Colégio episcopal agindo em estreita
colaboração com o papa, divide com este a responsabilidade e o poder nas relações com toda
a Igreja” 52. Diante dessa postura, muitos Padres posicionaram-se contra, “considerando esta
teoria um prejuízo ao primado papal e contestavam que ela tivesse fundamento bíblico e na
47
KLOPPENBURG, B. Concílio Vaticano II. v. III: Segunda Sessão (set-dez 1963). Op. cit. p. 30-37.
Cf. KLOPPENBURG, B. Concílio Vaticano II. v. III: Segunda Sessão (set-dez 1963). Op. cit. p. 30-55.
49
Cf. KLOPPENBURG, B. Concílio Vaticano II. v. III: Segunda Sessão (set-dez 1963). Op. cit. p.56-137.
50
BETTI, U. Cronistória da Constituição. In: BARAÚNA, G. A Igreja do Vaticano II. Op. cit. p. 145.
51
BETTI, U. Cronistória da Constituição. In: BARAÚNA, G. A Igreja do Vaticano II. Op. cit. p. 145.
52
SOUZA, Ney de. Contexto e desenvolvimento histórico do Concílio Vaticano II. In: GONÇALVES, P. S.
LOPES; BOMBONATO, V.I. (Org.). Concílio Vaticano II: Análise e Prospectivas. Op. cit. p. 45.
48
36
tradição”
53
. Diferentemente, o grupo da colegialidade, sustentava “que o primado do papa
havia sido colocado em evidência em numerosos pontos do Esquema segundo a definição do
Vaticano I e que a doutrina do Colégio episcopal se sustentava na Sagrada Escritura, na
missão dos doze e no fundamento da tradição dos textos da consagração episcopal e em outros
testemunhos”
54
. Contudo, em meio às discussões, a idéia da colegialidade episcopal eram
cada vez mais precisadas através do debate, sem perder de vista a função do Primado da
Igreja 55.
Uma segunda questão era a da restauração do Diaconato Permanente, uma vez que
era considerado como grau intermediário para o sacerdócio, conforme as definições do
Concílio de Trento. Embora pouco discutido, procurava definir o diaconato como grau
estável, à medida que examinavam as vantagens que dele poderiam advir, uma vez que, a
escassez de sacerdotes, já era uma questão fundante 56.
Muitas foram as intervenções acerca dos temas relativos ao episcopado e ao
diaconato. Nesse sentido, quais entrariam para o texto e quais seriam rejeitadas? O Cardeal
Suenens, moderador, anunciou na Congregação-Geral, no dia 15 de outubro, uma pré-votação
acerca de quatro quesitos, a saber: 1: se a consagração episcopal tem caráter sacramental; 2:
se na comunhão com o Papa e com os bispos, cada bispo, legitimamente consagrado, é, ipso
facto, membro do corpus episcoporum; 3: se o Colégio episcopal (corpus suum collegium
episcoparum) é sucessor do Colégio dos apóstolos e, se junto com o seu chefe, o papa, e
53
SOUZA, Ney de. Contexto e desenvolvimento histórico do Concílio Vaticano II. In: GONÇALVES, P. S.
LOPES; BOMBONATO, V.I. (Org.). Concílio Vaticano II: Análise e Prospectivas. Op. cit. p. 45.
54
SOUZA, Ney de. Contexto e desenvolvimento histórico do Concílio Vaticano II. In: GONÇALVES, P. S.
LOPES; BOMBONATO, V.I. (Org.). Concílio Vaticano II: Análise e Prospectivas. Op. cit. p. 46.
55
Cf. KLOPPENBURG, B Os debates Conciliares da II sessão. In: REB, Petrópolis, v. 23, n. 4, p. 949-957,
[dezembro] 1963.
56
Cf. KLOPPENBURG, B Os debates Conciliares da II sessão. In: REB, Petrópolis, v. 23, m. 4, p. 957-959,
[dezembro] 1963.
37
nunca sem ele, tem o poder supremo sobre toda a Igreja; 4: se este poder é de direito divino 57.
No dia 16 de dezembro, pôs-se fim à discussão sobre o Capítulo II e iniciou-se a
discussão do Capítulo III, acerca do Povo de Deus e dos leigos em particular, que ocupou sete
Congregações Gerais, da 49ª à 56ª
infundadas.
58
. O texto foi bem aceito, com algumas ressalvas
Contudo, o texto transpirava mais um “triunfalismo laical, isto é, uma
perspectiva demasiado otimista que considerava as coisas mais como deveriam ser do que
como de fato são” 59. Nessas discussões, pôde-se clarificar a realidade do sacerdócio comum,
próprio de todo batizado e sobre sua diferença essencial do sacerdócio ministerial.
A exigência maior desse Capítulo recaía sobre a proposta de dividi-lo em duas
partes, sendo a primeira destinada à reflexão do Povo de Deus em geral, constituindo o
segundo Capítulo e um segundo, que constituiria o Capítulo IV, em que se refletiria
especificamente sobre o leigo. Conforme os testemunhos, a proposta era sensata, uma vez que
“o Povo de Deus compreende a todos: e, portanto o seu tratado seria pressuposto necessário
daquilo que depois seria dito singularmente da hierarquia, dos leigos e dos membros dos
institutos de perfeição” 60.
A discussão acerca do até então Capítulo II continuou e, devido a novas
interpelações dos moderadores, no dia 23 de outubro, foi solicitado que se revisse o texto não
em quatro quesitos, mas em cinco pontos, ou seja, que se acrescentasse a questão acerca do
diaconato 5: se é oportuno, em relação às necessidades locais das Igrejas, restaurar o
diaconato como grau de consagração distinto e permanente. Embora a votação fosse somente
para esclarecer, não foi votada no mesmo dia.
57
SOUZA, Ney de. Contexto e desenvolvimento histórico do Concílio Vaticano II. In: GONÇALVES, P. S.
LOPES; BOMBONATO, V.I. (Org.). Concílio Vaticano II: Análise e Prospectivas. Op. cit. p. 46-7. Cf. Também
Cf. KLOPPENBURG, B Os debates Conciliares da II sessão. In: REB, Petrópolis, v. 23, n. 4, p.959-962,
[dezembro] 1963.
58
KLOPPENBURG, B. Concílio Vaticano II. v. III: Segunda Sessão (set-dez 1963). Op. cit. 1964. p. 137-192.
59
BETTI, U. Cronistória da Constituição. In: BARAÚNA, G. A Igreja do Vaticano II. Op. cit. p. 147.
60
BETTI, U. Cronistória da Constituição. In: BARAÚNA, G. A Igreja do Vaticano II. Op. cit. p. 148.
38
No mesmo dia, os Padres conciliares começaram a discutir sobre o então Capítulo IV
sobre a vocação à santidade da Igreja 61. Foi aceito pela maioria, como de fato fora proposto,
embora alguns desejassem uma “mudança substancial da estrutura do Capítulo, de modo que
nele se tratasse só dos religiosos, e que todo o resto concernente à vocação universal à
santidade fosse transferido para o projetado e novo Capitulo II sobre o Povo de Deus”
62
.
Contudo, faltava ainda uma sessão acerca dos Padres diocesanos, que embora também
vocacionados à santidade, como os religiosos e os leigos, são diferentes quantos aos meios de
consegui-la.
Enquanto se pensava que as discussões sobre o novo Esquema já estavam encerradas,
tomou corpo um movimento, cuja intencionalidade era de introduzir ao Esquema sobre a
Igreja o Esquema sobre Nossa Senhora, como já constava no projeto primeiro da Comissão
teológica preparatória. Contudo, a oposição não deu tréguas 63.
Uma vez que os Padres conciliares estavam divididos quanto à questão, percebeu-se
também que no seio da Comissão Teológica havia a mesma realidade.
Dois cardeais,
membros da mesma, expuseram aos Padres os pontos favoráveis e os desfavoráveis acerca da
questão. No dia 29 de outubro, realizou-se votação com esmagadora vitória da inserção do
texto sobre Nossa Senhora dentro do Esquema sobre a Igreja, constituindo um novo Capítulo.
Ao final, depois de muita tensão, somente no dia 30 de outubro, puderam ser votados
aqueles cinco quesitos já expostos desde o dia 15 do mesmo mês. O 1º quesito teve, em 2157
votantes, 2123 votos favoráveis e somente 34 não favoráveis. O 2º, num universo de 2154
votantes, obteve 2049 votos favoráveis e 104 não favoráveis e um voto nulo. Os três últimos
quesitos tiveram forte baixa. O quesito 3º obteve 1808 votos favoráveis e 336 votos não
favoráveis e quatro votos nulos num universo de 2148 Padres. O 4º, de 2138 votantes, obteve
61
KLOPPENBURG, B. Concílio Vaticano II. v. III: Segunda Sessão (set-dez 1963). Op. cit. p. 197-223.
BETTI, U. Cronistória da Constituição. In: BARAÚNA, G. A Igreja do Vaticano II. Op. cit. p. 148.
63
SOUZA, Ney de. Contexto e desenvolvimento histórico do Concílio Vaticano II. In: GONÇALVES, P. S.
LOPES; BOMBONATO, V.I. (Org.). Concílio Vaticano II: Análise e Prospectivas. Op. cit. p. 47.
62
39
1717 votos favoráveis e 408 votos não favoráveis e 13 votos nulos. O 5º quesito, em 2120
votantes, obteve 1588 votos favoráveis, 525 não favoráveis e sete votos nulos 64.
Depois de muitas discussões, o quesito sobre o Diaconato Permanente e sobre a
colegialidade estava assegurado. A crise de outubro de 1963 fora superada. Porém, a
Congregação-geral do dia 30 de outubro de 1963 iniciou um novo caminho, diferente daquele
de outubro de 1962.
Após os conflitos oriundos das discussões, o Esquema sobre a Igreja saía com uma
estruturação quase precisa. Quanto aos leigos, já era consenso a divisão em dois Capítulos, a
inserção do Capítulo sobre Nossa Senhora, um Capítulo sobre os religiosos e, ainda, a
expectativa de acrescentar um novo Capítulo acerca da relação entre Igreja peregrina e Igreja
celeste 65.
Para melhor desenvolver as intervenções dos Padres conciliares, que se chegava ao
numero de 2.000 páginas, as Comissões foram acrescidas de 4 membros escolhidos pelo
Concílio e de um escolhido pelo Papa. Procurou também aperfeiçoar a sua estrutura interna,
elegendo um “segundo vice-presidente e um secretário-adjunto, os quais foram
respectivamente o bispo de Namur, A. M. Charue e o perito G. Philips, preconizado para tal
encargo pelo papel até então desempenhado no seio da Comissão” 66.
Para um melhor aproveitamento do trabalho de reelaboração do Esquema e também
para que se concluísse tal procedimento até antes do término do segundo período, subdividiuse a comissão em vários grupos de estudos, formando uma subcomissão central, constituída a
2 de outubro de 1963 com a missão de orientar todo o trabalho e mais oito subcomissões
particulares, constituídas a 24 de outubro. Depois, ainda se formou uma nona subcomissão no
64
NICOLAU, M. et al. Igreja do Concílio Vaticano II: comentário à Constituição Dogmática Lumen gentium.
Op. cit. p. 24.
65
Chegava à comissão como de surpresa o Capítulo sobre a Igreja peregrinante e Igreja celeste. Após certos
conflitos, foi criada uma subcomissão para analisá-lo e encontrar um lugar para o mesmo entre o Capítulo sobre
a vocação à santidade e o Capítulo sobre Nossa Senhora. A 8 de junho tudo estava convenientemente
sistematizado. Cf. BETTI, U. Cronistória da Constituição. In: BARAÚNA, G. A Igreja do Vaticano II. Op. cit.
p. 154.
66
BETTI, U. Cronistória da Constituição. In: BARAÚNA, G. A Igreja do Vaticano II. Op. cit. p. 149.
40
dia 24 de novembro. A cada uma delas era confiado um Capítulo ou parte de um Capítulo
para análise, inclusive o de Nossa Senhora 67.
Embora o segundo período terminasse no dia 04 de dezembro de 1963, essas
Comissões trabalharam até o mês de junho de 1964. Após todas as análises dos peritos das
subcomissões, o texto foi averiguado pela Comissão de coordenação entre os dias 17 e 18 de
abril a 26 de junho. Ainda no mesmo mês, foi impresso e enviado aos Padres, contendo o
texto original e o texto emendado.
Assim ficou o novo Esquema De Ecclesia:
A nova divisão de Capítulos, que seria definitiva, conservava a estrutura principal
do Esquema anterior. O Capítulo I continuava a ser ‘sobre o mistério da Igreja’. O
Capítulo II já não era sobre a jerarquia, mas ‘sobre o Povo de Deus’, atendendo aos
desejos formulados na Aula, de tratar em primeiro lugar o que comum à jerarquia e
ao laicato. A parte destinada a falar ‘sobre a jerarquia e, em particular, sobre o
episcopado’ passava a formar o Capítulo III. O Capítulo IV intitular-se-ia ‘dos
leigos’, deixando para o Capítulo II o comum ao Povo de Deus. ‘Sobre a vocação
universal à santidade na Igreja ‘ ocupava-se o Capítulo V, ao mesmo na sua secção
A, porque se previa que a secção B, ‘sobre os religiosos’, poderia passar a ser um
Capítulo à parte, o Capítulo VI, como era desejo de muitos Padres, logo confirmado
em 30 de Setembro de 1964 pela maioria do Concílio 68.
Ainda, o chamado fascículo verde do Esquema sobre a Igreja, continha mais dois
Capítulos, a saber: o VII “sobre a índole escatológica da nossa vocação e união com a Igreja
67
BETTI, U. Cronistória da Constituição. In: BARAÚNA, G. A Igreja do Vaticano II. Op. cit. p. 150. Para uma
análise de cada uma das subcomissões, cf. Op. cit. p. 150-154.
68
NICOLAU, M. et al. Igreja do Concílio Vaticano II: comentário à Constituição Dogmática Lumen gentium.
Op. cit. p. 25.
41
celeste” e o VIII “sobre a bem-aventurada Virgem Maria, Mãe de Deus, no mistério de Cristo,
e da Igreja”
69
. Esses dois Capítulos serão, no terceiro período do Concílio, analisados e
inseridos como parte constituinte do Esquema sobre a Igreja.
No discurso de encerramento, pronunciado no dia 4 de dezembro de 1963, Paulo VI
lembra que “o Concílio já alcançou alguns dos objetivos que se havia proposto” 70, mas que
Ficaram ainda por serem discutidas muitas outras questões, a se abordar na terceira
sessão, que se reunirá no outono do próximo ano e nos permitirá, quem sabe,
chegar ao fim. Não desagrada termos durante todo esse tempo o espírito fixo em
problemas tão graves. Confiamos nas respectivas Comissões, na esperança de que
saberão tirar proveito das diversas intervenções dos Padres conciliares,
especialmente nas assembléias gerais, colocá-las em ordem e abreviá-las, de sorte
que as próximas discussões, mantendo-se sempre a liberdade, se possam fazer com
maior rapidez 71.
Ainda nesse discurso, o Papa, para surpresa de todos, expõe sua intenção de realizar
uma peregrinação à Terra Santa. Essa viagem ocorreu entre os dias 4 e 6 de janeiro do ano
seguinte, 1964. O marco desse fato reside no encontro do Papa com o Patriarca Atenágoras,
reatando novamente os laços entre as duas Igrejas.
69
Para um aprofundamento acerca destes dois Capítulos cf. NICOLAU, M. et al. Igreja do Concílio Vaticano II:
comentário à Constituição Dogmática Lumen gentium. Op. cit. p. 25-27.
70
O Papa Paulo VI lembra estes frutos que consistem na promulgação da Constituição sobre a Liturgia
Sacrosanctum Concilium, o Decreto sobre os meios de comunicação Inter Mirifica, ambos de 4 de dezembro de
1963.
71
VATICANO II: Mensagens, Discursos, Documentos. Op. cit. p. 64.
42
1.4. O SEGUNDO PERÍODO INTERSESSIONAL DO CONCÍLIO – 1963-64
O intervalo entre o Segundo para o Terceiro Período foi marcado por uma enorme
sobrecarga de trabalhos. Foram também, para melhor desenvolvimento dos mesmos,
formuladas novas mudanças no regulamento, propostas pela Comissão de coordenação e
comunicadas aos Padres em data de 7 de julho de 1964 e aprovadas pelo Pontífice no dia 11
do mesmo mês 72. A intenção básica dessa nova mudança consistia em
diminuir o número das intervenções: uma modificação dava aos moderadores a
faculdade de convocar os Padres inscritos para falar sobre o mesmo assunto a fim
de delegarem um ou dois deles para intervir em nome de todo o grupo; outra
aumentava de 5 para 70 o número dos Padres dos quais era possível obter a palavra
depois do encerramento do debate. Também o resumo de cada intervenção devia
ser apresentado com 5 dias (e não mais 3) de antecedência, e a essa norma
sujeitavam-se também os cardeais, o que era uma novidade 73.
A novidade central desse período transitório deu-se pela publicação da Encíclica
Ecclesiam suam74, promulgada no dia 6 de agosto de 1964, a qual chamava a atenção para o
grande problema eclesiológico.
72
Cf. KLOPPENBURG, B. A III Sessão do Vaticano II, In: REB, Petrópolis, v. 24, n. 4, p. 865, [dezembro]
1964.
73
ALBERICO, G. (org.). História dos Concílios Ecumênicos. Op. cit. p. 417-8.
74
PAULO VI. Carta Encíclica Ecclesiam Suam. In: Documentos de Paulo VI, São Paulo: Paulus, 1997.
43
1.5. O TERCEIRO PERÍODO DO CONCÍLIO (14/9 a 21/11/ 1964)
O terceiro período foi iniciado no dia 14 de setembro, com a realização da primeira
missa concelebrada, fruto já do Concílio. No dia 15, o Papa Paulo VI, em seu discurso de
abertura, enfatizou a importância de retomar os trabalhos, ainda incompletos, do Tratado
sobre a Igreja a fim de que se pudesse “esclarecer e declarar a doutrina relativa à natureza e ao
mandato da Igreja” 75.
A comissão de trabalho apresentou aos Padres seis Esquemas, dos quais, três já
haviam sido abordados no segundo período, a saber, sobre a Igreja, o episcopado76 e o
ecumenismo77 e outros três, sendo que um referente à Revelação78, já se tinha iniciado no
Primeiro Período e dois totalmente novos: acerca do apostolado dos leigos79 e sobre a Igreja
no mundo contemporâneo 80.
Esse último tópico já fora abordado por Paulo VI na encíclica, Ecclesiam suam, em
um de seus Capítulos intitulado “O Diálogo”; mas, já no início, interroga-se dizendo: “Quais
as relações que a Igreja deve hoje estabelecer com o mundo que a circunda e em que vive e
trabalha?” 81 Essa relação consiste no diálogo, cuja
75
VATICANO II: Mensagens, Discursos, Documentos. Op. cit. p. 72.
Este Esquema foi Introduzido na Segunda Sessão conciliar no dia 5 de novembro de 1963, ocupando desde a
60ª à 68ª Congregação Geral. Cf. KLOPPENBURG, B. Concílio Vaticano II. v. III: Segunda Sessão (set-dez
1963). Op. cit. p.226-301.
77
Este Esquema foi introduzido na Segunda Sessão conciliar no dia 18 de novembro de 1963, ocupando da 69ª à
79ª Congregação Geral. Cf. KLOPPENBURG, B. Concílio Vaticano II. v. III: Segunda Sessão (set-dez 1963).
Op. cit. p. 302-408.
78
Acerca da Primeira Sessão, cf. KLOPPENBURG, B. Concílio Vaticano II. v. III: Segunda Sessão (set-dez
1963), principalmente a nota de rodapé n. 18. No Terceiro Período, este Esquema foi apresentado no dia 30 de
novembro de 1964 ocupando desde a 91º até a 95ª Congregação Geral. Cf. KLOPPENBURG, B. Concílio
Vaticano II. v. IV: Terceira Sessão (set-dez 1964). Petrópolis: Vozes, 1965. p. 93-123.
79
Este Esquema foi introduzido na Terceira Sessão conciliar no dia 7 de outubro de 1964, ocupando da 96ª à
100ª Congregação Geral. Cf. KLOPPENBURG, B. Concílio Vaticano II. v. IV: Terceira Sessão (set-dez 1964).
Op. cit. p. 124-153.
80
Este Esquema foi introduzido na Terceira Sessão conciliar no dia 20 de outubro de 1964, ocupando da 105ª à
119ª Congregação Geral. Cf. KLOPPENBURG, B. Concílio Vaticano II. v. III: Segunda Sessão (set-dez 1963).
Op. cit.p. 194-328.
81
PAULO VI. Carta Encíclica Ecclesiam Suam. In: Documentos de Paulo VI. Op. cit. n. 5.
76
44
apresentação, na sua amplitude e complexidade, cabe ao Concílio, como também o
esforço para resolver da melhor maneira possível A realidade, porém, e a urgência
do problema, se por um lado nos afligem, são-nos por outro estímulo, quase
diríamos vocação (...) Desejávamos propor este exame como preparação comum
nossa, para as discussões e deliberações que no Sínodo Ecumênico, todos juntos,
julgarmos oportunas em matéria tão grave e complexa 82.
Dois dias mais tarde de sua abertura, já era apresentado aos Padres o novo Esquema
sobre a Igreja, estruturado agora em seis Capítulos e ainda outros dois para serem
introduzidos. Acerca do Capítulo sobre a relação entre Igreja peregrinante e Igreja celeste,
houve criticas de partidários que ensejavam ou a sua retirada ou a sua mudança no Esquema.
As discussões duraram dois dias, 16 e 17 de setembro, e cumularam 81 páginas de
pronunciamentos dos presentes. As emendas mais enfáticas dizem respeito “a mais ampla
descrição da natureza escatológica da vocação da Igreja e à menção explícita dos novíssimos.
Depois do quê, sem dificuldade, foi aprovado pela comissão doutrinal na reunião de 5 de
outubro” 83.
O Capítulo sobre Nossa Senhora foi mais demorado, durando três dias, entre 16 a 18
de setembro. As intervenções dos Padres resultaram em 264 páginas, revelando as mesmas
duas tendências já presentes na votação do dia 29 de outubro de 1963. Muitos criticaram a não
atribuição a Nossa Senhora do título de “Mãe da Igreja” e de ter relegado à dimensão
devocional, e não teológica, o referido título de “Medianeira” à Maria 84. Contudo, o presente
Capítulo fora aprovado sem muitas “modificações substanciais nem na revisão feita pela
82
Ib. n. 5.
BETTI, U. Cronistória da Constituição. In: BARAÚNA, G. A Igreja do Vaticano II. Op. cit. p.156.
84
Cf. SOUZA, Ney de. Contexto e desenvolvimento histórico do Concílio Vaticano II. In: GONÇALVES, P. S.
LOPES; BOMBONATO, V.I. (Org.). Concílio Vaticano II: Análise e Prospectivas. Op. cit. p. 53.
83
45
respectiva Subcomissão, nem em razão de exame por parte da Comissão doutrinal a 14 e 15
de outubro” 85.
A votação dos seis Capítulos deu-se em conjunto com essas discussões acerca dos
dois Capítulos finais. O Esquema foi votado, Capítulo por Capítulo, tendo, segundo o método
de votação aprovado no dia 16 de setembro, “um tríplice sufrágio: placet, non placet e placet
iuxta modum” Essa última resposta, com efeito, era a mais importante no que tange ao
acabamento definitivo do texto, porque previa o encaminhamento a ulteriores retoques no
Capítulo 86.
O Capítulo I, sobre o Mistério da Igreja, foi votado no dia 16 de setembro, e, num
universo de 2.189 votantes, obteve 2.144 placet, 11 non placet, 63 placet iuxta modum e um
voto nulo. O Capítulo II, sobre o Povo de Deus, foi votado no dia 18 de setembro, tendo 2.190
votantes, sendo 1.615 placet, 19 non placet, 553 placet iuxta modum e três votos nulos.
O Capítulo III, sobre a Hierarquia em geral e sobre o episcopado em particular, foi
submetido a duas votações distintas a 30 de setembro: uma sobre os números concernentes ao
episcopado em geral, tendo 2.242 votantes, sendo 1.624 placet, 42 non placet, 572 placet
iuxta modum e quatro votos nulos e outra acerca dos números concernentes aos ofícios dos
bispos, dos presbíteros e dos diáconos, tendo 2.240 votantes, sendo 1.704 placet, 53 non
placet, 481 placet iuxta modum e 2 votos nulos.
No mesmo dia, ainda foi votado o Capítulo IV, sobre os leigos, tendo 2.236 votantes,
sendo 2.152 placet, oito non placet e 76 placet iuxta modum, o Capítulo V, sobre a Vocação
universal à santidade, tendo 2.177 votantes, sendo 1.856 placet, 17 non placet, 302 placet
iuxta modum e dois votos nulos e o Capítulo VI, sobre os Religiosos, tendo 2.189 votantes,
sendo 1.736 placet, 12 non placet, 438 placet iuxta modum e três votos nulos.
85
86
BETTI, U. Cronistória da Constituição. In: BARAÚNA, G. A Igreja do Vaticano II. Op. cit. p. 156.
BETTI, U. Cronistória da Constituição. In: BARAÚNA, G. A Igreja do Vaticano II. Op. cit. p. 157.
46
No dia 20 de outubro, foi votado o Capítulo VII, sobre a índole escatológica da
Igreja peregrinante e sobre a sua união com a Igreja celeste, tendo 2.184 votantes, sendo 1.921
placet, 29 non placet, 233 placet iuxta modum e um voto nulo. Finalmente, no dia 29 de
outubro foi votado o Capítulo VIII, sobre a Bem-aventurada Virgem Maria Mãe de Deus no
Mistério de Cristo e da Igreja, tendo 2.091 votantes, sendo 1.559 placet, 10 non placet, 521
placet iuxta modum e um voto nulo 87.
Após essa votação particularizada de cada Capítulo, fez-se a revisão, levando em
conta as emendas ou “modos” dos que votaram placet iuxta modum, que somaram ao todo
3.229 emendas. A primeira avaliação foi feita por uma subcomissão restrita e após pela
Comissão Doutrinal. Em ambas, seguiu-se o mesmo critério: “um texto aprovado pela metade
ou mais dos Padres não devia sofrer alterações notáveis, e portanto deviam afastar-se todas as
emendas que tocassem a substancia do texto aprovado” 88.
Depois das votações sobre as emendas ou “modos” 89 aos Capítulos individualmente,
fez-se uma votação sobre todo o Esquema. Essa ocorreu no dia 19 de novembro e teve, num
universo de 2.145 votantes, 2.134 placet, 10 non placet e um voto nulo.
No dia 21 de novembro de 1964, teve-se a votação final do Esquema a fim de ser
promulgado. Entre os 2.156 votantes, só cinco votaram non placet. Sendo assim, o Papa
Paulo VI, em solene Sessão Pública, em seu Discurso de encerramento do terceiro período, às
10h30min horas, promulgou a referida Constituição Dogmática sobre a Igreja que se inicia
com as solenes palavras: Lumen Gentium 90.
87
BETTI, U. Cronistória da Constituição. In: BARAÚNA, G. A Igreja do Vaticano II. Op. cit. p. 157. Cf.
NICOLAU, M. et al. Igreja do Concílio Vaticano II: comentário à Constituição Dogmática Lumen gentium. Op.
cit. p. 28-31 para obter uma visão mais pormenorizada das votações. Cf. também, KLOPPENBURG, B. In: REB,
Petrópolis, v. 24, n. 4, p. 921-940, [dezembro] 1964.
88
BETTI, U. Cronistória da Constituição. In: BARAÚNA, G. A Igreja do Vaticano II. Op. cit. p. 157-8.
89
A crônica destas emendas pode ser apreciada em KLOPPENBURG, B. As Vicissitudes da Lumen Gentium na
Aula Conciliar. In: BARAÚNA, G. A Igreja do Vaticano II. Op. cit. p. 241 ss. Cf. também, do mesmo autor, In:
REB, Petrópolis, v. 24, n. 4, p. 940-949, [dezembro] 1964.
90
VATICANO II: Mensagens, Discursos, Documentos. Op. cit. p. 45-60.
47
Pouco antes, porém, desse acontecimento, foi introduzida uma Nota Explicativa
Prévia, “da parte da autoridade superior”, ao Capítulo III, referindo-se à questão do
entendimento e do alcance do termo “Colégio”, como reproduz o seu número 4: “Na
qualidade de Pastor supremo da Igreja, o Soberano Pontífice pode a qualquer tempo exercer
livremente o seu poder, conforme requisitado por seu próprio cargo” 91.
Foram promulgados também outros dois Decretos, a saber: sobre as Igrejas orientais
Orientalium Ecclesiarum
92
e sobre o ecumenismo Unitatis Redintegratio. Esse último era o
Capítulo XI do primeiro Esquema sobre a Igreja proposta no Primeiro Período.
O Concílio não falou a última palavra sobre a Igreja
93
, haja vista que ela é um
mistério, isto é, uma realidade intimamente permeada pela presença de Deus, e, por isso, de
natureza tal que admite sempre novas e mais profundas explorações de si mesma, como bem
delineou Paulo VI na abertura do segundo período 94. Contudo, ela é a Carta Magna a que se
deverá referir toda e qualquer reflexão eclesiológica posterior.
1.6. A CONSTITUIÇÃO DE ECCLESIA: EIXO DO CONCÍLIO
Ainda no Quarto Período, realizado entre os dias 14 de setembro e oito de dezembro
de 1965, foram promulgados ainda outros onze documentos.
No dia 28 de outubro,
promulgaram-se os Decretos sobre o episcopado, Christus Dominus, sobre os religiosos,
Perfectae Caritatis e sobre a formação sacerdotal, Optatam Totius e duas Declarações, uma
acerca da educação, Gravissimum Educationis, e a outra sobre as religiões não-cristãs, Nostra
Aetate.
91
A “nota explicativa previa” segue de ordinário o texto da constituição. Sobre esta nota, cf. CONGAR, Y.
RSTP 66 (1982), P. 94-97; Primauté et collégialité. Lê dossier de Gérald Philips sur la (LG III), apresentado por
J. Grootaers, Leuven, Univers. Press, 1986.
92
Este Esquema foi debatido em Aula conciliar entre as 103ª a 105º congregações Gerais. KLOPPENBURG, B.
Concílio Vaticano II. v. III: Segunda Sessão (set-dez 1963). Op. cit. p. 179-194.
93
BETTI, U. Cronistória da Constituição. In: BARAÚNA, G. A Igreja do Vaticano II. Op. cit. p. 159.
94
VATICANO II: Mensagens, Discursos, Documentos. Op. cit. p. 45-60.
48
No dia 18 de novembro, foi promulgada a Constituição sobre a Revelação Dei
Verbum e o Decreto sobre o apostolado dos leigos, Apostolicam Actuositatem. Ainda, no dia 7
de dezembro, foi promulgada a Declaração sobre a liberdade religiosa, Dignitatis Humanae, e
os Decretos sobre as missões, Ad Gentes, e sobre os Padres, Presbiterorum Ordinis, e, por
último, a Constituição Pastoral sobre a Igreja no mundo de hoje, Gaudium et spes. Ao todo
foram dezesseis documentos, sendo quatro Constituições, nove Decretos e três Declarações 95.
A referida Constituição constitui o “vértice e o centro das decisões conciliares. Do
ponto de vista histórico, concluía a procura da Igreja de sua própria natureza e de seu
significado íntimo”
96
. Todos os outros documentos giram em órbita de tal constituição, ou
como complemento doutrinal ou explicitando-a. Nesse contexto, percebe-se que a
Constituição Litúrgica, embora contendo um corpo doutrinal, também explicita de forma
disciplinar os princípios eclesiológicos inerentes na De Ecclesia.
No que se refere ao Capítulo III sobre a Hierarquia, vemos outros três Decretos que
explicitam cada qual a função de cada grau sacerdotal. O Capítulo IV, que trata sobre os
leigos, tem seu correlato no Decreto sobre o apostolado dos leigos e outros ainda mais
específicos, tais como o Decreto sobre os meios de comunicação e a Declaração sobre a
educação cristã.
Concernente ao Capítulo VI, no qual se propõem os princípios teológicos acerca da
Vida Religiosa o Concílio também promulgou um Decreto disciplinar sobre a renovação da
Vida Religiosa. Da mesma forma, se o Capítulo II revela a índole missionária do Povo de
Deus, promulgou-se também o Decreto sobre a atividade missionária da Igreja.
95
Ib. p. 4. Acerca do procedimento e das discussões destes Esquemas neste quarto período, cf.
KLOPPENBURG, B. Concílio Vaticano II. v. V: Quarta Sessão (set-dez 1965). Petrópolis: Vozes, 1966.
Também, SOUZA, Ney de. Contexto e desenvolvimento histórico do Concílio Vaticano II. In: GONÇALVES,
P. S. LOPES; BOMBONATO, V.I. (Org.). Concílio Vaticano II: Análise e Prospectivas. Op. cit. p. 59-64.
96
SOUZA, Ney de. Contexto e desenvolvimento histórico do Concílio Vaticano II. In: GONÇALVES, P. S.
LOPES; BOMBONATO, V.I. (Org.). Concílio Vaticano II: Análise e Prospectivas. Op. cit. p. 58.
49
Nesse sentido, temos ainda o Decreto sobre as Igrejas Orientais e sobre o
Ecumenismo, que encontram seu eixo nos Capítulos I e II da Lumen gentium, uma vez que
expõe sua doutrina acerca da unidade. É mister também afirmar que, de todos estes Decretos,
derivam não apenas normas disciplinares, mas também muito conteúdo doutrinal.
O modo como a Igreja relaciona-se com o mundo foi expresso de forma peculiar na
constituição sobre a Igreja no mundo contemporâneo Gaudium et Spes, que se dirige a todos
os homens e revela-lhes sua mais profunda dignidade 97. Por fim, ao falarmos da Constituição
Dogmática sobre a Revelação, percebemos que ela é o fundamento sobre a qual toda a
doutrina aurida da Constituição Dogmática sobre a Igreja se assenta. As Declarações sobre a
liberdade religiosa e sobre a relação com as religiões não-cristãs “são como vozes que deste
edifício da Igreja são enviadas para fora” 98, a fim de que todos conheçam o seu sentir.
2. UMA ANÁLISE TEOLÓGICA DA CONSTITUTIO DE ECCLESIA
Nesse segundo momento de nosso trabalho, nossa intenção é dupla: primeiramente
descrever acerca do Concílio Ecumênico Vaticano II, clarificando a sua dimensão
eclesiológica; depois, o intento de dissertar acerca dos principais temas da eclesiologia
conciliar a partir da Constituição Dogmática Lumen gentium. Nesse ínterim, não é nosso
objetivo desenvolver um Tratado teológico acerca destes temas, porém, aprofundá-los de
forma sintética, oferecendo ao leitor um dos muitos possíveis perfis cabíveis oriundos dessa
Constituição.
Em nossa pesquisa, analisaremos esses grandes blocos temáticos, à luz do Mistério
Trinitário como eixo Hermenêutico de nossa pesquisa e a partir de uma leitura Teológica
97
Cf. GS 22.
NICOLAU, M. et al. Igreja do Concílio Vaticano II: comentário à Constituição Dogmática Lumen gentium.
Op. cit. 1966. p. 36.
98
50
Dedutiva para o mesmo 99, a fim de descrever um perfil eclesiológico fundado na Comunhão
e na Missão, como forma concreta de vivência do sacramento batismal.
2.1.
O
CONCÍLIO
VATICANO
II:
UM
CONCÍLIO
PASTORAL
E
ECLESIOLÓGICO
Um Concílio tão universal não poderia se ater a questões insignificantes. O seu
objetivo, diz o Papa Bom, “não é o de discutir princípios doutrinais, retomando o que Padres e
teólogos, antigos e novos, ensinaram”, mas para “que toda a doutrina cristã, integralmente,
sem nenhuma omissão, seja proposta de um modo novo, com serenidade e tranqüilidade, em
vocabulário adequado e num texto cristalino” 100.
A partir dessas afirmações do Sumo Pontífice, é nítido o seu desejo de não estar
dando início a mais um Concílio em que verdades dogmáticas serão proclamadas ex cadetra
ou que alguém ou alguma instituição serão condenadas; tem, de fato, esperanças de estar
abrindo de fato a Igreja para a sua própria vocação, ou seja, de ser sinal e servidora de todos e
para a sua particular originalidade, isto é, para o seu locus de missão, o mundo.
Exemplo disto é sua afirmação na sua Encíclica Ad Petri cathedram, de 29 de junho
de 1959:
Sem dúvida [o Concílio] constituirá maravilhoso espetáculo de verdade, unidade e
caridade; espetáculo que, ao ser contemplado pelos que vivem separados desta Sé
99
A Teologia Dedutiva “se caracteriza por ser uma ´teologia de cima´ - ´von oben´ ou ´katábasis´ (a partir de
cima) -, ao usar o método dedutivo. Parte do dogma, da própria fórmula da Revelação a fim de adquirir-lhe
maior compreensão pela via da analogia com as realidades humanas, percebendo-lhes os pontos de semelhança e
dessemelhança. (...) A estrutura fundamental dessa teologia consiste em sistematizar, definir, expor e explicar as
verdades reveladas. (....) Sua finalidade é declarar, explicitar o que está na revelação, procurando trazer maior
inteligência para a fé. Realiza de modo direto e explícito o programa estabelecido por Santo Anselmo: ´fides
quaerens intellectum´ - a fé que busca a inteligência”. Cf. LIBANIO, J.B.; MURAD, A. Introdução à Teologia:
Perfil, Enfoques, Tarefas. São Paulo: Loyola, 1996. p. 102. Cf. Também COMBLIM, J. História da Teologia
Católica, Ed. Herder, São Paulo. 1969. p. 163-168.
100
Discurso Gaudete Mater Ecclesia de 11 de outubro de 1962. In: VATICANO II: Mensagens, Discursos,
Documentos. Op. cit. p. 27.
51
Apostólica, os convidará, como esperamos, a buscar e conseguir a unidade pela
qual Cristo dirigiu ao Pai do Céu a sua fervorosa oração 101.
Esta postura pontifícia não nascera do nada, mas de sua agucidade e sensibilidade em
ler os sinais dos tempos presentes no mundo e também no próprio seio da Igreja, como os
movimentos Bíblicos, Patrísticos, Missionários, Ecumênicos, da Nova Teologia, Litúrgico,
Social, dos Leigos102. Estes movimentos, de certa forma, prepararam o ambiente e o diálogo
com o mundo hodierno secularizado, já experienciando de forma antecipada os frutos que o
Concílio propiciaria para toda a Igreja 103.
Nesta perspectiva, interroga o teólogo Libanio:
cabe perguntar por que foi possível que o Concílio Vaticano II se orientasse na
direção oposta às mais previsíveis e prováveis? As razões históricas são os
movimentos que já trabalhavam internamente a Igreja e cuja visibilidade dispersa
alcança no Concílio uma concentração tal que lhe dá um poder muito maior de
mudanças. O aleatório foi a pessoa original de João XXIII. E a causa transcendental
foi a ação do Espírito Santo em todos esses fatores e na mudança lenta de outros
que antes eram adversos. Portanto, a possibilidade veio dos movimentos eclesiais, o
fator aleatório foi dado pela personalidade surpreendente de João XXIII e a última
101
JOÃO XXII. Encíclica Ad Petri cathedram, de 29 de junho de 1959.
Acerca destes movimentos, cf. LIBANIO, J.B. Igreja Contemporânea: encontro com a modernidade. São
Paulo: Paulinas, 2000. p. 37-60; Id. O Concílio Vaticano II e a Modernidade. In: Medellín, Bogotá, v. 22, n. 86,
p. 42-51. 1996. Id. Concílio Vaticano II: em busca de uma primeira compreensão. São Paulo: Loyola, 2005, p.
21-48. Para uma leitura destes movimentos dentro dos Pontificados vigentes e suas Inter-relações, cf. SOUZA,
Ney de. Contexto e desenvolvimento histórico do Concílio Vaticano II. In: GONÇALVES, P. S. LOPES;
BOMBONATO, V.I. (Org.), Concílio Vaticano II: Análise e Prospectivas. Op. cit. p. 18-23.
103
SOUZA, Ney de. Contexto e desenvolvimento histórico do Concílio Vaticano II. In: GONÇALVES, P. S.
LOPES; BOMBONATO, V.I. (Org.), Concílio Vaticano II: Análise e Prospectivas. Op.cit. p. 23.
102
52
causa foi a ação do Espírito Santo 104.
Segundo o mesmo teólogo, todos estes movimentos “comungam em alguns aspectos
fundamentais da modernidade105. E por meio deles, ela entra no coração da Igreja, que
oficialmente resistia impavidamente a seus ataques filosóficos e culturais” 106.
O evento conciliar abriu a Igreja para o mundo e colocou-o como o locus
teológico107, ou seja, como o lugar de realização de sua missão originante e de sua
catolicidade 108. Neste sentido, o
Concílio Vaticano II procurou uma nova síntese entre ontologia e história. Deixou
de lado uma ontologia abstrata, que se refletia numa linguagem inaccessível às
pessoas de hoje, sem cair, porém, no relativismo historicista. Embarcou numa
hermenêutica que, sem desconhecer a ontologia, insere-se no coração da história e
que no coração da transitoriedade cultural se atém à invariante conceitual 109.
104
LIBANIO,
J.B.
Concílio
Vaticano
II:
abordagem
pastoral.
Disponível
em:
<http/www.cebsuai.rog.br/Libanio_cont.htm> Acesso em: 25/04/2006. Para uma leitura mais aprofundada
acerca desta temática, cf. Id. Igreja Contemporânea: encontro com a modernidade. Op. cit. Id. A Trinta anos do
encerramento do Concílio Vaticano II: chaves teológicas de leitura. In: Perspectiva Teológica, Belo Horizonte,
ano XXVII, v. 27, n. 70, p. 297-332, 1995. Id. O Concílio Vaticano II e a Modernidade. In: Medellín, Bogotá, v.
22, n. 86, p. 35-67, 1996. Crise atual e novos paradigmas para o pensar teológico e o agir cristãos, In: D. N. de
Lima – J. Trudel, Teologia em diálogo. I Simpósio teológico Internacional da UNICAP, São Paulo/Recife,
Paulinas/UNICAP, 2002, p.53-94.
105
Cf. ZILLES, Urbano. A Igreja católica e a modernidade. In: Teocomunicação, Porto Alegre, v. 21, n. 9, p. 318, [março] 1991,
106
LIBANIO, J. B. Concílio Vaticano II. Disponível em <http/www.cebsuai.rog.br/Libanio_cont.htm>. Acerca
da Influencia destes movimentos na eclesiologia conciliar, cf. ROSSEAU, O. A Constituição no quadro dos
Movimentos Renovadores da Teologia Pastoral das últimas décadas. In: BARAÚNA, G. A Igreja do Vaticano II.
Op. cit. p. 115-134.
107
CALIMAM, C. A eclesiologia do Concílio Vaticano II e a Igreja no Brasil. In: GONÇALVES, P. S. LOPES;
BOMBONATO, V.I. (Org.), Concílio Vaticano II: Análise e Prospectivas. Op. cit. p. 232.
108
Cf. PIÉ-NINOT, Salvador. Introdução à Eclesiologia. São Paulo: Loyola, 1998, p.100.
109
LIBANIO, J. B. Concílio Vaticano II. Disponível em <http/www.cebsuai.rog.br/Libanio_cont.htm>. Acesso
em: 25/04/2006.
53
Neste ínterim, o Concílio Vaticano II foi um Concílio Pastoral no que tange a
inteligência da fé, pois nele ocorre segundo Claude Geffré, a passagem da perspectiva
dogmatista para um paradigma hermenêuticos no tratar os conteúdos teológicos 110.
Atento a esta realidade, já na primeira sessão, o Cardeal Montini fez uma intervenção
fundamental quanto aos princípios norteadores do Concílio. O futuro papa Paulo VI
estabeleceu três perspectivas, tendo como referência a fidelidade a que a Igreja deveria
manter, em vista de sua nova postura dialogal frente o mundo.
A primeira funda-se na “perspectiva cristológica” e diz respeito à própria identidade
da Igreja conferida pelo próprio Cristo Jesus, como seu princípio originante. A Igreja deve ser
fiel ao seu fundador no que tange o seu agir histórico. O dever para com o homem constitui
para a Igreja o segundo princípio de fidelidade, uma vez que ela não existe para si mesma,
mas sim para o serviço à humanidade, tendo em Cristo-pneuma, que age continuamente, sua
fonte de luz e criatividade. Por fim, a terceira fidelidade se concretiza na união entre os dois
antecedentes, ou seja, de Cristo com o Homem a partir do mistério da Aliança que é a própria
Igreja, caracterizando assim, a “perspectiva sacramental” 111.
Mantendo-se fiel a esta tríplice fidelidade, ou seja, Cristo, o homem, e a Igreja, o
Concílio Vaticano II, em todos os seus documentos, a partir da constituição Dogmática sobre
a Igreja Lumen gentium e da constituição Pastoral sobre a Igreja no mundo Gaudium et
spes112, tem como máxima intenção a “de aprofundar o mistério da Igreja em sua natureza
íntima e nas relações da Igreja com o mundo” 113 , visto que é ela que une os homens a Deus.
Neste sentido, Karl Rahner, um dos Padres conciliares, escreveu que o “Concílio foi
um Concílio da igreja sobre a Igreja, o Concílio da eclesiologia em uma concentração tal de
temas como nunca houvera até agora em nenhum outro Concílio, talvez nem mesmo no
110
GEFFRÉ, Claude. Croire et Interpréter. Lê tourmant herméneutique de la théologie, Paris, Cerf, 2001, p.1151.
111
Cf. LIBANIO, João Batista. Concílio Vaticano II: em busca de uma primeira compreensão. Op cit. p. 66-7.
112
Cf. ALMEIDA, Antonio José de. Lumen gentium: a transição necessária. São Paulo: Paulus, 2005. p.16.
113
MONDIN, B. As Novas Eclesiologias. São Paulo: Paulinas, 1984. p. 21.
54
Vaticano I”
114
. Conforme o Teólogo Paul Tihon, “as opções metodológicas dos documentos
conciliares são características e ricas de implicações futuras”
115
.
Sob esta perspectiva,
compreende-se a abundância de sínteses e estudos sobre a Igreja no pós-Concílio.
Partindo da natureza e do objetivo do Concílio Vaticano II, embora sendo convocado
sob o signo de Pastoral, é lícito afirmar que, em seu desenvolvimento, foi-se tornando um
Concílio eminentemente “Eclesiológico” 116 tendo os seus desdobramentos nas mais variadas
formas de expressão sobre e a Igreja em seu relacionamento ad intra e ad extra.
No que se refere à Igreja, o Concílio Vaticano II ofereceu por meio de seus
Documentos promulgados, não exatamente uma “definição”
117
eclesiológica, mas sim, uma
descrição bíblica, imagética da Igreja a partir da Constituição dogmática Lumen gentium
118
.
Esta descrição imagética, bíblica elucida mais vivamente
o seu caráter de mistério e, portanto, de objeto de fé, e ela não mais é apresentada
diretamente como motivo de credibilidade, como acontecia no Vaticano I. Passa-se,
com efeito, de uma concepção que via a Igreja principalmente como societas, e que
114
Ib. p. 21. Cf. também ALMEIDA, Antonio José de. Lumen gentium: a transição necessária. Op. cit. p.15.
SESBOÜÉ, B. (direção); BOURGEOIS, B: TIHON, P. Histórias dos Dogmas. v. 3: os sinais da salvação,
(séculos XII- XX). São Paulo: Loyola, 2005. p. 434.
116
Muitas são as referências quanto a este sentido do Concílio Vaticano II entre os autores. Cf. LORSCHEIDER,
A. et al. Vaticano II: 40 anos depois. São Paulo: Paulus, 2005, p. 48, como também MONDIN, B. As Novas
Eclesiologias. Op. cit. p. 11-23; SESBOÜÉ, B. (direção); BOURGEOIS, B: TIHON, P. Histórias dos Dogmas.
v. 3: os sinais da salvação, (séculos XII- XX). Op. cit. p. 434.
117
O termo está entre aspas justamente por não haver acordo entre os autores na possibilidade de extrair dos
textos conciliares uma definição como o próprio termo delimita. O teólogo Medard Kehl assim explicita esta
questão: “Se forem aplicados esses princípios hermenêuticos, não se permite, com efeito, simplesmente
encontrar uma definição sistemática de Igreja nos textos do Concílio, mas, a partir deles, pode-se fundamentar
uma ‘ formula breve’ eclesiológica que tente fazer justiça à tradição eclesial e aos novos enfoques da
autocompreensão da Igreja”. Cf. A Igreja: uma eclesiologia católica. São Paulo: Loyola, p. 48. Estes princípios
hermenêuticos de que o autor fala, foram formulados por KASPER, W. em “Die bleibende Herausforderung
durch das II. Vatikanische Honzil. Zur Hermeneutik der Honzilsaussagen”, em Id. Theologie und Kirche, Mainz,
1987. p. 295 ss.
118
Em relação a esta Constituição, o estudioso Georges Dejaifve assim escreveu: “Na história da Igreja o dia que
marcou a promulgação da constituição Lumen gentium aparecerá no futuro certamente como o começo de uma
nova época (...) A constituição Lumen gentium constitui inegavelmente, a meu ver, uma nova reviravolta na
eclesiologia católica-romana (...) Pode-se dizer que passamos de uma igreja-instituição a uma igrejacomunidade, de uma igreja-potência a uma igreja pobre e peregrina”. Cf. DEJAIFVE, G. L’ ecclesiologia del
Concílio Vaticano II, em L’ ecclesiologia dal Vaticano, p. 87-88. In: MONDIN, B. As Novas Eclesiologias. Op.
cit. p. 22.
115
55
teve reflexos muitos fortes no Vaticano I e nos tratados Eclesiológicos
subseqüentes, a uma concepção mais bíblica, com uma raiz litúrgica, atenta a uma
visão missionária, ecumênica e histórica, em que a Igreja é descrita como
sacramentum salutis (LG 1, 9, 48,59; SC 5,26; GS 42,45; AG 1,5) fórmula que é a
base das afirmações do Vaticano II 119.
Esta nova forma de se olhar possibilitou em seu bojo, olhar para os mais diversos
assuntos e problemas, seja de ordem temporal ou espiritual, e colocar-se em atitude de
diálogo120 com os mesmos. Esta realidade pôde ser percebida por meio dos outros
documentos afins que o Concílio produziu 121, que segundo o Padre Tihon, “todos os grandes
textos do Vaticano II abordam, cada um a sua maneira, dimensões fundamentais da Igreja (...)
a tal ponto que se chegou a falar de um ‘pan-eclesiologismo’ dos documentos conciliares” 122.
O modo como o Concílio Ecumênico Vaticano II olhou para a Igreja, provocou um
profundo resgate de sua essência enquanto realidade mistérica123 - espiritual e ao mesmo
tempo de sua realidade histórica - temporal124, numa procura dialógica com o mundo.
Segundo o teólogo A. Anton,
as publicações eclesiológicas pós-conciliares conservam-se fiéis à orientação
histórico-salvífica adotado pelo Vaticano II e apresentam uma eclesiologia mais
119
Cf. PIÉ-NINOT, Salvador. Introdução à Eclesiologia. Op. cit. p. 22.
O Teólogo J. B. Libanio recorre “a quatro termos para qualificar a natureza do Concílio” a fim de traduzir “as
linhas fundamentais de compreensão” do mesmo. Assim descreve que “tratou-se de um Concílio pastoral,
ecumênico, do diálogo e do aggiornamento”. Cf Vaticano II: em busca de uma primeira compreensão. Op. cit. p
67. Cf. também, JOÃO XXIII, Constitutio Apostolicae Humanae salutis, AAS 54 (1962), p. 5-13.
121
Cf. PIÉ-NINOT, Salvador. Introdução à Eclesiologia. Op.cit. p. 22.
122
B. SESBOÜÉ (direção), H. BOURGEOIS, P. TIHON, Histórias dos Dogmas. v. 3: os sinais da salvação,
(séculos XII- XX). Op. cit. p. 434-5.
123
Cf. RIGAUX, Béda: O Mistério da Igreja à Luz da Bíblia. In: BARAÚNA, G. A Igreja do Vaticano II. Op.
cit. p. 316. Cf. também KLOPPENBURG, B. A Eclesiologia do Vaticano II. Petrópolis: Vozes, 1971. p. 20-25.
124
Cf. ANTON, A. L’ ecclesiologia postconciliare: speranze, risultati e prospettive, In: LATOURELLE, R.
Vaticano: Bilancio e prospettive: venticinque anni dopo [1962 -1987], Assisi, Cittadella Editrice, 1987, p. 366.
120
56
aberta à dimensão histórica da Igreja e mais plenamente consciente do lugar que a
Igreja ocupa na história da salvação125.
Desta forma, o Concílio Vaticano II constitui-se no que tange a eclesiologia, uma
ruptura da até então concepção tridentina126, que caracterizava a Igreja como “Societas
Perfecta”. O Código de Direito Canônico de 1917 a definia assim: “foi de tal modo
estabelecida por Cristo, seu Fundador, que estava adornada de todas as notas que convêm a
qualquer sociedade perfeita [...]” 127.
A Igreja era comparada a um sistema de poder estatal, a uma civitas, uma sociedade,
porém, bem mais perfeita, possuindo um corpus perfectissimum, ou seja, uma realidade
corporativa plenamente perfeita. Pio IX já tinha usado essa expressão na alocução Singulari
quadam (1854), donde definia que a Igreja católica teria “recebido, em virtude de sua
instituição divina, a forma de uma sociedade perfeita”. Esta definição entrou como a
proposição 19 do Syllabus (1864), como forma condenatória a aqueles que afirmavam que
Ecclesia non est vera perfectaque societas.
No próprio Concílio, no dia 3-12-1962, ouviu-se na aula conciliar, da boca do Bispo
de Aquino, Dom Blásio Musto, a seguinte afirmação: “Societas perfecta, triplici potestate
aucta, iuridice organizata, quae depositum fidei ab errore immunem custodire et contra
hostiles incursiones inconcussa auctoritate tutari debet”, ou seja, é uma sociedade perfeita,
dotada de tríplice poder, juridicamente organizada, que deve conservar o depósito da fé imune
125
RIGAUX, Béda: O Mistério da Igreja à Luz da Bíblia. In: BARAÚNA, G. A Igreja do Vaticano II. Op. cit. p.
316. Cf. também KLOPPENBURG, B. A Eclesiologia do Vaticano II. Op. cit. p. 20-25.
126
Para uma visão panorâmica acerca da eclesiologia tridentina, cf. MONDIN, B. As Novas Eclesiologias. Op.
cit. p. 14-23.
127
Código de Direcho Canônico, Madrid, BAC, 1951, p. XLI. Cf. Granfield, P. Surgimento e queda da “Societas
Perfecta”. In: Concilium, Petrópolis, 177, p. 735-746, 1982. Também WERBICH, J. La Chiesa; um progetto
ecclesiologico per lo studio e per la prassi. Brescia, Queriniana, 1998. p. 141-156
57
do erro e com inabalável autoridade guardá-la contra os ataques inimigos
129
Concílio a partir do novo “sujeito moderno na Igreja”
128
. Contudo, o
formulou uma nova concepção
eclesiológica, expressa de maneira particular, na Constitutio Dogmática De Ecclesia.
Nas calorosas reflexões das aulas conciliares, os Padres procuraram responder a uma
grande interrogação: “Igreja, que dizes de ti mesma?”
130
Esta pergunta eclesial surgiu no
final do primeiro período do Concílio e se estendeu pelos demais períodos, sempre norteando
as reflexões conciliares. Nas páginas seguintes, nosso trabalho procurar-se-á delinear um
perfil eclesiológico, conforme a Lumen gentium.
2.2. UM PERFIL ECLESIOLÓGICO A PARTIR DA CONSTITUIÇÃO
DOGMÁTICA SOBRE A IGREJA LUMEN GENTIUM
Como já se sabe um Concílio não é uma universidade e os Esquemas por ele
elaborados não pretendem ser tratados teológicos 131. Sendo a referida Constituição o coração
do Concílio, ela não é a última palavra sobre a eclesiologia132, embora seja o primeiro e o
mais amplo documento em que um Concílio ecumênico trata explicitamente “o tema
eclesiológico no horizonte total em que no-lo oferece a Revelação, sem que suas declarações
128
KLOPPENBURG, B. A Eclesiologia do Vaticano II. Op. cit. p. 45.
O padre LIBANIO delineia de forma objetiva a formação do novo sujeito moderno na Igreja. Cf. Concílio
Vaticano II: em busca de uma primeira compreensão. Op. cit. p. 21-48. Cf também CODINA, V. Para
Compreender a Eclesiologia a partir da América Latina. São Paulo: Paulinas, 1993. p.173-175.
130
“La preocupación central de los Papas del Concílio y de los Padres conciliares fue ciertamente la conciencia
de la Iglesia sobre sí misma. No para quedarse ensimismada sino para vivir más plenamente su misterio, en sí
misma como Pueblo de Dios en marcha y de cara al mundo.” Disponível em <BIBLIOTECA ELECTRÓNICA
CRISTIANA -BEC- VE MULTIMEDIOS™. Fuente: 'Figari, Luis Fernando, Una eclesiología de comunión y
reconciliación. Sobre la Constitución dogmática Lumen gentium, en Vigencia y Proyección del Concílio
Vaticano II, VE, Lima, 1996, p. 29-57 >.
131
HERNÁNDEZ, O. G. A Nova Consciência da Igreja e seus Pressupostos Histórico-Teológicos. In:
BARAÚNA, G. A Igreja do Vaticano II. Op. cit. p. 267.
132
Ib. p. 297-98.
129
58
se limitem a expor verdades ameaçadas pela heresia, e sem que suas perspectivas estejam
condicionadas por interesses apologéticos” 133.
O próprio modo como a Constituição está estruturada revela-nos sua harmonia
interna, binária em quatro grandes blocos, a saber: os Capítulos I e II que nos falam do
mistério da Igreja; os Capítulos III e IV acerca da estrutura constituinte da Igreja, ou seja, a
hierarquia e o laicato; os Capítulos V e VI dissertam sobre a finalidade da Igreja, no campo da
santidade, no qual todos são chamados, com ou sem a profissão pública dos conselhos
evangélicos. Por fim, os Capítulos VII e VIII que abordam o tema da consumação da Igreja na
escatologia 134.
Percebe-se desde já, uma nova concepção eclesiológica fundante que elimina a forma
piramidal, tripartida, que concebia a estrutura eclesial como clero-religiosos-leigos. A
inserção do Capítulo II sobre o Povo de Deus anterior ao Capítulo III sobre a hierarquia,
outorga para a posteridade o rompimento desta concepção eclesial piramidal e ao mesmo
tempo, desloca o seu centro outrora fundado na hierarquia para o Povo de Deus. Esta
mudança possibilitou uma compreensão mais profunda do sacerdócio universal.
No processo desta maturação percebe-se uma mudança radical acerca do novo modo
de se conceber a Igreja, ou seja, passa-se
de uma concepção predominantemente jurídica da ontologia da graça, da
predominância do sistema à afirmação do homem cristão, e quanto às estruturas de
autoridade no Povo de Deus, reconheceu-se melhor, ao lado da monarquia romana,
133
Ib. p. 267.
Disponível em <BIBLIOTECA ELECTRÓNICA CRISTIANA -BEC- VE MULTIMEDIOS™>. Fuente: 'Figari,
Luis Fernando, Una eclesiología de comunión y reconciliación. Sobre la Constitución dogmática Lumen
gentium, en Vigencia y Proyección del Concílio Vaticano II, VE, Lima, 1996, p. 29-57 >. Acesso em:
25/04/2006.
134
59
o lugar do Colégio universal dos bispos, o lugar dos organismos locais e a parte da
Ecclesia, da Igreja comunidade 135.
Afinal, qual a “nova consciência da Igreja” a partir do Concílio? Segundo o Perito
Conciliar Charles Moeller, da Constituição Dogmática Lumen gentium esparge três eixos
Eclesiológicos, a saber:
O eixo da Igreja como Mistério, sacramento primordial da unidade do mundo no
Povo de Deus; o eixo das estruturas hierárquicas da Igreja, ou seja: o leigo e o
ministro encontram-se no mistério da colegialidade; o eixo da santidade, estrutura
carismática na Igreja, cuja consumação celeste revela a dimensão escatológica e
pneumatológica da eclesiologia 136.
A partir destes três eixos eclesiológicos que podem ser caracterizados em três
princípios, ou seja, o de sua origem, o de sua estrutura interna e de sua finalidade. Nesse
sentido, houve grandes mudanças no modo de conceber a Igreja, mas conforme o princípio
teológico da continuidade na descontinuidade, percebe-se segundo o pensamento de A.
Acerbi137 que, embora o Concílio promovesse uma evolução na procura de uma eclesiologia
mais comunional, o contrário também é percebido, ou seja, na presença ainda de uma
eclesiologia centralizadora e jurídica.
135
MOELLER, C. O Fermento das Idéias na elaboração da Constituição. In: BARAÚNA, G. A Igreja do
Vaticano II. Op. cit. p.190.
136
MOELLER, C. O Fermento das Idéias na elaboração da Constituição. In: BARAÚNA, G. A Igreja do
Vaticano II. Op. cit. p.160.
137
ACERBI, A. Due ecclesiologie: ecclesiologia giuridica ed ecclesiologia di comunione nella Lumen gentium.
Bologna: Dehoniane, 1975.
60
A nova consciência eclesial proposta pelo Concílio, nasce a partir da retomada de sua
própria origem cristológica138 e pneumatológica139, uma vez que em Cristo a Igreja tem sua
existência e no Espírito a contínua renovação de sua consciência.
Se, em seu nascimento, consciência e existência foram para a Igreja uma mesma
realidade, também o serão no seu devir histórico. O Espírito continua conformando
a Igreja enquanto continua conduzindo-a a Cristo, e ela se realiza como Igreja nessa
atuação consciente de sua fundamentação cristica 140.
Nisto consiste a grande novidade da eclesiologia presente na Lumen gentium, ou seja,
de recuperar a Igreja sua consciência mistérica, própria da teologia patrística e ainda presente
em Santo Tomás de Aquino. Neste sentido, o movimento de volta as Fontes, proporcionou à
Igreja retomar as suas fontes próprias, isto é, a Bíblia, os Padres, a Liturgia e num profundo
esforço de autocontemplação de si e de seu mistério fundante, subtrair às máscaras e às
estruturas enrijecidas inerentes a si oriundas de uma compreensão não tão conatural de sua
fonte mistérica.
Portanto, a partir dos três eixos propostos por Charles Moeller, salvo algumas
transformações de ordem didática, procuraremos delinear a sua origem proveniente do
Mistério Trinitário e conseqüentemente as suas dimensões Cristológica e Pneumatológica e
Sacramental, juntamente com a nova imagem que daí se extrai; a sua estrutura temporal, ou
seja, a relação colegiada entre os pertencentes a este Povo de Deus: a hierarquia e leigos. A
tensão que daí se origina acerca da relação entre instituição e carisma, embora tendo ambos a
138
Cf. KLOPPENBURG, B. A Natureza e a Missão da Igreja. In: REB. Petrópolis, v. 29, n. 4, p. 798-799,
[dezembro] 1969.
139
Ib. p. 799-801.
140
HERNANDEZ, O. A nova consciência da Igreja. In: BARAÚNA, G. A Igreja do Vaticano II. Op. cit. p. 271.
61
mesma vocação à santidade; por fim, delinearemos a sua dimensão escatológica, uma vez que,
se da Trindade se origina, é para Ela que se dirige, enquanto percurso terreno.
2.2.1. O EIXO MISTÉRICO: A TRINDADE COMO ORIGEM
2.2.1.1. A IGREJA COMO MISTÉRIO
O termo Mistério foi introduzido na Teologia Católica contemporânea mediante o
trabalho de dois autores: O. Casel e I. Herwgen
141
. Ao analisar a constituição De Ecclesia,
percebe-se que ela não quis oferecer mais uma afirmação acerca da Igreja, mas, de modo
peculiar, quis sublinhar o elo comum entre todas as outras afirmações até então existentes
sobre a Igreja. Esse encargo, ela o fez, procurando resgatar
o fundamento original da igreja e interpretar o seu mistério a partir de si mesma,
com categorias elaboradas numa contemplação do plano de Deus sobre si mesma, e
não deduzidas de estruturas humanas: (...) Antes de imitar a existência de uma
sociedade humana, imita ela a existência e revive o destino do verbo encarnado 142.
A Igreja, como Mistério, é uma iniciativa da misericórdia divina, saída do Verbo
vindo ao mundo, como que por infração e surpresa. Nesse sentido, a adoção do Concílio pelo
termo Mistério, como afirma Congar, é “uma redescoberta dos elementos sobrenaturais e
141
CASEL, O. Die Liturgie als Mysterienfeier, Friburgo/B., 5, 1923. HERWEGEN, I. Lumen Christi, Munich,
1924.
142
HERNANDEZ, O. A nova consciência da Igreja. In: BARAÚNA, G. A Igreja do Vaticano II. Op. cit. p. 295.
62
místicos da Igreja, de um esforço humilde e religioso para considerar o Mistério da Igreja em
toda a sua divina profundidade” 143. Assim,
O emprego neotestamentário do termo mistério justifica o titulo do primeiro
Capítulo do Constituição conciliar. Em adotando essa perspectiva, o Vaticano II foi
induzido a abandonar o conceito puramente institucional da Igreja. Mergulha seus
olhares na própria Trindade e nas intenções profundas das palavras e dos atos de
Jesus; provoca uma síntese entre a organização e o carisma, entre a estabilidade da
instituição e o dinamismo do Espírito 144.
A índole mistérica da Igreja, no que tange a sua origem, só tem consistência se
estiver em referência ao Mistério dos Mistérios, a Trindade, certo de que é nela que se encerra
e que tudo se converge, ou seja, é o fundamento de todas as realidades. Nessa configuração, o
mistério da Igreja só se torna inteligível à luz do Mistério Trinitário.
2.2.1.2. O MISTÉRIO DA TRINDADE COMO ORIGEM DA IGREJA
O Capítulo primeiro da constituição não disserta sobre a sua “natureza”, mas sim
acerca do seu “mistério”, que tem sua origem e fundamento na Trindade, numa descrição não
atemporal ou espiritualista, mas sim, a partir da realidade histórica na qual a Trindade
manifesta o seu desígnio de amor
143
145
. Nesses termos, a relação entre Igreja e Trindade tem
CONGAR, Y. “Chronique de trente ans d’étuds ecclésiologiques” In: Sante Église, études et approches
ecclésiologiques, Paris, 1963, p. 514. Cf. todo o texto: pp. 445-696 e, sobre a história da eclesiologia, do mesmo
autor. L’Églesie de saint Augustin à l’ époque moderne. Paris, 1970.
144
RIGAUX, B. O Mistério da Igreja à Luz da Bíblia. In: BARAÚNA, G. A Igreja do Vaticano II. Op. cit. p.
316.
145
KUNRAT, P. A. Trindade e Igreja no Concílio Vaticano II. Teocomunicação, Porto Alegre, v. 35, n. 147, p.
33-48, [março] 2005.
63
como escopo a economia da salvação
146
como chave de leitura, outorgando e, ao mesmo
tempo, mantendo a Igreja a sua dimensão histórico-temporal.
No parágrafo 2 da Lumen gentium, descreve-se o desígnio maravilhoso do Pai no que
refere à humanidade, ou seja, de ser participante da vida divina. Esse desígnio tornou-se
realidade, não obstante o pecado, mediante a obra redentora de seu Filho, Jesus Cristo. A
Igreja é, neste sentido, o lugar onde o Pai quis congregar os que crêem em Cristo. Diz-se, por
isso, que a “Igreja foi esboçada desde as origens do mundo, preparada de modo admirável
pela aliança antiga, que está na base da história de Israel, constituída nesses últimos tempos,
manifestada pelo dom do Espírito Santo, mas que só estará terminada no fim dos séculos” 147.
A Igreja, sendo obra da Trindade, torna-se manifesta ao mundo na Plenitude dos
Tempos pela obra do Filho, Jesus Cristo, que pregou o Reino de Deus, do qual a Igreja é o
“germe e o início do Reino na terra”
148
.
“A Igreja, Reino de Cristo, desde já
misteriosamente presente no mundo, cresce pela força de Deus. Sua origem e
desenvolvimento são simbolizados pelo sangue e pela água que jorraram do lado de Jesus
crucificado (Jo 19,34)”
149
. O Mistério Pascal é a realidade histórica em que o Filho realiza
plenamente a vontade do Pai, instituindo a Igreja como comunidade dos reconciliados e, ao
mesmo tempo, nutrindo-os e mantendo-os na unidade mediante a Eucaristia 150.
O Espírito Santo é o coroamento da missão do Filho, possibilitando o acesso ao Pai,
por meio do Filho. “Assim como o Pai, através do Filho, veio ao homem no Espírito, o
homem pode, doravante, no Espírito e pelo Filho, ascender ao Pai. O movimento de
descensão possibilita o de ascensão, num circuito de unidade, cuja fase eterna é a Trindade e
146
Cf. FORTE, B. A Igreja Ícone da Trindade: breve eclesiologia. São Paulo: Loyola, 1997. p. 19.
Cf. PHILIPON, M. A Santíssima Trindade e a Igreja. In: BARAÚNA, G. A Igreja do Vaticano II. Op. cit. p.
363-4. Cf. LG 2.
148
Cf. LG 5.
149
Cf. LG 3.
150
Cf. PHILIPON, M. A Santíssima Trindade e a Igreja. In: BARAÚNA, G. A Igreja do Vaticano II. Op. cit. p.
363-4. p. 364-6.
147
64
cuja fase temporal é a Igreja”
151
. O Espírito Santo é para a Igreja “fonte perene de
santificação”; Ele conduz a Igreja “à verdade plena e a unifica na comunhão e no ministério
(...) a instrui, dirige e enriquece com seus frutos. Rejuvenesce a Igreja com a força do
Evangelho, renovando-a continuamente e a conduz à união consumada com seu esposo”
152
.
Sendo assim, a Igreja é, pois, “o povo unido pela unidade mesma do Pai e do Filho e do
Espírito Santo”, conforme afirma São Cipriano 153.
Em sua realidade histórica, segundo o parágrafo 6, a Igreja é manifestada em
diversas imagens, a saber: como redil, rebanho, lavoura de Deus, construção de Deus,
Jerusalém celeste, família, Templo Santo, esposa imaculada
154
. No parágrafo 7, apresenta-se
a Igreja como Corpo Místico de Cristo, categoria à qual “é possível inferir o caráter
ministerial de toda a Igreja e seu caráter profundamente sacramental” 155.
A dimensão mistérica da Igreja revela, ao mesmo tempo, o seu ser visível e
espiritual. Desta forma, a
Igreja é um mistério único em seus aspectos visível e invisível. Não existem duas
Igrejas, mas uma única presente no mistério trinitário, desdobrada na história para
reunir toda a humanidade. A Igreja de Cristo é uma realidade complexa que se
manifesta na Igreja católica, sem esgotar-se nela. Por ser mais ampla que suas
formulações históricas, a Igreja é uma, santa católica e apostólica, concretizada
151
FORTE, B. A Igreja Ícone da Trindade: breve eclesiologia. Op. cit. 1997. p. 21. Cf. LG 4.
Cf. LG 4.
153
Cf. PHILIPON, M. A Santíssima Trindade e a Igreja. In: BARAÚNA, G. A Igreja do Vaticano II. Op. cit. p.
366-9. Cf. LG 4.
154
Cf. CERFAUX, L. As imagens simbólicas da Igreja no Novo Testamento. In: BARAÚNA, G. A Igreja do
Vaticano II. Op. cit. p. 331ss. Também NICOLAU, M. et al. Igreja do Concílio Vaticano II: comentário à
Constituição Dogmática Lumen gentium. Op. cit. p. 61-79.
155
GONÇALVES, P. S. LOPES. A Eclesiologia hoje: perspectivas eclesiológicas. Revista de Cultura Teológica,
São Paulo, v. 12, n. 49, p. 17, [out./dez.] 2004. Para um aprofundamento sobre estas imagens, cf. NICOLAU, M.
et al. Igreja do Concílio Vaticano II: comentário à Constituição Dogmática Lumen gentium. Op. cit. 1966. p. 6187.
152
65
como Povo de Deus inserido e peregrino na história para servir o Reino de Deus e
dar testemunho da verdade 156.
2.2.1.3. A IGREJA COMO SACRAMENTO157
Sendo a Igreja descrita como Mistério, ela o é enquanto ontologicamente e
historicamente, ligada à Trindade. O Concílio Vaticano II descreve a Igreja “como que
sacramento ou sinal e instrumento da união com Deus e da unidade de todo o gênero
humano”158. É a descrição mais significativa da Igreja, tendo-se em vista a própria história da
incorporação desse conceito ao texto conciliar.
A descrição da Igreja como “sacramento” é elaborado pelos Padres conciliares sob
duas óticas: uma cristológica e outra escatológica. Quando se fala da Igreja como Sacramento,
ela o é enquanto servidora e portadora dos mistérios de Cristo, ou seja, como o lugar de
realização da obra redentora do Filho
159
. Neste ínterim, expressa bem o Concílio ao afirmar
que a “Igreja é em Cristo como que o sacramento ou o sinal e instrumento da união com Deus
e da unidade de todo o gênero humano” 160.
No parágrafo nono, o Concílio afirma que Jesus é o autor da salvação, o princípio da
unidade e que a “Igreja é assim, para todos e para cada um dos homens em particular, o
sacramento visível da unidade da salvação”. Embora “a Igreja revela fielmente ao mundo o
mistério de Cristo”, ela o revela de forma velada 161.
156
GONÇALVES, Paulo Sérgio Lopes. Eclesiologia Ecumênica. In: Cadernos de Teologia, Campinas, ano VI,
n. 07. p. 43, [maio] 2000. Também LG 8.
157
Cf. SMULDERS, P. A Igreja como Sacramento. In: BARAÚNA, G. A Igreja do Vaticano II. Op. cit. p. 396419. Para uma leitura mais complementar, cf. KASPER, W. “La Chiesa sacramento universale della salvezza” e
“Chiesa come comunione”, In: ed., Teologia e Chiesa, Brescia, 1989, p. 247-265; 284-301.
158
LG 1.
159
Cf. HERNANDEZ, O. A nova consciência da Igreja. In: BARAÚNA, G. A Igreja do Vaticano II. Op. cit. p.
286.
160
LG 1.
161
LG 8.
66
Quanto à conotação escatológica, o Concílio é enfático ao dizer que a Igreja, “tendo
em seu seio pecadores, é ao mesmo tempo santa e está em constante purificação, não
deixando jamais de fazer penitência e de buscar sua própria renovação” 162.
A descrição da Igreja, como Sacramento, deve fornecer a chave de uma nova
consciência eclesial, uma vez que, com esse termo, houve uma “espécie de ‘decentração da
Igreja com relação a si mesma’, porque está colocada inteiramente em relação a Cristo” 163. A
fonte deste conceito, empregado de forma analógica à Igreja, remonta ao termo bíblico
Mistério, entendendo-o não como algo incognoscível, mas
como uma realidade portadora de salvação, que se revela de modo visível. O
Concílio, empregando esse conceito de sacramento, quer exprimir a dupla
dimensão da Igreja, humana e divina, visível e invisível, que faz com que ela seja,
já em si mesma, e em virtude da lei da encarnação pela qual o visível é mediação do
invisível, ‘uma realidade complexa’ 164.
A concepção sacramental da Igreja, fundada na Encarnação do Verbo e manifestada
ao mundo por meio dos sete sacramentos, revela a sua realidade Teândrica. Dessa forma, se
“a vida de Cristo é divino-humana ou teândrica, a vida da Igreja também será divino-humana
ou teândrica”
165
, como sugere o número 8 da LG. Contudo, não se pode atribuir à Igreja a
mesma realidade extrínseca da Encarnação, visto que ela é uma realidade única e irrepetível.
Contudo, a encarnação pode ser assumida como “módulo de compreensão e de interpretação
do Mistério da Igreja, pois nela também, como na Encarnação, estão essencialmente presentes
162
LG 8.
SMULDERS, P. A Igreja como Sacramento. In: BARAÚNA, G. A Igreja do Vaticano II. Op. cit. p. 396.
164
PIÉ-NINOT, A. Introdução à Eclesiologia. Op. cit. p. 30. Cf. LG 8.
165
JOURNET, C. O caráter Teândrico da Igreja, Fonte de Tensão Permanente. In: BARAÚNA, G. A Igreja do
Vaticano II. Op. cit. p. 384 ss. Para uma leitura complementar, cf. MONDIN, B. As Novas Eclesiologias. Op. cit.
p. 14-51;309-321.
163
67
os dois elementos (humano e divino) e estão unidos entre si de maneira análoga” 166. Embora
sendo distintos, são similares.
A partir do desenrolar da dimensão histórico-humana da Igreja, ou seja, de sua
realidade visível, constituída como “sociedade” 167, compreende-se a sua encarnação histórica,
embora “de natureza singular, porque nela o homem opera, sim, como agente principal, mas
não único, e sim como associado a um ‘partner’ divino, que assume para si a responsabilidade
do início das grandes decisões que dizem respeito à Igreja” 168. Nesse sentido, a Igreja aparece
como uma comunidade de homens convocados por Deus e profundamente unidos a Cristo e à
sua obra. A Igreja é a comunidade surgida pela vontade de Deus e da qual o próprio Deus faz
parte. Nesse aspecto, o Concílio denominou a Igreja como Povo de Deus, justamente porque
não é um povo que se reúne por si mesmo, mas por causa do desígnio de Deus.
2.2.2. O EIXO MINISTERIAL: A TRINDADE COMO IMAGEM
2.2.2.1. A IGREJA: POVO DE DEUS169
A visão eclesial de até então era marcada pelo que denominou Yves Congar de
“Eclesiologia hierarcológica” 170. A inversão entre os Capítulos, como já mencionado no item
1.3. constitui, segundo C. Moeller, “a primeira das revoluções copernicanas que marcaram a
elaboração da constituição” 171.
A finalidade do Concílio em descrever a Igreja como Povo de Deus antes de sua
estrutura, situa no interesse de mostrar primeiramente o que é comum a todas as
denominações presentes em sua estrutura visível, ou seja, clérigos e leigos, antes de dissertar
166
MONDIN, B. As Novas Eclesiologias. Op. cit. p. 311. Cf. também KLOPPENBURG, B. A Natureza e a
Missão da Igreja. In: REB, Petrópolis, v. 29, n. 4, p. 823-825, [dezembro] 1969.
167
Cf. LG 14, 29,23.
168
MONDIN, B. As Novas Eclesiologias. Op. cit. 1984. p. 319.
169
Cf. SEMMELROTH, O. A Igreja, o novo Povo de Deus. In: BARAÚNA, G. A Igreja do Vaticano II. Op. cit.
p. 471 ss.
170
CONGAR, Y. Ministeri e comunione ecclesiale. Bolonha, 1973. p. 12.
171
MOELLER, C. “Storia della strutura e delle idee della LG”. In: MILLER, J.M. (org.). La teologia dopo il
Vaticano II, Morcelliana, Brescia, 1967, p. 159.
68
acerca da diversidade de funções atribuídas e oriundas de cada estado
172
. Se o Capítulo I
falou do Mistério da Igreja em toda a sua amplitude e extensão, ou seja, de sua origem
transcendente, o Capítulo II visa dissertar acerca de sua dimensão imanente, desde a Ascensão
do Senhor até a sua Parusia. Nesse tempo intermediário, situa-se a ação deste Povo de Deus,
que se concretiza justamente no exercício de seu sacerdócio universal ou comum173, culto e
prática sacramental, no uso dos carismas e do “sensus fidei” 174 e, principalmente, no seu zelo
missionário175.
Nesse aspecto, a categoria Povo de Deus tem suas raízes na eleição de Abraão, mas
tem sua plenitude na aquisição do novo Povo de Deus que em Jesus Cristo se realizou; O
Senhor o constitui como “povo messiânico”, muito embora “não abranja de fato todos os
homens, e não poucas vezes apareça como um pequeno rebanho”. Contudo, o Senhor
constituiu esse novo povo para que seja entre “todo o gênero humano o mais firme germe de
unidade, de esperança e de salvação” 176. Sendo assim, esse povo messiânico ou novo Israel, é
também denominado como Igreja de Cristo, “que ainda caminha no tempo presente e se dirige
para a futura e perene cidade” 177.
Dessa categoria Povo de Deus, irradia uma eclesiologia não fragmentária ou
partidarista, mas integradora e totalizante, tendo como fundamento o sacramento do Batismo
e a redescoberta do sacerdócio universal ou comum, como se infere do parágrafo 10 e 31 da
LG. É graças ao batismo que o cristão é revestido desse sacerdócio comum, visto que ele é
incorporado a Cristo, que é o sumo e eterno Sacerdote.
Dentre a dignidade comum oriunda do batismo, há entre os batizados e crismados,
aqueles que são instituídos no sacerdócio ministerial. Conforme o Concílio, eles não só
172
Cf. CONGAR, Y. “La chiesa come popolo di Dio” In: Concilium, Petrópolis, v. 1 p. 19-20, 1965.
Cf. LG 10-11.
174
Cf. LG 12.
175
Cf. LG 17.
176
Cf. LG 9b.
177
Cf. LG 9c.
173
69
diferem em grau, mas em essência, embora tenham ambos a Cristo Sacerdote como origem. O
sacerdócio comum dos fiéis não é de forma alguma unívoco ao sacerdócio ministerial, mas
somente análogo. Contudo, o
Sacerdote é ‘um irmão entre seus irmãos’, um ‘fiel batizado e confirmado’ como os
outros. Suas virtudes sãos as dos homens, sua espiritualidade é a dos batizados,
seus meios de santificação lhes são comuns com seus irmãos de fé. ‘Sua
consagração e sua missão’ fazem dele um servidor dos outros. Seus privilégios são
os privilégios do serviço, a diaconia. Se ele ‘preside’ sozinho à assembléia
eucarística, se ele ‘representa’ no Corpo Místico a cabeça, que é Cristo, se ‘o
serviço do Evangelho o distingue’ dos outros, esse serviço não o pode ‘separar’.
Continuamente a teologia do sacerdócio é recolocada em seu contexto normal, que
é o estado de fiel, comum a todos os membros do Povo de Deus 178.
Conforme o parágrafo 10 e 11, o Povo de Deus exerce o ofício sacerdotal179, que lhe
é peculiar, numa vida de virtude, mas também por meio dos sacramentos. O parágrafo 12
reporta-nos ao seu ofício profético180, uma vez que participam desse múnus de Jesus. Esse
múnus deve ser traduzido mediante o testemunho vivo de Cristo, por meio de uma vida de fé
e de caridade.
Nesse sentido, os fiéis são também movidos pelo sensus fidei ou sentido da fé,
proveniente do Espírito Santo e que conjuntamente com o Magistério da Igreja se tornam
também Magistério infalível. Essa relação é proveniente do ato de crer de todo fiel, visto que
ele não crê a partir do nada, mas sim do que ele efetivamente recebe do “Magistério”
178
LAMBERT, Bernard. A Nova Imagem da Igreja. p. 94. s/d.
Cf. DE SMEDT, E. J. O Sacerdócio dos fiéis. In: BARAÚNA, G. A Igreja do Vaticano II. Op. cit. p. 487 ss.
180
Cf. LEEUWEN, B. Van. A Participação no múnus profético de Cristo. In: BARAÚNA, G. A Igreja do
Vaticano II. Op. cit. p. 499 ss.
179
70
enquanto “ensinamento e doutrina”, ou seja, do ato de ensinar, próprio da Igreja, constituindo
assim o que se denomina a “infalibilidade ativa do Magistério”
181
. Nesse aspecto, são
interessantes as palavras de São Roberto Belarmino acrescentada ao primeiro Esquema De
Ecclesia do Vaticano I:
‘Quando afirmamos que a Igreja não pode errar, entendemo-lo tanto da
universalidade dos fiéis, como da universalidade dos bispos, de modo que o sentido
da preposição ‘a Igreja não pode errar’ seja: aquilo que todos os fiéis têm como fé,
necessariamente é verdadeiro e de fé; de igual modo, tudo o que ensinam os bispos
relativamente à fé, necessariamente é verdadeiro e de fé 182.
Sendo o Povo de Deus um povo carismático, possuidor de dons e ministérios de
acordo com a necessidade do bem comum, esse Povo é também descrito como sendo “uno e
universal, isto é, católico”. Fala-se, portanto, de universalidade como nota própria do Povo de
Deus, muito embora seja uno183. O Concílio relembra expressamente a necessidade de
pertença à Igreja, primeiramente, porque é por ela que o fiel se torna presente a Cristo e
também pela necessidade do batismo para a salvação, entendendo esta realidade, como
necessidade de meio e não de preceito para a salvação 184.
Dessa forma, abre-se uma larga perspectiva de aproximação e de relação entre os
cristãos e os outros cristãos e, conseqüentemente, com os não-cristãos 185. O parágrafo 14 nos
181
Cf. NICOLAU, M. et al. Igreja do Concílio Vaticano II: comentário à Constituição Dogmática Lumen
gentium. Op. cit. p. 107.
182
NICOLAU, M. et al. Igreja do Concílio Vaticano II: comentário à Constituição Dogmática Lumen gentium.
Op. cit. p. 108.
183
Cf. LG 13.
184
NICOLAU, M. et al. Igreja do Concílio Vaticano II: comentário à Constituição Dogmática Lumen gentium.
Op. cit. p. 113-14.
185
Cf. BUTLER, B. C. Os Cristãos não-católicos em relação à Igreja. In: BARAÚNA, G. A Igreja do Vaticano
II. Op. cit. p. 686 ss.
71
fala da incorporação plena e perfeita, justamente entre aqueles que aceitam a estrutura íntegra
da Igreja e recebem todos os meios de salvação nela estabelecidos. Há igualmente aqueles
que não possuem uma plena incorporação à Igreja, mesmo que receberam validamente o
batismo. Quando o Concílio dirige-se aos “que não guardam a fé integral”, está referindo-se
aos protestantes, enquanto que se refere aos orientais ortodoxos, como aqueles “que não
conservam a comunhão sob o Sucessor de Pedro”
186
. Contudo, o que nos une aos não
católicos, circunscreve-se na aceitação da Sagrada Escritura como divinamente revelada, a fé
na Trindade, os sacramentos e, ainda que não para todos, a devoção a Maria, etc.
No que se refere aos não-cristãos, embora ainda não tenham recebido o Evangelho,
todos estão destinados, “contudo, a pertencer ao Povo de Deus”, visto que Jesus Cristo
“redimiu todos os homens com uma redenção objetiva, que tem de aplicar-se depois e tornarse subjetiva em cada homem. A todos e a cada um dos homens chama à Igreja e para ela os
encaminha por meio das suas graças”. Estas graças se concretizam nesta “posse e
incorporação na Igreja” 187.
A índole desse Povo de Deus manifesta-se na responsabilidade de evangelizar de
forma permanente e universal, como algo conatural à sua origem. Aqui, conforme os Bispos,
encontra-se uma das grandes contribuições do Concílio à Igreja, ou seja, uma tomada de
consciência mais clara de que a Igreja não é só a hierarquia, mas todo o Povo de
Deus, ressaltando o papel dos leigos e a co-responsabilidade de todos, pastores e
fiéis, na ação pastoral e na missão evangelizadora, sem deixar de reconhecer e
valorizar a vocação específica missionária ‘ad gentes’ 188.
186
Cf. LG 1. Leão XIII, Carta Apostólica. Praeclera gratulationis, 20.6.1994: AAS 26 (1893-94), p. 707.
NICOLAU, M. et al. Igreja do Concílio Vaticano II: comentário à Constituição Dogmática Lumen gentium.
Op. cit. p. 122. Também LG 16.
188
CNBB. DGAE 1999-2002. (Documentos da CNBB n. 61). São Paulo: Paulinas, 1999. n. 29c.
187
72
Nesse único parágrafo, número 17, a Constituição visa apenas propor os
fundamentos teológicos da ação missionária da Igreja189, uma vez que o desenvolverá de
forma longa e aprofundada, no Decreto sobre a atividade missionária da Igreja Ad gentes.
2.2.2.2. A IGREJA POVO DE DEUS: SUA ESTRUTURA VISÍVEL
Os três próximos Capítulos da LG dissertam acerca dos membros que constituem
visivelmente a Igreja, ou seja, o episcopado, os leigos e os religiosos. O Concílio, ao nominar
o Povo de Deus, o faz em duas categorias, os ordenados e os não ordenados, muito embora
“todos são iguais em dignidade” 190, mas diferentes quanto aos ofícios.
O Capítulo III acerca da “constituição hierárquica da Igreja: o episcopado”, embora
fale do Papa e do Primado do Romano Pontífice, ocupa-se também no parágrafo 28 sobre os
Presbíteros e no parágrafo 29 acerca dos Diáconos. No mais, disserta, essencialmente, sob o
ponto de vista doutrinal, sobre os fundamentos teológicos no que concerne aos Bispos,
constituindo, dessa forma, o coração do Concílio, segundo Pietro Parente 191.
O Concílio na esteira do Vaticano I procura agora delinear, de forma clara e profunda
toda a doutrina sobre o episcopado, assim como foi delineada a doutrina sobre o Papa no
Concílio precedente. Já no Proêmio, é clara essa postura:
O Concílio reafirma junto a todos os fiéis e declara, como doutrina em que se deve
crer firmemente, a instituição, a perpetuidade, a importância e a razão do primado
do pontífice romano e de seu magistério infalível. Nessa mesma linha, professa e
declara diante de todos, a doutrina segundo a qual os bispos são sucessores dos
189
Cf. LE GUILLOU, M.-J. A Vocação Missionária da Igreja. In: BARAÚNA, G. A Igreja do Vaticano II. Op.
cit. p. 713 ss. Também, PAULO VI. Exortação Apostólica Evangelii Nuntiandi, 7° ed. Petrópolis: Vozes, 1987.
190
Cf. LG 32.
191
Cf. Relatio super Caput III textus emendati schematis Constitutionis De Ecclesia (1964), Relatio prior, de nn.
22-27, p. 9. Apud NICOLAU, M. et al. Igreja do Concílio Vaticano II: comentário à Constituição Dogmática
Lumen gentium. Op. cit. p.127.
73
apóstolos, que dirigem a casa do Deus vivo, juntamente com o sucessor de Pedro,
vigário de Cristo e cabeça visível de toda a Igreja 192.
No seu conjunto, os Padres conciliares fundamentam o ofício hierárquico a partir de
uma realidade mistérica, ou seja, sacramental193, tendo sua origem na escolha dos doze por
Jesus, que os constituiu “em Colégio ou grupo estável”
194
, e sua transmissão pelos próprios
apóstolos numa contínua sucessão195. “Por isso, o Concílio ensina que os bispos, por
instituição divina, sucedem aos apóstolos, como pastores da Igreja”
196
. A partir dessa base
sacramental, percebe-se o múnus episcopal sob uma nova ótica, menos jurisdicista e mais
amplamente ontológica, sobrenatural, possibilitando um tom maior de vitalidade sobrenatural.
De maneira especial, nesse Capítulo III, o Concílio recuperou e elaborou, de forma
teológica e disciplinar, a doutrina acerca da colegialidade episcopal
197
. Dessa doutrina,
podemos auferir várias conseqüências para a Igreja do pós-Concílio198. Contudo, abordaremos
apenas duas.
A primeira delas diz respeito à responsabilidade e à dignidade das Igrejas locais.
Com afirma Ratzinger, o “sentido da colegialidade não pode estar de fato em colocar um
parlamento em lugar de uma monarquia, mas em pôr novamente em relevo e em atividade as
‘Ecclesiae’ na ‘Ecclesia’” 199. Conseqüentemente, afirma ainda que a
192
Cf. LG 18.
Cf. LÉCUYER, J. O Episcopado como Sacramento. In: BARAÚNA, G. A Igreja do Vaticano II. Op. cit. p.
743 ss. Cf LG 21.
194
Cf. LG 19.
195
Cf. LG 20.
196
Cf. LG 20.
197
Cf. RATZINGER, J. A Colegialidade dos Bispos: desenvolvimento teológico. In: BARAÚNA, G. A Igreja do
Vaticano II. Op. cit. p. 763 ss.
198
Além das duas que irá dissertar, vale apenas lembrarmos que, como conseqüência da Colegialidade
Episcopal, tem-se também criação por Paulo VI do Sínodo dos Bispos, a criação das Conferências Episcopais e
dos Conselhos Presbiterais. Cf. ASSEMBLÉIA GERAL EXTRAORDINÁRIA DO SÍNODO DOS BISPOS 1985. 2º ed., São Paulo: Paulinas. 1986. Relatio Finalis, ponto II, letra c, n. 5-6. p. 7-49.
199
Ib. p. 785.
193
74
Igreja realiza-se em primeiro lugar em cada uma das suas igrejas locais: estas não
são postos administrativos duma organização central, mas sim células vivas em
cada uma das quais está presente todo o mistério da vida do corpo uno da Igreja, de
tal maneira que a cada uma dessas células se deve chamar simplesmente e com
direito ‘Ecclesia’. Podemos, portanto, afirmar agora: a Igreja de Deus, una, que
existe, consta das igrejas particulares cada uma das quais representa o todo da
Igreja 200.
A segunda diz respeito à redescoberta do bispo como pastor de sua Igreja local e de
seu múnus pastoral em favor de seu povo
201
. Embora, pastor de sua grei, ele deve ter
solicitude para com toda a Igreja, mesmo que não exerça sobre ela nenhum ato de
jurisdição202. Neste aspecto, o Concílio descreve os múnus próprios do ofício episcopal, que
se apresentam sob tríplice forma, ou seja, o múnus de ensinar, de santificar e de reger 203. A
esse respeito, o Cardeal Suenes diz que
quanto mais o episcopado tiver papel ativo, mais as igrejas particulares terão sua
fisionomia própria, mais o povo cristãos se expandirá na diversidade dos ritos, das
teologias, das disciplinas e dos costumes, e mais o primado estará em condições de
exercer plenamente seu papel específico, a saber, o de assegurar a unidade e a
coesão fundamentais da Igreja 204.
200
RATZINGER, J. As implicações pastorais da doutrina sobre a colegialidade. In: Concilium, Petrópolis, n. 1,
p. 33, 1965.
201
Cf. GROOT, Jan Cornelis. Aspectos Horizontais da Colegialidade. In: BARAÚNA, G. A Igreja do Vaticano
II. Op. cit. p. 800 ss.
202
Cf. LG 23b.
203
Cf. LÉCUYER, J. O Tríplice encargo do Bispo. In: BARAÚNA, G. A Igreja do Vaticano II. Op. cit. p. 877
ss. Cf. Cf. LG 24-7.
204
SUENENS. A Co-responsabilidade na Igreja de hoje. São Paulo: Vozes, 1969. p. 55.
75
No que tange ao exercício pastoral dos bispos, a Igreja no Brasil, por meio de suas
Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora, assim se expressam:
compete ao Bispo a responsabilidade principal pela articulação da tarefa
evangelizadora. Antes de tudo, ele, pessoalmente, seja testemunha do espírito
evangélico e da tradição apostólica, pois é elo de comunhão e sinal de unidade da
sua Igreja diocesana. Assuma, com zelo, a tarefa de incentivar e coordenar a ação
evangelizadora, a ser realizada com a participação de toda a comunidade eclesial,
com suas forças vivas e os diversos carismas que lhe foram concedidos. O Bispo
dedique particular empenho à animação do seu presbitério, que lhe está
estritamente associado no governo da Diocese, sem deixar de exortar todos os
seus fiéis à ação apostólica e missionária 205.
A reflexão acerca da Colegialidade Episcopal, acima de qualquer coisa, trouxe
grandes benefícios para a Igreja como um todo. Contudo, foi precisado por uma nota prévia
que distinguia o termo “Colégio”, não “num sentido estritamente jurídico, como um conjunto
de pessoas iguais cujo poder provém daquele que preside. É mais um conjunto estável de
pessoas, cuja estrutura e autoridade se entendem a partir da Revelação”. Ademais, nessa
mesma nota se explica que
O paralelismo entre Pedro e os demais Apóstolos, de um lado, o Papa e os Bispos,
de outro, não implica a transmissão de um poder extraordinário dos Apóstolos a
seus sucessores, nem uma ‘igualdade’ entre a Cabeça e os membros do Colégio,
205
CNBB. DGAE 1999-2002. (Documentos da CNBB n. 61). São Paulo: Paulinas, 1999. n. 308. Cf. LG, 28; CD.
28.
76
senão simples ‘proporcionalidade’ entre a primeira relação (Pedro – Apóstolos) e a
segunda (Papa – Bispos) 206.
Tendo a estrutura colegial sua fundamentação na Escritura207, na prática disciplinar
da Igreja antiga, principalmente pela agregação dos mesmos em Concílios e, por fim, no
costume de convocar vários bispos para a elevação de um novo a esse Colégio 208, percebe-se
que esta doutrina não traz nenhum prejuízo à teologia do Romano Pontífice
209
. Com a
colegialidade, obtém-se uma descentralização e, ao mesmo tempo, uma vitalização do
episcopado local210, muito embora precisando que este não se sustenta senão em comunhão
com o Pontífice Romano 211.
Na Igreja Particular, os bispos são ajudados, em seu ofício pastoral, por meio
daqueles que de seu sacerdócio se derivam, ou seja, o Presbítero e o Diácono. O primeiro é
participante do Sacerdócio de Cristo, embora em grau inferior, mas são ordenados para
exercerem juntamente com o seu bispo, o múnus de reger, santificar e de governar, em nome e
como representante de seu episcopo 212. O segundo é instituído para o serviço e é participante
da hierarquia 213.
Conforme a compreensão eclesiológica conciliar, é “ao presbitério como um todo e
não aos presbíteros separadamente, nem ao bispo isolado, que é confiado o pastoreio da Igreja
206
VATICANO II: Mensagens, Discursos, Documentos. Op. cit. p. 245.
Cf. LYONNET, S. A Colegialidade Episcopal e seus Fundamentos Escriturísticos. In: BARAÚNA, G. A
Igreja do Vaticano II. Op. cit. p. 821 ss.
208
Cf. HAJJAR, J. A Colegialidade Episcopal na Tradição Oriental. In: BARAÚNA, G. A Igreja do Vaticano II.
Op. cit. p. 839 ss. Também DEJAIFVE, G. A Colegialidade Episcopal na Tradição Latina. In: BARAÚNA, G. A
Igreja do Vaticano II. Op. cit. p. 860 ss. Cf. LG 22a.
209
Cf. RATZINGER, J. “Il primato di Pietro e l’unità della Chiesa”. In: La Chiesa, Cinisello Balsamo, 1991.
210
Cf. LG 23.
211
Cf. BETTI, Umberto. Relações entre o Papa e os outros membros do Colégio Episcopal. In: BARAÚNA, G.
A Igreja do Vaticano II. Op. cit. p. 789 ss. Cf. LG 22-3.
212
Cf. GIBLET, J. Os Sacerdotes da Segunda Ordem. In: BARAÚNA, G. A Igreja do Vaticano II. Op. cit. p.
899 ss. Cf. LG 28.
213
Cf. KERKVOORDE, A. Elementos para uma Teologia do Diaconato. In: BARAÚNA, G. A Igreja do
Vaticano II. Op. cit. p. 923 ss. Acerca do Diaconato Permanente, cf. WINNINGER, P. Os Ministérios dos
Diáconos na Igreja de Hoje Op. cit. p. 966 ss. Cf. LG 29.
207
77
particular”. Em vista dessa compreensão, as DGAP afirmam que “o ministério ordenado
necessita recuperar sua vivência colegial”, visto que a “forma individualista do exercício do
ministério ordenado é um dos principais entraves à realização de uma Igreja toda ela
responsável pela missão”. Essa advertência não se dirige a um bispo ou a um presbítero, mas
sim a todos 214.
Sendo o Papa o “princípio e fundamento visível da unidade, tanto dos bispos como
do conjunto dos bispos”
215
, e se cada bispo, “por sua vez, é princípio e fundamento da
unidade, em suas respectivas Igrejas particulares”, eles o são em função do Povo de Deus, do
qual, a sua maioria é formada por aqueles que foram incorporados em Cristo pelo Batismo e
são denominados Leigos. O Capítulo IV aborda a especificidade dos leigos de forma ad intra
e ad extra da Igreja e sua vocação secular própria, uma vez que o Capítulo II tratou do que é
comum ao Povo de Deus.
Muito embora tenha sido anteriormente definido de forma negativa, em
contraposição aos clérigos, ele é aqui definido de forma positiva. O parágrafo 31 oferece uma
descrição não ontológica acerca dos leigos, porém o faz sob a forma tipológica 216, segundo as
funções próprias que o leigo realiza ou pode realizar dentro do Corpo Místico. Dessa
descrição, haurem “os três elementos constitutivos do leigo: o fundamental, ou seja, a sua
pertença à Igreja pelo batismo; o negativo (e quase exclusivo antes do Vaticano II), o fato de
não ser ele clérigo; o positivo e descritivo, a sua relação peculiar com o mundo secular” 217.
Tendo como índole própria a secularidade, tem também a missão específica de
buscar o Reino de Deus nesse meio e fomentá-lo dentro das estruturas, como fermento na
massa, mediante o seu testemunho de vida, pela profissão pública de sua fé, pela caridade,
214
CNBB. DGAP 1991-1994. (Documentos da CNBB n. 45). São Paulo: Paulinas, 1991. n. 276. Cf. CNBB.
DGAE 1999-2002. (Documentos da CNBB n. 61). São Paulo: Paulinas, 1999. n. 326-335.
215
Cf. LG 23a.
216
Cf. SCHILLEBEECKX, E. A Definição Tipológica do Leigo Cristão conforme o Vaticano II. In:
BARAÚNA, G. A Igreja do Vaticano II. Op. cit. p. 981 ss.
217
PIÉ-NINOT, S. Introdução à Eclesiologia. Op. cit. p. 63.
78
pela esperança, a fim de santificá-lo
218
. No exercício dessa missão, unem de forma
“colegiada” à hierarquia219, a qual também tem a incumbência de evangelizar o mundo
secular, e exercer, com eficácia e eficiência, o seu múnus sacerdotal 220.
Tendo em vista a dimensão laical na ação missionária da Igreja, os Bispos do Brasil,
atendendo aos apelos de João Paulo II 221, procuraram, de forma sistemática, formar os leigos.
Neste aspecto, em 1991, foi criada a “Assembléia Nacional dos Organismos do Povo de
Deus”, possibilitando a participação mais efetiva dos leigos na elaboração das novas
Diretrizes (1991) 222.
2.2.2.3. A SANTIDADE COMO HORIZONTE COMUM A TODO O POVO DE
DEUS
O Capítulo V disserta acerca da Santidade como o horizonte comum de todos os
membros da Igreja e fundamento da comum dignidade. A santidade é comum para todos,
porque ela descende da própria Igreja que é Santa, seja na forma negativa da pureza e
ausência de pecado (santidade ontológica), seja na forma positiva de excelência na ordem
moral (santidade moral), haja vista o seu fundamento trinitário 223.
A Igreja irradia a santidade de seu Autor por meio de si mesma para todos os seus
filhos presentes nas “diversas profissões e formas de vida”
218
224
. Todos, de acordo com o
CHENU, M-D. Os Leigos e a “Consecratio Mundi” In: BARAÚNA, G. A Igreja do Vaticano II. Op. cit. p.
1001ss.
219
KOSER, C. Cooperação dos Leigos com a Hierarquia no Apostolado. In: BARAÚNA, G. A Igreja do
Vaticano II. Op. cit. p. 1018ss. Também GOZZINI, M. As Relações entre os Leigos e a Hierarquia. In:
BARAÚNA, G. A Igreja do Vaticano II. Op. cit. p. 1036ss.
220
Cf. LG 31-8.
221
Mensagem ao Episcopado Brasileiro, 1986, n 3. João Paulo II dizia que “uma prioridade importante e
inadiável seja a de formar leigos. Formar leigos significa favorecer-lhes a aquisição de verdadeira competência e
habilitação no campo em que devem atuar; mas significa, sobretudo, educá-los na fé e no conhecimento da
doutrina da Igreja naquele campo”. CNBB. DGAE 1991-1994. (Documentos da CNBB n. 45). São Paulo:
Paulinas, 1999. n. 272.
222
CNBB. DGAE 1999-2002. (Documentos da CNBB n. 61). São Paulo: Paulinas, 1999. n. 55; 297-318.
223
Cf. LG 39.
224
Cf. LG 40-1.
79
Concílio, “são chamados e obrigados a buscar a perfeição do próprio estado de vida”
225
, em
vista de uma sociedade mais justa e fraterna, certos de que “a santidade promove uma
crescente humanização” 226.
Os Religiosos são, no mundo, a expressão salutar de busca de santidade. Por meio
dos conselhos evangélicos de Pobreza, Obediência e Castidade, a Vida Religiosa é sinal
227
antecipado do que todos serão na eternidade, uma vez que
imita e representa para sempre na Igreja, de maneira mais direta, a forma adotada
pelo Filho de Deus quando veio ao mundo (...) Manifesta, de maneira toda especial,
as supremas exigências do Reino de Deus, que está acima de todas as coisas
terrestres. Demonstra, enfim, a todos os homens, a força superior do Reino de
Cristo e o poder infinito do Espírito Santo, que atua admiravelmente na Igreja 228.
A Vida Religiosa não constitui um elo intermediário entre a hierarquia e os leigos.
São fiéis de ambas as condições e, embora não se constituem como membros da estrutura
hierárquica, assim como os leigos, fazem parte da sua vida e de sua estrutura
229
, e são
também co-responsáveis pela atividade missionária da Igreja como um todo. “No que se
refere à evangelização, os religiosos e religiosas do Brasil, nos últimos anos, redescobrem sua
225
Cf. LG 42.
Cf. LG 40. Cf. LABOURDETTE, Michel. A Santidade, Vocação de todos os membros da Igreja. In:
BARAÚNA, G. A Igreja do Vaticano II. Op. cit. p. 1057 ss.
227
Cf. SCHULTE, R. A Vida Religiosa como Sinal. In: BARAÚNA, G. A Igreja do Vaticano II. Op. cit. p.
1085ss.
228
Cf. LG 44.
229
Cf. LG 44. Também DANIÉLOU, J. O Lugar dos Religiosos na Estrutura da Igreja. In: BARAÚNA, G. A
Igreja do Vaticano II. Op. cit. p. 1117ss.
226
80
dimensão eclesial, através da inserção nas Igrejas particulares, num crescente compromisso
com a pastoral de conjunto” 230.
2.2.3. O EIXO ESCATOLÓGICO: A TRINDADE COMO FIM
Sendo a Trindade a origem da Igreja, Ela o é também a sua meta, uma vez que no
exercício terreno de sua missão, a Igreja a torna visível em sua estrutura visível por meio de
seus membros, os quais constituem o Povo de Deus. Dessa forma, o Concílio expressa a
tensão a que a Igreja vive em sua existência, ou seja, de ser portadora da plenitude da graça,
muito embora caminhe para ela 231. A Igreja acolhe esse dom recebido, mas corre em direção
de sua plenificação. É a tensão do “já”, mas “ainda não”, como se expressam os Padres
conciliares:
A renovação prometida que esperamos já começou em Cristo. Continua na missão
do Espírito Santo e, por seu intermédio, na Igreja em que apreendemos, na fé, o
sentido de nossa vida temporal, nos fixamos na esperança dos bens futuros,
construímos a obra que nos foi confiada pelo Pai neste mundo, alcançando nosso
fim e realizando nossa salvação (Fl 2, 12) 232.
Conforme o teólogo Bruno Forte, desse “estar em tensão entre o ‘já’ e o ‘ainda não’
derivam três conseqüências para a representação e para a vida da Igreja”
233
. A primeira se
percebe pelo apelo à “Pátria”, a sua origem, ao seio novamente da Trindade que, “ainda não”
contempla em plenitude. Nesse anseio da Igreja de volta para a “Casa do Pai”, ela percebe a
frugalidade das coisas terrenas e se coloca nas esteiras de sua Cabeça, tendo como testemunho
230
CNBB. DGAP 1991-1994. (Documentos da CNBB n. 45). São Paulo: Paulinas, 1991. n. 283. Cf. Carta aos
Religiosos e Religiosas da América Latina, 1990, 24-29. CNBB. DGAE 1999-2002. (Documentos da CNBB n.
61). São Paulo: Paulinas, 1999. n. 319-322.
231
Cf. DV 8.
232
Cf. LG 48.
233
FORTE, B. A Igreja Ícone da Trindade: breve eclesiologia. Op. cit. p. 66.
81
eloqüente para o mundo, a mesma Pobreza exercida e testemunhada pelo próprio Cristo 234. A
própria Igreja “descobre que não é um absoluto, mas um instrumento; não um fim, mas um
meio; não ‘domina’, mas serva”
235
. Ela se percebe como peregrina rumo à união celeste,
como o próprio título do Capítulo VII anuncia. Diante da Trindade, como horizonte, tudo é
relativo.
Uma vez que a Igreja se percebe como peregrina, não elimina o mundo de sua ação
missional. Essa é a segunda conseqüência. Contrariamente, ela se coloca em marcha, como
Povo de Deus, no firme propósito de instaurar o Reino de Deus, do qual é “germe e
princípio” 236 neste mundo, tornando-se a sua consciência crítica, a fim de gerar novos céus e
nova terra em meio às estruturas terrestres 237.
Com a certeza de que caminha para o Pai, a Igreja se enche de alegria e de
esperança 238, muito embora presencie tribulações e perseguições de toda ordem 239. Contudo,
contempla o seu fim, na pessoa da Bem-Aventurada Virgem Maria, pois ela é membro
“supereminente da Igreja e de todo singular” é o “tipo” da comunidade eclesial, virgem e mãe.
Como ela, “crendo e obedecendo,... gerou na terra o próprio Filho do Pai, sem conhecer
varão, coberta pela sombra do Espírito Santo”
240
, assim a Igreja, “mediante a Palavra de
Deus recebida na fé, torna-se também ela mãe. Pois pela pregação e pelo batismo, ela gera
para a vida nova e imortal os filhos concebidos do Espírito Santo e nascidos de Deus. Ela é
também a virgem que, íntegra e puramente, guarda a palavra dada pelo Esposo” 241.
Como Maria, que “avançou em peregrinação de fé e manteve fielmente sua união
com o Filho de Deus até a sua cruz”
234
242
, a Igreja, peregrina na fé e na esperança, eleva o seu
Cf. LG 8d.
FORTE, B. A Igreja Ícone da Trindade: breve eclesiologia. Op. cit. p. 66.
236
Cf. LG 5.
237
Cf. LG 48.
238
Cf. GS 1.
239
Cf. LG 8.
240
Cf. LG 53.
241
Cf. LG 64.
242
Cf. LG 58.
235
82
cântico de louvor ao Senhor pelas maravilhas que ele “já” realizou nela (cf Lc 1,46ss). Na
comunhão dos santos, em Cristo, Maria “cuida dos irmãos do seu Filho, que ainda peregrinam
rodeados de perigos e dificuldades, até que sejam conduzidos à feliz Pátria” 243.
A Igreja, nascida da Trindade, manifesta-A ao mundo e já vive, de forma antecipada,
o que na glória viverá em plenitude. A Igreja tem consciência de que não peregrina sozinha
nesse mundo, mas está associada à Igreja Triunfante,
particularmente notável na sagrada liturgia, em que o Espírito Santo age sobre nós
através dos sinais sacramentais; em que concelebramos com a Igreja do céu,
glorificamos juntos a majestade divina e em que todos os remidos pelo sangue de
Cristo, de todas as tribos, línguas e povos (cf. Ap 5,9), congregados numa única
Igreja, cantam louvor a Deus Uno e Trino. Essa união com o culto da Igreja
celestial atinge seu ponto máximo na celebração do sacrifício eucarístico em que
comungamos com ela e veneramos a memória, em primeiro lugar, de Maria,
sempre virgem, de São José, dos santos apóstolos, dos mártires e de todos os
santos244.
2.2.4. COMUNHÃO E MISSÃO: UM PERFIL ECLESIOLÓGICO
Após a exposição das partes constituintes do Povo de Deus, ou seja, da Igreja,
podemos nos interrogar: que perfil eclesiológico se pode auferir dessa estrutura visível,
formada pela hierarquia e leigos e, conseqüentemente, pela vida religiosa pertencentes a
ambas? No que concerne a sua índole mistérica, sacramental e Trinitária, podemos perfilar um
perfil eclesiológico fundado na Comunhão e na Missão. Esses dois princípios não serão
243
244
Cf. LG 62.
Cf. LG 50.
83
abordados como distintos, mas como complementares, constituindo, assim, uma só realidade,
um único perfil, ou seja, uma eclesiologia de comunhão e missão. Contudo, por questão
metodológica, serão apresentados separadamente.
O primeiro é o princípio de comunhão245, no qual se torna visível ao mundo a
presença da Igreja como “sacramento de salvação”. Esse princípio revela-se como chave para
a compreensão da Igreja em relação a Cristo, “mostrando-se, igualmente, como o processo
essencial de existência da Igreja e da existência na Igreja, enquanto sua missão de ser luz e
alma do mundo se constitui em um verdadeiro programa permanente para os cristãos” 246.
Em Carta aos Bispos, a Congregação para a Doutrina da fé explicita que:
O conceito de comunhão está ‘no coração da autoconsciência da Igreja’, enquanto
Mistério da união pessoal de cada homem com a Trindade divina e com os outros
homens, iniciada na fé, e orientada para a plenitude escatológica na Igreja celeste,
embora sendo já desde o início uma realidade na Igreja sobre a terra. Para que o
conceito de comunhão, que não é unívoco, possa servir como chave interpretativa
da eclesiologia, deve ser entendido no contexto dos ensinamentos bíblicos e da
tradição patrística, nos quais a comunhão implica sempre uma dupla dimensão:
vertical (comunhão com Deus) e horizontal (comunhão entre os homens). É
essencial à visão cristã da comunhão reconhecê-la, antes do mais, como dom de
Deus, como fruto da iniciativa divina cumprida no mistério pascal. A nova relação
entre o homem e Deus, estabelecida em Cristo e comunicada nos sacramentos,
expande-se ainda a uma nova relação dos homens entre si. Conseqüentemente, o
245
Cf. MIRANDA, A. U. de. A Eclesiologia de comunhão em J.-R. Tilliard. Tese (doutorado). Belo Horizonte,
Faculdade de Teologia do CES-ISI, 2002. Também RIGAL, J. L’ecclésiologie de communion: son évolution
historique et sés fondemensts. Paris, Cerf, 1997.392. MONDIN, B. As Novas Eclesiologias. Op. cit. p. 68-94.
CONGAR, Y. Esquisses du mystère de l´Église communion. Paris: Du Cerf, 1941. MInistères et communion
ecclésiale, Paris: Du Cerf, 1971. Diversités et communion, Paris: Du Cerf, 1984. TILLARD, J-M. R., Église
d´Églises. L´ecclésiologie de communion. Paris: Du Cerf, 1987. Chair de l´Église, chair du Christ. Aux sources
de l´ecclésiologie de communion. Paris: Du Cerf,1992. L´Église locale. Ecclésiologie de communion et
catholicité. Paris: Du Cerf, 1995.
246
HACKMANN, G. L.B. A Igreja, mistério de comunhão e as exigências da evangelização do mundo. In:
Teocomunicação, Porto Alegre, v. 35, n. 147, p. 16, [março] 2005.
84
conceito de comunhão deve ser também capaz de exprimir a natureza sacramental
da Igreja enquanto estamos ‘longe do Senhor’, assim como a peculiar unidade que
faz dos fiéis os membros de um mesmo Corpo, o Corpo místico de Cristo, uma
comunidade organicamente estruturada, ‘um povo congregado na unidade do Pai,
do Filho e do Espírito Santo’ e dotado ainda com os meios adequados à união
visível e social 247.
Neste ínterim, o princípio de comunhão, não é delineado, de forma explícita pelo
Concílio, como demonstra o seu conteúdo
248
. Contudo, ele pode ser abstraído na fórmula
eclesiológica da Lumen gentium, 23a: “E os Bispos, individualmente, são o princípio visível e
o fundamento da unidade em suas Igrejas Particulares, formadas à imagem da Igreja
Universal una e única”. Salvador Pie-Ninot percebe, nessa afirmação conciliar, a conjugação
entre a Eclesiologia de comunhão do primeiro milênio e a Eclesiologia jurídica da unidade do
segundo milênio e bem explicitada na expressão communio hierarchia 249, “com a qual se liga
o ministério episcopal à Igreja Universal, concretamente com o Papa e o Colégio
episcopal”250.
Concretamente, a eclesiologia de comunhão só foi priorizada como a mais
característica e fundamental do Concílio Vaticano II, somente a partir do ano 1985, por
ocasião do Sínodo Extraordinário dos Bispos.
A Eclesiologia de comunhão é a idéia central e fundamental dos documentos do
Concílio. koinonía-comunhão, fundada na Sagrada Escritura, é tida em grande
247
CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA FÉ. Carta aos Bispos da Igreja Católica sobre alguns
aspectos da Igreja entendida como comunhão. 1992. São Paulo: Paulinas, 1992. n. 3.
248
Cf. os textos da LG 4; 8; 13; 15; 18; 21; 24; também da DV 10; GS 32; UR 2-4; 14s, 17-19; 22.
249
Cf. PIÉ-NINOT, Salvador. Introdução à Eclesiologia. Op. cit. p.31.
250
LG 22.
85
honra na Igreja antiga e nas Igrejas orientais até nossos dias. Por isso, muito se tem
feito desde o Concílio Vaticano II para que a Igreja como comunhão seja entendida
de maneira mais clara e traduzida de modo mais concreto na vida 251.
A eclesiologia de comunhão não pode, conforme o Sínodo dos Bispos, “se reduzir a
meras questões de organização ou a questões que se referem a meros poderes”. Ela é, antes de
tudo, “o fundamento da ordem na Igreja e, em primeiro lugar, da reta relação entre a unidade
e pluriformidade na Igreja”
252
. Esta pluriformidade não pode ser confundida com o
pluralismo, visto que este, “de posições fundamentalmente opostas, leva à dissolução, à
destruição e à perda de identidade”. A Pluriformidade deve ser entendida como aquela
“verdadeira riqueza -que- traz consigo a plenitude, ela é a verdadeira catolicidade” 253.
Para a Igreja, entendida como comunhão, nutre-se um saudável e legítimo
relacionamento de todo o Povo de Deus que, embora distinto pela diversidade de carismas e
ministérios e também pela própria vocação, está ontologicamente unido pela mesma
dignidade batismal e pelo mesmo Deus. Assim, todos caminham para o mesmo fim
expressando de forma visível no mundo, aquela comunhão própria da Trindade, haja vista
que, todos nós nascemos Dela e viemos para Ela.
Da eclesiologia de Comunhão nasce, como conseqüência, a Missão como
desmembramento da mesma e única missão do Filho e do Espírito Santo
254
. A Igreja é
missão, na medida em que se revela como comunhão e é comunhão, na medida em que realiza
a sua missão. Dessa mesma forma, todo o Povo de Deus é incumbido de realizar, cada qual a
251
ASSEMBLÉIA GERAL EXTRAORDINÁRIA DO SÍNODO DOS BISPOS -1985. 2º ed., São Paulo:
Paulinas. 1986. Relatio Finalis, ponto II, letra c, n. 1. p. 43-44.
252
ASSEMBLÉIA GERAL EXTRAORDINÁRIA DO SÍNODO DOS BISPOS -1985. 2º ed., São Paulo:
Paulinas. 1986. Relatio Finalis, ponto II, letra c, n. 2. p. 44.
253
ASSEMBLÉIA GERAL EXTRAORDINÁRIA DO SÍNODO DOS BISPOS -1985. 2º ed., São Paulo:
Paulinas. 1986. Relatio Finalis, ponto II, letra c, n. 2. p. 45.
254
AG 5.
86
seu modo e segundo o seu ministério e carisma, a missão da Igreja, confiada por Jesus
Cristo 255.
A relação entre Igreja e Missão é ontológica, visto que, conforme o decreto Ad
gentes “a Igreja peregrina é por sua natureza missionária” 256. A eclesiologia de comunhão é o
escopo teológico para a definição da missão da Igreja, tanto que a famosa expressão
“communio ecclesiarum” é utilizado pela primeira e única vez pelo Vaticano II no Decreto
Ad gentes
257
. Essa comunhão de Igrejas é, no seu Capítulo III, sublinhado que a missão de
uma Igreja local não termina quando esta está finalmente “implantada”, pois “deve a Igreja
particular representar, do modo mais perfeito possível, a Igreja universal. Em vista disso,
considere seriamente que também foi enviada”. Antes, aí se afirma que “convém que essas
Igrejas novas, mesmo que sofram escassez de clero, o mais cedo possível cooperem com a
missão universal da Igreja, enviando elas mesmas missionários que anunciem o Evangelho
por toda a Terra” 258.
Da eclesiologia de comunhão abrem-se novas perspectivas no que se refere à missão
e no que tange às igrejas particulares, pois elas “se revelam capazes de favorecer esse
sentimento de comunhão com a Igreja universal”, uma vez que deve “permanecer íntima a
comunhão das novéis Igrejas com a Igreja toda”
259
. Dessa forma, o princípio “commnio
ecclesiarum” põe todas as Igrejas, mesmo as mais jovens, num mesmo plano, levando em
conta a comunhão com o centro de unidade que é a Igreja de Roma 260.
Destarte, o fim da missão da Igreja é apresentado de forma relacional com a
dimensão cristocêntrica, eclesiológica e escatológica, num dos textos mais profundos do
255
Cf. ASSEMBLÉIA GERAL EXTRAORDINÁRIA DO SÍNODO DOS BISPOS -1985. 2º ed., São Paulo:
Paulinas. 1986. Relatio Finalis, ponto II, letra c, n. 1-8 e letra d, n.1-7. p. 43-56. Também, CALIMAN, CL.
Igreja, povo de Deus, sujeito da comunhão e da missão. Tese (doutorado). Belo Horizonte, Faculdade de
Teologia do CES-ISI, 2001.
256
AG 2.
257
AG 38.
258
AG 20.
259
AG 19.
260
AG 22.
87
Concílio que diz: “A atividade missionária é nada mais nada menos que a manifestação ou
epifania do plano divino e seu cumprimento no mundo e em sua história. É nela que Deus
realiza publicamente a história da salvação, pela missão”
261
. A partir desta afirmação, fica
perceptível a funcionalidade da Igreja como Sacramento de Salvação e também de sua
inserção histórica
262
no mundo a fim de que todos possam chegar ao conhecimento do
Evangelho. Assim, a sua “atividade missionária hoje como sempre conserva íntegra sua força
e necessidade” 263.
A partir desses dois princípios eclesiológicos, poderemos constatar a melhor
funcionalidade ministerial do Povo de Deus e de forma real, tornar a Igreja nascida da
Trindade em Igreja que resplandece a comunhão e a missão da Trindade no mundo, como
continuidade da ação Trinitária na economia da salvação. Neste sentido, a eclesiologia
dogmática presente na Lumen gentium faz necessário “coabitar-se” com os fundamentos
práticos, pastorais presentes na Gaudium et spes 264, a fim de que a Igreja realize a sua missão
de ser germinadora do Reino de Deus, em meio às diversidades do mundo.
Nesse aspecto, a Igreja no Brasil procurou aplicar de forma metodológica, as
exigências do Concílio por meio da elaboração, durante a última sessão do Concílio, das
chamadas “seis dimensões” ou “seis linhas” que “constitui o quadro de referência geral da
261
AG 9.
Conforme o n. 9 da LG, a Igreja “entra na história dos homens e simultaneamente transcende os tempos e os
limites dos povos”. Revela-se aqui a tensão entre Igreja imanente e transcendente. Assim como Cristo “entrou
na história humana” (AD 3a) a igreja também deve “encarnar-se”, “Inserir-se na humanidade” (GS 11c) a fim de
ajudar os homens no esforço de tornar mais humana a família dos homens e sua história, uma vez que comunga
da mesma sorte (GS 40c). Contudo, ela deve ultrapassar os tempos e os limites dos povos (LG 9c), pois, por seu
caráter Transcendente, “não esta ligada de maneira exclusiva e Indissolúvel a nenhuma raça ou nação, a
nenhuma forma particular de costumes e a nenhum habito antigo ou recente. Fiel à própria Tradição e
simultaneamente consciente de sua missão universal, ela pode entrar em comunhão com as diversas formas de
cultura” (GS 58c).
263
AG 7.
264
ALMEIDA, A. J. Lumen gentium: a transição necessária. Op. cit. p.161-177. O teólogo Medard Kehl
descreve que a “imagem formulada neste Concílio (sobretudo nas grandes constituições Lumen gentium e
Gaudium et spes) une de maneira autentica os conteúdos essenciais das afirmações bíblicas sobre a Igreja com o
amplo leque de tradição interpretativa eclesial, de modo particular da patrística”. Cf. A Igreja: uma eclesiologia
católica. Loyola: op. cit. p. 45. ASSEMBLÉIA GERAL EXTRAORDINÁRIA DO SÍNODO DOS BISPOS 1985. 2º ed., São Paulo: Paulinas. 1986. Relatio Finalis, ponto II, letra d, n. 1-7. p. 50-56.
262
88
Ação Pastoral da Igreja no Brasil em todos os níveis”
265
. Estas “seis Dimensões” ou “seis
Linhas” 266.
constituem, desta forma, um Esquema interpretativo dos vários aspectos da missão,
sem esgotar o mistério da Igreja. Exprimem, de maneira funcional e prática, tanto a
inserção da Igreja na diversidade de situações, quanto a unidade da missão na
variedade das vocações e tarefas 267.
265
CNBB. DGAP 1987-1990. (Documentos da CNBB n. 38). São Paulo: Paulinas, 1987. n. 146. CNBB. DGAP
1991-1994. (Documentos da CNBB n. 45). São Paulo: Paulinas, 1991. n. 68.
266
“As seis linhas ou dimensões têm seu amplo quadro teológico de referencia no Concílio e na sua acolhida na
Igreja do Brasil. Segundo o mesmo Concílio, a Igreja deve viver o mistério de Deus a nós revelado como
‘comunhão’, ao mesmo tempo una e pluriforme, na diversidade de vocações e ministérios (Lumen gentium linha 1). Deve alimentar-se da Palavra de Deus Dei Verbum - linha 3) e da Sagrada Liturgia Sacrosanctum
Concilium – linha 4). Assim vivendo e se alimentado, ela acolhe a missão (Ad Gentes – linha 2), busca uma
comunhão cada vez mais ampla com os demais cristãos e com outras religiões (Unitatis Redintegratio – diálogo
ecumênico; Nostra Aetate – diálogo religioso: linha 5) e se coloca a serviço do mundo (Gaudium et Spes - linha
6)”. Cf. CNBB. DGAE 1995-1998. (Documentos da CNBB n. 54). São Paulo: Paulinas, 1995. n. 71. CNBB.
DGAE 1999-2002. (Documentos da CNBB n. 61). São Paulo: Paulinas, 1999. n. 37-8.
267
CNBB. DGAP 1991-1994. (Documentos da CNBB n. 45). São Paulo: Paulinas, 1991. n. 66.
89
CONCLUSÃO
Após essas páginas, pode-se perceber que o Concílio Ecumênico Vaticano II foi um
Concílio eclesiológico, do qual se pode extrair toda a riqueza de variedade para o agir
pastoral, subseqüente ao seu término. O Concílio não definiu a Igreja, mas descreveu-a sob
imagens bíblicas, ressaltando todo o seu esplendor, a fim de dinamizá-la e não estatizá-la
numa roupagem fria e caduca.
O perfil eclesiológico de comunhão e missão, que de seus documentos podemos
auferir, principalmente da constituição Lumen gentium, foi, em toda a parte do mundo,
aplicado a fim de se conformar com a nova proposta eclesial.
Na América Latina, toda a riqueza, seja eclesiológica ou missiológica do Concílio,
foi, por meio das Conferências Episcopais, refletida, estudada e amadurecida ao longo dos
anos e codificada em planos, seja em âmbito latino americano, a partir de Medellín, seja em
âmbito nacional, a partir do Plano de Pastoral de Conjunto e das Diretrizes Gerais da Ação
Pastoral e das Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora.
No próximo Capítulo, nossa tarefa se circunscreve a descrever de forma concatenada
a caminhada eclesial da Igreja que está no Brasil, perfazendo o seu itinerário histórico de
aplicação das exigências do Concílio até a formulação de suas Diretrizes Gerais da Ação
Evangelizadora (1999-2002), tendo como substrato histórico, as Conferências do Episcopado
Latino-Americano – CELAM.
90
CAPÍTULO II
A IGREJA DO BRASIL E SUA CONSTRUÇÃO PASTORAL A PARTIR DO
CONCÍLIO VATICANO II: UMA ANÁLISE HISTÓRICA
91
INTRODUÇÃO
A vida e o planejamento pastoral da Igreja no Brasil estão marcados por tempos
evolutivos, de acordo com a realidade histórica vigente em cada período. Sendo assim, nosso
trabalho abordará, de forma metodológica, essa evolução abarcada em quatro grandes blocos.
A análise que desses blocos se desprenderá será descritiva, uma vez que, no terceiro Capítulo
de nossa dissertação, procurar-se-á analisar esta evolução elucidando o seu caráter
eclesiológico, próprio de cada período.
Ademais, por razões ainda metodológicas, não nos prenderemos, nessa pesquisa, a
uma análise pormenorizada dos acontecimentos sociais próprios de cada período. Contudo,
quando da parte central de nosso trabalho, ou seja, os anos entre 1991 a 2002, este corte
cessará e procurar-se-á aprofundá-los a partir das Atas das Assembléias Gerais para melhor
compreensão das mudanças em nossas Diretrizes (doc. 45 para o 54), que não são meramente
de nomenclatura, mas, antes de tudo, de perfil eclesiológico.
Os blocos aqui apresentados o são conforme disposição própria. O primeiro bloco
visa discorrer sobre os primórdios do planejamento pastoral da Igreja no Brasil, fatos e
movimentos que antecederam e prepararam o advento do PE. O segundo concentrou-se mais
na apreciação do que aqui é denominado como formação da Identidade eclesial. Fala-se do PE
e conseqüentemente do PPC como aplicação clara e precisa do Concílio Vaticano II. A
divisão por década daqui por diante, tem como objetivo visibilizar a caminhada do
Planejamento Pastoral segundo a luz das grandes Conferências episcopais, Medellín, na
92
década de 60 e de Puebla, na década de 70. A Igreja do Brasil é profundamente marcada pela
sua atuação social.
Os dois últimos blocos dissertam acerca da crise desta identidade devido ao Projeto
hegemônico que, a partir do pontificado de João Paulo II, começou a ser instaurado pelo
mundo todo. Tem-se, nesse período, a grande crise da Igreja do Brasil, principalmente no que
tange às CEBs e, de modo particular, à Teologia da Libertação. No quarto bloco, após ter-se
discorrido sobre a evolução das Diretrizes, chega-se ao centro polarizador desse conflito: a
mudança de orientação de suas Diretrizes, passando de “Ação Pastoral” para “Ação
Evangelizadora”. Nesse período, animada pelo impulso de preparar o novo milênio, a Igreja
se lança novamente à confecção de Projetos também Hegemônicos para todo o seu território
eclesial, como o Projeto Rumo ao Novo Milênio – PRNM (1996-2000) e o Projeto Ser Igreja
no Novo Milênio – SINM (2000-2002).
93
1. OS PRIMÓRDIOS DO PLANEJAMENTO PASTORAL NO BRASIL: OS
ANTECEDENTES DO PLANO DE EMERGÊNCIA -1899 - 1962
O germe da vida pastoral da Igreja no Brasil deve-se à elaboração do Plano de
Emergência (PE) que, de per si, constituiu-se um marco “por sua função pioneira e
importância histórica na eclosão da fase criativamente mais rica de nossas Igrejas particulares;
por ter sido ele o impulsionador da reforma da CNBB e a raiz dos planos pastorais sucessivos,
teológica e tecnicamente mais bem elaborados” 268. De certo, ele não nasceu de repente, pelo
acaso, mas é fruto de uma longa, rica e complexa experiência, muito embora marcada pela
improvisação e pela desarticulação no que tange a sua universalidade territorial 269.
Até 1962, data do PE, a vida e a organização pastoral da Igreja no Brasil,
propriamente iniciada com o fim do Padroado270, podem ser demarcadas por meio de vários e
importantes eventos os quais, historicamente, colaboraram para a criação de um plano de
pastoral mais articulado.
Contudo, antes de nos atermos a eles, é importante ressaltar, em sintonia com
Queiroga, que nossa análise não visa ser um “processo condenatório de pessoas e instituições,
pois os aspectos que sublinharemos têm sua razão histórica de ser e seria anacronismo
268
QUEIROGA, Gervásio Fernandes de. CNBB: comunhão e corresponsabilidade. São Paulo: Paulinas, 1977. p.
323.
269
Cf. Ib. p. 324.
270
O Texto-projeto do decreto n. 119A é de autoria de Rui Barbosa, conforme ele mesmo declarou, tendo sido
rejeitado o do Ministro Demétrio Ribeiro. Cf. BARBOSA, M., A Igreja no Brasil, Notas para a sua história, Rio
de Janeiro: A Noite, 1945, p. 290s.
94
impiedoso julgar atitudes e fatos passados apenas com o gabarito do presente”
271
, e também
porque esses acontecimentos não são exclusivos do Brasil e
nem poderiam ser atribuídos univocamente a todos e em todas as partes, uma vez
que nosso país não é no plano temporal nem no espiritual um todo homogêneo. Por
isso seria ilegítimo imaginar que todos, no passado, pensavam ou agiam
pastoralmente de modo exclusivo, conforme as tendências que podemos hoje
discernir 272.
Com estas ressalvas, queremos eliminar de nossa pesquisa toda e qualquer forma de
subjetivismo e realçar concomitantemente o seu caráter objetivo, fruto, conseqüentemente, de
nosso alicerce bibliográfico.
Esses acontecimentos podem ser divididos em dois blocos: O primeiro, denominado
período de transição entre o relacionamento da Igreja com o Estado que intercorre desde 1899
a 1945. Muitas foram as iniciativas desse período, porém, apresentaremos apenas algumas por
razão de serem estas, segundo o nosso juízo, as mais contundentes para a elaboração e
amadurecimento de um plano de pastoral mais articulado e eficiente para a realidade eclesial
brasileira. De imediato, têm-se as Pastorais Coletivas, a realização do primeiro Concílio
Nacional Brasileiro em 1939, a Associação de Educação Católica em 1945, além de muitos
271
272
QUEIROGA, Gervásio Fernandes de. CNBB: comunhão e corresponsabilidade. Op. cit. p. 325.
Ib. p. 325.
95
outros 273.
Um segundo bloco, que intercorre de 1946 a 1962, e nos dizeres do Pe. Gervásio
Fernandes Queiroga, “é marcado por uma tendência cada vez mais vasta de encontros de
pessoas que trabalham num mesmo setor. É uma época de numerosos encontros, reuniões ou
congressos, em nível nacional ou regional”
274
. Em conseqüência desse contexto, afirma
Queiroga, fruto “desses encontros foi às vezes a união das forças apostólicas, formando
associações” 275.
Destaca-se, nesse período, a implantação da Ação Católica Brasileira, oficialmente
fundada em solo brasileiro, em 1932, e, especializada, a partir de 1950, o nascimento da
CNBB em 1952 e da CRB em 1954, o Movimento de Natal e o movimento de Educação de
273
Cf. Para uma compreensão mais aprofundada desse período apresentamos dois artigos: BEOZZO, J. O. Igreja
no Brasil: Planejamento Pastoral em Questão. In: REB, Petrópolis, v. 42, n. 167, p. 465-472, [setembro] 1982.
Também PIVA, E. D. Transição Republicana: Desafios e chance para a Igreja I. In: REB, Petrópolis, v. 49, n.
195, p. 620-639, [setembro] 1989. Ib. Transição Republicana: Desafios e chance para a Igreja II. In: REB,
Petrópolis, v. 50, n. 198, p. 415-532, [junho] 1990. BARROS, R.C. Gênese e consolidação da CNBB no
contexto de uma Igreja em plena renovação. In: INSTITUTO NACIONAL DE PASTORAL (Org.). Presença
Pública da Igreja no Brasil (1952-2002): Jubileu de ouro da CNBB. Op. cit. p. 13-25. Para uma compreensão do
conteúdo da Pastoral Coletiva e sua eclesiologia de fundo, cf. Pastoral coletiva do Episcopado Paulista, In: REB,
Petrópolis, v. 1, p. 299-306, [março-junho] 1941. Da mesma forma, no que tange o Concílio Plenário Brasileiro,
cf. SANTINI, C. O Concílio Plenário Brasileiro, In: REB, Petrópolis, v. 1, n. 1, p. 15-33, [março-junho] 1941.
NABUCO, J. O Direito Litúrgico no Concílio Plenário Brasileiro, In: REB, Petrópolis, v. 1, N. 1, p. 113-122,
[março-junho] 1941. KELLER, T. Proíbe o Concílio Plenário Brasileiro a missa dialogada? In: REB, Petrópolis,
v. 3, n. 1, p. 545-551, [setembro] 1941.
274
QUEIROGA, G. F. CNBB. Comunhão e corresponsabilidade. Op. cit. p. 330. O autor elenca na nota de
rodapé n. 8 os seguintes encontros e congressos havidos entre 1946 e 1962.
• Semanas teológicas nacionais: realizadas oito, entre 1950 e 1961: cf. REB 10 (1950) 1-296; REB 11
(1951) 1-223; REB 13 (1953) 237-238; REB 14 (1954) 120-122; REB 15 (1955) 220-221; REB 17
(1957) 220-221; REB 20 (1960) 674-675; REB 21 (1961) 207-210.
• Realizaram-se quatro semanas bíblicas nacionais: cf. REB 7 (1947) 212-214; REB 19 (1959) 723-724.
• Dois congressos nacionais de vocações sacerdotais: em Salvador, em 1949: cf. REB 9 (1949) 933-937;
em São Paulo, em 1956: cf. REB 17 (1957) 107.
• Muitas reuniões ou cursos para superiores de seminários: cf. REB 8 (1948) 206-209; REB 14 (1954)
791-793; REB 17 (1957) 972-979; REB 18 (1958) 447-453; REB 21 (1961) 210-215; REB 22 (1962)
236-239.
• Encontros nacionais sobre catequese: cf. REB 10 (1950) 749-752; RCRB 5 (1959) 315-317; REB 19
(1959) 202.
• Encontro de Diários e Seminários Católicos: cf. REB 21 (1961) 497-498; RCRB 7 (1961) 318.
• Encontro de editores católicos: cf. REB 21 (1961) 499. RCRB 7 (1961) 317-318.
275
Ibid. Também em sua nota de rodapé n. 9, o autor apresenta uma série de fundações deste período, v.g.:
• Liga de Estudos Bíblicos: cf. REB 7 (1947) 212-214.
• Sociedade Brasileira de Arte Sacra: cf. REB 7 (1947) 214-215.
• Associação Brasileira de Escolas Superiores Católicas: cf. REB 19 (1959) 643-647.
• Centro Catequético Nacional: cf. REB 19 (1959) 202.
• União Nacional Católica de Imprensa: cf. REB 21 (1961) 497-498.
• Associação para Editores Católicos: cf. REB 21 (1961) 499.
96
Base ou as chamadas escolas radiofônicas em 1958. Por fim, o Movimento por um Mundo
Melhor, cuja gênese em Roma deu-se no ano de 1954 e, no Brasil, quatro anos mais tarde, em
1960.
Dissertaremos acerca desses quatro movimentos e dessas duas Conferências, por
serem marcos na evolução da caminhada pastoral da Igreja no Brasil e, ao mesmo tempo,
antecipadores de muitas afirmações conciliares. Nossa preferência por esses e não por outros,
são meramente por razões metodológicas e, com isso, não queremos afirmar a sua
infertilidade; porém, estes, como nos dizeres de Queiroga, “nos parecem decisivos nesta
evolução, antes do PE” 276.
1.1. AÇÃO CATÓLICA BRASILEIRA
A Ação Católica tem sua origem na Itália, durante o pontificado do Papa Pio XI, que
se iniciou em 1922 e encerrou-se em 1939. Pio XI, com grande sabedoria e apostolicidade,
estimulou a inserção dos católicos leigos nas realidades e ações sociais ligadas aos princípios
Religiosos 277.
No Brasil, a “Ação Católica” conheceu vários momentos. De 1932 a 1935, a ACB
tem-se sua inserção na realidade eclesial brasileira. É um período de organização, que tem em
D. Sebastião Leme, no episcopado, e Amoroso Lima, no laicato, os seus representantes
capitais. Entre os anos de 1935 a 1945, a ACB se estruturou segundo o modelo italiano, que
se apresentava com quatro ramificações, a saber: “homens da Ação Católica, com idade de
276
Ib. p. 330.
“’A 13 de novembro de 1927 recebia Pio XI o barnabita Felizari, Pároco de S. Carlos em Roma, com as
delegações das associações que encerravam o primeiro congresso paroquial. Com vivo interesse acompanhou o
Papa os trabalhos do Congresso. ‘O que mais me satisfaz – disse o Papa – é ver a animação que reina na obra
chamada Ação Católica. Por meio dela, nós, aqui em Roma, reproduzimos a obra de São Pedro, pois eu vos
afirmo que, se eles não encontrassem na capital do Império Romano mulheres generosas e cidadãos zelosos, para
levar às famílias a sua palavra, inútil se tornava a sua pregação’”. LECOURIEUX, P. M. Algumas reflexões
sobre a Ação Católica de S. Antonio Maria Zacaria. In: REB, Petrópolis, v. 3, n. 2, p. 344, [junho] 1943.
277
97
mais de 30 anos e casados, o seu correspondente feminino na Liga Feminina da Ação Católica
e dois ramos juvenis na idade entre 14 e 30 anos, masculino e feminino respectivamente” 278.
Posteriormente, entre os anos de 1946 a 1950, a ACB conheceu o seu momento mais
crítico, de grave crise e de transição, devido à incompatibilidade de sua atuação frente às
exigências vigentes de nossa realidade, assim como também “à consciência dos leigos,
sacerdotes e bispos mais lúcidos” 279.
A partir do ano de 1950 até 1960, a ACB reorganizou-se de acordo com o modelo
belga, francês e canadense, tornando-se então a Ação Católica especializada, cuja finalidade
básica permanece inalterada desde o princípio, isto é, de evangelizar o próprio meio. Com
essa intenção, desenvolveu-se, por meio de seus setores, principalmente de jovens, do mundo
rural (JAC), estudantil (JEC), independente, isto é, de classes médias (JIC), operário (JOC) e
universitário (JUC), uma verdadeira inserção social. Essa Ação Católica, na década de 1950 e
início da de 1960, foi responsável por um forte dinamismo da Igreja e por sua presença na
sociedade mais ampla. Conforme o Pe. Libanio, os jovens da JEC e da JUC adquiriram e
desenvolveram
uma consciência aguda e lúcida de sua missão e fidelidade aos meios sociais a que
pertencem. Conjugam em profundidade o estudo da realidade social com o papel do
leigo na Igreja com todas as suas implicações teológicas mais amplas. E dessa
dupla reflexão, segundo o famoso método ver-julgar-agir, estabelecem o programa
de ação. Superam assim a dilacerante dicotomia formação e ação 280.
278
LIBANIO, J.B. Igreja Contemporânea: encontro com a modernidade. Op. cit. p. 114.
Ib. p. 115.
280
Ib. p. 115.
279
98
Ademais, da postura da ACB em torno de seu método estruturado na trilogia verjulgar-agir281, é possível inferir que toda a pastoral brasileira tenha sido influenciada
fortemente, principalmente no que tange à sua dimensão sócio-histórica e também a sua
dimensão teologal. Ainda, outro legado da ACB à futura pastoral brasileira diz respeito ao seu
estilo de reuniões, que se tornou “um pouco o patrimônio comum de todos os grupos e níveis
da Igreja no Brasil” 282. O Pe. Gervásio, em tom sugestivo, interroga até
se a técnica de programação anual sistemática das atividades dos ramos ou
movimentos especializados da ACB em todos os níveis (nacional, regional,
provincial, diocesano, local), em torno de objetivos predefinidos, não teria também
contribuído para criar uma mentalidade de planejamento pastoral, facilitando a
acolhida das experiências de planificação, depois adotadas oficialmente pelo
episcopado 283.
Os rumos que a ACB tomou no final dos anos 50 foram de grandes conflitos com a
hierarquia, principalmente por causa de sua inserção político-social em meio à realidade
vigente. A base dessa discordância tem seu fundamento na ação da Juventude Universitária
Católica (JUC) que, entre 1959 e 1965, se propôs em lançar a idéia de procurar um "ideal
histórico" para o Brasil (1960)
284
. Conseqüentemente, tomou parte intensamente da política
universitária, fornecendo quadros dinâmicos para a educação popular. Logicamente, foi
281
Acerca deste método, cf. PISO, A. Ver, Julgar, Agir: Ensaio de metodologia pastoral. São Paulo: Ave Maria,
1990. 96 p. Cf. também, MORLION, F. Metodologia da ação Católica. In: REB, Petrópolis, v. 1, n. 3, p. 631655, [setembro] 1941.
282
QUEIROGA, G. F. CNBB. Comunhão e corresponsabilidade. Op. cit. p. 331.
283
Ib. p. 331.
284
Cf. WANDERLEY, L.E.W. Desafios da igreja Católica e política no Brasil, In: INSTITUTO NACIONAL
DE PASTORAL (Org.). Presença Pública da Igreja no Brasil (1952-2002): Jubileu de ouro da CNBB. Op. cit.
p. 462.
99
atacada por setores tradicionais da Igreja285, mas, foi defendida por Dom Hélder Câmara em
1960, em documento que enviou aos bispos: "A JUC [...] está vivendo uma hora plena e
merece o apoio e o estímulo do exmo. episcopado”
286
. A partir desse momento, a JUC, já
como um movimento não ligado à Igreja, surgiu, em 1962, com a presença de cristãos e nãocristãos, como grupo denominado Ação Popular
287
, grupo político de orientação socialista
democrática, influenciado pelo personalismo comunitário de Emmanuel Mounier 288.
Contudo, a ACB, embora tivesse contribuído efetivamente para a elaboração de um
planejamento pastoral da Igreja no Brasil, quando da sua inauguração pelo PE e,
conseqüentemente, pelo advento do Concílio Vaticano II, quase que desapareceu. Isso se deve
a questões internas de disputas e também porque nessa nova época da Igreja
não são mais os movimentos organizados e associações que formam a primeira
zona do interesse pastoral, mas, o próprio povo, as comunidades, os quadros
institucionais renovados ou inovados; o apostolado oficial e organizado do laicato
deu lugar à multiplicidade impressionante de leigos engajados nas comunidades
eclesiais e órgãos pastorais dos vários níveis; o apostolado de elite deu lugar à
pastoral popular, em que é principalmente sujeito dela. Não se pode contudo negar
que, na raiz desta maravilhosa árvore, qual grão de trigo tombado, está também a
ACB 289.
285
Cf. LUSTOSA, O. F. A Presença da Igreja no Brasil: história e problemas 1500-1968. São Paulo: Giro,
1977. p. 82.
286
Para esse movimento, ver L. A. Gómez de Souza. A JUC: os estudantes católicos e a política, Petrópolis:
Vozes, 1985.
287
Cf. GALLEJONES, E. A.P. Socialismo Brasileiro. Rio de Janeiro: Centro de Informação Universitária, 1965.
ALVES, M. M. Léglise et la politique du Brésil, Paris: Cerf, 1974, p. 125s.
288
LIMA, L. G. de S. Evolução política dos católicos e da Igreja no Brasil. Petrópolis: Vozes, 1979;
SEMERARO, G. A primavera dos anos sessenta: A geração de Betinho. São Paulo: Loyola, 1994. Depois, a
Ação Popular, na clandestinidade, perderia essas raízes e se tornaria um movimento marxista a mais, sem
originalidade.
289
QUEIROGA, G. F. CNBB. Comunhão e corresponsabilidade. Op. cit. p. 332.
100
1.2. O MOVIMENTO POR UM MUNDO MELHOR
Esse movimento tem sua gênese na pessoa e no Pontificado de Pio XII. Para a sua
aplicabilidade, Pio XII confiou-o ao Pe. Ricardo Lombardi
290
. Esse movimento é
fundamental para entendermos a pastoral de conjunto no Brasil, visto que, ele foi uma das
forças prioritárias que colaborou para o acolhimento e planificação das iniciativas que o PE
trazia em seu bojo.
Quase todas as dioceses o acolheram devido ao seu profundo vigor renovador que,
segundo o secretário da CRB da época,
se no Brasil aqueles que estão mais engajados na renovação da pastoral e do
apostolado, em geral se destacam mais pelo sentido da corresponsabilidade pela
Igreja no Brasil e estão mais compenetrados de um autentico espírito eclesial, isto
se deve em primeiro lugar ao trabalho sistemático do “Movimento do Mundo
Melhor” 291.
Ainda afirma que
depois de tantos contatos com pessoas de todos os países das Américas e da
Europa, que a influência do “Mundo Melhor” no Brasil não tem, neste particular,
rival em parte alguma do mundo. A renovação da Pastoral no Brasil está
290
Cf. DIDONET, F. Movimento por um Mundo Melhor no Brasil. In: REB, Petrópolis, v. 21, n. 2, p. 400-403,
[junho] 1961.
291
CLOIN, T. As grandes linhas da renovação pastoral no Brasil. In: RCRB, Rio de Janeiro, v. 11, p. 23, 1965.
101
inseparavelmente ligada à renovação do espírito eclesial, esta por sua vez ao
“Movimento do Mundo Melhor” 292.
No Brasil, o MMM teve sua gênese com a vinda do Pe. Ricardo Lombardi, em 1960,
para pregar o retiro para todo o episcopado na cidade de Curitiba, por ocasião do VII
Congresso Eucarístico Nacional. Daí em diante, criou-se o secretariado do MMM, com sede
em São Paulo tendo à frente do movimento o Pe. José Marins. O MMM encontrou no Brasil o
seu grande terreno fértil 293 e pôde ser acolhido por quase todo o território nacional, por meio
dos seus cursos, tendo, como foco, os sacerdotes, religiosos e leigos. Ao final de dois anos de
secretariado, já tinham sido ministrados 186 cursos em 50 Dioceses de 15 Estados
do
Brasil 294.
O maior fruto do MMM para a pastoral, conforme o Pe. Gervásio, consiste
essencialmente em conferir à mesma
uma visão teológica dinâmica, centralizada numa eclesiologia com base no Corpo
Místico. Ajudou a criar uma espiritualidade aberta, que faz da caridade fraterna o
cerne da vivência cristã e vê na unidade comunitária dos filhos de Deus a meta
suprema. Transmitiu um sopro novo de entusiasmo apostólico, mostrando
simultaneamente o enorme volume de mal e as imensas possibilidades de bem que
nossa época comporta. Deu um forte sentido histórico-social à ação pastoral.
Estabeleceu uma crítica ao mesmo tempo sincera e respeitosa das estruturas
pastorais envelhecidas. Inspirou ou ajudou a montagem de experiências de
292
Ib. p. 23. O MMM teve apoio efetivo da CRB, como demonstra em sua história: In: RCRB, Rio de Janeiro, v.
8, p. 125-126. 1962. RCRB, Rio de Janeiro, v. 9, p. 247,440-444,510-511, 513-517, 1963. RCRB, Rio de Janeiro,
v. 10, p. 27, 317-318, 1964. RCRB, Rio de Janeiro, v. 11, p. 23, 1965.
293
Segundo o Pe. Gervásio, “nos cursos de preparação de pessoal encarregado de difundir o MMM, o Brasil
esteve em destaque, ocupando às vezes o primeiro lugar, no centro Internacional do movimento”. Cf.
LOMBARDI, R. Pio XII per um Mondo Migliore. Roma, 1954. p. 80-82.
294
Cf. REB, Petrópolis, v. 22, p. 672-675, 1962.
102
renovação de paróquias, Colégios e dioceses, na base da equipe de trabalho,
planejamento das atividades, entrosamento fraterno dos diversos membros da
Igreja, valorização das religiosas e do laicato, colaboração entre clero religioso e
diocesano 295.
Ademais, o PE sofrerá grande influencia do MMM, no que tange à renovação da
paróquia, dos educandários, do clero, da diocese, não só para criar, mas, para conservar e
renovar o “clima comunitário, a disponibilidade e generosidade necessária ao trabalho em
conjunto” 296. No que tange à montagem da pastoral de conjunto, o PE indica a realização dos
cursos do MMM “para os que irão elaborar as linhas mestras da pastoral de conjunto e,
posteriormente, para os que irão executá-las” 297. Neste ínterim, sintetizando toda a sua força
na elaboração do PE, se tece este grande elogio: “O clima do MMM é utilíssimo à visão
global e ao esforço planificado. É a chama espiritual, cerne e alma de toda Pastoral
autêntica” 298.
1.3. O MOVIMENTO DE NATAL E O MOVIMENTO DE EDUCAÇÕ DE BASE
O Movimento de Natal, iniciado em 1952, e liderado pelo até então Monsenhor
Eugênio de Araújo Sales é o mais expressivo de muitas outras iniciativas pastorais desse
período, como em Campinas e Ribeirão Preto. Em Natal, essa experiência de pastoral foi
295
QUEIROGA, G. F. CNBB. Comunhão e corresponsabilidade. Op. cit. p. 337. Cf. também, LIBANIO, J.B.
Igreja Contemporânea: encontro com a modernidade. Op. cit. p. 117.
296
PE. p. 46. O Pe. Gervásio traz a seguinte notificação: “É o Movimento por um Mundo Melhor que no Brasil
está contribuindo mais para a abertura pastoral do clero, Religiosos e Religiosas, leigos e leigas, e para criar o
clima indispensável à execução do ‘Plano de Emergência’. [...] É este o motivo por que a Jerarquia do Brasil está
estimulando intensamente a multiplicação dos cursos do MMM pelo Brasil afora”. Cf. CLOIN, T. Relatório
anual da CRB. (de maio de 1962 a outubro de 1963). In: RCRB, Rio de Janeiro, v. 10, p. 27, 1964.
297
PE. p. 94;73.
298
PE. p. 94.
103
mais incisiva do que nas outras regiões, devido a sua extensão e intensidade de sua influência,
ampliando o raio de atividades para toda a redondeza.
Em sua gênese estão os militantes da ACB, que juntamente com os seis sacerdotes
fundadores, por meio de encontros semanais na praia de Ponta Negra
299
, procuravam
soluções para os graves problemas sociais e religiosos da Igreja local 300.
Como fruto desse Movimento, tem-se, em 1949, a fundação do SAR, o Serviço de
Assistência Rural, que efetivamente colaborou, por meio de seus agentes, para a formação e
promoção do homem do campo. Ademais, as semanas ruralistas, promovidas pela SAR,
propiciaram o desenvolvimento da até então experiência colombiana de Sutatenza
301
, da
educação camponesa por meio das escolas radiofônicas, tendo no Brasil sua inauguração em
agosto de 1958 e, já, em setembro, a Emissora de Educação Rural de Natal emitia a sua
primeira aula. Rapidamente, as escolas radiofônicas se difundiram, procurando dar não apenas
alfabetização, mas, educação básica integral, inclusive política, social e religiosa 302.
Durante três anos, esse trabalho sucedeu de forma eficiente e, conseqüentemente, por
sua expansão para outros Estados, foi assumido pela CNBB que, em parceria com o governo
federal, fundou em 1961 o MEB, ou seja, o Movimento de Educação de Base. O grande
mérito desse Movimento consiste, de forma lapidar, no desejo profundo de arrancar o homem
“sertanejo do isolamento do interior – sem luz elétrica, sem transporte, sem escola”
303
.É
desse contexto, também, o inicio do Movimento de sindicalização rural que contou com o
299
Cf. PINHEIRO, J. E. Traços da presença da Igreja Católica no Nordeste. In: INSTITUTO NACIONAL DE
PASTORAL (Org.). Presença Pública da Igreja no Brasil (1952-2002): Jubileu de ouro da CNBB. Op. cit. p.
254.
300
Para uma compreensão mais exata do contexto vigente neste período, cf. SALLES, E.A. Uma experiência
pastoral em região subdesenvolvida (Nordeste brasileiro). In: RCRB, Rio de Janeiro, v. 10, p. 129-136, 1964.
301
Trata-se do internacionalmente conhecido trabalho de Educação e alfabetização pelo rádio, realizado pelo
padre José Joaquim Salcedo. Cf. REB, Petrópolis, v. 15, p. 408-414, 1955. REB, Petrópolis, v. 16, p. 941-944,
1956.
302
QUEIROGA, G. F. CNBB. Comunhão e corresponsabilidade. Op. cit. p. 339. Ver também REB, Petrópolis,
v. 18, p. 1095-1096, 1958. REB, Petrópolis, v. 22, p.753, 1962.
303
PINHEIRO, J. E. Traços da presença da Igreja Católica no Nordeste. In: INSTITUTO NACIONAL DE
PASTORAL (Org.). Presença Pública da Igreja no Brasil (1952-2002): Jubileu de ouro da CNBB. Op. cit. p.
254.
104
apoio da Igreja. Contudo, foi também o início de um tempo de polarizações ideológicas e
políticas e isso repercutiu na instituição. Se, de um lado, os jovens da Ação Católica e do
MEB tinham uma atividade cada vez mais intensa, com o apoio de um grupo de bispos, de
sacerdotes e religiosos, por outra parte, se organizou, no sentido oposto, uma resistência às
propostas de transformação 304.
Conforme o Pe. Gervásio afirma, o “êxito pastoral do Movimento de natal se deve –
entre outras causas, como o valor e generosidade das pessoas nele engajadas – aos seguintes
fatores”:
• Valorização dos diversos membros do povo de Deus (sacerdotes, religiosos
(as), leigos) e sua união em torno do bispo;
• Preocupação de formar lideranças e capacitar o pessoal não poupando para
isso esforços nem meios;
• A presença da ACB e outras formas de apostolado dos leigos;
• Feliz combinação, na ação pastoral, da dimensão estritamente religiosa com a
social, num esforço de pastoral integral;
• Procura de atualização apostólica, quanto a conteúdo e método, promovendo
os movimentos bíblicos e litúrgicos, a catequese renovada;
• O clima de abertura e de ajuda fraterna, corroborado pelo MMM, que lá
encontrou ambiente favorável;
304
LUSTOSA, O. F. A Presença da Igreja no Brasil: história e problemas 1500-1968. São Paulo: Giro, 1977. p.
87. Em nota de rodapé n. 9 diz: “Sob pretexto de comunizante, a cartilha do MEB, Viver é Lutar, foi apreendida
pela polícia do Rio a mando do governador Carlos Lacerda que teve o apoio do Cardeal Barros Câmara. – Era
um sintoma das graves divergências que começavam a mostrar, claramente, o dualismo de mentalidade pastoral
e política no episcopado”. Cf. KADT, Emanuel de. Catholic radicals In: Brazil, London/New York, Oxford
University Press, 1970. p. 156s. Também WANDERLEY, Luiz Eduardo. Educar para transforma: educação,
Igreja Católica e política. Petrópolis: Vozes, 1984. Vale ainda averiguar nesses anos, a presença pública da
Igreja através de alguns bispos e da própria CNBB. Já em 1950, o bispo de Campanha, Minas Gerais, Dom
Inocêncio Engelke, ligado à Juventude Agrária Católica, tinha lançado sua carta-pastoral: Conosco, sem nós ou
contra nós se fará a reforma rural. O tema, sempre polêmico, como foi dito acima, dividiria a Igreja. Reuniões de
bispos do Rio Grande do Norte (1951), da Amazônia (1952 e 1957) e do Vale do São Francisco (1952), trataram
dos temas do desenvolvimento, da reforma agrária e das migrações. Em 1956, realizou-se uma reunião no
Nordeste, com dirigentes da CNBB e do governo, a qual, segundo testemunho do próprio presidente Kubitschek,
esteve na origem da criação da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene). Cf. PINHEIRO, J.
E. Traços da presença da Igreja Católica no Nordeste. In: INSTITUTO NACIONAL DE PASTORAL (Org.).
Presença Pública da Igreja no Brasil (1952-2002): Jubileu de ouro da CNBB. Op. cit. p. 250-252.
105
• Adoção, como método de trabalho, do planejamento e coordenação das
atividades, superando uma pastoral de tarefas realizando uma pastoral de
rumos;
• Emprego judicioso das modernas técnicas de comunicação de massa e de
desenvolvimento comunitário;
• Aproveitamento dos recursos locais limitados, reforçados, porém, com a
generosa colaboração, em pessoal e meio, de outras Igrejas do exterior,
adequadamente sensibilizadas, bem como da CRB 305.
Natal tornou-se, por assim dizer, o pólo irradiador de uma nova experiência pastoral,
tornando-se objeto de visita e de especulação de muitos outros países 306, transbordando para
além de sua província eclesiástica, estendendo sua influência por todo o Nordeste no que
tange à renovação pastoral
307
. Ademais, foi de forma pioneira, a primeira experiência de
inserção das religiosas no que tange ao cuidado pastoral de comunidades carentes de
sacerdotes 308.
De fato, o Movimento de Natal, por seu desenvolvimento de uma pastoral
planificada, mereceu sediar, em 1962, o Secretariado do Nordeste, com sede na própria
305
QUEIROGA, G. F. CNBB. Comunhão e corresponsabilidade. Op. cit. p. 340.
SALLES, E.A. Uma experiência pastoral em região subdesenvolvida (Nordeste brasileiro). In: RCRB, Rio de
Janeiro, v. 10, p. 132-134, 1964. DIDONET, F. Movimento por um Mundo Melhor no Brasil. In: REB,
Petrópolis, v. 22, n. 3, p. 672-675, 1962.
307
CLOIN, T. Critérios de novas fundações: Pré-requisitos para ajuda sistemática a regiões espiritualmente
subdesenvolvidas. In: RCRB, Rio de Janeiro, v.10, p. 263-268, 1964.
308
Cf. PINHEIRO, J. E. Traços da presença da Igreja Católica no Nordeste. In: INSTITUTO NACIONAL DE
PASTORAL (Org.). Presença Pública da Igreja no Brasil (1952-2002): Jubileu de ouro da CNBB. Op. cit. p.
260. Também, BASTOS, I. O porquê das experiências de Nízia Floresta (mimeografado 5 p. aCNBB), apud
QUEIROGA, G. F. CNBB. Comunhão e corresponsabilidade. Op. cit. p. 341. Ver também, TEPE, V. Vida
religiosa e Igreja local. In: CM 7/1971, p. 78-81; CLOIN, T. O Encontro de Natal e o apostolado dos religiosos
do N.E. (Natal, 10 a 19-1-163). In: RCRB, Rio de Janeiro, v. 9, p. 241-244, 1963. Id. O Apostolado dos
religiosos e a pastoral da jerarquia. In: RCRB, Rio de Janeiro, v. 11, p. 129-139, 201-214, 1965. É evidente
também todo o apoio que a CRB dispensou para este movimento. Cf. RCRB, Rio de Janeiro, v. 7, p. 541, 1961.
RCRB, Rio de Janeiro, v. 8, p. 445,446, 456-457, 1962. RCRB, Rio de Janeiro, v. 9, p. 241-244, 435-439,458461, 1963. RCRB, Rio de Janeiro, v. 10, p. 26,28,29,31,380, 1964. RCRB, Rio de Janeiro, v. 11, p. 516-517,
1965.
306
106
capital, Natal, “o qual – com a instituição pela CNBB, logo em abril de 1962, das regiões
pastorais, passou a ser o Secretariado Regional do Nordeste” 309.
A forma pastoral vivida pelo Movimento de Natal e conseqüentemente, a sua
experiência de irradiação, seja em nível provincial ou regional, foram o grande legado para a
elaboração e execução do PE 310.
1.4. A CONFERÊNCIA DOS RELIGIOSOS DO BRASIL: CRB
Cronologicamente, a CRB foi fundada dois anos mais tarde do que a CNBB, como
organismo coordenador, espaço de comunhão e cooperação de todos os religiosos do Brasil,
clérigos ou leigos de ambos os sexos.
Em sua gênese se encontra um período fértil, em que a Igreja sentia a necessidade de
renovação e de maior articulação, sob o impulso do Ano Santo de 1950 e dos diversos
movimentos de renovação da vida eclesial, como a Ação Católica, o Movimento de
Renovação Bíblica, o Movimento Litúrgico e Catequético e o Movimento por um Mundo
Melhor. Quando da sua fundação, o número de religiosos (as) no Brasil totalizava-se 40.000,
sendo 7.000 Padres, 3.000 irmãos e 30.000 religiosas 311.
Seguindo a sugestão da Sagrada Congregação dos Religiosos, a CRB foi estruturada
com dois objetivos, ou seja, de organização e de atualização
312
. Para tanto, organizou
Departamentos e Serviços, aos quais por sua eficiência, mereceu elogios da Congregação dos
309
QUEIROGA, G. F. CNBB. Comunhão e corresponsabilidade. Op. cit. p. 341. Cf. também, CLOIN, T. As
grandes linhas da renovação pastoral no Brasil. In: RCRB, Rio de Janeiro, v. 11, p. 21, 1965.
310
PINHEIRO, J. E. Traços da presença da Igreja Católica no Nordeste. In: INSTITUTO NACIONAL DE
PASTORAL (Org.). Presença Pública da Igreja no Brasil (1952-2002): Jubileu de ouro da CNBB. Op. cit. p.
256.
311
Cf. LUSTOSA, O. F. A Presença da Igreja no Brasil: história e problemas 1500-1968. Op. cit. p. 85.
312
Cf. REB, Petrópolis, v. 14, p. 385-391, 1954. RCRB, Rio de Janeiro, v. 2, p. 555, 1956.
107
Religiosos e de outras autoridades, tornando-se modelo, “critério e padrão de organizações
nacionais de religiosos” 313.
Embora com identidades e finalidades próprias, o relacionamento entre as duas
Conferências foi marcado, desde o início, por intensa colaboração e respeito mútuo, salvo é
claro, alguns momentos críticos. Contudo, da colaboração efetiva entre CRB e CNBB, já nos
primeiros tempos, surgiram o Instituto Nacional de Catequese, o Centro de Estatística
Religiosa e Investigação Social (Ceris) e o Serviço de Cooperação Apostólica Internacional
(Scai). Esses trabalhos, em conjunto, propiciaram a eficiência da execução do PE. Neste
ínterim, “a partir do PE, a coordenação entre as duas Conferências foi sempre mais se
impondo e tendendo a se institucionalizar [...] Os desejos expressos no PE a respeito disso
foram confirmados e superados pela experiência” 314.
1.5. A CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL – CNBB
A idéia de gestar uma conferência dos bispos do Brasil é proveniente dos anos 50,
quando da realização do Congresso Mundial de Leigos em Roma
315
. Posteriormente, foi a
partir de contatos firmes e de um efetivo relacionamento entre a pessoa do Monsenhor Helder
Câmara316, a Nunciatura Apostólica com até então Núncio Carlos Chiarlo317 e com a Cúria
313
Cf. RCRB, Rio de Janeiro, v. 2, p.572, 1956. Também, VLOIN, T. Presença e repercussão da CRB. A
propósito de uma viagem. In: RCRB, Rio de Janeiro, v. 12, p. 719-724, 1966.
314
Acerca da relação entre as duas Conferências, cf. CLOIN, T. Relatório anual da CRB (de maio de 1962 a
outubro de 1963). In: RCRB, Rio de Janeiro, v. 10, p. 25-31, 1964. Id. Relatório anual da CRB (de outubro de
1963 a dezembro de 1964). In: RCRB, Rio de Janeiro, v. 11, p. 71-83, 1965. Id. Relatório da Conferência – 1962
a 1965. In: RCRB, Rio de Janeiro, v. 11, p. 515-530, 1965. REB, Petrópolis, v. 24, p. 801-803, 1964. REB,
Petrópolis, v. 25, p.134, 1965.
315
Cf. CASTANHO, A. Presença da Igreja no Brasil: 1900-2000. Jundiaí: Gráfica Jundiá, 1998. p. 142.
316
Para uma descrição mais detalhada da ação deste homem de Deus, cf. QUEIROGA, G. F. CNBB. Comunhão
e corresponsabilidade. Op. cit. p. 167-170. Também CASTANHO, A. Presença da Igreja no Brasil: 1900-2000.
Jundiaí: Gráfica Jundiá, 1998. p. 53. Importante ressaltar aqui o seu papel de Intermediador entre os bispos do
Brasil entre si e, principalmente, no que se refere a sua participação fora do país junto aos órgãos Internacionais
e à Cúria Romana. “É o princípio da coordenação intra-eclesial e intereclesial que, unindo os esforços e
alargando os horizontes, será de tanta Influência na formação da nova linha pastoral”. CASTANHO, A.
Presença da Igreja no Brasil: 1900-2000. Op cit. p. 346.
317
Cf.QUEIROGA, G. F. CNBB. Comunhão e corresponsabilidade. Op. cit. p. 178.
108
Romana por meio do até então Monsenhor Montini318, que a criação em 1952, no dia 14 de
outubro numa sala do Palácio São Joaquim, no Rio de Janeiro, numa reunião simples, da até
estão esperada CNBB passou-se de sonho para realidade.
A notificação de todos os bispos foi realizada por carta319 a cargo dos dois Cardeais
do Brasil, isto é, o Cardeal Motta de São Paulo, escolhido para ser o seu primeiro presidente e
o Cardeal Câmara. A recepção por parte do episcopado foi de profunda esperança e
otimismo320.
Apesar da imensidão territorial do Brasil321 a CNBB foi
propulsora do grande progresso pastoral realizado nos dez anos que precederam ao
PE, promovendo e apoiando com a sua autoridade iniciativa que tiveram resultados
fecundos. A partir da fundação da CNBB, com efeito, os empreendimentos
multiplicaram-se, a presença da Igreja com a sua palavra e atuação muito mais se
afirmou, no meio da espantosa mutação e até convulsão política, econômica e social
do País 322.
Um dos fundamentais elementos de sua organização são as Assembléias e,
justamente por meio delas, é que o episcopado brasileiro se desenvolverá definitivamente no
que tange à construção de um plano de pastoral efetivo e eficiente. Para tanto, não mediu
esforços, procurando somar forças com os movimentos afins, fruto, é claro, da decisiva
postura, já na reunião de instalação em 1952, de criar os Secretariados Nacionais e de forma
318
Para um aprofundamento acerca da contribuição do Mons. Montini, cf. QUEIROGA, G. F. CNBB. Comunhão
e corresponsabilidade. Op. cit. p. 179.
319
A integra da mesma pode ser consultada em CASTANHO, A. Presença da Igreja no Brasil: 1900-2000. Op.
cit. p. 143-144.
320
Cf. QUEIROGA, G. F. CNBB. Comunhão e corresponsabilidade. Op. cit. p. 167-170; 181-184.
321
PE. p. 31.
322
QUEIROGA, G. F. CNBB. Comunhão e corresponsabilidade. Op. cit. p. 167-170. Acerca dos frutos destes
primeiros dez anos, como descreve o Pe. Gervásio pode ser consultado em sua própria obra, Ib. p. 345.
109
especial, do Secretariado Nacional de Apostolado dos Leigos, cuja finalidade era “coordenar
todas as atividades de associações apostólicas do laicato” 323.
No ano seguinte de sua fundação, ocorreu a sua primeira Assembléia entre os dias 17
a 20 de agosto de 1953 na cidade de Belém, - Pará. O seu grande intento foi elaborar dois
planos: um de atividades para o apostolado dos leigos, na formação da Confederação Católica
diocesana, sob a orientação do Conselho Nacional de Apostolado dos Leigos e o outro em
torno de programas comuns de trabalho, denominada Campanhas Gerais. Não se sabe por
certo os seus frutos; contudo, se revela como primeira tentativa de uma pastoral planejada e
coordenada 324.
Até a elaboração do PE, a CNBB realizou ainda outras três Assembléias325. Nos
dizeres do Pe. Gervásio, “as 3ª e a 4ª Assembléias são marcos na evolução pastoral, bons
prelúdios da fase decisiva que a 5ª inaugurará” 326.
2. O SEGUNDO PERÍODO: A FORMAÇÃO DA IDENTIDADE ECLESIAL 1962-1979
Esse período é marcado por uma profunda e efetiva construção pastoral, alicerçada
de maneira especial em quatro acontecimentos eclesiais e um secular. Os dois primeiros
323
Ib. p. 167-170.
Ib. p. 346-347.
325
A 2ª Assembléia Geral ocorreu entre os dias 09 a 12 de setembro de 1954 em Aparecida, SP. Foram
abordados dois temas: a situação da Família e sobre a Ajuda Espiritual, cultural e Econômica ao Clero. A 3ª
Assembléia realizou-se em Serra Negra, SP, entre os dias 10 a 12 de novembro, tendo como pauta de discussão
sobre o modo às quais as Paróquias devem se ajustar aos tempos hodiernos e sobre a formação da opinião
pública através da publicidade. A 4ª Assembléia realizou-se em Goiânia – GO entre os dias 03 a 11 de julho de
1958, abordando dois temas: acerca da renovação paroquial e da influencia das Estruturas sociais sobre a Vida
Religiosa. Ib. p. 346-347.
326
Ib. p. 349. Para uma análise do conteúdo destas Assembléias, cf, Op. cit. p. 347-350.
324
110
situam-se na década de 60, que tem, como origem, o incisivo apelo do Papa João XXIII em
relação à construção de um plano pastoral para a AL, fato este que culminou na elaboração do
PE. O segundo, de natureza universal, foi a realização do Concílio Vaticano II, cuja riqueza
teológica e pastoral foi aplicada na Igreja do Brasil em forma do PPC. Ainda nessa década,
tem-se em 1964 o golpe militar327 ao qual aqui, faremos apenas breves menções, quando
necessário.
Ademais, a caminhada pastoral da Igreja no Brasil ainda na década de 60, contou
com a riquíssima contribuição do CELAM, realizada em Medellím em 1968. Já, na década de
70, vemos florescer a segunda conferência realizada em Puebla, no ano de 1979. Essas
Conferências Episcopais propiciaram à Igreja do Brasil novas e eficazes forma de aplicação
da Pastoral, além de ser o fermento e o alicerce mais fecundos para a já experiente e ousada
forma de inserção social.
Nosso trabalho limitar-se-á à descrição desses eventos, um por vez, e,
conseqüentemente, no que se refere às Conferências Episcopais, delinear a sua aplicação na e
somente à Igreja do Brasil, visto que foi um acontecimento Continental.
2.1. A DÉCADA DE 60: A FORMAÇÃO DE UMA IDENTIDADE ECLESIAL
2.1.1. O PLANO DE EMERGÊNCIA: GÊNESE DA VIDA PASTORAL DA IGREJA
NO BRASIL
A Santa Sé sempre manifestou grande interesse pela Igreja Latino – Americana. João
XXIII manifestou sempre seu apreço pela América Latina e já, nos primórdios de seu
327
Para uma análise da Ditadura militar Iniciada em 1964. Cf. WANDERLEY, L.E. Desafios da Igreja Católica
e política no Brasil. In: INSTITUTO NACIONAL DE PASTORAL (Org.). Presença Pública da Igreja no Brasil
(1952-2002): Jubileu de ouro da CNBB. Op. cit. p. 459-479. Também, DUSSEL, E. História da Igreja LatinoAmericana (1930-1985). São Paulo: Paulinas, 1989. p. 52-54; CASTANHO, A. Presença da Igreja no Brasil:
1900-2000. Op. cit. p. 152-154.
111
pontificado, projetou-se em constante ajuda material oriunda de outros episcopados e
Congregações Religiosas
328
e na preocupação de que a América Latina se estruturasse
pastoralmente. Onze dias após sua coroação, no dia 15 de novembro, quando da acolhida dos
membros do CELAM, o Papa apontou passos a desenvolver para uma renovação espiritual do
continente
329
. Três anos mais tarde, no dia 8 de dezembro de 1961, em carta330 direcionada
aos bispos da AL, voltou a urgir “uma ação imediata, para eliminar do continente os perigos
iminentes à fé católica” 331, que se repercutem em quatro esferas:
o naturalismo, provocado pelas reflexões de Charles Darwin, sobre a origem das
espécies; o marxismo, fruto do pensamento econômico de Karl Marx, e o
espiritismo, marcado pelo ‘evangelho segundo Allan Kardec’. Somado a essas três
correntes, o pensamento liberal andava de mãos dadas com o pensamento
protestante, que crescia também em todos os recantos do Ocidente cristão 332.
Juntamente com estas questões externas, a realidade interior da própria Igreja estava
passando por séria crise, como se nos apresenta o próprio PE:
Somos mais homens de obras do que da obra indispensável a todas as demais: a
estrutura administrativa. Sem esse alicerce, surgem as iniciativas, mas permanecem
328
Cf. REB, Petrópolis, v. 20, p. 470-473, 1960. REB, Petrópolis, v. 22, p. 728-730, 1962. REB, Petrópolis, v. 23,
p. 173-174, 482-484, 1963.
329
Cf. QUEIROGA, G. F. CNBB. Comunhão e corresponsabilidade. Op. cit. p. 343.
330
O conteúdo completo desta carta pode se ter de: In: REB, Petrópolis, v. 22, p. 461-463, 1962.
331
Cf. QUEIROGA, G. F. CNBB. Comunhão e corresponsabilidade. Op. cit. p. 343.
332
GODOY, M.J. A CNBB e o processo de evangelização do Brasil. In: INSTITUTO NACIONAL DE
PASTORAL (Org.). Presença Pública da Igreja no Brasil (1952-2002): Jubileu de ouro da CNBB. Op. cit. p.
388. PE, p. 19. Ver também, BEOZZO, J.O. Igreja no Brasil – o Planejamento Pastoral em Questão. In: REB,
Petrópolis, v. 42, n. 167, p. 786, [Setembro] 1982.
112
isoladas, fracas, portanto, ou a exigirem grandes esforços por não estarem
engajadas na realidade paroquial, diocesana, provincial ou regional.
A organização da Diocese, flexível e eficiente, é a condição básica de
funcionamento deste plano de Emergência. Para isso, faz-se mister uma revisão
corajosa e cristã de nossas relações com nossos sacerdotes, religiosos e leigos,
tornando-os não meros executores de ordens, mas companheiros no bom combate.
Assim, conserva-se a hierarquia, elemento fundamental na Igreja de Cristo, e
desenvolve-se o espírito de equipe. É a vivência do ‘non veni ministrari sed
ministrare.
Os problemas sociais estão na ordem do dia. A missão dos Pastores pede dos
Bispos uma atenção especial neste campo, abrangendo todos os seus aspectos.
Somos solícitos no combate ao Comunismo, mas nem sempre assumimos a mesma
atitude diante do capitalismo liberal. Sabemos ver a ditadura do Estado marxista,
mas nem sempre sentimos a ditadura esmagadora do econômico ou do egoísmo nas
estruturas atuais que esterilizam nossos esforços de cristianização 333.
Como resposta a esses apelos do Pastor maior, a Igreja do Brasil, entre novembro de
1961 a março de 1962, elaborou o Plano de Emergência. Na 5ª Assembléia Geral, realizada
entre os dias 2 a 5 de abril de 1962, o PE foi apresentado e aprovado, seis meses antes da
abertura do Concílio Vaticano II 334.
O PE apresenta quatro eixos, cuja finalidade própria era de unificar a ação eclesial
do Brasil. O grande tema era a Renovação. A exigência de se renovar foi tão marcante que, os
três primeiros Capítulos iniciam com a palavra programática: 1º Renovação das Paróquias; 2º
Renovação do Ministério Sacerdotal; 3º Renovação dos Educandários Católicos. Somente o
333
PE, p. 22-23.
Cf. BEOZZO, J. O. A Igreja do Brasil: De João XXIIII a João Paulo II - de Medellín a Santo Domingo.
Petrópolis: Vozes, 1994. p. 40.
334
113
último capítulo se preza para o que de até então se denominou na Igreja do Brasil Pastoral de
Conjunto: 4º Introdução a uma Pastoral de Conjunto 335.
Contribuição importante do PE, segundo o Pe. Beozzo foi a possibilidade criada pelo
plano de que a CNBB, “de uma estrutura até então quase que exclusivamente consultiva e
afetando os arcebispos [...] se descentralizava, com a criação de Regionais encarregados de
executar, neste nível, suas diretrizes” 336. Para melhor concretizar o Plano de Emergência, foi
pedido que cada diocese criasse um secretariado para “servir de elo de ligação com as
estruturas nacionais e de centro propulsor das diretrizes do pleno a nível local” 337.
No PE, o MMM foi o movimento escolhido para a sua execução e, com isto, é clara a
marginalização no que se refere a ACB
338
. Ademais, a presença dos leigos, embora
valorizada, ainda é marginal, como afirma Pe. Gervásio: “também os leigos não tiveram
documento especial, mas foram mais acentuados no PE que os religiosos. PE 35 confessa a
necessidade de ser completado ‘com um plano para os leigos e para os religiosos’”
339
.
Contudo, mesmo com estas e outras deficiências340, o PE, conforme o mesmo autor, provocou
um “clima de comunhão fraternal entre bispos, presbíteros, religiosos e leigos; o espírito de
equipe co-responsável, que, sem confundir os ministérios, sem eliminar a autoridade, unifica
no amor a variedade dos membros e atuações, numa autêntica comunidade de Igreja” 341.
335
Para um completo estudo sobre o PE, cf. FREITAS, M. C. de. Uma opção renovadora: A Igreja no Brasil e o
planejamento pastoral. São Paulo: Loyola. p. 95-137. Também, QUEIROGA, G. F. CNBB. Comunhão e
corresponsabilidade. Op. cit p.351-373.
336
BEOZZO, J.O. Igreja no Brasil – o Planejamento Pastoral em Questão. In: REB, Petrópolis, v. 42, n. 167, p.
492, [Setembro] 1982.
337
GODOY, M.J. A CNBB e o processo de evangelização do Brasil. In: INSTITUTO NACIONAL DE
PASTORAL (Org.). Presença Pública da Igreja no Brasil (1952-2002): Jubileu de ouro da CNBB. Op. cit. p.
389.
338
O Pe. BEOZZO, a esse respeito, é duro em sua análise, quando afirma: “trinta anos anteriores a Igreja havia
tentado toda uma estratégica pastoral, centrada sobre o leigo e sobre sua atuação no mundo, visando a conquista
espiritual e a presença da Igreja nos chamados ‘meios’ de vida: estudantil, universitário, operário, camponês,
independente. Esta estratégia é sacrificada no Plano de Emergência em favor de uma outra que coloca no centro
a própria Igreja: os bispos e suas estruturas e atuação, paróquias e Colégios...” BEOZZO, J.O. Igreja no Brasil –
o Planejamento Pastoral em Questão. In: REB, Petrópolis, v. 42, n. 167, p. 492, [Setembro] 1982.
339
QUEIROGA, G. F. CNBB. Comunhão e corresponsabilidade. Op. cit. p. 359.
340
O Pe. QUEIROGA em sua obra, elenca algumas deficiência do PE. Cf. Op. cit. CNBB. Comunhão e
corresponsabilidade. Op. cit. p. 371-372.
341
Ib. p. 361.
114
Apesar de suas carência, e limites, o PE tem seu mérito, principalmente por ser o
marco da vida pastoral, assim como também por ter preparado a Igreja do Brasil para novas
iniciativas pastorais; e, finalmente, por ter se tornado “efetivamente, uma bandeira e um
roteiro de renovação paroquial”, e também de
uma séria renovação do ministério sacerdotal. [...] renovou algumas estruturas
diocesanas e possibilitou ao episcopado uma ação regional e nacional mais efetiva
[...]. Foi uma primeira tentativa de pastoral de conjunto, nestes diversos níveis.
Criou sobretudo uma mística e uma esperança de renovação 342.
2.1.2. O CONCÍLIO VATICANO E O PPC
O Concílio trouxe à Igreja os fermentos de renovação. A presença da Igreja do Brasil
no Concílio foi desde o encerramento do primeiro período, alargando-se em conseqüência dos
rumos tomados pelos Padres Conciliares, numa clara percepção de que dentro de algum
tempo o pioneirismo desbravador do PE seria superado. Segundo Caramuru,
reconhecia-se ao mesmo tempo, que a etapa do PE constituía-se em um passo
fundamental para que, ao término dos trabalhos conciliares, se chegasse à
ambiciosa meta de um plano mais abrangente de Pastoral de Conjunto, que era uma
aspiração desde 1958. Esta tomada de consciência amadureceu e tomou corpo, ao
final da terceira sessão conciliar, quando já estavam suficientemente claros os
grandes eixos de orientação que o Concílio imprimiria à Igreja, de acordo com a
342
Ib. p. 372-373.
115
visão profética de João XXIII. Nessa oportunidade, a Presidência da CNBB deu à
Secretaria Geral sinal verde para desenvolver esta tarefa 343.
Neste ínterim, duas Assembléias Gerais aconteceram em Roma. A 6ª, ocorrida entre
os dias 26 a 27 de setembro de 1964, tinha como finalidade a avaliação do PE e a aprovação
dos novos estatutos 344. Um ano após, em 1965, realizou-se a 7ª Assembléia Geral, na qual se
tem a aprovação do PPC e a feliz iniciativa da Campanha da Fraternidade 345.
O PPC, segundo o Pe. Beozzo, por ter sido
aprovado, sem um único voto contrário e com apenas um voto em branco, ganhou
evidentemente legitimidade para que sua implementação, ainda que laboriosa e
conflituosa, não fosse minada por uma contestação, em relação ao princípio do
próprio planejamento pastoral, da autoridade dos bispos reunidos em assembléia
para aprová-lo e do direito que assistia à CNBB e aos seus secretariados para leválo adiante 346.
343
BARROS, R.C. Gênese e consolidação da CNBB no contexto de uma Igreja em plena renovação. In:
INSTITUTO NACIONAL DE PASTORAL (Org.). Presença Pública da Igreja no Brasil (1952-2002): Jubileu
de ouro da CNBB. Op. cit. p. 49.
344
Cf. QUEIROGA, G. F. CNBB. Comunhão e corresponsabilidade. Op. cit. p. 228-229.
345
Desde 1963, a Campanha da Fraternidade tem sido uma atividade ampla de evangelização, desenvolvida na
Quaresma, para ajudar os cristãos e pessoas de boa vontade a viverem a fraternidade em compromissos
concretos, no processo de transformação da sociedade, a partir de um problema específico. É um grande
instrumento para desenvolver o espírito quaresmal de conversão, de renovação interior e de ação comunitária. É
momento de exercício de uma verdadeira pastoral de conjunto em prol da transformação de situações injustas e
não cristãs. É precioso meio para a evangelização no tempo quaresmal. A Campanha da Fraternidade tornou-se
especial manifestação de evangelização libertadora, provocando, ao mesmo tempo, a renovação da vida da Igreja
e a transformação da sociedade, a partir de problemas específicos, tratados à luz do Projeto de Deus.
A Campanha da Fraternidade passou por três fases sucessivas:
1ª FASE: EM BUSCA DA RENOVAÇÃO INTERNA DA IGREJA (1964-1972)
2ª FASE: A IGREJA SE PREOCUPA COM A REALIDADE SOCIAL DO POVO (1973-1984)
3ª FASE: A IGREJA SE VOLTA PARA SITUAÇÕES EXISTENCIAIS DO POVO BRASILEIRO (1985...) cf.
<http://www.cnbb.org.br/documento_geral/CFesuahistoria_nova.ppt.> Acesso em 25/11/2006.
346
BEOZZO, J.O. A recepção do Vaticano II na Igreja do Brasil. In: INSTITUTO NACIONAL DE PASTORAL
(Org.). Presença Pública da Igreja no Brasil (1952-2002): Jubileu de ouro da CNBB. Op. cit. p. 441.
116
O PPC está dividido em três partes, sendo a primeira, uma introdução geral ao Plano,
a segunda, acerca das Diretrizes fundamentais da ação pastoral e a terceira, que explicita o
Pano nacional das atividades da CNBB. A segunda parte, que constitui o coração do PPC, está
subdividida em três tópicos, além de uma exposição sobre os seus objetivos específicos.
Tendo em vista a dependência umbilical 347 do PPC com os documentos do Concílio
Vaticano II e, de maneira especial, com a Lumen gentium, o segundo tópico procura
apresentar as bases sólidas mediante a aplicação dos documentos conciliares, para uma
cristalina adequação da Igreja do Brasil à nova mentalidade eclesial emanada do Concílio, nas
chamadas seis Linhas ou Diretrizes fundamentais de ação.
Cada uma dessas seis linhas funda-se sob um objetivo próprio, conectado com o
objetivo geral que é “criar meios e condições para que a Igreja do Brasil se ajuste o mais
rápido e plenamente possível, à imagem do Vaticano II”
348
assim como com o seu objetivo
último, que é “a comunhão de vida dos homens com o Pai e entre si, em Jesus Cristo, no dom
do Espírito Santo, comunicada e manifestada pela mediação da comunidade visível” 349.
A primeira linha visa promover uma sempre mais plena unidade visível no seio da
Igreja Católica, cujo objetivo é levar à conversão, à adesão pessoal a Cristo, à inserção
consciente e participante na comunidade visível. A sua base teológica fundamenta-se nos
seguintes documentos conciliares: LG, OT; PO; CD; AA; PC. A segunda diz respeito à ação
Missionária, cujo objetivo é levar todos os homens à primeira adesão pessoal à Cristo, através
do anúncio missionário da palavra e do testemunho de vida evangélica. A sua base teológica
fundamenta-se no Decreto Conciliar sobre a Atividade Missionária da Igreja Ad Gentes. A
terceira refere-se à ação catequética, ao aprofundamento doutrinal e a reflexão teológica, cujo
objetivo é levar o povo de Deus a uma maior comunhão de vida com Cristo através da palavra
347
QUEIROGA, G. F. CNBB. Comunhão e corresponsabilidade. Op. cit. p. 377.
PPC p. 31.
349
PPC p. 31.
348
117
e do testemunho de vida evangélica, que iluminam e alimentam. A sua base teológica
fundamenta-se na Constituição Dogmática sobre a Revelação Divina, Dei Verbum. A quarta
diz respeito à ação Litúrgica, cujo objetivo central é levar o povo de Deus a uma maior
comunhão de vida em Cristo, através do culto litúrgico integral e das celebrações da Palavra.
A sua base teológica fundamenta-se na Constituição sobre a Sagrada Liturgia SC. A quinta
linha refere-se à ação ecumênica, cujo objetivo primordial é levar o povo de Deus a uma
maior comunhão de vida em Cristo, através de uma autêntica ação ecumênica. A sua base
teológica fundamenta-se nos seguintes documentos conciliares: UR; OE; NA. Por fim, a
sexta linha visa promover a melhor inserção do Povo de Deus, como fermento de vida em
Cristo, através de sua inserção como fermento na construção de um mundo, segundo os
desígnios de Deus.
A sua base teológica fundamenta-se nos seguintes documentos
conciliares: GS; IM; GE; DH 350.
O terceiro tópico visa apresentar a aplicação dessas diretrizes nos planos nacionais e
regionais. Neste ínterim, criou-se uma nova estrutura, mais ainda descentralizada da CNBB,
que passa agora a ter não somente sete regionais, da época do PE, mas sim 13 351. Como fruto
da descentralização, “a CNBB potencializava seus instrumentos de ação em âmbito nacional,
350
CF. PPC p. 61-109. Também, GODOY, M.J. A CNBB e o processo de evangelização do Brasil. In:
INSTITUTO NACIONAL DE PASTORAL (Org.). Presença Pública da Igreja no Brasil (1952-2002): Jubileu
de ouro da CNBB. Op. cit. p. 389-340; BEOZZO, J. O. Igreja no Brasil: Planejamento Pastoral em Questão. In:
REB, Petrópolis, v. 42, n. 167, p. 465-472, [setembro] 1982. BEOZZO, J.O. A recepção do Vaticano II na Igreja
do Brasil. In: INSTITUTO NACIONAL DE PASTORAL (Org.). Presença Pública da Igreja no Brasil (19522002): Jubileu de ouro da CNBB. Op. cit. p. 443-44.
351
“O aumento do número de Regionais foi alcançado pelo desdobramento de alguns dos já existentes em novas
unidades. Assim, o anterior Regional Nordeste foi dividido em três: Nordeste I (Maranhão, Piauí e Ceará, com
sede em fortaleza), Nordeste II (R. Grande do norte, Paraíba., Pernambuco e Alagoas, com sede em Recife) e
Nordeste III (Bahia e Sergipe, com sede em Salvador); o antigo Sul, também em três: Sul I(São Paulo, com suas
cinco províncias eclesiásticas, com sede na capital); Sul II (Paraná, com sede em Curitiba); Sul III (Rio Grande
do Sul e Santa Catarina, com sede em Porto Alegre); o Centro-Oeste, em dois: Centro-Oeste ) Província de
Goiás) e extremo Oeste (Província de mato Grosso). Cf. Ata de 30 de setembro de 1964. CM. n. 146-147,
[nov/dez. 1964, pp. 16-17”apud BEOZZO, J.O. A recepção do Vaticano II na Igreja do Brasil. In: INSTITUTO
NACIONAL DE PASTORAL (Org.). Presença Pública da Igreja no Brasil (1952-2002): Jubileu de ouro da
CNBB. Op. cit. p. 444. O PPC oferece os dados estatísticos sobre a Igreja no Brasil, referentes a estes Regionais.
Cf. p. 176-189.
118
criando quatro novos secretariados que vinham somar-se aos oito anteriormente em ação” 352.
O Pe. Beozzo, ao afirmar que o PPC fora “elaborado por técnicos especialistas”, afirma
também que em decorrência disto, houve a necessidade de “um grande aparato de assessoria e
de órgãos técnicos de investigação e execução”
353
. Nesse sentido, houve uma verdadeira
inflação de siglas a fim de completar o quadro das dificuldades em nível da linguagem. Ao
todo foram, nesse período, computados 1 Secretaria Geral, 13 Secretariados Nacionais
(SNAL; SNAC; SNAT; SNAPES; SNAV; SNASEM; SNAMHI; SNAR; SNALE; SNED;
SNOP; SNAS; SNAP) e 11 Secretariados Regionais
354
. Por fim, tendo em vista que a
realidade eclesial é diferente, o PPC apresenta roteiros gerais de programas que cada regional
deve concretizar individualmente além de atividades inter-regionais 355.
A quarta parte diz respeito a sua aplicação em nível diocesano, tendo como objetivo
último, “ajudar a formar o povo de Deus e intensificar sua unidade em Cristo” e,
conseqüentemente, pouco a pouco renovar a Igreja particular “conforme a imagem da Igreja
do Vaticano II” 356.
O PPC, embora sendo pensado por apenas cinco anos (1966-1970), foi prorrogado
até 1974 e substituído por outra forma de organização pastoral. O intento de comunhão
explicitado por planos nacionais foi por muitos bispos visto como ingerência abusiva “na vida
das dioceses, reduzindo o poder do bispo local” 357.
352
BEOZZO, J.O. A recepção do Vaticano II na Igreja do Brasil. In: INSTITUTO NACIONAL DE PASTORAL
(Org.). Presença Pública da Igreja no Brasil (1952-2002): Jubileu de ouro da CNBB. Op. cit. p. 444.
353
BEOZZO, J.O. Igreja no Brasil – o Planejamento Pastoral em Questão. In: REB, Petrópolis, v. 42, n. 167, p.
496, [Setembro] 1982.
354
Cf. PPC P. 112-113.
355
Cf. PPC P. 118-119. Para uma visão mais detalhada do Plano nacional de atividades. Cf. PPC p. 136-175.
356
Cf. PPC p. 132.
357
GODOY, M.J. A CNBB e o processo de evangelização do Brasil. In: INSTITUTO NACIONAL DE
PASTORAL (Org.). Presença Pública da Igreja no Brasil (1952-2002): Jubileu de ouro da CNBB. Op. cit. p.
392.
119
2.1.3. A FORÇA DE MEDELLÍN: CEBs E TdL.
A II Conferência Episcopal nasceu da preocupação de aplicar o Vaticano II à
realidade da América Latina, logo após o término do Concílio, pelo bispo Manuel Larraín.
Contudo, só em 2 de dezembro de 1966, o até então presidente do CELAM, Dom Avelar
Brandão Vilela, apresentou ao Santo Padre o referido projeto. Paulo VI acatou a proposta e,
em dezembro de 1967, aprovou-o em sua estada na Capital do Peru, Lima, oficializando-o
com o tema sugestivo para o contexto da AL: “A Igreja na atual transformação da América
Latina, à luz do Concílio Vaticano II” 358.
Em janeiro de 1968, em reunião em Bogotá, foi redigido o Documento-Base
Preliminar. Esse Documento estava “distribuído em três partes distintas e complementares:
visão integral das realidades latino-americanas, reflexão teológica sobre essas realidades e
projeções pastorais para a ação da Igreja em nosso continente”
359
. Após as observações dos
episcopados e dos Dicastérios Romanos, obteve-se o Documento-Base da Conferência.
A Igreja do Brasil se preparou para essa Conferência, ocupando-se na 9ª Assembléia
Geral, realizada no Rio de Janeiro, entre os dias 15 a 20 de julho de 1968
seus representantes
361
360
, da eleição dos
. Após a abertura, em Bogotá, os trabalhos se encaminharam em
Medellín, sendo os três primeiros dias, Conferências dadas pelos teólogos e peritos e só
depois, divididos em nove Comissões, começaram os trabalhos. Muitas dessas Comissões
358
Para uma leitura mais geral dos trâmites da II Conferência, cf. HERNÁM, P. Crônica de Medellín. Bogotá:
Indo –American Press, 1975. Também, DUSSEL, E. De Medellín a Puebla. São Paulo: Paulinas.
359
VILELA, A.B. Discurso de abertura da II conferência Geral do Episcopado Latino-Americano – Medellín, 26
de agosto de 1969. In: Sedoc, Petrópolis, v.1, n. 5, p. 661, [novembro] 1968.
360
Beozzo, na página 154 da obra aqui citada faz referencia que foi na X e não na IX Assembléia Geral a eleição
para
os
delegados
para
Medellín.
Cf.
<http://www.cancaonova.com/portal/canais/especial/itaici2005/assegeral2.php.> Acesso em 25/11/2006.
361
Para uma análise pormenorizada dos trâmites desta eleição. Cf. BEOZZO, J. O. A Igreja do Brasil: De João
XXIIII a João Paulo II - de Medellín a Santo Domingo. Petrópolis: Vozes, 1994. p. 154-159.
120
foram subdividas 362.
Todos os trabalhos em Medellín foram discutidos tendo como substrato teológico as
duas Encíclicas de João XXIII – Mater et Magistra e Pacem in Terris, além da Populorum
Progressio, de Paulo VI, juntamente com a notável riqueza do Concílio Vaticano II,
principalmente referente a suas duas constituições acerca da Igreja, a LG e a GS 363.
Assim, Medellín, conforme o Pe. Beozzo afirma,
não repete o Vaticano II. Medellín refaz, num certo sentido, o Vaticano II e, em
muitos pontos, dá um passo além: aí emerge pela primeira vez a importância das
comunidades de base, esboça-se a teologia da libertação, aprofunda-se a noção de
justiça e de paz ligadas aos problemas da dependência econômica, coloca-se o
pobre no centro da reflexão da Igreja no continente 364.
A partir do Método ver, julgar e agir, Medellín denunciou a injustiça
institucionalizada, rompendo com a teoria
desenvolvimentista até então dominante no mundo político-econômico e na
mentalidade eclesiástica, desposando a recém-elaborada teoria da dependência com
362
As Comissões foram assim divididas: Comissão Justiça e Paz, que foi dividida em duas outras Subcomissões:
a da paz e da Justiça; Comissão Família e Demografia; Comissão Educação; Comissão Juventude; Comissão
Pastoral, quem foi dividida em outras quatro subcomissões: Pastoral das Massas, Pastoral das Elites, Catequese e
Liturgia; Comissão Sacerdotes e Religiosos, subdividida em outras três: Sacerdotes, Religiosos e Formação do
Clero; Comissão Pobreza na Igreja; comissão pastoral de Conjunto, subdividida em outras duas subcomissões:
Colegialidade e meios de Comunicação Social. Cf. BEOZZO, J. O. A Igreja do Brasil: De João XXIIII a João
Paulo II - de Medellín a Santo Domingo. Op. cit. p. 121.
363
Ib. p. 118-120.
364
Ib. p. 117-118.
121
a conseqüente conclusão da necessidade de uma libertação de tal dependência e de
toda as estruturas de opressão para alcançar verdadeiro desenvolvimento 365.
Nesse sentido, de Medellín, aure a valorização da Política como meio de realizar a
Macrocaridade
366
. Em decorrência disso, três outros pontos originais se concluirão desta
Conferência: a sua opção clara e exclusiva pelos pobres, embora não excludente, as
Comunidades Eclesiais de Base, como forma de acolhimento e inserção do pobre na realidade
sócio-religiosa e a produção teológica sob o signo temático da Libertação. A década de 70 foi
inteiramente um período de aplicação de suas conclusões e ao mesmo tempo, de preparação
para a III Conferência do CELAM, em Puebla, além de influenciar a temática do Sínodo dos
Bispos realizado em 1971, cujo tema foi tão pertinente: “A justiça no Mundo”. Dele se
conclamava para o mundo, o que Medellín fez para toda a América Latina de um redobrado
empenho pela justiça e pela libertação integral da pessoa humana como dimensão constitutiva
da evangelização.
2.2. A DÉCADA DE 70: A AFIRMAÇÃO DE UMA IDENTIDADE ECLESIAL
2.2.1. A ERA DAS DIRETRIZES E DA APLICAÇÃO DE MEDELLÍN
No inicio dos anos 70, a Igreja do Brasil, com a intenção de concretizar as Diretrizes
Pastorais contidas no PPC, tomou um outro rumo, criando o que se chamaria de Planos
Bienais – PB, sendo esse para vigorarem entre os anos de 1971 a 1972.
365
LIBANIO, J.B. Igreja Contemporânea: encontro com a modernidade. Op. cit. p. 127. Cf. também,
MANZATTO, A. As Primeiras Conferências do CELAM. In: Vida Pastoral, São Paulo, ano XLVII, n. 249, p. 4,
[julho/agosto] 2006.
366
Pe. Manzatto, afirma que “a política é a forma privilegiada de viver a macrocaridade, já que por meio dela se
podem estabelecer relações mais justas entres as pessoas. Mas não se trata de qualquer política, e sim daquela
que quer pensar o bem comum com base no mais fraco, reconhecendo sua dignidade e protegendo seus direitos”.
Ib. p. 4.
122
Para tanto, em 1969, quando da sua 10º Assembléia Geral, foi criado o CEP, ou seja,
o Conselho Episcopal de Pastoral e, dois anos mais tarde, em 1971, em sua 12º Assembléia
Geral, procurou eleger os seus componentes que, reunidos em agosto do mesmo ano com a
Presidência, trataram do assunto. Como diz o Pe. Gervásio, somente “em agosto, na reunião
da Comissão representativa, é que se vota o 1º Plano Bienal”
367
. Em seqüência a ele, na
década de 70, se formularam outros quatro PB que vigoraram até o inicio dos anos 80 368.
Fato relevante na caminhada pastoral da Igreja no Brasil é a opção tomada em 1974,
na 14º Assembléia Geral ocorrida em Itaici entre os dias 19 a 27:
Conservar as atuais diretrizes, isto é, o mesmo objetivo e os seis objetivos
específicos com as conseqüentes seis linhas, reformulando suas justificativas com
documentos e dados posteriores ao Vaticano II e enriquecendo-as com elementos
de reflexão teológica e da experiência pastoral dos últimos anos e, além disso,
definir certas áreas prioritárias de ação pastoral da Igreja no Brasil e elaborar
diretrizes para essas áreas
369
.
Em 1975, foram publicadas as Diretrizes Gerais da Ação Pastoral juntamente com o
3º PB. Na verdade, as Diretrizes eram uma versão melhorada da primeira e da segunda parte
do PPC e o 3º PB correspondia a sua terceira parte. Dessa forma, a CNBB deixava para os
Regionais e as Dioceses o campo mais metodológico dos planejamentos, e optou por uma
sistemática mais flexível em nível nacional. Limitou-se, portanto, a oferecer luzes para o agir
eclesial, com uma estrutura básica composta de um Objetivo Geral e seis linhas ou dimensões
pastorais. Dessa nova forma pastoral embasada nas Diretrizes, o que mais penetrará na ação
367
QUEIROGA, G. F. CNBB. Comunhão e corresponsabilidade. Op. cit. p. 394.
Para uma análise destes PB, cf. QUEIROGA, G. F. CNBB. Comunhão e corresponsabilidade. Op. cit. p. 393403.
369
Para uma análise destes PB, cf. QUEIROGA, G. F. CNBB. Comunhão e corresponsabilidade. Op. cit. p. 398.
368
123
pastoral da Igreja será o objetivo geral, presente em quase todos os planos diocesanos do país
e o Esquema das seis dimensões. As seis linhas permanecerão como estão até o ano de 1995.
As Diretrizes Gerais da Ação Pastoral foram de quatro em quatro anos revisionadas
de acordo com os documentos publicados, sejam eles de natureza Pontifícia ou Continental,
como é o caso de Puebla e Santo Domingos, além do contexto social vigente. Embora fosse
aperfeiçoando o seu Objetivo Geral de acordo com essas realidades acima mencionadas,
mantiveram também as seis linhas ou dimensões pastorais
370
. No que se refere aos Planos
Bienais, a Igreja do Brasil mantém essa prática até nos dias vigentes.
Nos anos em que se seguiram a Medellín, mesmo sob o contexto ditatorial iniciado
em 1964 e recrudescido nos anos 70371, irromperam-se grandes iniciativas de ações pastorais
em solo eclesial brasileiro como forma de aplicação de suas conclusões. Foram muitas as
iniciativas, tais como a Pastoral Indiginista criada em 1972, denominada CIMI372, a CPT, ou
seja, Comissão Pastoral da Terra, iniciada na Amazônia, mas estendida para todo o CentroOeste, Nordeste, São Paulo e pelo Sul do País, a PO, ou Pastoral Operária. Pelo final dos anos
de 1977, devido a grande contingência de meninos e meninas de rua, de maneira especial em
São Paulo, tem-se a gênese da Pastoral do Menor. Iniciativas como essas, cuja índole é
marcadamente profética junto aos marginalizados e empobrecidos, surgem também as
370
Cf. CNBB. DGAP 1975-1978. (Documentos da CNBB n. 4). São Paulo: Paulinas, 1975. Nas DGAP
posteriores – 1979-1982, é clara e incisiva a influencia da EN e de Puebla, como parece no Objetivo Geral:
“Evangelizar a sociedade brasileira em transformação a partir da opção pelos pobres, pela libertação integral do
homem, numa crescente participação e comunhão, visando à construção de uma sociedade fraterna, anunciando
assim o Reino definitivo”. Cf. CNBB. DGAP 1979-1982. (Documentos da CNBB n. 15). São Paulo: Paulinas,
1979.
371
Acerca do Regime Militar, cf. WANDERLEY, L.E. Desafios da Igreja Católica e política no Brasil. In:
INSTITUTO NACIONAL DE PASTORAL (Org.). Presença Pública da Igreja no Brasil (1952-2002): Jubileu
de ouro da CNBB. Op. cit. p. 463-470. A ação do episcopado brasileiro se faz sentir pelos seus vários
documentos regionais, como: "Ouvi os clamores do meu povo" (Nordeste, 1972), "O índio, aquele que deve
morrer" (Amazônia, 1973), "Não oprimas teu irmão" (Episcopado paulista, 1975), "Marginalização de um povo"
(Goiânia, 1985) e principalmente um em nível nacional: "Exigências cristãs de uma ordem política" (CNBB,
1977). Também se verifica a atuação do episcopado nacional pela criação da Comissão de Justiça e Paz, órgão
de defesa dos direitos humanos e de denúncia frente à violência. Um nome fundamental no diálogo com a
sociedade civil, nacional e internacional, é o do Cardeal Arcebispo emérito de São Paulo, Dom Paulo Evaristo
Arns. Cf. LUSTOSA, O.F. A Igreja Católica no Brasil República: cem anos de compromisso (1889-1989). São
Paulo: Paulinas, 1991. p. 166-174.
372
Cf. DE CAMPOS, J. N. Brasil: uma Igreja diferente. São Paulo: T. A. Queiroz, Editor. 1981. p. 123-147.
124
“Pastorais da Saúde, da Educação, dos Povos Nômades, dos Encarcerados, da Mulher
Marginalizada, dos Afros-descendentes, dos Sem Teto”
373
. Contudo,
a
grande
marca
característica deste momento, foram as CEBs 374.
Todas estas iniciativas tinham em seu bojo a opção fundamental de Medellín, ou
seja, a “opção preferencial pelos pobres”, que se tornou para Igreja a sua bandeira, sua glória
e seu martírio. Também, em torno dessas pastorais sociais e organismo, a Igreja desenvolveu
o seu grande projeto de “evangelização libertadora”. Sendo assim, lentamente, mas, com
eficiência, a Igreja foi colocando “os pobres no centro de todas as suas preocupações pastorais
e teológicas”, num grande esforço para que eles assumissem “cada vez mais seu papel de
sujeitos da história”
375
. O objeto pastoral mais eficiente para essa abordagem deu-se na
irradiação das comunidades eclesiais de Base, que, embora não seja uma invenção de
Medellín, são, contudo, o seu resultado mais polarizador em toda a Igreja do Brasil.
É difícil estabelecer, com precisão, o momento exato do surgimento da primeira CEB
no Brasil. Em geral, registra-se a origem no começo dos anos 60, sob influxo da experiência
de catequese popular na Barra do Piraí (1956) ou do Movimento da Diocese de Natal, ou
ainda do Movimento de Educação de Base.
O contexto sócio-cultural e eclesial brasileiro contribuiu para a eclosão das CEBs.
Não se pode negar a influência do esforço da Ação Católica na questão da cidadania, os
esforços de renovação pastoral do Movimento para um Mundo Melhor e dos Planos de
pastoral da CNBB - Plano de Emergência e Plano de Pastoral de Conjunto - e também a
rearticulação da pastoral popular, após o golpe militar de 1964. Alguns falam da gênese
373
GODOY, M.J. A CNBB e o processo de evangelização do Brasil. In: INSTITUTO NACIONAL DE
PASTORAL (Org.). Presença Pública da Igreja no Brasil (1952-2002): Jubileu de ouro da CNBB. Op. cit. p.
392. O testemunho de Luis Alberto Gomes de Souza é muito contundente, quanto afirma que num “tempo de
repressão, de dureza, ela –a Igreja– situou-se como resposta, como espaço de rebeldia. [...] É Interessante ver
como ela, ao se opor, cresceu em testemunho e profecia”. Cf. BARROS, R. C. Gênese e consolidação da CNBB
no contexto de uma Igreja em plena renovação. In: INSTITUTO NACIONAL DE PASTORAL (Org.). Presença
Pública da Igreja no Brasil (1952-2002): Jubileu de ouro da CNBB. Op. cit. p. 57.
374
Para uma compreensão de sua gênese, desenvolvimento e desafios, cf. TEIXEIRA, L.C. As CEBs no Brasil:
cidadania em processo. In: REB, Petrópolis, v. 53, n. 211, p. 596-615, [setembro] 1993.
375
LIBANIO, J.B. Igreja Contemporânea: encontro com a modernidade. Op. cit. p. 132.
125
remota das CEBs nas experiências de iniciativa leiga do catolicismo popular que teve a sua
marca original até a segunda metade do século XIX.
Todas essas influências não explicam completamente a gênese das CEBs no Brasil. É
ainda necessário mencionar os movimentos mais amplos de renovação eclesial, iniciados no
início do século XX, e sancionados pelo Concílio Vaticano II. Parece que o elemento
detonador das CEBs no Brasil foi exatamente a experiência única e marcante do Vaticano II.
Esse Concílio revelou seu potencial pastoral em sua abertura para o mundo e para a história e,
ao mesmo tempo, sua densidade de reflexão, postulando a imagem da Igreja como sendo o
Povo de Deus a caminho. As CEBs resgataram esses filões através da releitura que a
Conferência de Medellín, e mais tarde, de Puebla, fizeram na América Latina. Medellín
preencheu o imaginário eclesial com a temática da Libertação e Puebla, com a evangélica
opção pelos pobres. Raimundo Caramuru Barros diz que:
Podemos afirmar que as CEBs vieram como um substituto da Ação Católica, uma
vez que esta, com os avanços do Concílio, já não tinha condições de continuar. O
patrimônio da ação Católica é assimilado pela CNBB e, para que os leigos
participassem, as CEBs foram o grande instrumento. Inclusive, elas até respondiam
a um problema que a Ação Católica nunca chegou a resolver, que era o da inserção
nas paróquias. De fato, com a decorrência do Concílio, surge uma nova maneira de
ser Igreja, na qual as CEBs vão se inserir plenamente 376.
376
BARROS, R. C. Gênese e consolidação da CNBB no contexto de uma Igreja em plena renovação. In:
INSTITUTO NACIONAL DE PASTORAL (Org.). Presença Pública da Igreja no Brasil (1952-2002): Jubileu
de ouro da CNBB. Op. cit. p. 57.
126
Pelo fato de estar difundida em quase todo o território eclesial brasileiro, tem-se certa
dificuldade em encontrar traços homogêneos e constantes em todas as CEBs; porém, há
alguns elementos que, em geral, podem ser detectados 377.
Um elemento é a territorialidade, isto é, as pessoas de uma comunidade estão
situadas num território geográfico específico. É muito fácil que se conheçam e que
estabeleçam relações e contatos. "Base" significa propriamente essa concentração de pessoas
num povoado ou num bairro. As experiências históricas mostram que, muitas vezes, foram
essas comunidades que ajudaram a reivindicar serviços básicos, como água, luz, etc e a
reorganizar a vida do bairro.
A leitura e a reflexão sobre a Palavra de Deus é outro traço característico das CEBs.
Muitas comunidades começaram como reuniões bíblicas que iluminavam a vida das pessoas.
Na medida em que a vida comunitária se organizava foi introduzido também o culto
dominical ou a celebração da Eucaristia 378.
A participação e a discussão dos problemas em forma de assembléia caracterizaram
muitas Comunidades de Base. A metodologia participativa inclui a colaboração de todos na
discussão, na solução e no encaminhamento concreto do problema. Se, por exemplo, o tema é
o desemprego, há no final um compromisso concreto, que é assumido por todos: preparam-se
cestas com alimentos básicos que são distribuídas aos desempregados. Esse espírito
desencadeou a emergência de ministérios leigos que foram se multiplicando a partir das
exigências da comunidade: há ministros da Palavra, ministros da Eucaristia, ministros da
pastoral da moradia, do trabalho, do menor. Muitos serviços englobam mulheres e homens em
clubes e pequenas organizações: hortas comunitárias, clubes de mães, alfabetização de adultos
e, muitas vezes, grupos de sustentação dos movimentos populares. Esses serviços destacam o
compromisso das CEBs com os mais pobres e a relação conseqüente entre fé professada e
377
LIBANIO, J. B. Igreja Contemporânea: encontro com a modernidade. Op. cit. p. 135.
Cf. ARIOVALDO, J. Celebrações dominicais na ausência do presbítero. A propósito de um Documento da
Santa Sé. In: REB, Petrópolis, v. 49, n. 194, p. 411-417, [junho] 1989.
378
127
vida concreta. É propriamente o compromisso com as camadas mais desfavorecidas da
população que tornaram as CEBs profundamente ativas no campo social. O pobre não é visto
como problema, mas como solução no processo de construção de uma nova sociedade.
Por fim, o horizonte para o qual as CEBs se deslocam é a prática concreta de Jesus e
o sonho de realizar o Reino de Deus. Termos como justiça, fraternidade, solidariedade,
compromisso e caminhada revelam, de um lado, o seguimento de Jesus e, de outro, a vontade
de implantar concretamente o Reino de Deus.
Impulso importante para a caminhada das CEBs deu-se no ano de 1975 quando Paulo
VI publicou a Exortação Apostólica EN. Nesta, as CEBs ganharam reconhecimento oficial
por parte do Pontífice e declaradas como “destinatárias especiais da evangelização e ao
mesmo tempo evangelizadoras” 379.
A forma organizativa das CEBs deu-se com os Intereclesiais. Estes são encontros em
que se reúnem os representantes das CEBs vindos de todas as partes do Brasil, cujo objetivo é
avaliar a caminhada. Esse fato representa uma oportunidade de envolver as dioceses do País e
representantes de outras igrejas. Além disso, os Intereclesiais cumprem a finalidade de ser
memória viva da caminhada da Igreja. Desde 1975 até hoje, foram realizados onze
Intereclesiais 380.
Com o passar da caminhada, as CEBs, principalmente nos anos 80, foram
visivelmente contestadas pela Cúria Romana, no que concerne aos seus desvios e no que
tange à atividade partidária, assim como, a acusação de se tornarem uma “igreja” paralela à
379
EN 58.
BEOZZO, J. O. A Igreja do Brasil: De João XXIIII a João Paulo II - de Medellín a Santo Domingo. Op. cit.
p. 130.
380
128
Igreja 381, fato que Puebla, no final da década de 70, já tinha alertado 382.
Toda a Igreja da América Latina, além da proliferação das CEBs, estava sob o signo
da Libertação. Tendo suas raízes em Medellín, foi objetivada primeiramente pelo Teólogo
Gustavo Gutiérrez, quando da publicação, em 1971, de sua obra intitulada Teologia da
Libertação. No Brasil teve como maior expoente, Leonardo Boff. A Teologia da Libertação
trabalha os pontos afirmados em Medellín: a aproximação fé-vida como caminho
para viver o cristianismo; o compromisso com os pobres, sobretudo por meio das
comunidades de base; releitura dos conteúdos da teologia, privilegiando os pobres;
a ação política como forma de superar as atuais injustiças sociais. Essa maneira de
fazer teologia, que vai se sistematizando aos poucos, explica os caminhos pastorais
trilhados pela Igreja latino-americana na década de 70 a aponta para os
compromissos assumidos em Puebla. Na verdade, é esse pensamento que conduz a
Igreja da América Latina de Medellín a Puebla 383.
Como conseqüência imediata do desenvolvimento da TdL é a criação do conceito
Igreja da Libertação ou Igreja Popular, cujas preocupações centrais são “as comunidades
eclesiais de base e as pastorais sociais” 384. Neste ínterim, entende-se a fantástica produção de
inúmeras pastorais sociais.
381
GODOY, M.J. A CNBB e o processo de evangelização do Brasil. In: INSTITUTO NACIONAL DE
PASTORAL (Org.). Presença Pública da Igreja no Brasil (1952-2002): Jubileu de ouro da CNBB. Op. cit. p.
391. Também, DE CAMPOS, J. N. Brasil: uma Igreja diferente. Op. cit. p. 72-74. O interessante artigo do Pe. J.
COMBLIN apresenta esta problemática acerca das CEBs em relação às Paróquias, exigindo para a primeira, a
liberdade, autonomia. O Direito de Associação na Igreja. In: REB, Petrópolis, v. 53, n. 211, p. 515- 543,
[setembro] 1993.
382
Cf. DP n. 98,261,262,630. Também, JOÃO PAULO II. Discurso Inaugural pronunciado no seminário
Palofoxiano de Puebla de Los Angeles, México, em 28 de janeiro de 1979. In: CONCLUSÕES DA
CONFERÊNCIA DE PUEBLA: Evangelização no presente e no futuro da América latina – Texto Oficial. São
Paulo: Paulinas, 1987. p. 18-23.
383
MANZATTO, A. As Primeiras Conferências do CELAM. In: Vida Pastoral, São Paulo, ano XLVII, n. 249,
p. 5, [julho/agosto] 2006.
384
LIBANIO, J.B. Igreja Contemporânea: encontro com a modernidade. Op. cit. p.138.
129
Ao final da década de 70, diante de toda essa nova consciência eclesial emitida por
Medellín, surgiram centros de oposição
385
. Segundo o Pe. Libanio, três tendências se
confrontavam:
Um grupo conservador, por razões sociais e teológicas, considerava o processo
desencadeado por Medellín e colocado sob sua égide contaminado pelo marxismo e
por uma visão deturpada de Igreja, por isso mesmo, também teologicamente
condenável. Propugnava profunda correção de rota teológico-pastoral da Igreja da
América Latina. Um segundo grupo defendia a continuação com as decisões
tomadas em Medellín, aprofundando-lhes ainda mais as conseqüências nos
diferentes campos. E um terceiro grupo procurava situar-se no meio, propugnando
certa matização das opções de Medellín, sem, porém, negar-lhe a inspiração
profunda. No fundo, estava em jogo a trajetória que a Igreja da América Latina
vinha percorrendo desde depois do Concílio até Puebla 386.
2.2.2. PUEBLA: SINAL DE EQUILÍBRIO NA COMUNHÃO E NA PARTICIPAÇÃO
Puebla, a III Conferência do episcopado latino-americano, realizada em Puebla de
Los Angeles, México, entre os dias 28 de janeiro a 15 de fevereiro de 1979, é o resultado de
dez anos de intensa procura de consolidação das conclusões de Medellín. Como já se sabe,
Puebla foi convocada por Paulo VI, reconfirmada por João Paulo I, mas realizada por João
Paulo II, devido à morte dos dois Papa antecessores.
385
CF. ROLIM, F.C. Neoconservadorismo Eclesiástico e uma Estratégica política. In: REB, Petrópolis, v. 49, n.
194, p. 259-281, [junho] 1989. Memorandum de Teólogos da Alemanha Federal sobre a Campanha contra a
Teologia da Libertação. In: REB, Petrópolis, v. 37, n. 148, p. 788-792, [dezembro] 1977.
386
LIBANIO, J.B. Igreja Contemporânea: encontro com a modernidade. Op. cit. p. 127-128.
130
Como marca característica dessa terceira Conferência, além da sucessiva morte dos
Pontífices, tem-se também a eleição do Papa João Paulo II que será, para a Igreja Latinoamericana, um divisor de águas. O Pe. Libanio, aludindo a isto, diz:
Três fatores eclesiais marcaram as decisões da conferência de Puebla: a pujante
vida eclesial da América latina, a presença do papa João Paulo II, recém-eleito, e a
linha dominante do secretariado organizador da assembléia. O documento será um
equilíbrio, às vezes frágil e conflituoso entre essa tríplice influência básica 387.
Quanto à expectativa de continuidade de Medellín, é clara a dupla posição do novo
Pontífice: a primeira, de continuidade com a herança de Medellín, quando com insofismável
clareza, afirmava “a gravidade da problemática social do continente, manifestando reservas
críticas às ideologias vigentes: capitalistas, socialistas e da segurança nacional. Assumiam a
defesa, com valentia e sem regateios, dos direitos inalienáveis da pessoa humana” 388.
De outro lado, refletia seus temores e receios diante de posturas extremas:
Nestes dez anos quanto caminhou a humanidade e com a humanidade e a seu
serviço, quanto caminhou a Igreja. Essa III Conferência não pode desconhecer esta
realidade. Deverá, pois, tomar como ponto de partida as conclusões de Medellín,
com tudo o que tem de positivo, mas sem ignorar as incorretas interpretações por
387
388
Ib. p. 128.
Ib. p. 128.
131
vezes feitas e que exigem sereno discernimento, oportuna crítica e claras tomadas
de posição 389.
O tema desta Conferência – Evangelização no presente e no futuro da América
Latina - está em profunda sintonia com a Encíclica EN de Paulo VI, promulgada quatro anos
antes, em 1975. O Documento se desdobra em cinco partes, a saber: I visão pastoral da
realidade da América Latina; II Desígnio de Deus sobre a América Latina; III A
Evangelização na Igreja da América Latina: comunhão e participação; IV A Igreja
missionária a serviço da evangelização na América Latina; V Opções Pastorais.
Todo o Documento está estruturado segundo o método Ver, Julgar e Agir, já
consagrado em Medellín. A partir dele, constata que a desgraça da injustiça social é um
pecado a combater. Nesse sentido, na esteira da EN, declara que o caminho da evangelização
passa necessariamente pelo víeis da promoção da dignidade humana 390.
Para tanto, Puebla ratifica as CEBs
pelos Jovens
392
e outra, pelos Pobres
393
391
e faz duas opções preferenciais: uma,
. No que diz respeito à opção pelos pobres, para
disseminar qualquer tipo de ideologia a seu respeito, acrescenta-lhe uma roupagem mais
teológica do que ideológica, quando os olha como tipo dos anwin. O Pobre aqui não é
389
JOÃO PAULO II. Discurso Inaugural pronunciado no seminário Palofoxiano de Puebla de Los Angeles,
México, em 28 de janeiro de 1979. In: CONCLUSÕES DA CONFERÊNCIA DE PUEBLA: Evangelização no
presente e no futuro da América latina – Texto Oficial. São Paulo: Paulinas, 1987. p. 16.
390
Cf. É conhecida pela revelação: DP n. 316,319-320; Como valor evangélico: DP n. 1254; Jesus a restaura: DP
n. 331; consiste em ser mais e não em ter mais: DP 339; é constantemente violada: DP n. 41; atropelada, DP n.
1261-1262.
391
Cf. O que é: DP n. 641-643; amadureceu muito e se multiplicou: DP n. 96; começaram a produzir frutos: DP
n. 97; reconhece-se sua vitalidade: DP n. 156; torna possível uma Intensa vivencia da Igreja como Família de
Deus: DP n. 239; seus frutos positivos: DP n. 629, 640; em alguns lugares são manipuladas por políticos: DP n.
98, ou vão perdendo seu sentido eclesial: DP n. 630, ou degeneram para a anarquia organizativa ou para o
elitismo fechado e sectário: DP n. 261, ou na Igreja “Popular”: DP n.262,263; sua fé deve ser a da Igreja
universal: DP n. 373; devem ser promovidas, orientadas e acompanhadas: DP n. 648, também nas grandes
cidades: DP n. 648. Também, DE CAMPOS, J. N. Brasil: uma Igreja diferente. Op. cit. p. 92-102.
392
Cf. DP n.1166-1205.
393
Cf. DP n. 1135-1165. Também, DE CAMPOS, J. N. Brasil: uma Igreja diferente. Op. cit. p. 87-92.
132
entendido como o necessitado, mas como aquele que é explorado, oprimido. Nos números 31
a 49, o Documento apresenta esses rostos 394.
Para tanto, Puebla propõe para toda ação eclesial o princípio da “Comunhão e da
Participação”, como princípios constitutivos para uma autêntica e verdadeira libertação.
A Igreja no Brasil, na década de setenta, viveu o seu momento áureo de vitalidade e
de formação de uma nova e original identidade, seja pelos progressivos passos na esfera
Pastoral Orgânica ou de conjunto, seja pela aplicação dos conceitos renovadores e
provocadores de Medellín, principalmente, enquanto criação, sustentação e multiplicação das
CEBs e de um suporte teológico, que, não sendo eminentemente original, foi profundamente
explorado e aplicado com profundidade, segundo o contexto vital da época. Embora sua
postura social tenha sido forjada anteriormente à década de 60 e 70, só com o advento do
Concílio Vaticano II e com sua aplicação em Medellín é que essa postura passou de ser de um
grupo progressista para uma mentalidade, uma identidade, uma consciência eclesial.
3. O TERCEIRO PERÍODO: UM REPENSAR A SUA IDENTIDADE - 19801994
Esse terceiro período de nossa caminhada pastoral terá como marca profunda a
influência do novo Pontífice João Paulo II395 com suas novas orientações, principalmente no
que se refere à ala progressiva da Igreja, aos desvios das CEBs, como já alertara o Documento
394
São eles: os Indígenas e afros-descendentes, camponeses sem terra, operários, desempregados e
subdesempregados, marginalizados e aglomerados urbanos, jovens frustrados socialmente e desorientados,
crianças golpeadas pela pobreza, menores abandonados e carentes, a mulher. Em outros textos, ainda acrescenta
os migrantes e as prostitutas.
395
Cf. BEOZZO, J. O. A Igreja do Brasil: De João XXIIII a João Paulo II - de Medellín a Santo Domingo. Op.
cit. p. 224-225.
133
de Puebla e, por fim, a TdL. Esse período será de grande tensão, no que concerne à construção
ou manutenção da Identidade eclesial, como bem afirma Mainwaring: “Entretanto, por volta
de 1982, as pressões dos conservadores contra a Igreja brasileira aumentaram e ela começou a
se movimentar num ritmo mais cauteloso e se tornou um agente político de menor
importância” 396.
3.1. A DÉCADA DE 80: CONFLITO ENTRE MENTALIDADES
3.1.1. A RELAÇÃO ENTRE IGREJA DO BRASIL E A SANTA SÉ: CONFLITO DE
PROJETOS
A relação entre a Igreja do Brasil e a Santa Sé, na passagem da década de 70 a 80,
passou de um apoio e estímulo à contenção e intervenção. Isto se deve, eminentemente, pelo
caminho difícil de conciliação no que concerne à postura eclesial a tomar 397.
Como bem afirma o Pe. Beozzo, essa forma de contenção é fruto já de Puebla e da
visita do Papa ao Brasil. Contudo, “Puebla, em boa parte devido à atuação decidida da
delegação brasileira, reafirmou as pautas centrais de Medellín, como a opção preferencial
pelos pobres. E a viagem do papa, em suas grandes linhas, foi sentida como um apoio ao
trabalho da Igreja do Brasil” 398.
Desde o final da década de 70, a Igreja do Brasil já começava a sentir esse clima
conflitante com Roma, quando da sua não aceitação do projeto “Jornadas Internacionais por
uma Sociedade superando as dominações”. Como ponto conflitante ainda se situa algumas
396
MAINWARIN:G, S. Igreja Católica e Política no Brasil (1916-1985). São Paulo: Brasiliense, 1989. p. 265.
BEOZZO, J. O. A Igreja do Brasil: De João XXIIII a João Paulo II - de Medellín a Santo Domingo. Op. cit.
p. 213. Também do mesmo autor, Igreja do Brasil e Santa Sé. In: Vozes, Petrópolis, ano 75, p. 21, [janeirofevereiro] 1981.
398
BEOZZO, J. O. A Igreja do Brasil: De João XXIIII a João Paulo II - de Medellín a Santo Domingo. Op. cit.
p. 224-225.
397
134
posturas tomadas pela Igreja do Brasil, que, segundo Roma, eram incompatíveis para o
momento 399.
No ano de 1969, a CNBB, quando da sua 10ª Assembléia Geral em São Paulo400,
diante do déficit de sacerdotes, reflete acerca dos ministérios e vota pela possibilidade da
ordenação de homens casados e da prestação de alguns serviços pastorais por parte daqueles
sacerdotes que outrora haviam deixado o ministério
401
. Outro ponto tomado pela Igreja do
Brasil é referente á inculturação da Liturgia em meios às camadas sociais menos prestigiadas,
como os negros e os índios 402.
Fato marcante do início da década de 80 que, explicitamente, elucida esse clima de
desarmonia, é a intervenção de Roma, por carta endereçada a todos os bispos pela pessoa do
cardeal Baggio, proibindo os bispos de participarem do Congresso Internacional Ecumênico
de Teologia. Este foi realizado entre os dias 21 de fevereiro a 1º de março em São Paulo,
durante o dia e a noite, na PUC, para um público de mais de duas mil pessoas das CEBs. Esse
evento fora promovido pela Associação Ecumênica de Teólogos do Terceiro Mundo
(ASETT), sob a presidência do cardeal Dom Paulo Evaristo Arns e do bispo metodista, Dr.
399
Cf. CNBB. “Lançamento das Jornadas Internacionais por uma sociedade superando as dominações”. In: CM,
n. 286, p. 626-634, [julho] 1976. Id. “Circular do Presidente da CNBB (24/07/1976, p-c, n. 1498/76) sobre as
‘jornadas [...]”. In: CM n. 289, p.1041-1045, [outubro] 1976. “Votações pela continuidade do projeto na XV
Assembléia Geral da CNBB (Itaici, 8 a 17 fevereiro 1977); 194 votantes, 142 favoráveis, 21 contra e 31
abstenções”. In: CM n. 293, fevereiro 1977, p. 229; “jornadas (...)” In: CM, n. 293, p. 391-397, [fevereiro] 1977.
(Informando sobre o andamento do projeto e as adesões Internacionais); PADIN, D, Cândito, “Circular aos
presidentes das Conferências Episcopais latino-americanas sobre as Jornadas Internacionais (Rio de Janeiro,
16/07/1977 – SG. N. 1.472/77”. In: CM, n. 298, p. 865-866, [julho] 1977. (O CELAM recusa sua adesão para
“não aparecer como uma pressão sobre as Conferências Episcopais”). Apud BEOZZO, J. O. A Igreja do Brasil:
De João XXIIII a João Paulo II - de Medellín a Santo Domingo. Op. cit. p. 293-294.
400
Beozzo, na página 214 da obra aqui citada faz referencia que foi na IX e não na X A. Geral a eleição para os
delegados para Medellín. Cf. <http://www.cancaonova.com/portal/canais/especial/itaici2005/assegeral2.php.>
Acesso em 25/11/2006.
401
Importante o testemunho do Bispo Dom Valfredo Tepe, no Sínodo de 1990 a respeito “dos porquês” dessa
tomada de posição da Igreja do Brasil. Cf. TEPE, V. Identidade do Padre na situação atual (Intervenção no
Sínodo dos Bispos, Roma, 30/09-28/10 de 1990). In: CM, ano 39, n.445, p. 1332-1333, [outubro] 1990.
402
Durante a XV Assembléia. Geral, realizada entre os dias 8 a 17 de fevereiro de 1977, a CNBB propõem este
projeto a fim de “facilitar uma penetração mais plena da liturgia no coração desta gente simples, através de uma
forma de celebração que seja mais adequada à cultura e às circunstancias que lhe são próprias”. Cf. CNBB.
Diretório para missas com grupos populares. (Documentos da CNBB n. 11) São Paulo: Paulinas, 1977. p. 3. Cf.
também, ponto 1.2 e 1.5. p. 6. Acerca da tomada de posição de Roma. Cf. Carta da Sagrada Congregação para os
Sacramentos e o culto Divino a D. Ivo Lorscheiter – Roma, 2 de março de 1982, n. 1649/81. In: CM, n. 354, p.
258, [março] 1982.
135
Paulo Ayres Matos. Dom Paulo teve que retirar o seu patrocínio por pedido do cardeal
Baggio. Contudo, o Cardeal Arns, recorrendo diretamente ao Papa, pediu-lhe a continuidade
por se tratar de um encontro ecumênico 403.
Diante de tantos entraves, a visita do Papa João Paulo II foi aguardada entre
esperanças e temores. “Esperanças pelas firmes posições que o papa vinha tomando na defesa
dos direitos humanos; temores pela sua orientação mais conservadora no campo teológicopastoral” 404. Contudo, sua visita foi um paradoxo para ambas as tendências vigentes na esfera
eclesial 405.
Fato relevante foi a chegada da Carta, datada de 10 de dezembro, muito embora
viesse ao conhecimento do episcopado brasileiro somente em janeiro do ano seguinte, depois
da visita ao Brasil do Papa João Paulo II. Nela, num primeiro momento, tece grande elogio à
Igreja do Brasil por seu espírito incisivo e atuante na realidade social do país. Porém, num
segundo momento, não deixou de expressar sua profunda preocupação quanto aos possíveis
desvios doutrinários e de horizontes, referente à Identidade eclesial.
...não é menos certo que a Igreja perderia sua identidade mais profunda –e, com a
identidade, a sua credibilidade e a sua eficácia verdadeira em todos os campos –se
sua legítima atenção às questões sociais a distraísse daquela missão essencialmente
religiosa que não é primordialmente a construção de um mundo material perfeito,
mas a edificação do Reino que começa aqui...406.
403
Cf. BEOZZO, J. O. A Igreja do Brasil: De João XXIIII a João Paulo II - de Medellín a Santo Domingo. Op.
cit. p. 228-229. Para uma leitura crítica deste acontecimento, cf. DE CAMPOS, J. N. Brasil: uma Igreja
diferente. Op. cit. p. 156-163.
404
BEOZZO, J. O. A Igreja do Brasil: De João XXIIII a João Paulo II - de Medellín a Santo Domingo. Op. cit.
p. 229.
405
Cf. Ib. p. 229-232.
406
JOÃO PAULO II. Carta aos bispos do Brasil de 10.12.1980. In: COLLANTES, J. A Fé Católica: documentos
do Magistério da Igreja – Das origens aos nossos dias. Rio de Janeiro: Lumen Christi. n. 7.289. O documento
completo pode ser apreciado no seu todo In Sedoc, Petrópolis, v. 13, n. 139, p. 807-812, [março] 1981.
136
Nessa mesma Carta, ainda continua:
Mais grave seria a perda de identidade se, a pretexto de atuar na sociedade, a Igreja
se deixasse dominar por contingências políticas, se tornasse instrumento de grupos
ou pusesse seus programas pastorais, seus movimentos e suas comunidades à
disposição ou a serviço de organizações partidárias 407.
Posteriormente, no dia 29 de dezembro, foi ainda recebida uma outra Carta, cujo
remetente era o até então Secretário de Estado, Dom Agostinho Casaroli, dirigida, agora, à
CNBB. Nela, outro dado que suscitaria grande conflito, pois dava “diretrizes muito duras para
a pauta e funcionamento da próxima Assembléia da CNBB, em tom praticamente
desaprovador da conduta até então seguida pela entidade” 408. Como resposta, o Presidente da
CNBB, Dom Ivo Lorscheiter, respondeu ao Papa em Carta datada de 14 de janeiro de 1981.
Nela expressa sua perplexidade e de toda a Igreja do Brasil 409.
Contudo, em visita mais tarde ao Santo Padre, no dia 19 de janeiro, em audiência
com o mesmo e com o cardeal Casaroli, pôde resolver todo esse impasse da melhor forma.
Quando da abertura da XIX Assembléia Geral, realizada entre os dias 17 a 26 de fevereiro,
em Itaici e Indaiatuba, o Presidente Dom Ivo apresentou um telex recebido do Papa em que
reiterava a sua unidade com os bispos do Brasil 410.
Ademais, muitos outros pontos desgastantes formaram a agenda conflituosa dos anos
80 entre a Igreja do Brasil e a Santa Sé, entre os quais, três merecem maior destaque, como
407
JOÃO PAULO II. Carta aos bispos do Brasil de 10.12.1980. In: COLLANTES, J. A Fé Católica: documentos
do Magistério da Igreja – Das origens aos nossos dias. Rio de Janeiro: Lumen Christi. n. 7.290.
408
Adendo à Ata n. 1 acerca da Reunião Privativa que precedeu à solene sessão de abertura da XIX Assembléia
Geral da CNBB – 17/02/1981. In: CM. n. 341. p. 68-70. [Fevereiro] 1981. Cf. também BEOZZO, J. O. A Igreja
do Brasil: De João XXIIII a João Paulo II - de Medellín a Santo Domingo. Op. cit. p. 232-234.
409
Cf. Carta de Dom. Ivo Lorscheiter a João Paulo II - Brasília 14 de janeiro de 1981. In: CM, n. 340, p. 20-21.
[janeiro] 1981.
410
Cf. XIX ASEMBLÉIA DA CNBB. Adendo à ata n. 1. In: CM, n. 341, p. 69, [fevereiro] 1981.
137
apresenta o Pe. Beozzo: a controvérsia em torno da TdL, incluindo de modo especial o caso
do frade Leonardo Boff 411, a formação sacerdotal 412 e a nomeação dos bispos 413.
Conforme o Pe. Godoy, apesar de todo esse cenário conflituoso, que encerra a
década de 80, a Igreja do Brasil ainda foi “bastante vibrante, não sem, porém, um crescente
fosso entre as duas alas bem marcadas: uma que incentiva a participação da Igreja na
construção da sociedade democrática e outra que concretamente se fechava nos assuntos
internos” 414.
Na metade da década de 80, realizou-se em Roma um Sínodo extraordinário dos
Bispos, convocado por sua Santidade o Papa João Paulo II, por ocasião dos vinte anos do
encerramento do Concílio Vaticano II, a fim de fazer um balanço retrospectivo. A conclusão é
clara: há duas correntes de interpretação e de aplicação no pós-Concílio. A primeira, mais
411
Cf. CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA FÉ: Instrução Libertatis nuntius sobre alguns aspectos da
“Teologia da Libertação”. 6.8.1984. In: COLLANTES, J. A Fé Católica: documentos do Magistério da Igreja –
Das origens aos nossos dias. Rio de Janeiro: Lumen Christi. n. 7327ss. Instrução Libertatis conscientia sobre a
liberdade cristã e a libertação. 22.3.1986. In: COLLANTES, J. A Fé Católica: documentos do Magistério da
Igreja – Das origens aos nossos dias. Rio de Janeiro: Lumen Christi. n. 7401ss. Também, BEOZZO, J. O. A
Igreja do Brasil: De João XXIIII a João Paulo II - de Medellín a Santo Domingo. Op. cit. p. 237-266. Também,
RATZINGER, J. Instrução sobre a Teologia da Libertação. In: REB, Petrópolis, v. 44, n. 176, p.691-694,
[dezembro] 1984. Da mesma edição são todos os outros artigos que se seguem: ALMEIDA, L.M. Subsídios
para o estudo da Instrução sobre alguns aspectos da “Teologia da Libertação” (ITL). p. 695-699;
LORCHEIDER, A. Observações a respeito da “Instrução sobre alguns aspectos da Teologia da Libertação”. p.
700-708; BOFF, L.; BOFF, C. Em vista do novo Documento Vaticano sobre a Teologia da Libertação. p. 709725; BRASIL, H. R. de L. Observações acerca da “Instrução sobre alguns aspectos da ‘Teologia da
Libertação’”. p. 726-735; SANTA ANA, J. Luzes e sombras no texto Vaticano sobre a Teologia da Libertação.
p. 736-743; MUÑOZ, R. Os dois princípios básicos no documento da Santa Sé. p. 744-748; RICHARD, P.
Avanços e recuos no Documento sobre a Teologia da Libertação. p. 749-755; CAVAZZUTI, T. Algumas
distinções necessárias na leitura do Documento sobre a Teologia da Libertação. p. 756-763; SCHILLEBEECKX,
E. A Instrução sobre a Teologia da Libertação se dirige a um intelector errado. p. 764-767; LA VALLE, R. A
verdadeira refutação do ateísmo pela Teologia da Libertação. p. 768-769; MADURO, O. Nota sobre o marxismo
da Instrução Vaticana. p. 770-773; ZIZOLA, G. Reações da opinião pública ao Documento do Santo Ofício. p.
774-780; CASTILLO, F. Os Cristãos e o Marxismo: um problema com história. p. 781-792; GUTIÉRREZ, G.
Teologia e Ciência sociais. p. 793-817; Na parte de Documentação, tem-se a alocução do Papa aos bispos do
Peru por ocasião de sua visita Ad Limina. A Igreja não precisa recorrer a ideologias estranhas à fé. p. 835-839;
Na parte de Crônica Eclesiástica, tem-se o relato do frei Leonardo Boff para esclarecer acerca dos pontos
doutrinários do livro Igreja: carisma e poder: BOFF, L. Minha convocação à Sagrada Congregação para a
Doutrina da Fé: um testemunho pessoal. p. 845-852. No que se refere ao caso Boff, pode ser apreciado entre
outros estes artigos publicado pela REB: PALACIO, C. Da polêmica ao debate teológico – A propósito do livro
Igreja: carisma e poder. In: REB, Petrópolis, n. 166, p. 261-288. Censura romana: Teólogo observará silencio
obsequioso. In: REB, Petrópolis, v. 45, n. 179, p. 595-604, [setembro] 1985.
412
BEOZZO, J. O. A Igreja do Brasil: De João XXIIII a João Paulo II - de Medellín a Santo Domingo. Op. cit.
p. 266-278.
413
Ib. p. 279-289.
414
GODOY, M.J. A CNBB e o processo de evangelização do Brasil. In: INSTITUTO NACIONAL DE
PASTORAL (Org.). Presença Pública da Igreja no Brasil (1952-2002): Jubileu de ouro da CNBB. Op. cit. p.
393-394.
138
progressista que crê “pôr-se na esteira daquele espírito que soprou no Concílio e animou a
renovação dos anos pós-conciliares”
415
. A segunda, mais conservadora, além de tecer uma
lista de males advinda não do Concílio, mas de sua má interpretação, constata um
crescimento, “neste período da secularização, do ateísmo, do materialismo, da indiferença, da
injustiça no mundo, produzindo efeitos negativos no interior da Igreja, sobretudo na incorreta
maneira de compreender-lhe a missão espiritual e a ação temporal” 416.
Tempos antes, o próprio cardeal Ratzinger expressava claramente esse clima
pessimista do pós-Concílio:
O Concílio Vaticano II encontra-se hoje numa luz crepuscular. É incontestável que
os últimos 20 anos foram nitidamente desfavoráveis para a Igreja católica. Os
resultados que se seguiram ao Concílio parecem cruelmente opostos às expectativas
de todos, a começar pelos papas João XXIII e depois do papa Paulo VI. O papa e os
Padres conciliares esperavam uma nova unidade católica e em vez disso foi-se a um
dissenso que – para usar as palavras de Paulo VI – pareceu passar da autocrítica à
autodestruição. Esperava-se um novo entusiasmo e, demasiadas vezes, terminou-se
no tédio e no desencorajamento. Esperava-se um salto para frente, em vez disso,
chegou-se a um processo progressivo de decadência sob a bandeira de um suposto
‘espírito do Concílio’ e desse modo o desacreditaram 417.
Urge necessariamente, após estas constatações por parte da hierarquia curial,
promover um projeto de restauração418 da própria identidade eclesial. Com esse propósito de
restauração, a Igreja por meio de sua estrutura assim como da proposta ministerial do
415
LIBANIO, J.B. Igreja Contemporânea: encontro com a modernidade. Op. cit. p. 155.
Ib. p. 156; 157-158.
417
RATZINGER, J. MESSORI. V. 1985. A Fé em crise: o cardeal Ratzinger se Interroga. São Paulo: EPU. p.
16.
418
Ib. p. 23.
416
139
Pontífice vai viver nos anos vindouros a partir da década de 80 um neoconservadorismo
419
,
que desembocará na arquitetura de um Projeto Hegemônico não visando a uma
reevangelização, mas sim a uma evangelização nova. Nova em seu ardor, em seus métodos,
em suas expressões 420. Oficialmente, o Projeto “Nova Evangelização” foi lançado no Haiti na
XIX Assembléia do CELAM, em vista do ano 2000.
A necessidade de um projeto centralizador, em que a disciplina fosse novamente
restaurada no interior da Igreja, seja para os fiéis, seja para a sua hierarquia, já fora sentida a
sua necessidade no final do pontificado de Paulo VI 421, perpassando o brevíssimo pontificado
de João Paulo I 422 e, é claro, estruturada no pontificado de João Paulo II 423.
Esse Projeto de Restauração traz em seu bojo três movimentos circulares:
Num primeiro, o mais importante e fundamental, busca-se um ponto dogmático
central, em torno do qual tudo deve girar. A preocupação doutrinal pede que se
tenha clareza sobre as verdades a serem ensinadas no interior da Igreja e sobre a
mensagem a ser anunciada a todas as pessoas. Logo de início, impinge-se a esse
primeiro movimento o caráter cristocêntrico. Mais adiante, elabora-se o Catecismo
da Igreja Católica, de cunho universal, que sintetiza, de maneira clara e precisa,
todo o ensinamento fundamental da fé católica em termos atualizados e aceitáveis.
Desse pressuposto teológico cristocêntrico, deduzem-se duas conseqüências
básicas. Uma primeira para o interior da Igreja. Sente-se a necessidade de organizar
as estruturas, a disciplina, vida interna da Igreja de tal modo que ela possa
419
CF. ROLIM, F.C. Neoconservadorismo Eclesiástico e uma Estratégica política. In: REB, Petrópolis, v. 49, n.
194, p. 259-281, [junho] 1989.
420
JOÃO PAULO II. Discurso de abertura da IV Conferência Geral do CELAM, p. 10. In: SANTO DOMINGO:
IV Conferência Geral do CELAM- Nova Evangelização, Promoção Humana e Cultura Cristã. Petrópolis: Vozes.
1992.
421
Cf. LIBANIO, J.B. Igreja Contemporânea: encontro com a modernidade. Op. cit. p. 163.
422
Cf. JOÃO PAULO I. Primeira radiomensagem. Osservator Romano, ed port. 3. setembro de 1978, p. 6.
423
Cf. JOÃO PAULO II. Sob o signo da fidelidade à luz do Concílio. Osservator Romano, ed port. 27. Outubro
de 1978, p. 1-2.
140
coesamente revigorar a fé de seus membros e cumprir a missão evangelizadora. É o
movimento da ‘volta à grande disciplina’.
E o terceiro movimento dirige-se para fora da Igreja. Nas pegadas da constituição
pastoral Gaudium et Spes e em continuidade com o ensinamento social do
magistério, sobretudo pontifício, a Igreja adota posição destemida e intransigente
de defesa dos direitos humanos. A novidade desse projeto é a estrita vinculação de
tais direitos com a pessoa de Cristo. Pois, na verdade, são direitos derivados, em
última análise, da encarnação do Verbo, que assumiu nossa humanidade e
história 424.
Os três movimentos têm como horizonte maior a Nova Evangelização
425
, visto que
só uma Igreja bem estruturada – movimento disciplinar – e coesa em torno da mensagem de
Cristo – cristocentrismo – e aberta aos problemas humanos – movimento social – pode clamar
em alto e bom som: “Povos todos, abri as portas a Cristo” 426.
Contudo, o Projeto integrador não foi totalmente aceito entre os ciclos teológicos e
eclesiais, principalmente em meios latinos. Como é característico desse período, houve a
tentativa de um projeto alternativo. A convivência desses dois projetos foi ora entre tensões,
ora em execução paralela 427. Toda a temática desenrolar-se-á na IV Conferência do CELAM,
em Santo Domingo. Até lá, ocorreram muitas oposições e controvérsias dos dois lados.
424
LIBANIO, J.B. Igreja Contemporânea: encontro com a modernidade. Op. cit. p. 165.
Para uma explanação do seu aspecto cristocêntrico, eclesiológico. Cf. LIBANIO, J.B. Igreja Contemporânea:
encontro com a modernidade. Op. cit. p. 166-181.
426
Cf. RMi, n. 3.
427
Cf. LIBANIO, J.B. Igreja Contemporânea: encontro com a modernidade. Op. cit. p. 174-181.
425
141
3.1.2. A IGREJA DO BRASIL E A SUA ATUAÇÃO PASTORAL
Neste ínterim, percebe-se que a evolução da caminhada pastoral da Igreja não parou,
mesmo diante de tantos conflitos internos e externos, seja no plano eclesial, seja no social.
Iniciando a década de 80, a CNBB, ocupou-se de três428 Assembléias Gerais, com o intuito de
abordar e estudar as orientações trazidas pelo Sínodo da Catequese, realizado em 1977, para
poder aplicá-los à realidade vigente. Desta análise, surgiu o documento Catequese
Renovada429 Em sua 21ª. Assembléia Geral, além de publicar esse documento, também
publicou suas novas Diretrizes Pastorais da Ação Pastoral para o quadriênio 1983-1986.
Mantendo-se fiel às seis linhas ou, agora, oficialmente denominadas como dimensões, houve
renovação quanto ao seu Objetivo Geral:
Evangelizar o povo brasileiro em processo de transformação socioeconômica e
cultural, a partir da verdade sobre Jesus Cristo, a Igreja e o homem, à luz da opção
preferencial pelos pobres, pela libertação integral do homem, numa crescente
participação e comunhão, visando à construção de uma sociedade mais justa e
fraterna, anunciar assim o Reino definitivo 430.
428
18ª Assembléia Geral realizada entre os dias 05 a 14 de fevereiro de 1980, em Itaici, Indaiatuba-SP. Nela se
ocupou do tema: Catequese: Aplicação da "Catechesi Tradendae". A 19ª Assembléia Geral realizou-se em
Itaici, Indaiatuba-SP entre os dias 17 a 26 de fevereiro de 1981, abordando o tema: Catequese: Apresentação do
Roteiro para "Catequese Renovada". A 20ª Assembléia Geral realizou-se entre os dias 09 a 18 de fevereiro de
1982 em Itaici, Indaiatuba-SP. Nela se ocupou do tema: Catequese: Educação Permanente da Fé.
429
Cf. CNBB. Catequese Renovada: orientações e conteúdo. (Documentos da CNBB n. 26). São Paulo:
Paulinas, 1983.
430
CNBB. DGAP 1983-1986. (Documentos da CNBB n. 28). São Paulo: Paulinas, 1983. p. 6.
142
Fato interessante a partir desta, são as opções pastorais ou destaques pastorais:
jovens, CEBs, Vocação e Ministérios, Família, Leigos e Mundo do trabalho431. Percebe-se
também, uma maior aplicação das conclusões de Puebla.
É desse período, também, toda a controvérsia acerca da Teologia da Libertação,
como já nos referimos acima. Também, em contexto social, a Igreja do Brasil procurou ser
um sinal profético, uma vez que a sociedade brasileira estava passando por sua etapa de
redemocratização. Desse período, dois documentos denotam à contribuição da Igreja, nesse
aspecto: “Por uma nova Ordem constitucional”, de 1986, e “Exigências éticas da Ordem
democrática”, de 1989. O primeiro foi estudado e elaborado na 24ª Assembléia Geral – 9 a 18
de abril – e o segundo, na 27ª Assembléia Geral de 5 a 14 de abril –. Como eco desses dois
documentos, é, ainda, publicado pela CNBB em 1977 o documento: “Exigências cristãs de
uma ordem Política”.
No final dessa década, em sua 25ª Assembléia Geral – 22/04 a 01/05 – foram ainda
publicadas as suas novas Diretrizes Gerais da Ação Pastoral para o quadriênio de 1987 a
1990. Como de praxe, mantêm-se as seis linhas, mas o Objetivo Geral é modificado:
Evangelizar o povo brasileiro em processo de transformação social, econômica,
política e cultural, anunciando a plena verdade sobre Jesus Cristo, a Igreja e o
homem, à luz da evangélica opção preferencial pelos pobres, pela libertação
integral do homem, numa crescente participação e comunhão, visando formar o
povo de Deus e participar da construção de uma sociedade justa e fraterna, sinal do
reino definitivo 432.
431
432
Cf. Ib. n. 106-258.
Cf. CNBB. DGAP 1987-1990. (Documentos da CNBB n. 38). São Paulo: Paulinas, 1987. p. 9.
143
Da mesma forma como a anterior, têm-se aqui alguns destaques, tais como: meios de
Comunicação, Juventude e Família 433. No ano seguinte, em sua 26ª Assembléia Geral, de 13
a 22 de abril, nossos bispos tomaram como tema central a ser discutido, a questão da “Igreja:
Comunhão e Missão”. Conscientes da abrangência do tema, mas com grande convicção de
que ele poderia colaborar para o fortalecimento da comunhão eclesial e a renovação da
experiência de fidelidade a Deus Trindade, foi publicado, como fruto de suas reflexões como
Documento
434
. Este traz consigo grande influência do Sínodo Extraordinários dos Bispos,
principalmente no que tange à compreensão da Igreja como Comunhão.
Encerrando a década de 80, preocupada com a aplicação litúrgica após os primeiros
vinte anos da promulgação da Sacrosanctum Concilium, depois de grande pesquisa feita pela
linha 4 – dimensão Litúrgica – em sua 27ª Assembléia Geral de 05 a 14 de abril de 1989, foi
publicado o Documento 43 “Animação da vida Litúrgica no Brasil”.
Os leigos, a partir deste choque de projetos e identidades, vão ganhar novo espaço,
principalmente, devido à realização do Sínodo sobre os Leigos, em 1987, e a publicação da
Exortação “Christifidelis Laicis” de 1989. Nesse sentido, é taxativo o que o Pe. Godoy
afirma:
Com o fortalecimento do processo de abertura política somado às novas orientações
eclesiais, a Igreja no Brasil, em meados da década de 1980, vai diminuindo sua
missão social, dizendo que agora chegou a vez dos próprios leigos, organizados nas
suas mais diversas instituições da sociedade civil, garantirem os seus direitos 435.
433
Cf. Ib. n. 150-242.
Cf. CNBB. Igreja: Comunhão e Missão na evangelização dos povos, no mundo do trabalho, da política e da
cultura. (Documentos da CNBB n. 40). São Paulo: Paulinas, 1988.
435
GODOY, M.J. A CNBB e o processo de evangelização do Brasil. In: INSTITUTO NACIONAL DE
PASTORAL (Org.). Presença Pública da Igreja no Brasil (1952-2002): Jubileu de ouro da CNBB. Op. cit. p.
394.
434
144
De toda essa evolução na pastoral eclesial, percebe-se também uma evolução nos
contornos ideológicos em que a sociedade estava sendo moldada. Esse contorno ideológico é
fruto da modernidade, realidade esta que será abordada a partir das próximas Diretrizes, a fim
de melhor explicitar a Verdade da Fé e penetrar numa sociedade pluralista e secularizada o
Evangelho de Jesus Cristo.
3.2. A PRIMEIRA METADE DA DÉCADA DE 90
A primeira metade da década de 90 é para a Igreja do Brasil um marco, por se tratar
de sua última formulação das Diretrizes Gerais da Ação Pastoral, assim, como também por ser
o período em que se realizaria a IV Conferência do CELAM em Santo Domingo, marco
decisivo na compreensão da Evangelização e Cultura.
3.2.1. AS DGAP E A PRIMEIRA METADE DA DÉCADA DE 90 PARA A IGREJA
DO BRASIL
As novas Diretrizes Pastorais elaboradas para o quadriênio 1991-1994 estudadas e
publicadas na 29ª Assembléia Geral436 de 10 a 19 de abril em Itaici traz em seu bojo uma
ampla consulta aos agentes e organismos de pastoral e às dioceses. Fato importante é a
introdução do lema: “Jesus Cristo ontem, hoje e sempre”, expressando a sintonia com a
próxima Conferência Episcopal Latino-Americana em Santo Domingo.
Nesse novo Documento, ressalta-se a importância e, ao mesmo tempo, a urgência da
“nova evangelização” e a seguinte prioridade: “o trabalho evangelizador e missionário
dirigido aos católicos não praticantes, a maioria da população. Apesar do batismo e de certa
436
Cf. Ata n. 6 de 15 de abril de 1991, n. 10-40; 42-46. In: CM. Ano 40, n. 450, p.478-484, [abril] 1991. Ata n. 7
de 16 de abril de 1991, n. 4-8; 60-61; 87. In: CM. Ano 40, n. 450, p.492-493;498;500, [abril] 1991. Ata n. 8 de
17 de abril de 1991, n. 59-67; 80; 83-95; 99-104; 118; 121-129; 132-144. In: CM. Ano 40, n. 450, p. 507;509514, [abril] 1991. Ata n. 9 de 18 de abril de 1991, n. 9; 11-12; 15; 18-21; 25-31; 34-41; 43-44; 113-136. In: CM.
Ano 40, n. 450, p. 515-518; 524-526, [abril] 1991.
145
religiosidade, eles se acham, de fato, afastados da comunidade eclesial ou só ocasionalmente
dela se aproximam” 437.
As novas Diretrizes Pastorais estão situadas num vasto cenário doutrinal, sou seja,
em âmbito nacional destaca-se a criação da “Assembléia Nacional dos Organismos do Povo
de Deus”, em 1991, facilitando a participação de membros de todos os segmentos na vida e na
construção da Pastoral. Em nível continental, a proximidade dos 500 anos de evangelização e
a IV Conferência, cujo tema seria a Evangelização, fizeram com que a Igreja repensasse sua
postura evangelizadora 438. Por fim, no que tange ao cenário doutrinário, enquanto Magistério
Pontifício, tem-se, no ano de 1990, a publicação da Encíclica missionária Redemptoris Missio
de João Paulo II, cuja insistência recaía sobre a temática da “Nova Evangelização” 439.
Para a sua preparação foi elaborado um documento de consulta440, cuja finalidade
última era: avaliar o quadriênio passado441 com as respectivas contribuições das 244
circunscrições eclesiásticas. Destas, 151, ou seja, 61.8% responderam ao questionário, que
teve como último prazo para a devolução o dia 20 de agosto de 1990.
Para os próximos anos, segundo as respostas dadas e tabuladas, as realidades que
estão merecendo maior preocupação são: 1º) o crescimento das seitas; 2º) a
pastoral social; 3º) a pastoral urbana; 4º) a formação de líderes/agentes de pastoral;
5º) as vocações; 6º) as CEBs; 7º) a questão da terra; 8º) a pastoral da juventude, etc.
437
CNBB. DGAP 1991-1994. (Documentos da CNBB n. 45). São Paulo: Paulinas, 1991. p. 8.
PARKER, C. G. Desafios ao Cristianismo nos 500 anos de Evangelização na América Latina. In: REB,
Petrópolis, v. 50, n. 200, p.950-955, [dezembro] 1990.
439
Cf. CNBB. DGAP 1991-1994. (Documentos da CNBB n. 45). São Paulo: Paulinas, 1991. n. 59-61.
440
CNBB. Sociedade Brasileira e Desafios Pastorais. São Paulo: Paulinas, 1990.
441
Na Assembléia Geral foram apresentados dois textos: o primeiro de IVERN, F. “Além da conjuntura: a
missão profética da Igreja” e o segundo e ABREU, A. “Plano Collor (ou o Terceiro Cruzado)”. Cf. Ata n. 4 de
13 de abril de 1991, n. 18-40, In: CM. Ano 40, n. 450, p. 469-472, [abril] 1991. Os textos podem ser obtidos em
sua Integra In: CM. Ano 40, n. 450, p. 616-637, [abril] 1991. Também foi retomada esta avaliação.
438
146
Merecem maior atenção: 1º) a família; 2º) pastorais específicas; 3º) a catequese; 4º)
fome e desemprego 442.
Outro dado importante nessa preparação é o que se refere à pergunta do texto de
consulta nos números 79 a 96, acerca do melhor modo de viabilizar as seis dimensões ou
linhas pastorais, a partir da perspectiva pessoal, comunitária e social. O resultado foi
surpreendente: as respostas pediam a seqüência das seis linhas da seguinte maneira:
1º. Participação na sociedade (linha 6)
2º. Diálogo religioso e missionário (linha 2)
3º. Diálogo ecumênico-cristão (linha 5)
4º. Catequese e formação cristã (linha 3)
5º. Liturgia (linha 4)
6º Comunhão eclesial (linha 1) 443
Contudo, no documento em si, há apenas a mudança de nomenclatura de duas
dimensões, ou seja, a linha 3 passava a ser denominada de “bíblico-catequética” e a linha 6 de
“Sócio-transformadora” 444.
Estruturalmente, o documento está dividido em duas partes, sendo a primeira
direcionada a dissertar acerca dos “Horizontes da Evangelização”. A segunda parte está
subdividida em cinco Capítulos: I. Evangelizar: missão da Igreja; II As Dimensões da
442
AMADO, W. Preparação das Diretrizes Gerais da ação Pastoral da Igreja no Brasil – 1991-1994. REB,
Petrópolis, v. 50, n. 200, p. 957, [dezembro] 1990.
443
Ib. p. 958. Na Assembléia ficou assim determinado: permanecem as 6 atuais dimensões: Sim: 232; Não 3;
Com emendas 11; Em branco 4. Acrescente-se nova dimensão: Sim: 9; Não 137; Com emendas 8; Em branco
103. Permaneça a atual ordem: Sim: 201; Não 16; Com emendas 6; Em branco 31. Reformule-se a ordem: Sim:
24; Não 108; Com emendas 12; Em branco 103. cf. In: CM. Ano 40, n. 450, p. 567, [abril] 1991.
444
CNBB. DGAP 1991-1994. (Documentos da CNBB n. 45). São Paulo: Paulinas, 1991. n. 70.
147
Evangelização; III Mudanças na sociedade e desafios à Evangelização; IV Novas acentuações
na Evangelização; V Os Evangelizadores 445.
Diferentemente das antecessoras, não traz opções ou destaques pastorais446 emitindo
apenas o seu Objetivo Geral:
Evangelizar com renovado ardor missionário, testemunhando Jesus Cristo, em
comunhão fraterna, à luz da evangélica opção preferencial pelos pobres, para
formar o Povo de Deus e participar da construção de uma sociedade justa e
solidária, a serviço da vida e da esperança nas diferentes culturas, a caminho do
Reino definitivo 447.
O Documento 45, devido à mentalidade evangelizadora irradiada por todos os lados,
seja em nível continental, seja em nível teológico-pontifício, impulsionou a Igreja do Brasil a
uma nova evangelização, como nos apresenta o seu Objetivo Geral. Para tanto, afirma que é
necessário, a retomada do ardor missionário, uma maior e efusiva ênfase na centralidade da
Pessoa de Jesus Cristo, a fim de poder posicionar-se diante da modernidade como resposta
evangélica.
Na sociedade brasileira, a modernidade invadiu a vida urbana e também a rural por
meio das mass mídia. As Diretrizes falam da Modernidade a partir de três aspectos principais:
o Individualismo, o Pluralismo cultural e religioso 448 e as contradições sociais e suas causas
estruturais. Como forma de atuação da Igreja, apresenta três pilares concomitantes entre si:
445
Relatório dos grupos e propostas da Comissão: In: CM. Ano 40, n. 450, p. 573-591, [abril] 1991.
Durante a Assembléia Geral foi votado acerca desse tema, ficando assim: A Assembléia definia destaques
nacionais: Sim: 92; Não 112; Com emendas 4; Em branco 40. Cf. In: CM. Ano 40, n. 450, p. 567, [abril] 1991.
447
CNBB. DGAP 1991-1994. (Documentos da CNBB n. 45). São Paulo: Paulinas, 1991. n. 3. A evolução deste
Objetivo Geral pode ser consultada In: CM. Ano 40, n. 450, p. 574-580, [abril] 1991.
448
Cf. A apresentação de Dom Aloísio Sinesio Bohn durante a Assembléia Geral. In: CM. Ano 40, n. 450, p.
680-682, [abril] 1991. Este tema foi abordado pelos bispos durante a Assembléia Geral: cf. ata n. 7 de 16 de abril
de 1991 In: CM. Ano 40, n. 450, p. 477-491, [abril] 1991.
446
148
valorização da pessoa e da experiência subjetiva; a vivência comunitária e a variação nas
formas de expressão eclesial e a presença e atuação mais viva da Igreja na sociedade.
Diante dessa sociedade, dilacerada pelos efeitos da Modernidade, percebe-se ainda
uma profunda crise ética. É desse momento também a publicação de dois documentos: Doc.
47 - “Educação, Igreja e Sociedade” 449 de 1992 e o Doc. 50 – “Ética, Pessoa e Sociedade” 450
de 1993. Ademais, são iniciadas as “Semanas Sociais Nacionais”, realizadas dentro de uma
nova e envolvente metodologia. Importante também ressaltar que os PB de 91-94
451
deram
especial atenção às dimensões comunitário-participativa e bíblico-catequética, o que parece
ser um sinal da necessidade de uma preparação mais adequada para os novos desafios da
evangelização 452.
Todo esse investimento pastoral da Igreja do Brasil é devido às expectativas que a IV
Conferência Episcopal, que se realizaria em Santo Domingo, estava suscitando, até mesmo
porque, seu tema “Nova Evangelização, Promoção Humana e Cultura Cristã” já era destaque
nos documentos e em reuniões em todo o Brasil.
3.2.2. A CONFERÊNCIA DE SANTO DOMINGO
Entre os dias 12 a 28 de outubro de 1992, na Cidade de Santo Domingo, acontecia a
IV Conferência do Episcopado Latino-Americano. Nesta ocasião, a Igreja da América Latina
encontrava-se num dilema:
449
Foi discutido na 30º Assembléia Geral realizada entre os dias 29 de abril a 08 de maio de 1992 em Itaici,
Indaiatuba.
450
Foi discutido na 31º Assembléia Geral realizada entre os dias 28 de abril a 07 de maio de 1993 em Itaici,
Indaiatuba.
451
Cf. CNBB. 11º Plano Bienal dos Organismos nacionais. (Documentos da CNBB n. 46). São Paulo: Paulinas,
1991-1992.
452
Cf. CNBB. DGAE 1995-1998. (Documentos da CNBB n. 54). São Paulo: Paulinas, 1995. n. 58-61. Na
Assembléia Geral ficou assim determinado: Bíblico-catequético: votantes 227, a favor 197. Cf. Ata n. 9 de 18 de
abril de 1991, n. 127, In: CM. Ano 40, n. 450, p. 525, [abril] 1991. Sócio-transformadora: votantes 227; a favor
163. Cf. Ata n. 9 de 18 de abril de 1991, n. 124, In: CM. Ano 40, n. 450, p. 525, [abril] 1991.
149
De um lado, vinha alimentando um modelo de Igreja progressista e da libertação
desde Medellín (1968 e Puebla (1979), não, porém, sem hesitações e contradições.
De outro lado, percebia-se envolvida pelo projeto hegemônico da “Nova
Evangelização’, bem orquestrado e apoiado por amplos setores eclesiásticos
romanos, europeus e norte-americanos com ressonância no próprio continente 453.
Se a influência da Santa Sé, em Puebla, foi, de certa forma, velada, em Santo
Domingo, já era evidente, haja vista que toda a preparação ficou a cargo de Roma. O tema
“Nova Evangelização, Promoção humana e Cultura Cristã” alinha-se a esse projeto
hegemônico. Em conseqüência disso, a esse respeito, é perceptível, conforme afirma o Pe.
Manzatto, que a Conferência não encontrou “eco imediato nas Igrejas do continente – e Santo
Domingo permanece como que apêndice na vida da Igreja Latino-americana não tendo a
influência eclesial desempenhada pelas duas Conferências antecedentes” 454.
Como pontos importantes dessa Conferência, destacam-se as questões a respeito da
promoção humana, a reafirmação da opção preferencial pelos pobres, o Protagonismo dos
leigos e a temática da cultura. No que tange à abordagem sobre a cultura, o documento não
leva em consideração a temática sobre a inculturação, ficando marginalizada mesmo após o
seu término 455.
Diante de todo esse contexto conflituoso de projetos, percebe-se que
Santo Domingo não significou um alinhamento da Igreja da América Latina ao
projeto hegemônico da Nova Evangelização. Manteve muitos elementos do projeto
453
LIBANIO, J.B. Igreja Contemporânea: encontro com a modernidade. Op. cit. p. 181-2.
MANZATTO, A. As Primeiras Conferências do CELAM. In: Vida Pastoral, São Paulo, ano XLVII , n.
249,p. 7, [julho/agosto] 2006.
455
Acerca das lacunas de Santo Domingo, cf. BOFF, C. M. Para onde irá a Igreja da América Latina? In: REB,
Petrópolis, v. 50, n. 198, p. 275286, [junho] 1990. Também, Cf. BEOZZO, J. O. A Igreja do Brasil: De João
XXIIII a João Paulo II - de Medellín a Santo Domingo. Op. cit. p. 305-337.
454
150
configurado em Medellín e Puebla. No entanto, no conjunto, já há muitos sinais de
que a Igreja do continente se molda por uma tendência crescentemente
conservadora e restauradora 456.
Essa influência é por demais sentida pela Igreja do Brasil que, a partir de 1995, dará
um novo enfoque às suas Diretrizes, colocando a sua caminhada pastoral em profunda
sintonia com o projeto arquitetônico de Evangelização.
4. QUARTO PERÍODO: A DEFINIÇÃO DE UM PERFIL ECLESIAL:
COMUNHÃO E MISSÃO
4.1. AS DIRETRIZES DA AÇÃO EVANGELIZADORA: UM NOVO ENFOQUE
ECLESIAL
Como fato marcante e decisivo nessa segunda metade da década de 90 é a mudança
de nomenclatura das Diretrizes Gerais, que se passa de Ação Pastoral para Ação
Evangelizadora.
Inicialmente, essa mudança foi sentida apenas como tom ortográfico.
Talvez, nossos bispos, ao aprovarem tal mudança, não imaginavam a profundidade de tal
evolução eclesial.
Essa mudança é conseqüência de três acontecimentos: o projeto “Nova
Evangelização” com os sucessivos apelos Pontifícios, de forma explícita na Carta apostólica
Tertio Millennio Adveniente, de 10 de novembro de 1994, a realização do V COMLA no
Brasil e, conseqüentemente, a própria realidade eclesial vigente 457.
456
457
LIBANIO, J.B. Igreja Contemporânea: encontro com a modernidade. Op. cit. p. 183.
Cf. Ata n. 10 de 19 de maio de 1995, n. 41, In: CM. Ano 44, n. 491, p. 785-6, [maio] 1995.
151
As novas Diretrizes foram elaboradas diante do urgente apelo demonstrado pelas
respostas de consulta de todas as dioceses, donde apenas 23% consideravam válidas as
Diretrizes anteriores, contra 72% que afirmavam a continuidade, mas com reformulações.
Somente 3% pediam uma redefinição das mesmas 458.
As novas Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora
459
foram aprovadas na 33º
Assembléia Geral da CNBB, entre os dias 10 a 19 de maio de 1995. O documento é composto
de duas partes, sendo a primeira, explicitação do seu objetivo e a segunda parte apresenta os
caminhos da Evangelização subdividida em cinco Capítulos. O Objetivo Geral permanece o
mesmo, embora precedido por uma introdução que evidencia o horizonte da Igreja no que
concerne à celebração do grande Jubileu.
JESUS CRISTO ONTEM, HOJE E SEMPRE
Em preparação ao seu Jubileu do ano 2000, na força do Espírito que o Pai nos
enviou, sob a proteção da Mãe de Deus e nossa, queremos:
Evangelizar com renovado ardor missionário, testemunhando Jesus Cristo, em
comunhão fraterna, à luz da evangélica opção preferencial pelos pobres, para
formar o Povo de Deus e participar da construção de uma sociedade justa e
solidária, a serviço da vida e da esperança nas diferentes culturas, a caminho do
Reino definitivo 460.
O enfoque maior dado à Evangelização é pertinente à constatação que o Pe.
Antoniazzi fez quando de sua apresentação do texto sobre as Diretrizes: “percebe-se que 80%
458
Cf. CNBB. DGAE 1995-1998. (Documentos da CNBB n. 54). São Paulo: Paulinas, 1995. p. 7-8.
Cf. Ata n. 4 de 13 de maio de 1995, n. 33-35. In: CM. Ano 44, n. 491, p. 750, [maio] 1995. Ata n. 6 de 15 de
maio de 1995, n. 19-26; 29-36; 45-53. In: CM. Ano 44, n. 491, p. 754-757, [maio] 1995. Ata n. 8 de 17 de maio
de 1995, n. 7; 12; 15; 33; 43-60; 64-70; 76-84. In: CM. Ano 44, n. 491, p. 768-775, [maio] 1995. Ata n. 9 de 18
de maio de 1995, n. 36-52; 58-62. In: CM. Ano 44, n. 491, p. 778-781, [maio] 1995. Ata n. 10 de 19 de maio de
1995, n. 7-31. In: CM. Ano 44, n. 491, p. 783-784, [maio] 1995.
460
CNBB. DGAE 1995-1998. (Documentos da CNBB n. 54). São Paulo: Paulinas, 1995. n. 6.
459
152
das atividades se concentram nas dimensões 1 e 3. A Liturgia praticamente empata com a
pastoral social. A dimensão missionária está fraca e a dimensão ecumênica encontra-se
praticamente ausente”
461
. A essa constatação propõe-se, no que se refere à organização da
Dimensão Missionária, a superação de uma mentalidade que a enxergava simplesmente como
uma pastoral a mais, para uma visão de sua inserção em todas as estruturas e ações de
evangelização 462.
A realidade do Brasil, conforme consta em ata da CNBB, no “último censo, 25% da
população declarou-se não católica. Dos 75% que se declaram católicos, talvez menos da
metade sejam praticantes. A outra metade possue uma formação muito frágil que a deixa à
mercê da influência da variada gama de seitas e movimentos religiosos”
463
. Sendo assim, o
próprio Presidente da CNBB, Dom Luciano, “concordou que o enfoque seja mais
evangelizador que pastoral. Mas salientou que as 6 dimensões estão sendo submetidas à
crítica, por isso será preciso explicar a mudança e também elaborar uma pedagogia de
transição que mostre a relação das 5 palavras com as seis dimensões” 464.
De qualquer forma, o texto publicado do documento 54 traz esta inovação: ao invés
de seis Dimensões ou linhas, fala-se, de agora em diante, em 4 exigências irrenunciáveis para
uma evangelização inculturada: serviço, diálogo, anúncio e testemunho da comunhão
465
.
Esta nova nomenclatura mostra a incidência do Documento de Santo Domingo 466.
Quatro anos mais tarde, em sua 37º Assembléia Geral, realizada entre os dias 14 a 23
461
Cf. Ata n. 3 da 38ª Reunião da Presidência e do CEP de 27 de abril de 1995, n. 5, In: CM. Ano 44, n. 490, p.
465, [abril/maio] 1995.
462
Cf. Avaliação do Plano de Pastoral: Quadriênio 1991-1994. In: CM. Ano 44, n. 489, p. 550, [março] 1995.
463
Cf. Ata n. 3 da 38ª Reunião da Presidência e do CEP de 27 de abril de 1995, n. 5, In: CM. Ano 44, n. 490, p.
465-466, [abril/maio] 1995.
464
Ata n. 3 da 38ª Reunião da Presidência e do CEP de 27 de abril de 1995, n. 5, In: CM. Ano 44, n. 490, p. 466,
[abril/maio] 1995.
465
CNBB. DGAE 1995-1998. (Documentos da CNBB n. 54). São Paulo: Paulinas, 1995. n. 173-286.
466
DSD n. 228-283.
153
de abril de 1999, em Itaici, Indaiatuba, foi votada a permanência das mesmas Diretrizes
467
,
porém enriquecidas com os últimos Documentos Pontifícios, especialmente as conclusões do
Sínodo para a América, que o Papa propôs na Exortação Ecclesia in América, e levando em
conta sua própria experiência pastoral e a realidade social
468
. Ademais, o seu Objetivo foi
alterado somente no que tange à sua introdução: em vez de preparação, fala-se de celebração,
não somente do Jubileu, mas também dos 500 anos de evangelização 469.
Como fruto ainda da referida Assembléia Geral, tendo como intuito celebrar os dez
anos da Christifidelis Laici e de realizar o ensejo de maior engajamento e de Protagonismo
dos Leigos como propõem as conclusões de Santo Domingo e as próprias DGAE, foi
publicado o Documento sobre a “Missão e Ministérios dos cristãos leigos e leigas”
470
, fruto
dos estudos realizados na 36ª Assembléia Geral, realizada em Itaici, Indaiatuba, entre os dias
22 de abril a 1 de maio de 1998. O seu objetivo maior é postular
Diretrizes para que os leigos participem, com autentica inspiração cristã, de toda a
missão da Igreja, ou seja, de toda a ação evangelizadora. Esta exige ‘serviço,
diálogo, anúncio e comunhão’, sem jamais descuidar da presença no mundo, no
coração dos dramas humanos, e sem nunca deixar de haurir o espírito de Cristo na
palavra do Evangelho, na celebração da Liturgia e nos encontros com as pessoas
humanas, especialmente dos pobres e sofredores. 471.
467
“Padre Antoniazzi comunicou o resultado da votação dos parágrafos das Diretrizes Gerais. Votaram 241
bispos. Alguns propuseram emendas. Comentou o texto ‘Emendas’ à última redação das Diretrizes Gerais,
aceitas pela Comissão de Redação’ (61/37 AG (sub)). Justificou a aceitação ou não das emendas propostas” [...]
“Dom Raymundo Damasceno submeteu o texto das ‘Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora no Brasil’ à
votação que recebeu aprovação por unanimidade e muitos aplausos”. Cf. Ata n. 8 de 21 de abril de 1999, n.
50.54. In: CM. Ano 48, n. 530, p. 445, [abril] 1999. A abordagem, por completo, pode ser consultada no
discorrer das 10 atas publicadas. In: CM. Ano 48, n. 530, p. 387-459, [abril] 1999. A votação por Capítulo pode
ser consultada In: CM. Ano 48, n. 530, p. 658-673, [abril] 1999.
468
CNBB. DGAE 1999-2002. (Documentos da CNBB n. 61). São Paulo: Paulinas, 1999. p. 7.
469
Ib. n. 6.
470
CM. Ano 48, n. 530, p. 445, [abril] 1999. A abordagem por completa pode ser consultada no discorrer das 10
atas publicadas. In: CM. Ano 48, n. 530, p. 387-459, [abril] 1999.
471
CNBB. Missão e Ministérios dos cristãos leigos e leigas. (Documentos da CNBB n. 62). São Paulo: Paulinas,
1999. p.12-13.
154
4.2. A VOLTA DOS GRANDES PROJETOS: PRNM E SINM
Passado quase um ano de vivência das novas DGAE, na 34º Assembléia Geral – 17 a
26 de abril, foi lançado para todo o Brasil o Projeto de Evangelização da Igreja do Brasil –
Rumo ao Novo Milênio472 – 1996-2000, atendendo, de forma especial, ao apelo do Santo
Padre para a preparação do Jubileu do ano 2000.
A execução do PRNM foi, primeiramente, utilizando o ano de 1996 como ano de
sensibilização. Os três outros, ou seja, de 1997 a 1999, foram para a reflexão de cada uma das
Pessoas Trinitárias. Cada Pessoa Trinitária “constituía-se o eixo em torno do qual se
articulariam o Evangelho do ano, uma das virtudes teologais, um sacramento, cuja finalidade
era iluminar uma área de direitos humanos a ser resgatada, uma atitude missionária e algumas
atividades ecumênicas” 473.
O quadro abaixo visibiliza o esquema catequético-litúrgico do PRNM 474:
1996
1997
ANO DA SENSIBILIZÇÃO
Jesus Cristo
Virtude da fé
CF. sobre os excluídos
Sacramento do
Virtude da
CF. sobre a Educação
Lucas
Crisma
Esperança
Evangelho de
Sacramento da
Virtude da
Mateus
Penitencia
Caridade
Santíssima
Evangelho de
Sacramento da
CF. Ecumênica sobre a
Trindade
João
Eucaristia
paz e a dignidade
ano B
1998
Espírito Santo
ano C
1999
Deus Pai
ano A
2000
472
Evangelho de
Sacramento do
Marcos
Batismo
Evangelho de
CF. sobre o Trabalho
A apresentação e discussões sobre o PRNM podem ser consultadas nas 11 atas desta 34º Assembléia Geral.
In: CM. Ano 45, n. 500, p. 564-624, [abril] 1996. A sua votação está na Reunião Privativa dos Bispos, Ano 45, n.
500, p. 639-642, [abril] 1996. Ver principalmente os n. 4-5.
473
GODOY, M.J. A CNBB e o processo de evangelização do Brasil. In: INSTITUTO NACIONAL DE
PASTORAL (Org.). Presença Pública da Igreja no Brasil (1952-2002): Jubileu de ouro da CNBB. Op. cit. p.
395.
474
Este quadro é uma forma resumida do quadro Sinótico que é apresentado pelo Documento 56 da CNBB, p.4849.
155
Esse PRNM assume e prolonga os projetos anteriores e visa fazer do ano 2000 o
momento da virada em direção a um cristianismo mais dinâmico e aberto; isso porque mais
fiel a Jesus Cristo. O seu principal objetivo “é suscitar em todos novo ardor e coragem na
missão de Evangelizar, capazes de criar novas expressões para que a mensagem salvífica de
Jesus Cristo seja mais conhecida e, conseqüentemente, seguida com amor e generosidade,
especialmente pelos jovens” 475.
O PRNM está dividido em cinco partes, levando em consideração as orientações da
Carta Apostólica “Tertio Millennio Adveniente”, as propostas missionárias do COMLA 5 e
também das DGAE. Aquela lacuna que, desde a formulação das primeiras Diretrizes em
substituição ao PPC, existia, o PRNM procurou sanar, haja vista que o seu raio de penetração
vai desde a Diocese até a sua realização em nível paroquial, tendo para todos um cronograma
a ser cumprido 476.
Com a chegada do novo milênio, a avaliação do PRNM foi, na maioria das
comunidades, Paróquias e Dioceses, uma experiência de verdadeira Comunhão e Missão
477
.
Contudo, o que fazer? Continuar ou não? Pensou-se em algo necessariamente para dar
continuidade ao processo evangelizador, iniciado com as DGAE e o PRNM e, numa
assembléia atípica, em Porto Seguro478, arquitetou-se “um novo projeto que ajudaria a Igreja
475
CNBB. Rumo ao Novo Milênio: Projeto de Evangelização da Igreja no Brasil em preparação ao grande
jubileu do ano 2000. (Documentos da CNBB n. 56). São Paulo: Paulinas, 1996, p. 5.
476
Cf. Ib. n. 199-217.Para entender a força de penetração a que este projeto visa é muitíssimo interessante
conferir os dados estatísticos apresentados quando da exposição da análise de conjuntura religioso-eclesial. “A
migração dos fiéis oriundos da Igreja Católica para as Igrejas Evangélicas corresponde a 64% dos convertidos”.
[...] “Os dados estatísticos ainda inéditos do IBGE para o censo de 1991, relativos à diversidade religiosa,
permitem constatar a entrada no cenário religioso brasileiro, de 4 mil novas denominações, não identificadas
pelo IBGE no censo de 1980”. In: CM. Ano 45, n. 500, p. 742-761, [abril] 1996.
477
Avaliação do PRNM ao final do quadriênio pode ser consultada em sua íntegra na análise apresentada na
Assembléia Geral pelo bispo ROCHA, G. L. Relatório do quadriênio 1995-1999 à luz das Diretrizes da Ação
Evangelizadora da Igreja do Brasil. In: CM. Ano 48, n. 530, p. 675-677, [abril] 1999.
478
A 38ª Assembléia Geral foi realizada entre os dias 26de abril a 03 de maio de 2000 em Porto Seguro-BA
156
no Brasil a viver o período pós-jubilar sem sofrer quebra do seu ritmo evangelizador. Nesse
contexto, nasce o Projeto Ser Igreja no Novo Milênio” 479.
Embora mais simples do que o anterior, o SINM procurou como o seu antecessor,
dar continuidade aos propósitos catequético-litúrgicos, levando em conta o ciclo litúrgico dos
anos A-B-C, tomando não um Evangelho, mas sim um texto neotestamentário. A finalidade
desse novo projeto era, em linhas gerais, o de “ajudar as comunidades a reassumirem sua
identidade cristã e a se abrirem, ainda mais, para o tema da missão. Renovar a identidade e
missão da Igreja constituiu-se, portanto, no grande objetivo do SINM. O texto bíblico que
mais poderia ajudar a alcançar tal objetivo pensou-se ser o livro dos Atos dos Apóstolos” 480.
A implantação do projeto coincidiu com a feliz publicação da Carta Apostólica Novo
Millennio Ineunte
481
de João Paulo II, que, em linhas gerais, quis ajudar a Igreja a se
posicionar perante o mundo na aurora do terceiro milênio, toda ela partindo de Cristo 482.
Dessa forma, o SINM teve sua reformulação na 40ª Assembléia Geral realizada em
Itaici, Indaiatuba, entre os dias 10 a 19 de abril de 2002. Nesta foi votada a proposta de
continuação do SINM, durante o ano de 2003, para não deixar um vácuo nesse ano, enquanto
se aguardava a eleição de uma nova Presidência da CNBB483. Para tanto, o projeto ganhou um
sub-tema: “Ser cristão no Novo Milênio” e, como referência bíblica principal, foi indicada a I
Carta de São Pedro.
Esse quarto período, muito embora não termine aqui a sua caminhada, revela uma
tomada de posição, uma reafirmação da Identidade eclesial, moldada sob os pilares da
Comunhão e da Missão, moldes esses característicos do Projeto hegemônico que se foi
479
GODOY, M.J. A CNBB e o processo de evangelização do Brasil. In: INSTITUTO NACIONAL DE
PASTORAL (Org.). Presença Pública da Igreja no Brasil (1952-2002): Jubileu de ouro da CNBB. Op. cit. p.
396.Também PROJETO: Ser Igreja no Novo Milênio. n. 4. In: CM. Ano 49, n. 540, p. 546, [abril] 2000.
480
GODOY, M.J. A CNBB e o processo de evangelização do Brasil. In: INSTITUTO NACIONAL DE
PASTORAL (Org.). Presença Pública da Igreja no Brasil (1952-2002): Jubileu de ouro da CNBB. Op. cit. p.
396. Também PROJETO: Ser Igreja no Novo Milênio. n. 6. In: CM. Ano 49, n. 540, abril de 2000. p. 546; CM.
Ano 51, n. 558, p. 394, [jan-fev] 2002.
481
JOÃO PAULO II. Carta Apostólica Novo Millennio Ineunte. São Paulo: Loyola, 2001.
482
Cf. Comentário da Equipe executiva do Projeto SINM. In: CM. Ano 50, n. 552, p. 815-819, [julho] 2001.
483
Cf. Ata n. 16 de 16 de abril de 2002, n.25. In: CM. Ano 51, n. 558, p. 322, [jan-fev] 2002.
157
implantado desde o início dos anos 80. Contudo, a Igreja do Brasil, mesmo em consonância
com o mesmo, não deixou a sua tradição herdada de Medellín e de Puebla. A feliz síntese que
nossos Bispos fizeram entre ambos os projetos, é que possibilitou a Igreja no Brasil ser uma
resposta qualificada diante dos profundos e graves problemas que a humanidade hoje
enfrenta.
158
CONCLUSÃO
Percebe-se que a evolução histórica do processo de planejamento pastoral da Igreja
do Brasil está intimamente conectada aos acontecimentos históricos, seja em nível social,
como a Ditadura e o processo de redemocratização, seja em nível eclesial, como os
Pontificados de Paulo VI e principalmente de João Paulo II. Da mesma forma, sente-se
também a inferência decisiva dos documentos Pontifícios ou Dicasteriais e, principalmente,
das conclusões do CELAM, em suas três edições. O planejamento Pastoral da Igreja no Brasil
só se pode ser pensado a partir desse contexto mais amplo.
A vida pastoral da Igreja no Brasil soube, com sabedoria e discernimento, ouvir as
vozes desses acontecimentos e sintetizá-los de forma positiva, acolhendo-os e aplicando-os
em sua prática eclesial. Nesse sentido, percebe-se a influência marcante que Medellín e
Puebla tiveram na construção de sua identidade eclesial e pastoral. Contudo, com o passar dos
anos, soube alinhar-se à nova identidade eclesial que se ia formando a partir dos anos 80, sob
o pontificado de João Paulo II e das conclusões da IV conferência do CELAM. O mais
sensato é que, em vez de se despir da antiga identidade gestada na década de 70, a Igreja do
Brasil foi sintetizando a nova forma de ser Igreja, a nova Identidade que se ia formando e
conseguiu fazer uma síntese “completa”, conjugando a sua herança anterior à novidade e à
exigência apresentada, não sem conflitos, é claro, mas com muita consciência do que se
estava fazendo.
159
Cada etapa aqui apresentada representa um passo significativo dessa evolução. Os
passos pastorais assumidos revelam mais do que planos e Diretrizes, revelam, acima de tudo,
um modo eclesial de atuação. Neste ínterim, o próximo Capítulo se encarregará de analisar,
teologicamente, essa evolução eclesiológica inerente a estas etapas, pois as mudanças
apresentadas nos documentos não são meramente de nomenclatura, mas sim de perfil, de
postura eclesiológica diante dos desafios vigentes.
160
CAPÍTULO III
UM PERFIL ECLESIOLÓGICO DAS DIRETRIZES DE 1991-2002: UMA IGREJA
EVANGELIZADORA
161
INTRODUÇÃO
O presente Capítulo propõe-se a analisar, de forma teológica, a evolução
eclesiológica da Igreja no Brasil, a partir de suas Diretrizes Gerais. Serão objeto de nosso
estudo as Diretrizes Gerais referentes ao espaço de tempo entre 1991 a 2002.
O nosso estudo eclesiológico segue os seguintes passos: primeiramente, estudaremos
o documento 54, referente ao quadriênio de 1991-1994. Nele está expresso todo esforço de
adaptação e concretização de toda a evolução teológica no que tange á eclesiologia iniciada
com o evento Conciliar, realizado entre os anos de 1962 a 1965. Contudo, antes de analisá-lo,
esboçaremos um panorama teológico dos principais eventos ocorridos desde o Concílio
Vaticano II, perpassando pelas Conferências de Medellín e de Puebla, pelos Sínodos e,
principalmente, pelos Documentos Pontifícios – Populorum Progressio e Evangelii Nuntiandi
– de Paulo VI e, Redemptoris Missio e Tertio Millernio Advenient de João Paulo II.
Todos esses eventos teológicos foram capitais para a formação do que é a Igreja na
América Latina e, conseqüentemente, no Brasil. De modo mais especial, iremos analisá-los a
partir da temática da evangelização. Ela é, no decorrer dos anos, o princípio identificador de
toda a realidade eclesial, seja enquanto essência seja enquanto missão.
A partir do Vaticano II, o termo evangelização vai se erigindo e ganhando espaço e
predicações. Com o conceito de desenvolvimento integral exposto na Populorum Progressio,
Medellín desenvolverá o conceito de evangelização libertadora, enquanto que o Sínodo sobre
a Justiça no mundo -1971- falar-se-á de Libertação Integral. Com o advento da Evangelii
162
Nuntiandi, o termo evangelização será oficialmente acolhido e aplicado, visto que é, a partir
de então, entendido como o conjunto de serviço da Igreja frente ao mundo.
Conseqüentemente, a Igreja no Brasil, de modo especial, receberá essas
contribuições e, com o passar dos anos, irá forjando, a partir de suas Diretrizes, um rosto
definido e uma prática pastoral bem consciente. A partir da Redemptoris Missio, há uma
especificação do que é evangelização, pastoral e missão ad gentes. Esse documento foi capital
para um primeiro aggiornamento da compreensão eclesiológica por parte da Igreja no Brasil.
Esse aggiornamento é também acompanhado pela sensibilidade em ler os “sinais
dos tempos” presentes neste contexto. Dois fatos são principais nesta conjuntura: o primeiro
diz respeito à evolução teológica precedente, seguida de novos eventos teológicos. Dentre
eles, destacam-se o chamamento do Papa João Paulo II para uma nova evangelização,
renovada em seu ardor, em seus métodos e em suas expressões, a Conferência de Santo
Domingo com a temática da evangelização inculturada e de modo especial a ênfase que o
Papa João Paulo II deu no que tange à preparação do grande Jubileu do ano 2000 com a
Encíclica Tertio Millennio Adveniente. O segundo refere-se ao grande êxodo de fiéis da Igreja
católica para as outras seitas ou o abandono completo da fé, por meio de uma postura de
indiferentismo religioso.
Sensível, principalmente a esses “sinais dos tempos”, a Igreja no Brasil compreende
que, fundamentalmente, necessita mudar não só sua forma de ação pastoral, mas também sua
estrutura e, principalmente, a compreensão de sua identidade e de sua missão. É neste período
que nossos Bispos promulgam o documento 54, no qual mudam não só o título das Diretrizes,
de ação pastoral para ação evangelizadora - mas também a sua estrutura, e conseqüentemente,
muito embora não perceptivelmente, o rosto, o horizonte e a prática pastoral de toda a Igreja
no Brasil.
163
A evangelização passa de uma dimensão da ação pastoral a ser o principio
constitutivo de toda ação pastoral. A Evangelização deve ser inculturada e acompanhada de
quatro exigências irrenunciáveis expressas pelo serviço, o diálogo, o anúncio e o testemunho
de comunhão eclesial. Essas quatro exigências estão em consonância com as seis dimensões.
A diferença está no lugar proeminente e de destaque que a missão ocupa.
A partir dessa exposição, é possível perceber a evolução eclesiológica e o novo perfil
eclesiológico que se forja a partir das Diretrizes da ação evangelizadora. Uma Igreja mais
evangelizadora que pastoral, muito embora não a elimina. Uma Igreja verdadeiramente
ministerial, em que todos são sujeitos dessa ação evangelizadora. Uma Igreja que evangeliza e
que precisa ser constantemente evangelizada.
164
1. AS DIRETRIZES GERAIS DA AÇÃO PASTORAL E DA AÇÃO
EVANGELIZADORA: UMA ANÁLISE TEOLÓGICA
No Capítulo anterior, vimos o desenvolvimento do planejamento pastoral da Igreja
do Brasil. Conseqüentemente, para cada estágio dessa evolução pastoral, subjaz um perfil
eclesiológico que, naturalmente, se rompe com o novo e que, eminentemente, persiste em
permanecer neste novo estágio, nas entrelinhas, ora consciente, ora de forma inconsciente,
pelos espectadores e pela prática pastoral.
Nosso trabalho nesse Capítulo não se submeterá a perfilar nas linhas que se seguem
os perfis eclesiológicos subsistentes em cada período ou estágio apresentado no Capítulo
anterior. Elucidaremos, sim, a partir da análise teológica das Diretrizes, o perfil eclesiológico
presente nas duas últimas etapas, correspondente, é claro, aos documentos 45-54 e 61. Esse
perfil eclesiológico pode ser apreendido em muitos lugares; porém, nossa fonte de pesquisa
limitar-se-á naquilo que, de forma especial, as Diretrizes Gerais nos fornecem.
Antes de nos atermos a elas, esboçaremos um quadro dos principais eventos
teológicos que, direta ou indiretamente, marcaram o desenvolvimento de nossa compreensão
eclesial, assim como de nossa prática pastoral.
Nossa pesquisa prender-se-á em dois momentos de análise: um antes, que se
desembocará no doc. 45 e o outro, naturalmente posterior, contendo os doc. 54 e 61. Nossa
análise seguirá os seguintes passos para ambas as partes: primeiramente faremos uma
165
exposição dos fundamentos Teológicos a partir dos principais eventos; depois, analisaremos a
Estrutura e o Conteúdo das Diretrizes e, por último, analisaremos o Perfil Eclesiológico
inerente às Diretrizes a partir da temática da evangelização.
1.1. OS FUNDAMENTOS TEOLÓGICOS DAS DIRETRIZES DA AÇÃO
PASTORAL DA IGREJA NO BRASIL: DOC 45
Até chegarmos às Diretrizes da Ação Pastoral propostas para o quadriênio entre 1991
a 1994, a CNBB, pelo seu organismo de Pastoral o INP, já publicara desde o ano de 1975, ano
de sua gênese, outras quatro Diretrizes, ou seja, o Documento 4-15-28-38.
Neste ínterim, o Doc. 45 é depositário de uma profunda gama de influência
teológica, emanada do Concílio Vaticano II e das duas Conferências Episcopais realizadas
entre as décadas de 60 e 70, ou seja, de Medellín e Puebla. São também herdeiras do legado
dos dois Pontificados, a saber, de Paulo VI e de João Paulo II, e ainda, é claro, da influência
de toda a realidade conjuntural em que a Igreja, no Brasil, viveu nesse período, haja vista que
as Diretrizes são propostas de trabalho justamente para que a Igreja que está no Brasil seja
sinal do Reino junto a todas estas realidades conjunturais difíceis e desafiadoras, como já
apresentamos no Capítulo anterior. Esboçaremos a seguir, de forma concatenada, os
principais eventos teológicos que antecederam o Documento 45, tendo como elemento
norteador a temática da evangelização.
1.1.1. O CONCÍLIO VATICANO II: UM LEGADO DE COMUNHÃO E MISSÃO
A Igreja no Concílio Vaticano II foi redescoberta em sua verdadeira essência, isto é,
de ser instrumento, Sacramento de Salvação junto à humanidade para a Trindade.
166
Notoriamente, poder-se-ia afirmar que o Concílio operou uma espécie de “revolução
copernicana”
484
no que se refere a eclesiologia, por privilegiar o seu caráter Mistérico-
invisivel ante o institucional-visivel.
É fato que, tanto a Teologia quanto as implicações do Concílio Vaticano II,
trouxeram à Igreja Universal e, de modo especial para a Igreja no Brasil, muitas contribuições
e inovações tanto no que se refere à sua essência, redescobrindo-a como Mistério de
Comunhão, quanto à sua existência, redescobrindo-lhe a sua vocação missionária. Estes
valores podem ser apresentados sob duas dimensões: um “ad intra” e outro “ad extra”.
Internamente, o Concílio revitalizou algumas noções ou princípios básicos, tais como
a categoria “Povo de Deus”, sua expressão de serviço em relação ao Reino, a redescoberta do
sacerdócio comum dos fiéis, possibilitando uma valorização mais efetiva e objetiva dos leigos
na e para si mesma, além do principio de colegialidade, fundamental no que se refere ao
relacionamento entre o Papa e todos os Bispos e entre Igreja Universal e Igreja Particular.
Conseqüentemente tem-se a valorização de cada Igreja Particular não como
extensão, mas como verdadeira Igreja de Cristo e de forma apriori, a co-responsabilidade de
todos os bispos e fiéis por toda a Igreja, expresso pelo princípio de subsidiariedade 485. Estes
valores, embora antigos, foram durante os séculos perdendo-se ou sendo ofuscados por uma
variada gama de situações e vicissitudes temporais.
No que se refere aos valores “ad extra”, destaca-se a temática do diálogo com o
mundo em toda a sua profundidade. A Igreja, embora não seja do mundo, vive no mundo e no
mundo deve exercer com fidelidade a sua missão, herdada do seu próprio fundador, Jesus
Cristo nosso Senhor. O Mundo passa a ser o locus de sua apostolicidade e conseqüentemente
de sua missionariedade.
484
Cf. FORTE, B. Laicato e laicità. Marietti, Torino, 1986. p. 81.
Cf. HARRER, O. O Principio de Subsidiariedade na Igreja. In: BARAÚNA, G. A Igreja do Vaticano II. Op.
cit. p. 623-649.
485
167
Dentro do mundo, a Igreja conciliar, redescoberta como Comunhão, porque oriunda
em todas as suas funções da Trindade, revela-se ao mundo e aos homens do mundo como
Serva, cujo serviço a ser prestado a todos, sem distinção, a revela como “Sacramento de
Salvação”. A Salvação é o grande serviço que a Igreja deve prestar ao mundo. Este, por sua
vez, concretiza historicamente o ser ontológico, transcendente da Igreja, ou seja, a sua
essência de ser Comunhão e, ao mesmo tempo, revela ao mundo a sua existência, a sua razão
de ser, ou seja, de ser missionária.
Destarte, podendo o Concílio ser lido sob vários ângulos, segundo a teologia de
fundo que se tem ou da intenção do autor que o analisa, parece-nos que o binômio ComunhãoMissão, cuja fonte reveladora é o seu próprio ser e sua própria existência, pode ser tomado
como um verdadeiro eixo hermenêutico do qual se poderá, sob qualquer ótica, aplicar suas
conclusões sem maiores conflitos, como se pode deduzir das conclusões da Assembléia Geral
Extraordinária do Sínodo dos Bispos, realizada no ano de 1985 486. Anos mais tarde, a própria
Igreja no Brasil também acolhia em caráter oficial essa herança conciliar em seu Documento
40, cujo título assim se expressa: “Igreja: Comunhão e Missão na evangelização dos povos,
no mundo do Trabalho, da Política e da Cultura” 487.
A Igreja, entendida como Mistério de Comunhão e Missão, evoca-lhe sua dimensão
transcendente e, ao mesmo tempo, realça a sua dimensão histórica, possibilitando-lhe
aprofundar e explicitar em todas as novas situações a sua Missão diante dos Povos e Culturas,
como nos lembra a Gaudium et Spes: “Essa acomodação da pregação da palavra revelada é
uma lei permanente da evangelização” 488.
486
ASSEMBLÉIA GERAL EXTRAORDINÁRIA DO SÍNODO DOS BISPOS. Op. cit.
CNBB. Igreja: Comunhão e Missão na evangelização dos povos, no mundo do Trabalho, da Política e da
Cultura. (Documentos da CNBB n. 40). São Paulo: Paulinas, 1990.
488
GS 44.
487
168
Embora o Concílio, por meio de seus documentos, não precise489 o termo
evangelização como acontecerá com a EN, é preciso notar que
A evangelização abrange o conjunto de atividades da Igreja, quais sejam, a
pregação, a administração dos sacramentos, a celebração da eucaristia e o
apostolado em geral. Noutras palavras, tudo na Igreja é evangelização, porque a
Igreja cumpre sua missão em tudo o que realiza. A evangelização dos pobres é um
sinal de que continua a obra messiânica de Jesus 490.
A Missão, segundo as conclusões do Sínodo dos Bispos, deve ser vista a partir do
contexto de todos os documentos conciliares, principalmente das quatro constituições
dogmáticas: Lumen Gentium, Dei Verbum, Sacrosanctum Concilium e Gaudium et Spes.
Destes desprendem, conforme o Sínodo, quatro eixos de sustentação da missão da Igreja no
mundo contemporâneo, conforme a leitura realizada a partir dos sinais dos tempos. Estes
eixos estão assim apresentados: eixo cristológico, eixo antropológico, eixo dialogal e eixo
diaconal 491.
A partir desses quatro eixos fundamentais da missão elencados acima, percebe-se
uma profunda ligação com a apresentação da Igreja que o Concílio Vaticano II faz, isto é, de
ser como que um “Sacramento”, no sentido de ser em Cristo “sinal e instrumento da união
489
O autor afirma que nos “documentos conciliares o conceito de evangelização mostra-se impreciso em seu
significado, embora vejamos claramente com diversos campos da pastoral. É interessante notar a afloração de
questões que, posteriormente, ocupam o centro das preocupações como a inculturação e a opção preferencial
pelos pobres. Atingindo este ponto, a Igreja pós-conciliar continuará a estender o sentido de evangelização”. Cf.
MELO, A. A Evangelização no Brasil: dimensões teológicas e desafios pastorais. O debate teológico e eclesial
(1952-1995). Roma: Editrice Pontifícia Universitá Gregorina. 1996. p. 64-65.
490
Ib. p. 64.
491
PIÉ-NINOT, Salvador. Introdução à Eclesiologia. p. 105-6. Cf. ASSEMBLÉIA GERAL
EXTRAORDINÁRIA DO SÍNODO DOS BISPOS. Op. cit. Relatio Finalis, ponto II, letra d, n. 1s. p. 50-56.
169
com Deus e da unidade do gênero humano”
492
. É da íntima e profunda comunhão em Cristo
(primeiro eixo) que a Igreja, por causa de Cristo, torna-se para os homens (segundo eixo)
Sacramento, sinal de unidade, serviço (terceiro e quarto eixo). Deste modo, a Igreja poderá se
apresentar como “sinal levantado perante as nações”
493
, “que manifesta e, ao mesmo tempo,
realiza o mistério do amor de Deus ao ser humano” 494.
1.1.1.1. O CONCÍLIO E O PPC: UMA RECEPÇÃO ORIGINAL
Como se sabe, toda a riqueza dos documentos conciliares foi acolhida e assumida
pela Igreja do Brasil, por meio da construção das seis Linhas ou Dimensões495 da Pastoral
expressas pelo PPC. Essas seis Diretrizes mantêm, tanto em sua fundamentação quanto em
sua execução, uma profunda e total relação de dependência umbilical
496
para ser mais
preciso, dos documentos do Concílio Vaticano II e, de maneira toda especial, com a
Constitutio De Ecclesia (LG) 497.
Essas seis Dimensões constituem para a vida e o Planejamento Pastoral da Igreja no
Brasil a conseqüência imediata e original do Concílio Vaticano II. Tanto é que prevalecerão
até o ano de 1994, iluminando toda a ação pastoral da Igreja no Brasil e, conseqüentemente,
todos os empreendimentos futuros.
492
Ib. p. 29.
SC 2. Ainda a Constituição SC indica a finalidade do Concílio também nesta linha de renovação para a
Missão: “Este sacrossanto Concílio propõe-se a fazer crescer dia após dia entre os fiéis à vida cristã, adaptar
melhor às necessidades do nosso tempo as instituições que estão sujeitas à mudança, promover tudo o que possa
contribuir à união dos que crêem em Jesus Cristo e fortalecer o que serve para convidar todas as pessoas para o
seio da Igreja”. Cf. SC 1.
494
GS. 45.
495
CF. PPC p. 61-109. Também, GODOY, M.J. A CNBB e o processo de evangelização do Brasil. In:
INSTITUTO NACIONAL DE PASTORAL (Org.). Presença Pública da Igreja no Brasil (1952-2002): Jubileu
de ouro da CNBB. Op. cit. p. 389-340; BEOZZO, J. O. Igreja no Brasil: Planejamento Pastoral em Questão. In:
REB, Petrópolis, v. 42, n. 167, p. 465-472, [setembro] 1982. BEOZZO, J.O. A recepção do Vaticano II na Igreja
do Brasil. In: INSTITUTO NACIONAL DE PASTORAL (Org.). Presença Pública da Igreja no Brasil (19522002): Jubileu de ouro da CNBB. Op. cit. p. 443-44.
496
QUEIROGA, G. F. CNBB. Comunhão e corresponsabilidade. Op. cit. p. 377.
497
Toda a referencia neste Capítulo sobre a Constitutio De Ecclesia, deverá o leitor remeter-se à exposição da
mesma no primeiro Capítulo.
493
170
Nesse sentido, cada uma dessas seis linhas funda-se sob um objetivo próprio,
conectado com o objetivo geral que é “criar meios e condições para que a Igreja no Brasil se
ajuste, o mais rápida e plenamente possível, à imagem de Igreja do Vaticano II” 498, isto é, de
uma eclesiologia de Comunhão-Missão, embora ainda velada, em germe.
Neste ínterim, as seis Linhas ou Dimensões que objetivamente refletem a acolhida do
Concílio Vaticano II na vida pastoral da Igreja do Brasil podem ser estruturadas a partir deste
binômio Comunhão - Missão.
Concretamente, poder-se-ia agrupar as seis linhas em dois grupos afins segundo o
binômio Comunhão-Missão, a saber: no que concerne ao eixo da “Comunhão” tem-se a Linha
1 que visa promover sempre mais a plena unidade visível no seio da Igreja Católica, cujo
objetivo é levar à conversão, à adesão pessoal a Cristo, à inserção consciente e participante na
comunidade visível. A sua base teológica fundamenta-se nos seguintes documentos
conciliares: LG, OT; PO; CD; AA; PC. A Linha 4 diz respeito à Ação Litúrgica, cujo objetivo
central é levar o Povo de Deus a uma maior comunhão de vida em Cristo através do culto
litúrgico integral e das celebrações da Palavra. A sua base teológica fundamenta-se na
Constituição sobre a Sagrada Liturgia SC 499.
Por fim, a Linha 5 que se refere à Ação Ecumênica, cujo objetivo primordial é levar
o Povo de Deus a uma maior comunhão de vida em Cristo, através de uma autêntica ação
ecumênica. A sua base teológica fundamenta-se nos seguintes documentos conciliares: UR;
OE; NA.
Referente ao eixo da “Missão” tem-se a Linha 2 que diz respeito à Ação Missionária,
cujo objetivo é levar todos os homens à primeira adesão pessoal a Cristo, através do anúncio
498
PPC p. 29.
A Constituição Sacrosanctum Concilium afirma que a renovação litúrgica, querida pelo Concílio, é fator
decisivo para a evangelização: “a liturgia robustece também admiravelmente sua forças para pregar Cristo e
apresenta assim a Igreja, aos que estão fora, como sinal levantado entre as nações, para que debaixo dele se
congreguem na unidade dos filhos de Deus que estão dispersos, até que haja um só rebanho e um só pastor”. Cf.
SC 2.
499
171
missionário da palavra e do testemunho de vida evangélica. A sua base teológica fundamentase no Decreto conciliar sobre a atividade missionária da Igreja AG 500.
Ainda referente ao eixo da missão, tem-se a terceira linha, que se refere à ação
catequética, ao aprofundamento doutrinal e à reflexão teológica, cujo objetivo é levar o Povo
de Deus a uma maior comunhão de vida com Cristo, através da palavra e do testemunho de
vida evangélica, que iluminam e alimentam. A sua base teológica fundamenta-se na
Constituição Dogmática sobre a Revelação Divina, DV 501.
Por fim, a sexta linha visa promover a melhor inserção do Povo de Deus, como
fermento de vida, em Cristo, através de sua inserção como fermento na construção de um
mundo segundo os desígnios de Deus.
A sua base teológica fundamenta-se nos seguintes
documentos conciliares: GS; IM; GE; DH 502.
Portanto, o PPC503 revelou-se como um grande colaborador e gestor da Comunhão
em todo o território eclesial, desde as comunidades mais bem estruturadas até as realidades
mais difíceis de nossas comunidades eclesiais. Da mesma forma, foi grande impulsionador da
missão em todos os níveis, seja Diocesano, Regional ou Paroquial, como se pode perceber
durante os anos de sua vigência, como nos lembra o Pe. Gervásio:
500
O Decreto AG enfoca que a Missão da Igreja é a mesma Missão de Cristo, que deriva da Trindade e dos
planos salvíficos do Pai, e que se realiza sob a ação do Espírito Santo. Tem, pois, dimensão trinitária,
cristológica, pneumatológica e eclesiológica. A partir desses princípios missionários (AG I) será possível passar
facilmente às conseqüências práticas: a obra missionária (II), as Igrejas particulares (III), os missionários (IV), a
organização da atividade (V) e a cooperação missionária (VI). Acentua-se a natureza missionária de toda a Igreja
particular, sem diminuir a importância da vocação missionária específica e dos Institutos missionários.
501
A Constituição Dei Verbum apresenta uma Igreja que guarda e garante a Revelação propriamente dita, que foi
dada por Deus para toda a humanidade. Efetivamente, o Concílio diz na DV que “quer propor a doutrina
autêntica sobre a Revelação e sua transmissão para que todo o mundo o escute e creia; crendo, espere;
esperando, ame”. Cf. DV 1.
502
A Constituição Gaudium et Spes enfoca a inserção da Missão eclesial com relação às situações concretas da
sociedade humana. Todo o documento transpira a urgência da evangelização universal, haja vista que, pelo
mistério da encarnação, a Igreja sente-se solidária com toda a humanidade. Cf. GS 1.
503
Não entraremos nas questões de sua carência que proporcionaram críticas profundas, como se observa no
texto de BEOZZO, J.O. Igreja no Brasil – o Planejamento Pastoral em Questão. In: REB, Petrópolis, v. 42, n.
167, p. 494-505, [Setembro] 1982.
172
Mas é, sobretudo, importante o processo de planejamento e pastoral orgânica
desencadeado nas regiões e dioceses, suscitando quadros eclesiais e realizações que
se caracterizam pela unidade na variedade (= comunhão) e pela participação (=
corresponsabilidade). O PPC ampliou e fez irreversível o impulso renovador dado
neste ponto pelo PE, a que o CV forneceu substância 504.
Como nos dizeres de Dom Odilo Pedro Sherer, o PPC “foi um Plano bem articulado
e com uma clareza impressionante de metas e propostas. Tudo isso era fruto da participação
dos seus autores no Concílio e do desejo de traduzir logo no Brasil, na organização e na
prática da vida eclesial, as lições colhidas no Concílio Vaticano II” 505.
1.1.2. A INFLUÊNCIA DA POPULORUM PROGRESSIO, DA CONFÊRENCIA
DE MEDELLÍN E DO SÍNODO SOBRE “A JUSTIÇA NO MUNDO” DE 1971
1.1.2.1.
A
POPULORUM
PROGRESSIO
E
O
CONCEITO
DE
DESENVOLVIMENTO INTEGRAL
Os anos que se seguiram ao Concílio foram de grande tensão social em todo o orbe
terrestre. A sensibilidade e, ao mesmo tempo, a audácia profética do Papa Paulo VI, o levou a
publicar, no dia 26 de março de 1967, a Encíclica Populorum Progressio, acerca do
desenvolvimento dos povos.
Diante do contexto segundo o qual a grande parte dos países colonizados tinham tido
acesso à independência política, mas se arriscavam a sofrer a herança do passado colonialista,
504
505
QUEIROGA, G. F. CNBB. Comunhão e corresponsabilidade. Op. cit. p. 392.
CNBB. Plano de Pastoral de Conjunto. (Documentos da CNBB n. 71). São Paulo: Paulinas, 2004. p. 6.
173
sobretudo, nas relações comerciais, ele, o Papa, denuncia os erros do sistema internacional,
propondo o conceito inovador de desenvolvimento integral.
Segundo a análise de Camacho506, o desenvolvimento integral a que a Encíclica
conclama, pode ser expresso em quatro passos, segundo as próprias palavras do texto:
O desenvolvimento não se reduz ao simples crescimento econômico
507
. Para ser
autêntico, deve ser integral, isto é, promover todos os homens e todo o homem 508.
Tanto para os povos, como para as pessoas, ter mais não é o fim último. Todo
crescimento é ambivalente. Sendo necessário para permitir ao homem ser mais,
encerra-o em uma espécie de prisão, desde o momento em que se transforma no
bem supremo, que impede de olhar mais além
509
. O verdadeiro desenvolvimento
(...) é a passagem, para cada um e para todos, de condições de vida menos humanas
a condições mais humanas 510.
Como meio para se alcançar esse desenvolvimento integral, o Papa Paulo VI destaca
a ação, a urgência e a solidariedade como elementos essenciais. Esse tríplice meio tornar-se-á
a grande
novidade deste documento, e que se repetirão praticamente em cada página do
texto, até dotá-lo de um novo estilo e um novo aspecto, tornando-o mais direto e
incisivo, mais atento à realidade, mais preocupado com a ação. Estas características
complementam-se com a nova atitude que o papa: Paulo VI coloca-se
506
Cf. CAMACHO, I. Doutrina Social da Igreja: abordagem histórica. Op. cit. p. 323-325.
PP 14.
508
PP 14.
509
PP 19.
510
PP 20.
507
174
decididamente ao lado dos povos oprimidos. Renuncia, assim, à postura tradicional
de seus predecessores, nos documentos sociais, ou seja, a de situar-se como árbitro
neutro nos conflitos da sociedade industrial. Aqui, ao contrário, há uma clara opção
de Paulo VI, que se converte no porta-voz dos povos mais atrasados da Terra” 511.
Conseqüentemente, segundo Camacho, esta ação urgente poder ser estruturada em
quatro níveis:
uma reforma agrária (evitando que seja improvisada); uma industrialização (que
não seja brusca nem leve à distorção das estruturas) (PP 29); um programa de
progresso social (baseado no planejamento e alheio ao liberalismo), e um programa
de promoção espiritual (que evite toda tentação materialista) (PP 33-42) 512.
1.1.2.2. MEDELLÍN E A EVANGELIZAÇÃO LIBERTADORA
Medellín situa-se como herdeira desse duplo legado: do Concílio e da Populorum
Progressio. A partir desse eixo hermenêutico Comunhão-Missão, herdado do Concílio e do
princípio do desenvolvimento integral tanto da pessoa humana como da sociedade em que
vive herdado da Encíclica, Medellín tornar-se-á o grande acontecimento original e originante
de toda a construção pastoral posterior, incidindo de forma direta no jeito de ser Igreja na
América Latina e no Brasil.
511
512
CAMACHO, I. Doutrina Social da Igreja: abordagem histórica. Op. cit. p. 323-325.
Ib. p. 326.
175
Em Medellín, temos, como legado para a Igreja do Brasil e propriamente como
contribuição para a formulação de suas Diretrizes, três realidades: a “opção pelos Pobres”, a
“Teologia da Libertação” e as “Comunidades Eclesiais de Base”.
Essas três realidades ou opções em Medellín visavam à superação do caos gerado
pelo pecado da injustiça513 e, naturalmente, foram propostas como princípios norteadores para
o surgimento de uma nova sociedade capaz de gerar vida em abundância para todos.
A partir de Medellín, os pobres tornam-se sujeitos e, ao mesmo tempo, o objeto da
Teologia que, de agora em diante, procura meios para gerar a Libertação dos mesmos. As
CEBs são a conseqüência natural da organização e estruturação dessa nova realidade utópica,
de uma sociedade mais justa e igualitária, em que todos são reconhecidos como pessoas e não
como números. De Medellín em diante, pode-se falar, de forma concreta, de protagonismo
dos leigos514.
Se a Populorum Progressio falou de desenvolvimento integral, a partir de Medellín
falar-se-á de Libertação integral
515
. Essa se tornou como que o princípio unificador e
também norteador de toda a realidade eclesial e para toda a ação pastoral Latino-americana e,
também, para a Igreja do Brasil. A Libertação, em seu sentido completo, será o conteúdo de
toda a missão da Igreja, numa crescente proliferação das chamadas pastorais sociais em todo o
continente e, principalmente, no Brasil.
A missão da Igreja é daqui em diante entendida como libertação dos povos de todos
os sistemas e estruturas de pecado, forjando a gênese de uma Igreja profética, que denuncia as
513
Camacho comenta que “O Vaticano não ignorou a realidade do pecado; Medellín descobre suas marcas na
miséria e na marginalização de milhões de latino-americanos. A Europa ocidental e a América do Norte deixam
de ocupar o centro de suas preocupações pelos perigos derivados da secularização; o que inquieta Medellín é a
injustiça e a violência institucionalizada, das quais é vítima o homem latino-americano”. Cf. A Doutrina Social
da Igreja na América Latina: Medellín e Puebla. p. 460.
514
Cf. CONCLUSÕES DE MEDELLÍN. Documento 1 sobre a Justiça. 4º ed. São Paulo: Paulinas. 1979. p. 12.
Também, CAMACHO, I. A Doutrina Social da Igreja na América Latina: Medellín e Puebla. p. 462.
515
BOFF, C. A originalidade histórica de Medellín. In: Convergência, Petrópolis, Ano XXXIII, n. 317, p. 568575, [novembro] 1998. Também, FRAGOSO. A. Medellín, trinta anos depois. In: Convergência, Petrópolis, Ano
XXXIII, n. 314, p. 327-329, [jul/ago] 1998.
176
injustiças e anuncia, por sua conduta, o Reino de Deus. Fala-se, a partir de Medellín, de forma
oficial para a realidade eclesial latino-americana, de Evangelização Libertadora516. Esta
compreensão da missão como evangelização libertadora caracteriza a radical mudança na
compreensão do lugar e da ação em favor dos pobres pela Igreja: ele passa de assistido, de
objeto, para se tornar o “locus” de toda a ação eclesial, tornando-se sujeito desta ação em
consonância com a própria Igreja 517.
O que é e qual é o conteúdo desta Evangelização Libertadora?
Segundo o
documento ela
deve orientar-se para a formação de uma fé pessoal, adulta, interiormente formada,
operante e constantemente em confronto com os desafios da vida atual, nesta fase
de transição; deve ser relacionada com os ‘sinais dos tempos’. Não pode ser
atemporal nem a - histórica. Com efeito, os ‘sinais dos tempos’, observados em
nosso continente, sobretudo na área social, constituem, um ‘dado teológico’ e
interpelação de Deus; deve ser realizada através do testemunho pessoal e
comunitário, que se expressará de forma especial no contexto do próprio
compromisso temporal 518.
O Documento assim conclui:
516
Cf. MARIN:S, J. (org.) Realidade e práxis na Pastoral Latino-Americana. São Paulo: Paulinas. 1977. Col
“Pastoral e Comunidade”. p. 37-42.
517
BIGO, P.; DE ÁVILA, F. B. Fé cristã e compromisso social: elementos para uma reflexão sobre a América
Latina à luz da Doutrina Social da Igreja. São Paulo: Paulinas, 1983, 2º ed. rev. e aum. p. 422-423.
518
CONCLUSÕES DE MEDELLÍN. Documento 7 Pastoral das Elites. 4º ed. São Paulo: Paulinas. 1979. p. 78.
177
A evangelização de que estamos falando deve tornar explícitos os valores da justiça
e fraternidade, contidos nas aspirações de nossos povos, numa perspectiva
escatológica - para isto - precisa, como suporte, de uma Igreja-sinal 519.
Por fim, vale apenas ainda destacar que, de forma implícita, Medellín oferece uma
concepção integral de evangelização da qual participa o anúncio do Evangelho, a resposta da
fé, o pertencimento à Igreja, o compromisso em favor da justiça, da promoção humana e de
uma autêntica Libertação. Toda ação pastoral, a partir de então, deverá conter estes princípios
da evangelização.
1.1.2.3. O SÍNODO SOBRE A JUSTIÇA NO MUNDO E A QUESTÃO DA
LIBERTAÇÃO INTEGRAL
Ao final do Sínodo de 1969, vários temas foram elencados para que, mais tarde, no
próximo Sínodo tornassem tema para a discussão. Entre os inúmeros apresentados, fora
acolhido o tema sobre o sacerdócio ministerial devido a toda situação pós-conciliar; mas,
conforme afirma Camacho,
não pareceu conveniente que uma assembléia sinodal se ocupasse de questões
internas da Igreja. Esta foi a razão pela qual foi escolhido um segundo tema,
519
CONCLUSÕES DE MEDELLÍN. Documento 7 Pastoral das Elites. Op. cit. p. 78. Cf. também MELO, A. A
Evangelização no Brasil. Op. cit. p. 66.
178
correspondente a outro campo de inquietude em muitos ambientes eclesiais, em
especial nos do Terceiro Mundo 520.
A escolha desse tema exemplifica a procura da Igreja em contribuir para a resolução
dos problemas sociais. Diante da reflexão e dos fatos, conclui-se que a situação de injustiça e
de sofrimento não é parte integrante da criação. Nesse aspecto, afirma-se:
Ouvindo o clamor daqueles que sofrem violências e se vêem oprimidos por
sistemas e mecanismos injustos; e ouvindo também as interrogações de um mundo
que, com sua perversidade, contradiz o plano Criador, temos consciência unânime
da vocação da Igreja a estar presente no coração do mundo pregando a boa nova
aos pobres, a libertação aos oprimidos e a alegria aos aflitos. (JM introd. e) 521.
Diante desta realidade antagônica e complexa, a Igreja deve se servir dos “sinais dos
tempos” “que são fenômenos sociais e históricos. Mas não apenas isso. São, além do mais,
veículos de comunicação de Deus, que deles se serve para nos interpelar sobre nossa função
de crentes, no seio da sociedade” 522.
É a partir da compreensão profunda de que é no mundo que se pode ler o querer de
Deus para a Igreja e na certeza de que o agir salvífico do mesmo Deus se realiza neste mundo
520
CAMACHO, I. Doutrina Social da Igreja: abordagem histórica. Op. cit. p. 364.
Ib. p. 372.
522
Ib. p. 372.
521
179
e não fora dele, é que permite, segundo Camacho, “compreender o lugar que a transformação
deste mundo ocupa na missão que o próprio Cristo encomendou a sua Igreja” 523.
A relação entre missão e libertação integral é para a Igreja algo profundamente
inovador, como observa Camacho:
Jamais existira outra formulação tão contundente em todo o magistério da Igreja.
[...] De acordo com a expressão ‘dimensão constitutiva’, não cabe pensar em uma
autêntica evangelização sem atentar para a promoção da justiça e a transformação
das estruturas sociais, embora seja certo que não se está falando da única dimensão,
mas de uma dimensão. Não obstante, e uma vez aceita a importância que o Sínodo
atribui a este aspecto da missão, cabe perguntar pelo sentido preciso da relação
entre justiça e evangelização. Ou, de modo mais concreto, pelo exato significado da
palavra ‘constitutiva’ 524.
Embora a relação entre evangelização e Libertação Integral ou Promoção Humana
vai ser discutida e melhor aprofundada no Sínodo de 1974, é importante notar que, daqui
haure novamente aquela autoconsciência da Igreja, enquanto Povo de Deus, e da tomada de
consciência do mais profundo de sua missão relacionada ao mundo. A esse respeito, o Sínodo
declara que a “situação atual do mundo, vista da fé, convida a uma volta ao próprio núcleo da
mensagem cristã, criando em nós a íntima consciência de seu verdadeiro sentido e de suas
urgentes exigências 525.
523
Ib. p. 372. Neste sentido, o próprio Sínodo diz que a “ação em favor da justiça e da participação na
transformação do mundo mostra-se claramente a nós como uma dimensão constitutiva da pregação do
evangelho, ou seja, da missão da Igreja para a redenção do gênero humano e da libertação de toda situação
opressiva”. Cf. Ib. p. 372.
524
Ib. p. 372-373.
525
Ib. p. 373.
180
Por fim, vale ressaltar que desse Sínodo a palavra de ordem para a vida e a missão da
Igreja frente ao mundo é “Libertação”. Já na análise bíblica que o documento faz, ressalta-se
que no Antigo Testamento “Deus nos revela a si mesmo como Libertador dos oprimidos e
defensor dos pobres, exigindo dos homens a fé e a justiça para com o próximo. Só na
observação dos deveres de justiça é que se reconhece de fato o Deus libertador dos
oprimidos” 526.
No Novo Testamento destacam-se dois sinais que caracterizam a mensagem salvífica
que se comunica mediante Jesus Cristo, ou seja, “que a salvação oferecida nele não exclui o
esforço de libertação das situações opressoras na terra; e que a relação com Deus só terá
sentido se nos projetarmos numa atitude de amor e de entrega aos irmãos” 527.
A relação entre libertação e salvação, conforme Camacho, “pretende-se destacar que
ela deve ser entendida como ‘libertação integral’”. O Sínodo as relaciona de forma um pouco
tímida, mas afirma que a
Missão de pregar o Evangelho no tempo presente exige que nos empenhemos na
libertação total do homem a partir de agora, em sua existência terrena. De fato, se a
mensagem cristã sobre o amor e a justiça não manifesta sua eficácia na ação pela
justiça no mundo, muito dificilmente obterá credibilidade entre os homens de nosso
tempo 528.
526
Ib. p. 374.
Ib. p. 374-5.
528
Ib. p. 374.
527
181
1.1.3.
A
EXORTAÇÃO
APOSTÓLICA
EVANGELLII
NUNTIANDI
E
A
EVANGELIZAÇÃO INTEGRAL
De forma providencial, o Papa Paulo VI publicou a Exortação Apostólica sobre a
Evangelização no mundo contemporâneo, Evangellii Nuntiandi, de 8 de dezembro de
1975
529
. Esse documento merece uma explicitação maior por se tratar do documento captus
para toda a compreensão eclesiológica posterior, assim como de sua própria atividade, além
da profunda e objetiva compreensão da missão como evangelização e de suas muitas
conexões.
A EN é fruto do amadurecimento das perspectivas assinaladas pelo Concílio
Vaticano II referentes à Igreja e, concomitantemente, em relação à Missão. Neste ínterim,
aprouve Deus que os trabalhos conciliares fossem amadurecidos. Paulo VI, ao convocar um
novo Sínodo, propôs o tema da Evangelização contrariando todas as expectativas, uma vez
que “em todas as consultas feitas desde a conclusão do Sínodo anterior, as preferências
concentravam-se de forma bastante significativas na família” 530. O Papa justifica sua posição
em sua carta dirigida a todas as Conferências episcopais, afirmando que
O tema da evangelização toca de perto as graves dificuldades com que se defronta a
Igreja no comprimento de sua missão, devidas às múltiplas e radicais
transformações que afetam a sociedade civil e a própria Igreja: daí a necessidade de
529
A presente Exortação Apostólica está dividida, além de um Prôemio e de uma Conclusão, em sete Capítulos,
cujos temas são os seguintes: I - De Cristo evangelizador a uma Igreja evangelizadora. II - O que é evangelizar?
III - O conteúdo da evangelização. IV – As vias da evangelização. V – Os destinatários da evangelização. VI –
Os obreiros da evangelização. VII – O espírito da evangelização.
Também, a partir dos dois aspectos anunciados no discurso de abertura do Sínodo, a presente Exortação pode ser
dividida em três partes, a saber: a primeira parte dirige-se ao “terminus a quo” abrangendo os seus três primeiros
Capítulos, constituindo assim, o eixo dogmático do desenvolvimento do tema. A segunda parte é constituída pelo
Capítulo IV que aborda os meios e os modos pelos quais a Igreja deve evangelizar, constituindo o eixo
metodológico. Por fim, os três últimos Capítulos constituem o “terminus ad quem”, perfazendo o seu eixo
pastoral, ou seja, o largo horizonte de ação e de sujeitos da evangelização.
530
CAMACHO, I. Doutrina Social da Igreja: abordagem histórica. Op. cit. p. 382.
182
consultar sobre a forma como ela deve cumprir sua missão salvífica de anunciar o
evangelho neste mundo novo em transformações e nas presentes circunstancias 531.
No dia 27 de Setembro de 1974, o Sumo Pontífice conclamou o IV Sínodo Mundial
dos bispos e a III Assembléia Geral do Sínodo dos Bispos
532
, tendo como tema “A
Evangelização no Mundo Contemporâneo”, o que mais tarde seria o nome da própria
Exortação Apostólica.
Paulo VI, no discurso de abertura, apresentou alguns elementos que, depois de
discutidos, tornaram constitutivos do próprio documento. Primeiramente, fala acerca dos
diversos aspectos da Evangelização, demonstrando que este tema é “importantíssimo, mas
deve acrescentar-se imediatamente que ele é também audaz e severo porque nos obriga a
procurar ver quais são, nestes anos tempestuosos, as reais condições sócio-culturais da
humanidade, na qual a Igreja vive” 533.
Da mesma forma, elucida o conceito de Evangelização a partir de dois aspectos: o
“terminus a quo” e o “terminus ad quem”. O primeiro refere-se ao aspecto originário,
eficiente e teológico do termo. Esse aspecto quer recordar, diz o papa, que “se estamos ainda
no mundo, nele estamos sempre na qualidade de enviados, de embaixadores, de Apóstolos e
missionários”
534
. O segundo, por sua vez, nos diz respeito à finalidade, ao aspecto eclesial e
humano da evangelização. Dessa forma, conclui afirmando que estes “dois termos podem
servir para delimitar, proveitosamente, o âmbito da evangelização” 535.
531
Ib. p. 382.
Para aprofundar o tema cf. CARVALHEIRA, M. P., DUPONT, P. G., QUEIROZ, A.C. O Sínodo de 1974:
Evangelização no Mundo de Hoje. São Paulo: Loyola, 1974. Também, J. HORTAL (Org.). Evangelização no
Brasil Hoje: Conteúdo e Linguagem. São Paulo: Loyola, 1976. VIII Semana de Reflexão Teológica. p. 95 – 108.
533
Discurso de abertura do Sínodo dos Bispos. In: REB, Petrópolis, v. 34, n. 136, p. 930, [Dezembro] 1974.
534
Ib. p. 930.
535
Ib. p. 930. Esta apresentação do Papa Paulo VI em seu discurso, exprime o que mais tarde aparecerá na
Enclítica EN quanto à sua estrutura e à sua divisão, assim como aos temas e ao método a ser utilizado para a
elaboração de sua argumentação, ou seja, o método genético. Cf. LATOURELLE, R. Teologia: Ciência da
Salvação. Trad. Monges Beneditinos de Serra Clara. São Paulo: Paulinas, 1981. Col. Teologia Hoje – 20. p. 86.
532
183
O Papa em seu discurso apresenta, de forma esquemática, alguns eixos de reflexão
acerca da Evangelização, tais como o seu aspecto de necessidade, o seu caráter Universal, a
sua finalidade536 e a co – relação entre evangelização e promoção humana. 537
Transcorridos exatos 29 dias da abertura do Sínodo, no dia 26 de outubro, o Papa leu
e entregou a todos um documento com 13 parágrafos aos quais veio substituir, de algum
modo, o documento solene que muitos esperavam, “pois a amplidão e a complexidade do
tema não permitiam explicitá-lo, em pouco tempo, nem tirar de forma completamente
exaustiva as desejadas conclusões”
Sínodo dos Bispos
539
538
. Por fim, fez um discurso no ato de encerramento do
, proferiu de forma clara os frutos do Sínodo e afirmou que, em muitos
pontos importantes, houve real convergência
540
. Contudo, deixou claro que alguns pontos
ainda “precisam ser mais bem delimitados, matizados, completados, aprofundados”. Aqui o
Papa disserta sobre as questões referentes à relação da Igreja Universal e as Igrejas
Particulares, da Pluralidade de Teologias e o Magistério e a questão da Libertação 541.
536
Acerca destes três primeiros, o Papa diz que “Evangelizar, não é, para nós, um convite facultativo, mas um
dever premente. (...) Evangelizar, não é, por conseguinte, um trabalho ocasional ou temporário, mas empenho
vital e necessidade constitucional da Igreja” Cf. Discurso de abertura do Sínodo dos Bispos. In: REB, Petrópolis,
v. 34, n. 136 p. 930-931, [Dezembro] 1974.
537
A este respeito diz Ildefonso Camacho: “Em vista das dificuldades que iam surgindo na interpretação e
aplicação das conclusões do Sínodo anterior, sobre a justiça no mundo, não é arriscado pensar que a decisão do
Papa visava também situar esta controvertida questão em seu verdadeiro quadro de compreensão: se em 1971
havia se estudado a justiça como parte da evangelização, convinha agora aprofundar esta última, para iluminar a
justiça. Neste sentido, ambos os Sínodos são complementares. E vamos ver que esta perspectiva esteve presente
em toda a preparação e desenvolvimento da assembléia de 1974, ainda que, agora, mais do que justiça, falar-se-á
de libertação e/ou promoção humana. Mas a questão de fundo permanece a mesma: como harmonizar o esforço
humano nestes campos com a salvação que Deus oferece como seu dom para o final dos tempos, e que constitui
o centro da missão da Igreja? Cf. Doutrina Social da Igreja: abordagem histórica. Op. cit. p. 382. Cf. Também
GEFFRÉ, C. Como fazer Teologia Hoje: hermenêutica teológica. Op. cit. p. 311- 318.
538
Cf. In: REB, Petrópolis, n. 136 p. 937ss, [Dezembro] 1974.
539
O discurso de encerramento encontra-se In: REB, Petrópolis, n. 136, p. 941-942, [Dezembro] 1974.
540
Cf. Ib. p. 942 - 44.
541
Ib. p. 944-45.
184
1.1.3.1. O CONTEÚDO DA EVANGELLI NUNTIANDI
O conteúdo principal da EN é a “Evangelização”. Paulo VI disserta que “anunciar o
Evangelho aos homens do nosso tempo” juntamente com a “a tarefa de confirmar os irmãos”
configura
um programa de vida e de atividade e um empenho fundamental do nosso
Pontificado, tal tarefa afigura-se-Nos ainda mais nobre e necessário quando se trata
de reconfortar os nossos irmãos na missão de evangelizadores, a fim de que, nestes
tempos de incerteza e de desorientação, eles a desempenhem cada vez com mais
amor, zelo e alegria 542.
Em muitas ocasiões, o tema “Evangelização” foi proposto como conteúdo de
reflexão, dada à importância de sua elucidação, como nos afirma a EN: “Quanto a este tema
da evangelização, Nós tivemos oportunidade, em diversas ocasiões, de realçar a sua
importância, muito antes das jornadas do Sínodo”. Paulo VI insiste ainda na necessidade de
não só refletir acerca do tema, mas de “rever os métodos, a procurar, por todos os meios ao
alcance, e a estudar o modo de fazer chegar ao homem moderno a mensagem cristã, na qual
somente ele poderá encontrar resposta às suas interrogações e a força para a sua aplicação de
solidariedade humana” 543.
O tema é abordado a partir de dois princípios concomitantes. O primeiro elucida a
realidade fundante a qual a Igreja não pode subtrair-se para a execução de seu ministério,
princípio este que o Papa diz que “é absolutamente indispensável colocar-nos bem diante dos
olhos”. Aqui se trata daquilo que a Teologia denomina de regula fidei, ou seja, “um
542
543
EN 1.
EN 3.
185
patrimônio de fé que a Igreja tem o dever de preservar na sua pureza intangível, ao mesmo
tempo em que o deve também apresentar aos homens do nosso tempo, tanto quanto isto é
possível, de maneira compreensível e persuasiva” 544.
A fidelidade à mensagem de Cristo e o dever de transmiti-la aos homens constituem
“o eixo central da evangelização” 545.
A partir deste “eixo central”, percebem-se alguns problemas
546
daí decorrentes que,
examinados, constituem o segundo princípio norteador pela qual a Evangelização é abordada,
ou seja, a realidade hodierna na qual o homem está circunscrito.
O Sumo Pontífice reafirma a importância do assunto legitimando, a importância da
própria Exortação, num profundo desejo de “ajudar os nossos irmãos e filhos a responder a
tais interpretações”. Denota ainda o ensejo de que a reflexão acerca da Evangelização
emergida da Exortação Apostólica, “a partir das riquezas do Sínodo, possa levar à mesma
reflexão todo o Povo de Deus congregado na Igreja, e vir a ser um impulso novo para
todos” 547.
Como bem afirma Gianfranco Coffele, a “EN de Paulo VI pode ser considerada
como um dos documentos mais significativos do pós-Concílio, tendo integrado bem a
teologia do AG com a maior parte dos temas emergidos com rapidez incrível no pósConcílio” 548, ou ainda como delineou Faustino Teixeira em seu artigo “Entre o desafio do
544
EN 3.
EN 4.
546
Estes problemas são assim formulados pela Exortação Apostólica: “O que é que é feito, em nossos dias,
daquela energia escondida da Boa-Nova, susceptível de impressionar profundamente a consciência dos homens.
Até que ponto e como é que essa força evangélica está em condições de transformar verdadeiramente o homem
deste século? Quais os métodos que hão de ser seguidos para proclamar o Evangelho de molde a que a sua
potência possa ser eficaz?”Cf. EN 4.
547
EN 5.
548
COFFELE, G. Missão. In: LATOURELLE, R.; FISICHELLA, R. (Org.). Dicionário de Teologia
Fundamental. Trad. Luiz João Baraúna. São Paulo: Vozes/Santuário, 1994. p. 645.
545
186
Diálogo e a Vocação do Anuncio”
549
, a EN “constitui um marco decisivo para a nova
compreensão de Evangelização”. Tendo em vista a importância capital desse documento, é
mister agora dissertar acerca de algumas contribuições que dele se desprendem para a reflexão
teológica e magisterial da Igreja no pós-Concílio.
A primeira grande contribuição da EN diz respeito à adoção definitiva do termo
“evangelização”, preferido em relação à “missão”, para expressar todo o rol de atividades da
Igreja
550
. Paulo VI não a define restritamente, pois “nenhuma definição parcial ou
fragmentária, porém, chegará a dar razão da realidade rica, complexa e dinâmica que é a
evangelização, a não ser com o risco de a empobrecer e até mesmo de a mutilar”. Por ser uma
realidade abrangente, diz o Papa “é impossível captá-la se não se procurar abranger com uma
visão de conjunto todos os seus elementos essenciais”
551
.
Contudo, no decorrer da
Exortação, a define “em termos de anúncio de Cristo àqueles que o desconhecem, de
pregação, de catequese, de batismo e de outros sacramentos que hão de ser conferidos”
552
,
mas adverte que “este anúncio – querigma, pregação ou catequese - ocupa um tal lugar na
evangelização que, com freqüência, se tornou sinônimo dela. No entanto, ele não é senão um
aspecto da evangelização” 553.
549
Este texto foi apresentado em versão preliminar no IV Encontro Nacional dos Organismos e Instituições
Missionárias (ENOIM) - CNBB. Tema: Nova Evangelização, Diálogo e Anúncio, em vista do COMLA 6
(Congresso Missionário Latino-Americano). Brasília, 05 a 08 de novembro de 1998. In: Convergência,
Petrópolis, Ano XXXIV, n. 327, p. 520-529 [novembro] 1999.
550
Esta distinção já é anterior ao Concílio e ele mesmo frisou como se segue: “Os participantes no Concílio
Vaticano II optaram em descrever a Igreja a partir de dupla perspectiva: a vida interna da Igreja (ad Intra) e sua
vida externa (ad extra). Mas, no Concílio, em lugar de apelarem para a missio da Igreja, foi do múnus dela que
eles falaram: de munere ecclesiae in mundo hujus temporis. Esse termo latino é comumente traduzido como
tarefa (talvez melhor plural tarefas) e algumas vezes como papel, rol, refletindo as diversas responsabilidades
que a Igreja é convocada a assumir. A decisão no Concílio Vaticano II de utilizar a palavra tarefa(s) em lugar de
missio teve a vantagem de remover um paralelo exagerado entre as missões trinitárias e a missão eclesial.
Também, as ´tarefas´ da Igreja são mais abrangentes do que a responsabilidade específica exercitada pelos
formalmente envolvidos na pregação do evangelho a crentes e a crente em potencial”. Cf. FIORENZA,
FRANCIS S.; GALVIN:, JOHN P. (Org.). Teologia Sistemática. Tomo II: perspectivas católico-romanas. Trad.
Paulo Siepierski, São Paulo: Paulus, 1997. Col. Teologia Sistemática. p. 92-93.
551
EN 17
552
EN 17
553
EN 22.
187
A Evangelização possuiu dupla finalidade, isto é, “ela procura converter ao mesmo
tempo a consciência pessoal e coletiva dos homens, a atividade em que eles se aplicam, e a
vida e o meio concreto que lhes são próprios” 554. Sendo assim, a evangelização só cumprirá a
sua tarefa se aquele que assim a tiver recebido, fizer uma “adesão do coração”, acolhendo em
sua vida as Verdades e o programa de vida que Cristo explicitou e vivenciando-a numa
comunidade de fiéis
evangeliza”
556
555
. Finalmente, diz o Papa, “aquele que foi evangelizado, por sua vez,
. Desta forma, conclui que a “evangelização, por tudo o que dissemos, é uma
diligência complexa, em que há variados elementos; renovação da humanidade, testemunho,
anúncio explícito, adesão do coração, entrada na comunidade, aceitação dos sinais e
iniciativas de apostolado” 557.
A evangelização destina-se a “educar de tal modo para a fé, que esta depois leve cada
um dos cristãos a viver - e a não se limitar a receber passivamente, ou a suportar – os
sacramentos como eles realmente são, verdadeiros sacramentos da fé” 558. Assim sendo, diz o
papa, não há contrariedade entre evangelização e sacramentalização. Ambos ocupam dois
momentos da vida do fiel: o do encontro com o Senhor e a posse da sua graça. Desta forma, a
evangelização atingirá a sua meta: a vida natural e sobrenatural do homem 559.
Quanto ao conteúdo, Paulo VI é enfático: “evangelizar é, em primeiro lugar, dar
testemunho, de maneira simples e direta, de Deus revelado por Jesus Cristo, no Espírito
Santo”
560
. É “uma proclamação clara que, em Jesus Cristo, Filho de Deus feito homem,
morto e ressuscitado, a salvação é oferecida a todos os homens, como dom da graça e da
misericórdia do mesmo Deus” 561. Assim, a “evangelização contém, pois, também a pregação
554
EN 18.
EN 23.
556
EN 24.
557
EN 24.
558
EN 47.
559
EN 47.
560
EN 26.
561
EN 27.
555
188
da esperança nas promessas feitas por Deus na Nova Aliança em Jesus Cristo”
562
. De forma
categórica, afirma que “não haverá nunca evangelização verdadeira se o nome, a doutrina, a
vida, as promessas, o reino, o mistério de Jesus de Nazaré Filho de Deus não forem
anunciados”
563
. Por último, a define de forma clássica: “Efetivamente, a totalidade da
evangelização para além da pregação de uma mensagem consiste em implantar a Igreja, a qual
não existe sem esta respiração, que é a vida sacramental a culminar na Eucaristia” 564.
Quanto à metodologia a ser aplicada nesta grande empreitada da Igreja, a Exortação
é clara em afirmar que o primeiro e mais autêntico veículo de evangelização funda-se no
testemunho de vida
565
. Outras vias também são apresentadas, como por exemplo, a
pregação566, a Liturgia, no que tange à Homilia, pois “seria um erro não ver na homilia um
instrumento valioso e muito adaptado para a evangelização” 567. Esta deve ser proferida tanto
na Celebração Eucarística como nas celebrações dos Sacramentos e nas “para-liturgias, ou
ainda por ocasião de certas assembléias de fiéis. Ela será sempre uma oportunidade
privilegiada para comunicar a palavra do Senhor”
568
. Da mesma forma, a Catequese, os
Sacramentos e a Religiosidade Popular constituem vias indispensáveis para a evangelização.
De forma indispensável também, Paulo VI coloca a necessidade da utilização dos
meios de comunicação social, pois se não o fizer, a
Igreja viria a sentir-se culpável diante do seu Senhor, se ela não lançasse mão
destes meios potentes que a inteligência humana torna cada dia mais aperfeiçoados.
É servindo-se deles que ela ‘apregoa sobre os terraços (cf. Mt 10,27; Lc 12,3) a
562
EN 28.
EN 22.
564
EN 28.
565
EN 41.
566
EN 42.
567
EN 43.
568
EN 43.
563
189
mensagem de que ela é depositária. Neles ela encontra uma versão moderna e
eficaz do púlpito. Graças a eles ela consegue falar às multidões 569.
Destarte, Paulo VI, com simplicidade, adverte que, as
Técnicas da evangelização são boas, obviamente; mas ainda as mais aperfeiçoadas
não poderiam substituir a ação discreta do Espírito Santo. A preparação mais
apurada do evangelizador nada faz sem ele. De igual modo, a dialética mais
convincente, sem ele permanece impotente em relação ao espírito dos homens. E,
ainda, os mais bem elaborados Esquema com base sociológica e psicológica, sem
ele, em breve se demonstram desprovidos de valor 570.
A evangelização destina-se a todos os tipos de pessoas, seja ela praticante ou não
praticante. Da mesma forma, todos os cristãos, em virtude do batismo, têm um dever
fundamental de evangelizar 571.
A relação entre Igreja e missão é fundamental no que concerne à definição de Igreja
dada pela Instrução: “Evangelizar constitui, de fato, a graça e a vocação própria da Igreja, a
sua mais profunda identidade. Ela existe para evangelizar...” 572. A legitimidade desta relação
funda-se no fato de que a Igreja “nasce da ação evangelizadora de Jesus e dos Doze. Ela é o
fruto normal, querido, o mais imediato e o mais visível dessa evangelização” 573. Sendo assim,
nascida da missão de Jesus, ela é enviada ao mundo e se torna para o mundo “um sinal, a um
tempo opaco e luminoso, de uma nova presença de Jesus, sacramento de sua partida e de sua
569
EN 45.
EN 75.
571
Cf., AG 35 e EN 59.
572
EN 14.
573
EN 15.
570
190
permanência. Ela prolonga-o e continua-o” 574. A Igreja deve continuamente se purificar, uma
vez que é depositária da Boa Nova, a fim de preservar íntegro aquilo que recebeu. Como
enviada, ela também envia.
A relação entre evangelização e promoção humana, desenvolvimento e libertação é
pela EN abordada de forma conciliadora, visto que, há entre ambos, como afirma a Exortação,
“laços de ordem antropológica”, “de ordem teológica” e “laços daquela ordem eminentemente
evangélica”
575
. Destarte, reafirma que é importante não querer reduzir a mensagem e os
esforços da Igreja a uma realidade meramente temporal. Respondendo a essas questões,
afirma que a Igreja não se desinteressa por estas realidades, “mas recusa-se a substituir o
anúncio do reino pela proclamação das libertações puramente humanas e afirma mesmo que a
sua contribuição para a libertação ficaria incompleta se ela negligenciasse anunciar a salvação
em Jesus Cristo” 576.
Em relação aos métodos, condena toda e qualquer forma de violência, pois ela “não é
nem cristã nem evangélica e que as mudanças bruscas ou violentas das estruturas seriam
falazes e ineficazes em si mesmas e, por certo, não conformes à dignidade dos povos” 577.
No tocante às Culturas, Paulo VI diz que o “Evangelho e a evangelização são
independentes em relação às culturas, mas não são necessariamente incompatíveis, mas sim
suscetíveis de as impregnar a todas sem se escravizar a nenhuma delas” 578.
Por fim, Gianfranco Coffele diz que
Paulo VI enfrentou temas particularmente sofridos na década de 70, como: a igreja
particular e suas relações com a universal, propondo uma solução bem avançada
574
EN 15.
EN 31.
576
EN 34.
577
EN 38.
578
EN 20.
575
191
(EN 62 – 65); (...) a relação entre história da salvação e história do mundo; estes
temas são enfrentados com clareza e equilíbrio – a, a nosso ver, com êxito – no
Capítulo terceiro da exortação apostólica 579.
1.1.4. A CONFÊRENCIA DE PUEBLA
A Confêrencia de Puebla é caracterizada por sistematizar, de forma objetiva, as
opções de Medellín, mas também, segundo as vicissitudes de seu tempo, pelas novas opções
que faz. Puebla além de reafirmar a opção pelos pobres580, pelas CEBs
pelos jovens
582
581
, faz ainda opção
. Prescindindo de qualquer interesse estratégico, a opção pelos jovens veio
chamar atenção para esse grave problema da Igreja, que ainda perdura até hoje. Depois da
crise e do desaparecimento especialmente das JEC e JUC, a pastoral da juventude mergulhou
em tempos de incertezas, de tateios e busca. Com essa opção, Puebla procurou incentivar a
busca de novas formas de atuação no meio juvenil
583
. Ainda, diante de uma sociedade
turbulenta, Puebla faz ainda opção pela defesa da dignidade da pessoa humana.
Puebla, acima de tudo, trouxe como grande contribuição um novo modo de
compreender a pastoral e a própria Igreja por meio do princípio “Comunhão e Participação”.
No que se refere à pastoral, o próprio título já é bem significativo584, por abordar a
problemática da evangelização, herança específica da Exortação EN. O próprio título foi,
579
COFFELE, G. Missão. In: LATOURELLE, R.; FISICHELLA, R. (Org.). Dicionário de Teologia
Fundamental. Trad. Luiz João Baraúna. São Paulo: Vozes/Santuário. 1994. p. 646.
580
Para Camacho, não “se trata de uma opção estratégica, em obediência a conveniência pastoral, mas sim de um
imperativo do seguimento de Jesus, que recebe toda a sua força e atualidade do contexto histórico em que se
desenvolve a América Latina.” A Doutrina Social da Igreja na América Latina: Medellín e Puebla. p. 481.
Também cf. DP 1134.
581
DP 96,262,269,1309.
582
Cf. CECHINATO, L. Puebla ao alcance de todos. 2º ed. Petrópolis: Vozes, 1981. p. 146-147.
583
DP 1166-1187.
584
Tema: “Evangelização no presente e no futuro da América Latina”.
192
entre muitos sugeridos, fixado pelo papa Paulo VI, no dia 25 de março de 1977 como
conseqüência natural de sua recente Exortação.
Destarte, o realizador dessa Confêrencia foi o Papa João Paulo II que propôs a
tríplice verdade que forja o conteúdo da evangelização: “a verdade sobre a Igreja”
Povo de Deus, sinal e serviço de comunhão; “a verdade sobre Jesus Cristo”
586
585
, como
, o Salvador
que anunciamos e a “verdade sobre o homem” 587.
Nesse sentido, João Paulo II “vê na ortodoxia o fundamento e a condição da
ortopraxis. Com isso, não nega a interação dialética entre doutrina e práxis, mas afirma a
primazia da verdade do Evangelho, enquanto verdade vinda de Deus”
588
. Estas três
verdades589 estão intimamente conectadas entre si, formando, por assim dizer, três momentos
de uma totalidade, de um único e mesmo discurso 590. Desta tríplice verdade haure de Puebla
uma cristologia, uma eclesiologia e uma antropologia, não importada, mas conectada com a
realidade ameríndia, com seus problemas e suas esperanças 591.
Notoriamente, Puebla transmite um conteúdo eclesiológico mais centralizador, que
procura a unidade e a comunhão. Juntamente com esta nota característica, quer que a
comunhão entre todos se prolifere por meio da participação efetiva e objetiva na construção
do Reino de Deus. É, sem dúvida, uma volta à compreensão eclesiológica, centrada na
verdade e dela parte toda a sua ação, como bem exemplifica o Concílio Vaticano II e a EN. É
585
Cf. DP 220-303.
Cf. DP 170-219.
587
Cf. DP 304-339.
588
MELO, A. A Evangelização no Brasil. Op. cit. p. 72.
589
Cf. Aspectos Doutrinários de Puebla. In: Cultura e Fé. Petrópolis, Ano II, n. 6, p. 05-16, [julho/setembro]
1979.
590
Cf. JOÃO PAULO II. Discurso inaugural pronunciado no Seminário Palafoxiano de Puebla de Los Angeles,
México, no dia 28 de janeiro de 1979. In: PUEBLA: A Evangelização no presente e no futuro da América
Latina. Petrópolis: Vozes. 4º ed., 1982. p. 17-34.
591
Cf. DP 162-339.
586
193
a partir do binômio “comunhão e participação” que se entenderá à eclesiologia pós-Puebla 592.
Contudo, de Puebla em diante, a Missão da Igreja na América Latina será entendida,
de forma oficial, como evangelização, como já se pudera verificar na EN. A evangelização
aqui tem como objetivo central as culturas antigas e novas do continente, a promoção humana
e os modelos de vida social e política 593.
É por meio da evangelização que a salvação uma vez concretizada “no mistério
pascal de Cristo [...] chega a nós hoje, mediante a Igreja sob a ação do Espírito Santo”
594
.
Nesse sentido, a evangelização exige e comporta como elemento natural o testemunho dos
evangelizadores, o anúncio da Boa Nova, a geração da fé como conversão, o
comprometimento eclesial e, conseqüentemente, o envio de evangelizadores 595.
Como herança da EN, a evangelização em Puebla é abordada como missão essencial
da Igreja que se inspira em sinais e critérios fundamentais, como o da Palavra de Deus contida
tanto na Sagrada Escritura como na Tradição codificada por meio da profissão de fé e dos
dogmas, o sensus fidei, assim como no denominado sensus fidelium, ou seja, na fé do Povo de
Deus atuante nas múltiplas comunidades etc 596.
É por isso que se pode afirmar que
592
Cf. TAMAYO, F. Eclesiologia de Puebla. In: Medellín, Bogotá, n. 35, p. 324, 1980. A este respeito Camacho
afirma que “Para alguns, o paradigma baseado na comunhão e na participação oculta uma estratégia para
substituir o que nasceu do calor a respeito da libertação. Ainda que isso tenha de fato ocorrido em algum
momento, ninguém pode tampouco duvidar que o projeto de libertação estava arraigado na Igreja latinoamericana, e servir como núcleo aglutinador do grande esforço evangelizador, no período que transcorre
Medellín e Puebla. Mas também teve seus detratores, quase sempre apoiados em certos desvios reducionistas da
libertação. Tudo isso, que era vida e experiência histórica, tinha de estar presente em Puebla”. Cf. A Doutrina
Social da Igreja na América Latina: Medellín e Puebla. p. 478.
593
A esse respeito é interessante a afirmação de Mello quando diz que “A evangelização anuncia uma salvação
que dá sentido às aspirações e realizações humanas, ao mesmo tempo em que as questiona e excede.
Começando, pois, nesta vida, a salvação atinge a sua completa realização na eternidade. Sendo assim, são muito
fortes os vínculos que unem salvação, promoção humana, desenvolvimento e libertação”. Cf. A Evangelização
no Brasil: dimensões teológicas e desafios pastorais. O debate teológico e eclesial (1952-1995). Op. cit. p. 72.
594
DP 479.
595
Cf. DP 356-361.
596
Cf. DP 362-384.
194
Encontramos no Documento de Puebla um conceito amplo e equilibrado de
evangelização. Sem deixar-se enredar em conceitos unidimensionais, o Documento
de Puebla entende por evangelização toda a atividade da Igreja pela qual suscita e
alimenta a fé, provoca a conversão e conduz à participação no mistério de Cristo.
Este mistério é proclamado no Evangelho e realizado na Igreja pela existência
cristã 597.
Esta evangelização se concretiza de forma objetiva por meio das CEBs. Ao referir-se
a elas, o documento afirma que elas “são expressão de amor preferencial da Igreja pelo povo
simples; nelas se expressa, valoriza e purifica sua religiosidade, e se lhe oferece a
possibilidade concreta de participação na tarefa eclesial e no compromisso de transformar o
mundo” 598.
Portanto, se em Medellín o horizonte da evangelização era a libertação, em Puebla, a
é a libertação integral 599 que está condicionada àquela tríplice verdade: Jesus Cristo, a Igreja
e o homem, que deve ser transmitida de forma inalterável.
No que tange à ação pastoral da Igreja no Brasil, as Diretrizes promulgadas para os
anos de 1979 a 1982, reúnem, em seu Objetivo Geral, as conclusões de todos esses eventos
anteriores, sejam concernentes ao Sínodo sobre a Justiça no Mundo, as Conferências de
Medellín e de Puebla, sejam dos Documentos Magisteriais PP e EN. Eis o objetivo geral:
597
MELO, A. A Evangelização no Brasil: dimensões teológicas e desafios pastorais. O debate teológico e
eclesial (1952-1995). Op. cit. p. 74.
598
DP 643.
599
A este respeito Camacho diz que a “libertação integral é elemento inspirador de Puebla e objeto das
preocupações dos bispos ali reunidos, que querem evitar todos os reducionismos. Por isso, é que se insiste tantas
vezes na libertação integral. Pretende-se com esta palavra incluir, antes de mais nada, a dimensão transcendente
da salvação, que dá seu sentido último ao processo de libertação na história. Mas, atrás do qualitativo integral,
encerra-se também outra dimensão, que é novidade em Puebla: a cultural. [...] a evangelização não se dirige
apenas ao individuo isolado, nem às estruturas da sociedade, mas sim ao homem total que se conforma com o
tecido sociocultural. Diante da inexistência de Medellín na libertação da opressão ao homem latino-americano
sofre, especialmente por meio dos mecanismos socioeconômico, Puebla pretende descobrir um nível mais
profundo de dependência: o cultural”. Cf. CAMACHO, I. A Doutrina social da Igreja na América Latina:
Medellín e Puebla. p. 480.
195
Evangelizar a sociedade brasileira em transformação a partir da opção pelos pobres
pela libertação integral do homem numa crescente participação e comunhão
visando à construção de uma sociedade fraterna anunciando assim o Reino
definitivo 600.
O Objetivo Geral, contido nas Diretrizes propostas para o quadriênio de 1983-1986,
incute o dado doutrinal expresso em Puebla acerca da Verdade sobre a Igreja, Jesus Cristo e o
Homem
601
. Conseqüentemente, acerca das Diretrizes seguintes propostas para o quadriênio
de 1987-1990, Dom Antonio Celso de Queiroz assim se expressa:
A avaliação do quadriênio de 1983-1986 revelou que a Igreja foi conquistando
novas experiências e aprofundando sua reflexão. O mesmo Objetivo Geral foi
novamente assumido pela CNBB na Assembléia Geral de 1987 com algumas
alterações destacadas pela avaliação do quadriênio. Ao se referir à realidade vivida
pelo povo brasileiro, explicitou-se o aspecto político por sua emergência sempre
maior no horizonte da sociedade e conseqüências para a ação pastoral. As verdades
que constituem o conteúdo fundamental da evangelização são agora introduzidas
pela expressão ‘anunciando’, que indica melhor sua presença permanente, e não
apenas inicial, em todo o processo. Além disso, trata-se da ‘plena’ verdade, que
exclui qualquer reducionismo. A opção preferencial pelos pobres recebe nova
precisão com o termo ‘evangélica’. Por sua vez o objetivo visado pela
evangelização é agora explicitado numa dupla dimensão: ‘formar o povo de Deus’ e
‘participar da construção de uma sociedade justa e fraterna’. A dimensão
600
601
CNBB. DGAP 1979-1982. (Documentos da CNBB n. 15). São Paulo: Paulinas, 1979. p. 7.
CNBB. DGAP 1983-1986. (Documentos da CNBB n. 28). São Paulo: Paulinas, 1983. p. 5.
196
escatológica é agora expressa pela palavra ‘sinal’, com toda a riqueza de
conotações teológicas que ela carrega em si 602.
Contudo, para entendermos as Diretrizes propostas para o quadriênio de 1991 a 1994
é ainda necessário averiguarmos a influência capital da Encíclica de João Paulo II sobre a
missão que, de forma contundente, orientou a Igreja universal e, principalmente a do Brasil,
para novos rumos no que tange ao seu exercício missional entendido como evangelização.
1.1.5. A CARTA ENCÍCLICA REDEMPTORIS MISSIO 603
Dentre os muitos documentos Pontifícios publicados até então, a RMi
604
merece
total destaque, pois em consonância com a EN procurou resgatar à Igreja a sua verdadeira
essencialidade ministerial, ou seja, a sua missionariedade como horizonte último e
irrenunciável.
O Papa João Paulo II, na introdução, constata duas coisas na atual conjectura tanto
eclesial quanto mundial. O que constata quanto à realidade eclesial, é que, nesta nova
primavera do cristianismo a, missão Ad gentes passou por um afrouxamento e que o presente
602
CNBB. DGAP 1987-1990. (Documentos da CNBB n. 38). São Paulo: Paulinas, 1987. p. 6-7.
603
A Carta Encíclica Redemptoris Missio acerca da validade permanente do Mandato Missionário situa-se no
conjunto de documentos de João Paulo II com maior repercussão para a Igreja e à sua vida Pastoral. Ela foi
publicada no dia 7 de dezembro de 1990, por ocasião do vigésimo quinto aniversário do Decreto conciliar Ad
gentes e no décimo quinto da Exortação Apostólica de Paulo VI Evangellii Nuntiandi.
604
A Carta Encíclica RMi está divida além de uma introdução e uma conclusão em oito Capítulos, cujos temas
são os seguintes: I – Jesus Cristo, único Salvador. II - O Reino de Deus III - O Espírito Santo, Protagonista da
Missão. IV – Os imensos Horizontes da Missão Ad Gentes. V – Os caminhos da Missão. VI – Os responsáveis e
os agentes da Pastoral Missionária. VII – A Cooperação na atividade missionária. VIII – A Espiritualidade
Missionária. Os três primeiros Capítulos dissertam acerca dos fundamentos teológicos da missão, ou seja, Jesus
Cristo e o Espírito Santo, além de dissertar acerca do seu conteúdo: o Reino de Deus, que não pode ser separado
nem de Cristo nem da Igreja (cf. RMi 18). Os outros Capítulos versam sobre o “Locus” da missão, a descrição
dos seus efeitos, a responsabilidade de todos os batizados pela missão, a mútua colaboração neste exercício,
além, é claro, de descrever os efeitos da ação missionária sobre o fiel, que é de torná-lo santo (cf. RMi 91).
197
documento visa justamente a superá-lo
605
. Concomitantemente, o Papa alerta para o número
crescente de pessoas que “ignoram Cristo, e não fazem parte da Igreja” e que este número,
segundo o Pontífice, “quase duplicou, desde o final do Concílio” e, por isso, afirma que “é
evidente a urgência da missão” 606.
Para João Paulo II,
o que me anima mais a proclamar a urgência da evangelização missionária é que ela
constitui o primeiro serviço que a Igreja pode prestar ao homem e à humanidade
inteira, no mundo de hoje, que, apesar de conhecer realizações maravilhosas, parece
ter perdido o sentido último das coisas e da sua própria existência 607.
Neste ínterim, o Papa diz que é “chegado o momento de empenhar todas as forças
eclesiais na nova evangelização e na missão ad gentes. Nenhum crente, nenhuma instituição
da Igreja pode esquivar-se deste dever supremo: anunciar Cristo a todos os povos” 608.
1.1.5.1. O CONTEÚDO TEOLÓGICO DA REDEMPTORIS MISSIO
O Capítulo primeiro traz, em seu bojo, uma questão crucial, fruto de uma profunda
crise teológica: é ainda necessária a Missão entre os não católicos? Porque não substituí-la
pelo Diálogo inter-religioso ou pela promoção humana? Outra questão é: se a salvação é
605
Cf. RMi 2; 4.
Cf. RMi 3.
607
Cf. RMi 2.
608
Cf. RMi 3.
606
198
universal, por que a missão? A missão, como proposta de conversão em Cristo, não violaria a
liberdade do homem? 609
A RMi reafirma a Unicidade e, ao mesmo tempo, a unidade da mediação de Cristo
para a salvação de todas e de cada pessoa humana, muito embora Deus, em sua Providencia,
tenha dispensado sementes do Verbo entre os vários povos, mas não se pode separá-las do
único e mesmo Deus que as distribuiu.
Esta sua mediação única e universal, longe de ser obstáculo no caminho para Deus,
é a via estabelecida pelo próprio Deus, e disso, Cristo tem plena consciência. Se
não se excluem mediações particulares de diverso tipo e ordem, todavia elas
recebem significado e valor unicamente da de Cristo, e não podem ser entendidas
como paralelas ou complementares desta 610.
Conforme o Papa, já desde o Concílio, a questão sobre a Liberdade do homem em
relação a Cristo, não é em nada tolhida; ao contrário, Nele é plenificada. Contudo, se o
homem deve ser respeitado em sua liberdade e adesão livre, tem também o dever moral,
conforme o Concílio, de acolher a verdade sobre si e sobre a sua vida 611.
A carta Encíclica retoma a postura da real necessidade da Igreja na ordem da
salvação. A salvação é possível somente pela e na Pessoa de Jesus Cristo, mas a Igreja é
necessária para a exata salvação, porque é a primeira beneficiadora e porque é o instrumento
privilegiado desta universal ação salvífica de Deus em Cristo. Assim, diz o Papa, é
609
Cf. RMi 4.
RMi 5.
611
Cf. RMi 7-8.
610
199
“necessário manter unidas estas duas verdades: a real possibilidade de salvação em Cristo
para todos os homens, e a necessidade da Igreja para essa salvação” 612.
Neste ínterim, perante a pergunta por que a missão? Responde o Papa, de forma
incisiva: “A missão é um problema de fé; é a medida exata de nossa fé em Cristo e no seu
amor por nós”. A missão, continua o Papa,
para além do mandato formal do Senhor, deriva ainda da profunda exigência da
vida de Deus em nós. Aqueles que estão incorporados na Igreja Católica devem
sentir-se privilegiados, e, por isso mesmo, mais comprometidos a testemunhar a
vida cristã como serviço aos irmãos e resposta devida a Deus....613.
A Encíclica aborda a necessária relação entre Jesus Cristo e o Reino de Deus. Este é
personificado e revelado progressivamente em suas exigências em Jesus “por meio de suas
palavras, suas obras e sua pessoa”
614
. O Reino de Deus, assim como a salvação operada por
Jesus Cristo, destina-se para todos, indistintamente, incluindo a sociedade como um todo e o
mundo inteiro
615
e a todas essas realidades, visa unicamente à “libertação e à salvação” que
“atingem a pessoa humana tanto em suas dimensões físicas como espirituais”
616
. Assim, o
“Reino pretende transformar as relações entre os homens, e realizar-se progressivamente, à
medida que estes aprendem a amar, a perdoar, a ajudar-se mutuamente” 617.
612
Cf. RMi 9.
Cf. RMi 11.
614
RMi 14.
615
RMi 15.
616
RMi 14.
617
RMi 15.
613
200
Ademais, o Reino de Deus, além de se relacionar com Jesus Cristo, não pode ser
separado da realidade da Igreja. A relação entre Reino-Jesus-Igreja é ontológica, não podendo
separá-las ou reduzi-las a uma dimensão antropocêntrica, ou reino-cêntrica, caindo num
teocentrismo, como afirma o papa. Não se pode querer, em nome do diálogo inter-religioso,
valorizar o mistério da criação em detrimento ou até mesmo da exclusão do mistério da
redenção
618
. “O Reino de Deus”, afirma a Encíclica, “não é um conceito, uma doutrina, um
programa sujeito a livre elaboração, mas é, acima de tudo, uma pessoa que tem o nome e o
rosto de Jesus de Nazaré, imagem do Deus invisível” 619.
Neste sentido, a Igreja está a serviço do Reino e o serve primeiramente com o
“anúncio que chame à conversão: este é o primeiro e fundamental serviço à vinda do Reino
para cada pessoa e para a sociedade humana”
620
. Por ser Sacramento de Salvação, a Igreja
não pode limitar-se somente aos que lhe acolhem; “Ela é força atuante no caminho da
humanidade rumo ao Reino escatológico; é sinal e promotora dos valores evangélicos entre os
homens” 621.
Como fundamentos da missão, a Encíclica apresenta o Espírito Santo como o
Protagonista da missão 622. Não se pode dicotomizar a ação do Espírito nas culturas da mesma
ação do mesmo Espírito na Igreja, pois a
ação universal do Espírito, portanto, não pode ser separada da obra peculiar que ele
desenvolve no corpo de Cristo, que é a Igreja. Sempre é o Espírito que atua, quer
quando dá a vida à Igreja, impelindo-a anunciar Cristo, quer quando semeia e
desenvolve seus dons em todos os homens e povos, conduzindo a Igreja à
618
RMi 17
RMi 18; GS 22.
620
RMi 20.
621
RMi 20.
622
RMi 21;30.
619
201
descoberta, promoção e acolhimento desses dons, por meio do diálogo. Qualquer
presença do Espírito deve ser acolhida com estima e gratidão, mas compete à Igreja
discerni-la. A ela, Cristo deu o seu Espírito para a guiar até à verdade total (cf. Jo
16,13) 623.
Após abordar esses fundamentos teológicos da missão, João Paulo II descreve três
tipos de missão, ou seja, aquela que se dirige às comunidades cristãs solidamente formadas e
que vivem com fervor. São nestas comunidades que se desenvolvem as pastorais, que é a
forma concreta de realizar a missão da Igreja. Existem também comunidades, as quais
desconhecem de forma total a pessoa de Jesus Cristo e seu Evangelho ou nas quais falta
maturidade para poderem encarnar a fé e anunciá-la aos outros. Aqui o Papa diz que é “esta,
propriamente, a missão ad gentes”. Existe ainda uma intermediária, que se situa nos países de
longa tradição católica ou ainda nas Igrejas jovens, nas quais se perdeu o sentido da fé e as
exigências do Evangelho. Aqui se fala de uma nova evangelização 624.
A Igreja no Brasil baseada nessa tríplice análise da missão conjugada com a
realidade religiosa em que estava o povo católico brasileiro, já nas Diretrizes de 1991-1994 já
propor-se-á uma mudança e um aggionamento a toda sua ação Pastoral, ressaltando a
“urgência da ‘nova evangelização’” e a imposição de uma nova prioridade: “o trabalho
evangelizador e missionário dirigido aos católicos não-praticantes, a maioria da população.
Apesar do batismo e de certa religiosidade, eles se acham, de fato, afastados da comunidade
eclesial ou só ocasionalmente dela se aproximam” 625.
Segundo o Papa, não há uma clara separação entre o cuidado pastoral, a nova
evangelização e a missão específica, pois todas elas são afins e têm como objetivo último, o
623
RMi 29.
Cf. RMi 33; Também PIÉ-NINOT, S. Introdução à Eclesiologia: Op. cit. p. 104.
625
CNBB. DGAP 1991-1994. (Documentos da CNBB n. 45). São Paulo: Paulinas, 1991. p. 8.
624
202
anúncio da pessoa, da doutrina de Jesus Cristo
626
. Insiste-se, ainda, na evangelização da
cultura, por meio dos novos areópagos, pois o “uso da mass-média, no entanto, não tem
somente a finalidade de multiplicar o anúncio do Evangelho: trata-se de um fato muito mais
profundo, porque a própria evangelização da cultura moderna depende, em grande parte, da
sua influência” 627.
A missão deve ser precedida pelo testemunho de vida, pois o homem moderno
acredita mais nas testemunhas do que nos mestres. “O testemunho da vida é a primeira e
insubstituível forma de missão: Cristo, cuja missão nós continuamos, é a ‘testemunha’ por
excelência (Ap 1,5;3,14) e o modelo do testemunho cristão” 628. Este testemunho pessoal deve
ser crescente dentro de uma comunidade, a fim de que nela o cristão possa fazer “uma
experiência comunitária, onde ele próprio se sente um elemento ativo, estimulado a dar a sua
colaboração para o proveito de todos” 629.
A RMi abarca as CEBs como lugar para o autêntico testemunho cristão e também
para o autêntico anúncio do Evangelho. Diz o Papa: “Deste modo, elas tornam-se instrumento
de evangelização e de primeiro anúncio, bem como fonte de novos ministérios; enquanto,
animadas pela caridade de Cristo, oferecem uma indicação sobre o modo de superar divisões,
tribalismos, racismos” 630.
O Papa aborda a questão da inculturação do evangelho como necessária, embora seja
um processo lento “que acompanha toda a vida missionária e que responsabiliza os vários
agentes da missão Ad gentes” 631. Pela inculturação, o Evangelho é encarnado na Cultura, seus
valores assumidos, mas também corrigidos a partir de dentro. Sendo assim, dois princípios
626
Cf. RMi 34.
RMi 37.
628
RMi 42.
629
RMi 51.
630
RMi 51.
631
RMi 52.
627
203
são elencados para o correto desenvolvimento da inculturação: “‘a compatibilidade com o
Evangelho e a comunhão com a Igreja Universal’” 632.
No que se refere ao diálogo inter-religioso, afirma-se que ele “faz parte da missão
evangelizadora da Igreja”
633
, mas que também não dispensa a afirmação de “que a salvação
vem de Cristo” nem mesmo a necessidade da própria ação evangelizadora 634.
Embora o protagonista da missão seja o Espírito Santo, a RMI destaca os
responsáveis pela execução desta missão. Os primeiros responsáveis pela evangelização do
mundo são os Bispos, juntamente com o Papa, como já nos afirmava o Vaticano II
635
.
Juntamente com eles todos os Sacerdotes, diocesanos ou não, são co-responsáveis pela missão
da Igreja
636
além é claro, dos inúmeros Institutos Missionários
637
. Ademais, assim como a
missão é universal e sendo a Igreja entendida como Povo de Deus, essa missão, que é da
Igreja, é também missão de todo o seu Povo. Assim, se pelo batismo todo homem e mulher se
tornam Povo de Deus, pelo batismo também todo cristão é inserido nessa mesma e única
missão de Jesus Cristo 638.
O número 72 indica os lugares onde os leigos devem exercer a sua vocação
missional, a saber, na Sociedade, junto à realidade política, econômica e social, na
Comunidade Eclesial, no que refere ao exercício ministerial, no voluntariado, na
evangelização propriamente dita e também pelos muitos serviços prestados à comunidade,
principalmente a catequese 639. Embora sendo todos responsáveis pela missão, não se exclui a
vocação especifica Ad gentes 640.
632
RMi 54.
RMi 55.
634
RMi 55.
635
Cf. LG 23; RMi 63.
636
Cf. RMi 67.
637
Cf. RMi 66.
638
Cf. RMi 71.
639
Cf. RMi 72-73.
640
Cf RMi 79.
633
204
Neste ínterim, chegamos ao objetivo da nossa análise que são as Diretrizes propostas
para o quadriênio de 1991-1994. Iniciamos, agora, nossa análise das Diretrizes Gerais da
Ação Pastoral exposta no documento 45.
1.2. AS DIRETRIZES DA AÇÃO PASTORAL: DOC 45: UMA ANÁLISE
TEOLÓGICA
As Diretrizes Gerais da Ação Pastoral da Igreja no Brasil propostas para o quadriênio
de 1991-1994 encerram em si todas as contribuições teológicas anteriores, principalmente no
que tange à compreensão da missão como evangelização. Notoriamente, percebe-se no
documento 45 uma profunda preocupação e, ao mesmo tempo, uma profunda reflexão sobre o
tema da evangelização como fio condutor de toda a vida eclesial. Torna-se claro esta
tendência pela não-proposta de destaques pastorais, como de costume, em quase todas as
outras Diretrizes anteriores. Há, por decorrência de toda a reflexão anterior, um despertar da
Igreja para a sua identidade e missão: “Olhando a urgência e os desafios da missão, na atual
sociedade brasileira, sentimos a necessidade de despertar ainda mais a consciência
missionária da Igreja” 641.
O corpo doutrinal, apresentado no Capítulo I, é, em síntese, uma retomada do
conteúdo da RMi. No segundo Capítulo apresentam-se as dimensões da evangelização. Aqui é
importante ressaltar que, acerca da evangelização, todas as nossas Diretrizes já a mencionam,
porém, dentro de uma estrutura pastoral baseada nas seis Dimensões ou Linhas. Estas
constituem o “quadro referencial da Ação Pastoral, sem esgotar o mistério da Igreja” e “têm a
função de mostrar ao mesmo tempo a variedade de aspectos e a unidade dinâmica que deve
existir entre eles. De fato, elas se interpenetram e se exigem mutuamente” 642.
641
642
CNBB. DGAP 1991-1994. (Documentos da CNBB n. 45). São Paulo: Paulinas, 1991. n. 27.
CNBB. DGAP 1991-1994. (Documentos da CNBB n. 45). São Paulo: Paulinas, 1991. n. 75.
205
Embora se fale de interdependência, a missão é, nessas Diretrizes assim como nas
anteriores, entendida na prática pastoral como um momento da pastoral que não influência as
demais. A Linha dois sobre a dimensão missionária é, entre todas as outras cinco linhas ou
dimensões, apenas um aspecto da Pastoral e não o conteúdo, a razão em si de ser de toda a
ação da Igreja que se concretiza na pastoral.
A dimensão missionária exprime, pois, um aspecto particular da única e abrangente
missão da Igreja, correspondente à primeira evangelização, para despertar a fé nos
não-cristãos, integrando novos membros em sua comunhão visível 643.
A Igreja no Brasil, nos últimos anos, tem manifestado seu dinamismo por um novo
ardor missionário “ad gentes”, não apenas se preocupando com as situações
missionárias presentes no país, mas ampliando seu horizonte missionário para
“além-fronteiras” 644.
A missionariedade da Igreja ressaltada como Essência e Razão de ser da Igreja, como
nos aponta o Concílio e também Paulo VI na EN, é aprisionada numa linha ou dimensão da
pastoral. Neste ínterim, a proposta conciliar, assim como dos outros documentos pontifícios
somados à realidade religiosa brasileira, exigirá um entendimento do lugar da missãoevangelização que melhor ressalte a própria vocação da Igreja e, conseqüentemente, a sua
essencialidade enquanto ação junto ao povo de Deus e à sociedade.
As
Diretrizes
conseqüentemente,
643
644
apresentam
traça
os
uma
desafios
análise
à
das
mudanças
evangelização
na
sociedade
e,
a partir da influência da
CNBB. DGAP 1991-1994. (Documentos da CNBB n. 45). São Paulo: Paulinas, 1991. n. 81.
CNBB. DGAP 1991-1994. (Documentos da CNBB n. 45). São Paulo: Paulinas, 1991. n. 84.
206
modernidade
645
.
A modernidade ressaltou ao máximo a autonomia do homem com a
afirmação da subjetividade e, no campo social, favoreceu o surgimento e o crescimento do
liberalismo econômico e do capitalismo liberal.
Se com o Concílio temos a secularização 646, como progresso de avaliação teológica
diante dos valores do mundo, com a modernidade tem-se o secularismo, como a marca
característica de seu legado e que representa a verdadeira depreciação dos grandes valores da
fé com repercussão na decadência moral 647.
As Diretrizes assinalam que é
nas grandes transformações econômicas que mais aparecem os frutos do progresso
tecnológico, e ao mesmo tempo suas contradições e limites. É preciso reconhecer
que essas transformações econômicas vieram agravar a questão social, que adquiriu
dimensões mundiais, aumentando o número de indivíduos e de povos inteiros
desprovidos do mínimo necessário, difundindo a exploração e o empobrecimento,
tornando o mundo mais desigual que nunca 648.
Contudo, nossos bispos lembram que “o fenômeno da modernidade deve ser
estudado e acompanhado permanentemente, se quisermos manter atualizada a nossa ação
pastoral”
649
. As Diretrizes constatam “três aspectos, particularmente significativos, que
questionam a nossa consciência de cristãos e oferecem desafios inéditos para a
evangelização”
645
650
. Esses desafios são, pelo documento, assim apresentados: “o
Para um melhor entendido do que é a Modernidade, cf. DE ÁVILA, F.B. Modernidade. In: Pequena
enciclopédia de Doutrina Social da Igreja. São Paulo: Loyola, 1991, p. 299.
646
Cf. GS 36; AA 7.
647
CF. DE MIRANDA, A.A. A Pastoral em face da Modernidade e da Pós-Modernidade. In: Atualização, Belo
Horizonte, n. 236, p. 166, [março/abril] 1992.
648
CNBB. DGAP 1991-1994. (Documentos da CNBB n. 45). São Paulo: Paulinas, 1991. n. 111.
649
CNBB. DGAP 1991-1994. (Documentos da CNBB n. 45). São Paulo: Paulinas, 1991. n. 113.
650
CNBB. DGAP 1991-1994. (Documentos da CNBB n. 45). São Paulo: Paulinas, 1991. n. 113.
207
individualismo e a emergência da subjetividade”
651
, “o pluralismo cultural e religioso”
652
e
as “contradições sociais e causas estruturais” 653. Explicitemo-las de forma rápida.
Quando se fala em “valorizar a pessoa e a experiência subjetiva”, cumpre lembrar
que o apelo evangélico é apelo, primeiramente, à dimensão pessoal e subjetiva como nos
lembra a RMi, citando a EN: “a evangelização conterá sempre – como base, centro, e, ao
mesmo tempo, vértice do seu dinamismo - uma proclamação clara de que, em Jesus Cristo,
[...] a salvação é oferecida a cada homem, como dom da graça e misericórdia do próprio
Deus” 654.
De forma igual, a resposta aos apelos da fé será sempre, conforme os dizeres do Papa
João Paulo II, uma “experiência subjetiva” do homem sob o impulso do Espírito Santo. Neste
ínterim,
Ao anunciar Cristo [...] o missionário está convencido de que existe já, nas pessoas
e nos povos, pela ação do Espírito Santo, uma ânsia (mesmo se inconsciente) de
reconhecer a verdade acerca de Deus, do homem, do caminho que conduz à
libertação do pecado e da morte 655.
Por isso, quando não se desce ao coração do homem e não se provoca nele a
experiência de Deus, não é evangelização, mas se lhe aplica, quando muito, um “verniz
superficial” de informação evangélica
656
. A este respeito, as Diretrizes lembram que “a
experiência religiosa cristã não se realiza em mera experiência subjetiva, mas no encontro
651
Cf. CNBB. DGAP 1991-1994. (Documentos da CNBB n. 45). São Paulo: Paulinas, 1991. n. 114-127.
Cf. CNBB. DGAP 1991-1994. (Documentos da CNBB n. 45). São Paulo: Paulinas, 1991. n. 128-151.
653
Cf. CNBB. DGAP 1991-1994. (Documentos da CNBB n. 45). São Paulo: Paulinas, 1991. n. 152-166.
654
RMi 44.
655
RMi 45.
656
Cf. EN 20.
652
208
com a Palavra de Deus confiada ao Magistério e à Tradição da Igreja, nos sacramentos e na
comunhão eclesial” 657.
No que se refere aos desafios sobre a “vivência comunitária e a diversificação das
formas de expressão eclesial”, as Diretrizes, novamente, acentuam a dimensão objetiva e
concreta desta “vivência comunitária” quando diz:
Conforme o próprio Concílio Vaticano II, a comunidade eclesial é edificada pelo
Espírito Santo, mediante o anúncio da Palavra (Evangelho), a celebração da
Eucaristia e dos outros Sacramentos e ministérios, entre os quais sobressai o
ministério episcopal-presbiteral, que tem a responsabilidade de garantir a
autenticidade dos laços que unem a comunidade de hoje com a Igreja apostólica e
com o projeto missionário, evangelizador, que lhe foi confiado até o fim dos
tempos 658.
No que tange à questão da “presença mais significativa da Igreja na sociedade”, é
preciso distinguir dois pólos dessa presença: um teológico e outro prático. “Teologicamente, a
Igreja é o ‘Sacramento da Salvação’, sinal e instrumento que aponta para o destino de toda a
humanidade (LG, n. 11). A Igreja se constitui de homens incorporados em sociedades
históricas e locais”
659
. Assim, ela erguerá a sua voz profeticamente, mas deverá lembrar
sempre que sua missão implica no cuidado “de não se nivelar com forças políticas em busca
657
CNBB. DGAP 1991-1994. (Documentos da CNBB n. 45). São Paulo: Paulinas, 1991. n. 175.
CNBB. DGAP 1991-1994. (Documentos da CNBB n. 45). São Paulo: Paulinas, 1991. n. 196.
659
DE MIRANDA, A.A. A Pastoral em face da Modernidade e da Pós-Modernidade. In: Atualização, Belo
Horizonte, n. 236, p. 175, [março/abril] 1992.
658
209
do poder, mas em refletir a imagem de Jesus Cristo, Servidor da humanidade, sobretudo dos
mais pobres, que veio para servir e não para ser servido” 660.
No sentido prático, dizem as Diretrizes, “a Igreja continuará a elaborar e desenvolver
sua doutrina ou ética social, tornando-a mais acessível à maioria do povo, de modo que possa
inspirar uma efetiva ação transformadora da sociedade, no sentido de maior justiça e
solidariedade” 661. Ou ainda, “na reflexão sobre a ética social, a Igreja no Brasil procurará não
se limitar apenas às grandes orientações gerais, mas descer às situações concretas e realidades
específicas” 662.
O bispo Antonio Afonso de Miranda constata, em seu artigo, que estes problemas
também são oriundos do que hoje se denomina de pós-modernidade:
Depois das elaborações filosóficas de um humanismo profano, de um liberalismo
absoluto, e de uma supervalorização da razão e da técnica e a par de uma vivência
de produção e consumo – heranças da modernidade – despontaram no coração do
homem os frutos do amargor que talvez possam ser fonte de cura: a angustia e a
busca de novos caminhos. É o característico religioso da pós-modernidade 663.
O que é a pós-modernidade? O teólogo belga Johan Van Der Vloet afirma que de um
lado, todos os temas da ‘modernidade’ como a razão, o sujeito, a autoridade, o
progresso são postos em dúvida. Poder-se-ia falar não somente de uma crítica
660
CNBB. DGAP 1991-1994. (Documentos da CNBB n. 45). São Paulo: Paulinas, 1991. n. 130.
CNBB. DGAP 1991-1994. (Documentos da CNBB n. 45). São Paulo: Paulinas, 1991. n. 238.
662
CNBB. DGAP 1991-1994. (Documentos da CNBB n. 45). São Paulo: Paulinas, 1991. n. 239.
663
DE MIRANDA, A.A. A Pastoral em face da Modernidade e da Pós-Modernidade. In: Atualização, Belo
Horizonte, n. 236, p. 168, [março/abril] 1992.
661
210
destes termos, mas, além disso, de uma abdicação diante destes termos. O que quer
dizer que o pensamento pós-moderno é caracterizado por uma desilusão
fundamental sobre a evolução atual da modernidade. A pós-modernidade crê que a
modernidade se tornou uma espécie de mito 664.
Prosseguindo, faz duas observações importantes, que nos ajudarão a entendermos
melhor esses três fenômenos:
a pós-modernidade como sistema, se podemos permitir-nos esta palavra,
evidentemente não penetrou o espírito das grandes massas do Ocidente. Mas as
conseqüências que ela tira de suas premissas, parecem-me influenciar de modo
inquietante a vida das pessoas comuns. Se fizermos uma análise do modo de vida
de nossos contemporâneos, constatamos que as idéias da pós-modernidade não são
invenções filosóficas 665.
É a triste, mas real, lei da secularização do mundo. Tem-se a impressão que o
mundo vai achar uma unidade interior no mesmo estilo de vida: individualista, ou
melhor, liberal e, sobretudo, indiferente. [...] De um lado, o estilo de vida pósmoderno deve fazer-nos ver que a religião em geral, e a fé cristã em particular,
estão em grave perigo. A ‘massa portadora’ da religião torna-se cada vez menor. Se
os cristãos não tiverem a coragem de engajar-se, esta massa se tornará – certamente
no Ocidente – cada vez menor 666.
664
DER VLOET, J.V. A fé diante do desafio pós-moderno. In: Communio, Rio de Janeiro, n. 56, p. 163,
[out/nov/dez] 1991.
665
Ib. p. 364.
666
Ib. 364.
211
As próprias Diretrizes constatam que, embora o número dos que não acreditam em
Deus “não passam de 1% a 1,5% dos adultos” 667, o número dos que se declaram católicos
continua diminuindo lentamente, como vem acontecendo há mais de um século, na
medida em que se difunde o pluralismo religioso. Segundo os censos, os católicos
eram 98,9% em 1890; 95% em 1940; 91,8% em 1970; 89,1% em 1980. Estimativas
recentes fazem pensar que o número atual de católicos se aproxime de 85% da
população 668.
Enquanto isso cresce o número de adeptos de outras religiões. “Os evangélicos
(protestantes tradicionais e pentecostais) subiram de 1% em 1890 para 2,6 em 1940; 5,2% em
1970; 6,6% em 1980. Hoje, podem ser estimados em cerca de 8% da população” 669.
Diante desses fenômenos da modernidade e da pós-modernidade e dos agravantes
sociais no que tange à religião e à miséria, como atuar nessa nova cultura hodierna que se
instala e é agressiva aos valores evangélicos e nocivos aos homens?
As Diretrizes acenam para esta realidade cultural, quando afirma que “a maior parte
da população no Brasil de hoje mora na cidade” e, por isso, a “Igreja deve estimular os
cristãos a assumir a realidade urbana em sua complexidade” 670.
Diante do modelo eclesial que as Diretrizes apresentam, é possível responder aos
apelos dos homens e das mulheres de hoje por meio de uma nova evangelização, como o Papa
João Paulo II tem insistido tanto?
Passo aqui a tentar descrever alguns aspetos da eclesiologia inerente às Diretrizes
propostas para o quadriênio de 1991-1994.
667
CNBB. DGAP 1991-1994. (Documentos da CNBB n. 45). São Paulo: Paulinas, 1991. n. 138.
CNBB. DGAP 1991-1994. (Documentos da CNBB n. 45). São Paulo: Paulinas, 1991. n. 139.
669
CNBB. DGAP 1991-1994. (Documentos da CNBB n. 45). São Paulo: Paulinas, 1991. n. 140.
670
CNBB. DGAP 1991-1994. (Documentos da CNBB n. 45). São Paulo: Paulinas, 1991. n. 194.
668
212
Fundamentalmente, a Igreja do Brasil é a Igreja do Vaticano II que procurou inserirse no mundo, dialogar com ele, da valorização do fiel leigo, engajando-o na comunidade,
(CEBs) inserindo-se, por meio da diversidade das pastorais, em todos os âmbitos sociais.
Contudo, é necessário percebermos que a Igreja no Brasil viveu de forma unilateral, “uma
inclinação horizontalista, com acentuados apelos sociais, quase exclusivamente ao social.
Pouco, ou quase nada, se falava da função salvadora e sacramental da Igreja” 671.
A Igreja no Brasil foi se tornando um sinal unívoco no que se refere à sociedade.
Numa tentativa de construção do Reino de Deus, embrenhou-se em funções eminentemente
sociais, libertárias, que não carecem de valores evangélicos, e que não constituem a
essencialidade de sua missão. A Igreja, por muito tempo, esqueceu que era preciso
evangelizar como Paulo VI nos lembra: é “uma proclamação clara que, em Jesus Cristo, Filho
de Deus feito homem, morto e ressuscitado, a salvação é oferecida a todos os homens, como
dom da graça e da misericórdia do mesmo Deus” 672.
Assim, a “evangelização contém, pois, também a pregação da esperança nas
promessas feitas por Deus na Nova Aliança em Jesus Cristo” 673. De forma categórica, afirma
que “não haverá nunca evangelização verdadeira se o nome, a doutrina, a vida, as promessas,
o reino, o mistério de Jesus de Nazaré Filho de Deus não forem anunciados” 674. Por último, a
define de forma clássica: “Efetivamente, a totalidade da evangelização para além da pregação
de uma mensagem consiste em implantar a Igreja, a qual não existe sem esta respiração, que é
a vida sacramental a culminar na Eucaristia” 675.
671
DE MIRANDA, A.A. A Pastoral em face da Modernidade e da Pós-Modernidade. In: Atualização, Belo
Horizonte, n. 236, p. 176, [março/abril] 1992.
672
EN 27.
673
EN 28.
674
EN 22.
675
EN 28.
213
Neste ínterim, aquilo que nós, católicos, não demos importância, como a pregação, a
catequese, a sacramentalização, a liturgia 676, que fazem o crente transcender-se e, ao mesmo
tempo impulsionados por esta transcendência, engajar-se em sua vida concreta, ficamos em
discursos e em ações eminentemente imanentes que não levam à transcendência o fiel. Por
isso, perdemos na qualidade de cristianismo e, conseqüentemente, perdemos fiéis para as
outras religiões que estavam preocupadas em responder aos apelos de fé dos fiéis e não se ele
tem ou não direitos, mesmo que isto seja relevante, mas não é tudo. Enquanto ficamos
preocupados em dar assistência jurídica e reivindicar os direitos dos pobres, que é louvável,
por outro lado, esquecemos de dar-lhes também o pão da fé, o direito de expressar a sua
religiosidade, de transcender-se. Os protestantes preencheram nossa lacuna.
Quando se fala do protagonismo dos leigos e das CEBs, temos que ressaltar alguns
pontos importantes: João Paulo II na RMi, assim como já Paulo VI na EN, chamava a
atenção para a eclesialidade das CEBs:
De fato, cada comunidade, para ser cristã, deve fundar-se e viver em Cristo, na
escuta da Palavra de Deus, na oração onde a Eucaristia ocupa o lugar central, na
comunhão expressa pela unidade de coração e de alma, e pela partilha conforme as
necessidades dos vários membros (cf. AT 2,42-47). Toda a comunidade –
recordava Paulo VI – deve viver em unidade com a Igreja Particular e Universal, na
comunhão sincera com os Pastores e o Magistério, empenhada na irradiação
missionária e evitando fechar-se em si mesma ou deixar-se instrumentalizar
ideologicamente. O Sínodo dos Bispos afirmou: ‘Uma vez que a Igreja é
comunhão, as novas comunidades de base, se verdadeiramente vivem em unidade
com a Igreja, representam uma verdadeira expressão de comunhão e um meio
676
EN 42-43.
214
eficaz para construir uma comunhão ainda mais profunda. Por isso, são uns motivos
de grande esperança para a vida da Igreja’ 677.
Historicamente, as CEBs em vez de se tornarem pólos de unidade eclesial, tornaramse, na maioria delas, salvo exceções, pontos de reivindicações sociais e eclesiais. Os leigos
foram cada vez mais conscientizados sobre seus direitos e deveres, mas não sobre o conteúdo
da fé; muitos se tornaram insensíveis àqueles que não compartilhavam de suas ideologias.
Todos os outros fiéis leigos, que preferiam um outro modo de ser Igreja, eram denominados
alienados, enquanto só se podia afirmar ser leigo, aquele que estivesse engajado na luta do e
pelo povo. Criou-se, neste ínterim, uma “ditadura da pastoral”, na qual só se é engajado se
fizer parte de uma pastoral. Caso contrário, são todos alienados. Criou-se, nesse sentido, uma
ruptura entre ser da pastoral e não ser da pastoral. Todos os que não participavam eram
considerados cristãos de segunda categoria.
Num contexto assim, temos um perfil de Igreja horizontalista, pastoralista, engajada
na construção do Reino de Deus, segundo as suas forças e não segundo o Evangelho, como
afirma o Cardeal Ratzinger:
O Reino de Deus não é um lugar ou um tempo, nem uma estrutura do mundo que
nós devemos idealizar realizar. O Reino de Deus é o próprio Deus que se fez
próximo de nós, se comunicou a nós e se une a nós para reinar em nós. Anunciar o
Reino de Deus é anunciar o Deus vivo e verdadeiro. Quem não conhece Deus, não
conhece o homem, ignorando a sua verdadeira dignidade [...] Se na evangelização
devemos falar principalmente de Deus para pode falar do homem com verdade,
devemos examinar as nossas consciências. Grande parte da nossa catequese e da
677
RMi 51.
215
nossa pregação parece ter sido determinada pela persuasão de que é necessário
resolver primeiros os urgentes problemas econômicos, sócios e políticos, e depois
poderemos também falar de Deus tranqüilamente e em paz. Assim, é pervertida a
verdade das coisas, nós anunciamos uma sabedoria nossa e um reino humano e
escondemos a luz verdadeira, da qual tudo depende, sob o céu das nossas idéias e
iniciativas 678.
A evangelização, até aqui apresentada pelas Diretrizes, não se tornou o verdadeiro
conteúdo da Ação Pastoral. Ademais, conforme o próprio Papa João Paulo II afirmou na RMi,
a Pastoral é para uma Igreja que está toda evangelizada e não para uma Igreja que está em
estado de evangelização. A Igreja no Brasil deverá passar do adjetivo “Pastoral” para o de
“evangelização”, visto que a sua missão ainda está longe de se realizar e também neste
período distanciada de seu verdadeiro itinerário.
É salutar e representativo o testemunho de Dom Aloísio Lorscheider:
O povo simples e humilde é cada vez mais excluído da sociedade. As massas
sobrantes aumentam. E aí vem pertinente a pergunta: terá sido esse o resultado real,
concreto, de 500 anos de Evangelização? Que Evangelização foi essa? Foram os
corações duros que se fecharam, ou foi a nossa Evangelização insuficiente? Onde
está a falha? Constatamos a não eqüitativa distribuição dos bens da terra; a
desigualdade no exercício da cidadania, a discriminação; a corrupção nos serviços
públicos, a busca não do bem comum, mas de interesses particulares; a violação
constante dos direitos humanos fundamentais; o crescendo da violência no
desemprego, nos seqüestros, nos roubos, nos assassinatos. Será que faltou o
anúncio do Evangelho? O que deveria ter sido feito e não se fez? 679
678
Cf. Revista “30 DIAS”, Roma, ano VII, col. 1 e 2, p. 38, [janeiro] 1992.
LORSCHEIDER, A. A IV Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano em Santo Domingo –
República Dominicana. In: REB, Petrópolis, v. 53, n. 209, p. 20, [março] 1993.
679
216
1.3. OS FUNDAMENTOS TEOLÓGICOS DAS DIRETRIZES DA AÇÃO
EVANGELIZADORA DA IGREJA NO BRASIL: DOC 54
Essas novas Diretrizes inauguram um novo tempo para a Igreja no Brasil. A partir
delas, em consonância com a IV Confêrencia Episcopal, realizada em Santo Domingo, e
atendendo aos apelos do Papa para a preparação do Novo Milênio, percebe-se uma nova
aurora, uma revolução copernicana na compreensão do lugar da Evangelização na Igreja. Há
um verdadeiro empenho, primeiramente por parte dos bispos, em aplicar os princípios da nova
evangelização proposta pelo Papa João Paulo II, ou seja, de ser nova em seu “ardor”, em seus
“métodos” e em suas “expressões”. Ela passa de uma mera Dimensão da Pastoral para se
tornar à razão de ser e de agir de toda ação pastoral da Igreja.
Importante ressaltar as contribuições imediatas para a sua formulação: Santo
Domingo e a Carta Encíclica Tertio Millennio Advenient.
1.3.1. SANTO DOMINGO E O PROJETO DA NOVA EVANGELIZAÇÃO
Santo Domingos ressaltou uma tríplice preocupação, como já denota o próprio tema
da Confêrencia e o discurso programático do Papa João Paulo II, quando da sua abertura:
“Nova Evangelização, Promoção humana, Cultura Cristã”
680
. Diferentemente do que
acontecera nas outras três Conferências, Santo Domingo verbaliza, desde o seu início até o
seu fim, de forma objetiva, que a sua única opção é por Jesus Cristo e que todos os trabalhos
são decorrência dessa opção fundamental 681.
680
Discurso de abertura da IV Conferência Geral do CELAM. In: SANTO DOMINGO: Nova Evangelização,
Cultura Cristã e Inculturação. Petrópolis: Vozes, 1992. p. 7-30.
681
Cf. DADEUS G. A Conferência de Santo Domingo. In: Teocomunicação, Porto Alegre, v. 23, n. 99, p. 23,
[março] 1993.
217
Dentre os muitos outros enfoques que a essa Confêrencia se pode dar, como
abordagem própria para nossa reflexão, elucidaremos apenas três: o que tange à temática da
nova evangelização, à centralidade de Jesus Cristo como fundamento da eclesiologia de
comunhão e ao protagonismo dos leigos.
1.3.1.1. SANTO DOMINGO E A NOVA EVANGELIZAÇÃO
O tema da nova evangelização foi, pela primeira vez, verbalizada pelo Papa João
Paulo II, em Porto Príncipe, no Haiti, aos oito dias do mês de março de 1983, durante a XIX
Assembléia Geral do CELAM. Nessa ocasião, o Papa lançava o desafio da nova
evangelização com um discurso incisivo 682.
A expressão Nova Evangelização já fora apresentada em Medellín, no Documento da
Pastoral Popular 683. Contudo, Medellín falava de uma reevangelização. Em Puebla fala-se das
“situações novas (AG 6) que nascem de mudanças sócio-culturais e exigem uma outra
evangelização”
684
. O Papa João Paulo II, desde 1983, não parou mais de mencionar e de
inculcar esse projeto da nova evangelização
685
, perpassando em suas encíclicas ou em seus
discursos 686.
De forma efusiva, no discurso de abertura da IV Confêrencia do CELAM, em Santo
Domingo, o Papa descreve o sentido da Nova Evangelização afirmando que
682
Cf. JOÃO PAULO II. Discurso ao CELAM em Porto Príncipe, Haiti, a 9 de março de 1983. AAS, 75: 778,
1983.
683
Cf. CONCLUSÕES DE MEDELLÍN, 4º ed. São Paulo: Paulinas, 1979. n. 4.
684
DP 366.
685
Cf. LIBANIO, J.B. Igreja Contemporânea: encontro com a modernidade. São Paulo: Loyola, p.154-174.
686
Cf. JOÃO PAULO II. Exortação Apostólica Christifidelis laici. 1988. 5º ed. São Paulo: Paulinas, n. 34.
218
A nova evangelização não consiste num ‘novo evangelho’, que surgiria sempre de
nós mesmos, da nossa cultura ou da nossa análise sobre a necessidade do homem.
Por isso, não seria ‘evangelho’, mas pura invenção humana, e a salvação não se
encontraria nele. Nem mesmo consiste em retirar do Evangelho tudo aquilo que
parece dificilmente assimilável. Não é a cultura a medida do Evangelho, mas Jesus
Cristo é a medida de toda a cultura e de toda obra humana 687.
Se Puebla colocou a tríplice verdade como conteúdo da evangelização, Santo
Domingo coloca Jesus Cristo como o fundamento da nova evangelização 688.
Segundo o Papa, a nova evangelização deve ser “nova” não quanto ao seu conteúdo,
que é sempre Jesus Cristo, mas em seu ardor, em seus métodos e em sua expressão 689.
Em que consiste este ardor?
O ardor apostólico da Nova Evangelização brota de uma radical conformação com
Jesus Cristo, o primeiro evangelizador assim o melhor evangelizador é o santo, o
homem das bem-aventuranças (cf. RMi 90-91). Uma evangelização nova em seu
ardor supõe uma fé sólida, uma caridade pastoral intensa e uma forte fidelidade
que, sob a ação do Espírito, gere uma mística, um entusiasmo incontindo na tarefa
de anunciar o Evangelho e capaz de despertar a credibilidade para acolher a BoaNova da Salvação 690.
No que se refere aos métodos, temos uma variada gama de meios, tais como os
Meios de Comunicação Social, a Pastoral do diálogo, a família. Dentre esses, merece atenção
687
Discurso de abertura da IV Conferência Geral do CELAM. In: SANTO DOMINGO: Nova Evangelização,
Cultura Cristã e Inculturação. Petrópolis: Vozes, 1992. n. 6.
688
Cf. Discurso de abertura da IV Conferência Geral do CELAM. In: SANTO DOMINGO: Nova
Evangelização, Cultura Cristã e Inculturação. Petrópolis: Vozes, 1992. n. 6-7.
689
Cf. DSD n. 28-30.
690
DSD n. 28.
219
especial os MCS. Santo Domingo relembra Puebla quando afirma que “a evangelização,
anúncio do Reino, é comunicação...” 691 e, por isso, a Igreja deve ser mais audaz e criativa no
uso desses meios, usufruindo tudo o “que a técnica e a ciência nos proporcionam, sem jamais
depositar neles toda nossa confiança” 692.
No que concerne à questão dos métodos para a nova evangelização, é salutar as
palavras do Cardeal J. Ratzinger:
A nova evangelização, da qual temos urgente necessidade, não pode ser feita com
teorias bem elaboradas. O insucesso catastrófico da catequese moderna é muito
evidente. Estamos como no início. A conversão do mundo antigo ao cristianismo
não foi resultado de uma atividade planejada da Igreja, mas o fruto da verificação
da fé que se tornou visível na vida dos cristãos e na comunidade da Igreja 693.
A Evangelização deve ser nova quanto a sua expressão. O Documento de Santo
Domingo aponta que a “nova evangelização tem de inculcar-se mais no modo de ser e de
viver de nossas culturas, levando em conta as particularidades das diversas culturas,
especialmente as indígenas e afro-americanas”
694
. Inculturar
695
o Evangelho é a máxima
proposta para a nova Expressão da Nova Evangelização porque, assim, “a Nova
Evangelização continuará na linha da encarnação do Verbo” 696.
691
DP n. 1063. DSD alerta a Igreja do seu pouco uso dos MCS enquanto que as outras denominações o usam até
demais. Cf. n. 140.
692
DSD n. 29.
693
Cf. 30DIAS, ano VI, n. 7, p. 47, [julho] 1989.
694
DSD n. 30.
695
Não vamos aprofundar o assunto, mas indicaremos algumas fontes para posteriores aprofundamentos. BOFF,
L. Nova Evangelização: perspectiva dos oprimidos, São Paulo: Vozes, 1990. AZEVEDO, M. de C.
Comunidades Eclesiais de Base. São Paulo: Loyola, 1986. RANGEL, P. O Problema da Inculturação. In:
Atualização, Belo Horizonte, n. 260, p. 99-110, [março/abril] 1996. SUESS, P. (org.). Culturas e Evangelização:
a unidade da razão evangélica na multiplicidade de suas vozes: Pressupostos, desafios e compromissos. São
Paulo: Loyola, 1991.
696
DSD n. 30.
220
Dessa forma, a nova Evangelização parte de Cristo e encontra Nele todo o seu
conteúdo. Ela pode ser definida como “um novo ambiente vital”
697
, onde “a acolhida do
Espírito Santo faz surgir um povo renovado, constituído por pessoas livres, conscientes de sua
dignidade e capazes de fazer uma história verdadeiramente humana” 698.
Santo Domingo define a Nova Evangelização como sendo o “conjunto de meios,
ações e atitudes aptas para colocar o Evangelho em diálogo ativo com a modernidade e o pósmoderno, tanto para interpretá-los como para se deixar interpelar por eles. É o esforço de
inculturar o Evangelho na situação atual das culturas de nosso continente” 699.
A grande finalidade da Nova Evangelização é formar pessoas e comunidades
maduras na fé, levando as pessoas batizadas, afastadas da prática da fé, a uma adesão pessoal
a Jesus Cristo e à Igreja 700.
É preciso uma Nova Evangelização com o renovado ardor, novos métodos e novas
expressões para, como afirmam os Bispos, “enfrentar a grandiosa tarefa de infundir energias
ao cristianismo da América Latina” 701. Neste ínterim, basta dizer que a Evangelização é, pois,
operativa e dinâmica, um convite à conversão pessoal e comunitária por causa da adesão a
Jesus Cristo. É aqui, nesse contexto de conversão e adesão à pessoa de Jesus Cristo, que se
encontra “o primeiro anúncio e a raiz de toda a evangelização, o fundamento de toda
promoção humana, e o princípio de toda a cultura cristã autêntica” 702.
A Nova Evangelização, concebida a partir dessa tríplice novidade, será decisiva para
a formulação das novas Diretrizes Gerais da Igreja no Brasil, que, atentas a esta nova
concepção de evangelização, proporão para o quadriênio futuro uma nova expressão, um novo
método e um renovado ardor.
697
DADEUS G. A Conferência de Santo Domingo. In: Teocomunicação, Porto Alegre, v. 23, n. 99, p. 29,
[março] 1993.
698
DSD n. 24.
699
DSD n. 24.
700
Cf. DSD n. 25. Ver também n. 24.
701
DSD n. 24.
702
DSD, n. 24.
221
Outro aspecto da evangelização proposta em Santo Domingo, que será capital para a
formulação do documento 54, é o conceito de Evangelização inculturada.
Esta evangelização da cultura, que a invade até seu núcleo dinâmico, manifesta-se
no processo de inculturação, que João Paulo II chamou de ‘centro, meio e objetivo
da Nova Evangelização’ (Discurso ao Conselho Internacional de Catequese,
26.9.92). Os autênticos valores culturais, discernidos e assumidos pela fé, são
necessários para encarnar nessa mesma cultura a mensagem evangélica e a reflexão
e práxis da Igreja 703.
Santo Domingo propõe a discussão teológica acerca da inculturação a partir da
“analogia entre Encarnação e a presença crista no contexto sócio-cultural e histórico dos
povos”, haja vista que a “ação de Deus, através do seu Espírito, dá-se permanentemente no
interior de todas as culturas” 704. Neste ínterim, Santo Domingo afirma que essa “inculturação
é um processo que vai do Evangelho ao coração de cada povo e comunidade com a mediação
da linguagem e dos símbolos compreensíveis e apropriados segundo o juízo da Igreja”
705
.
Assim, a inculturação do Evangelho é um processo que supõe reconhecimento dos valores
evangélicos que se têm mantido mais ou menos puros na atual cultura; e o reconhecimento de
novos valores que coincidem com a mensagem de Cristo 706.
Acima de tudo, a inculturação do Evangelho busca e exige “que a sociedade
descubra o caráter cristão desses valores, os aprecie e os mantenha como tais. Além disso,
703
DSD n. 229.
DSD n. 243. Santo Domingo retoma a definição clássica já enunciada na RMi: “Pela Inculturação, a Igreja
encarna o Evangelho nas diversas culturas e, simultaneamente, introduz os povos, com suas culturas, na sua
própria comunidade”. RMi n. 52.
705
DSD n. 243.
706
DSD n. 230.
704
222
pretende a incorporação de valores evangélicos que estão ausentes da cultura, ou porque se
tenham obscurecido ou porque tenham chegado a desaparecer” 707.
Desta forma, destaca que uma
meta da Evangelização inculturada será sempre a salvação e libertação integral de
um determinado povo ou grupo humano, que fortaleça sua identidade e confie em
seu futuro específico, contrapondo-se aos poderes da morte, adotando a perspectiva
de Jesus encarnado, que salvou a vida de todos partindo da fraqueza, da pobreza e
da cruz redentora” 708.
Assim, afirma, ainda, “A Igreja defende os autênticos valores culturais de todos os
povos, especialmente dos oprimidos, indefesos e marginalizados, diante da força esmagadora
das estruturas de pecado manifestas na sociedade moderna”
709
. A Igreja reconhece que estes
valores e convicções “são fruto das ‘sementes do verbo’ que estavam já presentes e atuantes
nos seus antepassados, para que fossem descobrindo a presença do Criador em todas as suas
criaturas: o sol, a lua, a mãe terra etc” 710.
De maneira especial, a “América Latina e o Caribe configuram um continente
multiétnico e pluricultural”
711
. Por isso, a Igreja latino-americana deve inculturar-se
principalmente entre os indígenas, afro-americanos e mestiços a fim de poderem buscar “uma
unidade a partir da identidade católica” 712.
707
DSD n. 230.
DSD n. 243.
709
DSD n. 243.
710
DSD n. 245.
711
DSD n. 244.
712
DSD n. 244.
708
223
1.3.1.2. SANTO DOMINGO E A CENTRALIDADE DE JESUS CRISTO COMO
FUNDAMENTO PARA A ECLESIOLOGIA DE COMUNHÃO
Na esteira do Vaticano II, com o binômio Comunhão-Missão, de Puebla, com o
princípio “Comunhão-Participação”, a Confêrencia de Santo Domingo faz haurir de seu
documento uma eclesiologia cristocêntrica e, por isso, de Comunhão.
A frase programática “Jesus Cristo, ontem, hoje e sempre” 713, extraída da Carta aos
Hebreus, demonstra a intenção primária de toda a IV Confêrencia de postular à Igreja a
centralidade da pessoa, da obra e da mensagem de Jesus Cristo. Já, no discurso inaugural, o
Papa é enfático quando afirma que “a Confêrencia reúne-se para celebrar Jesus Cristo, para
dar graças a Deus por sua presença nestas terras americanas” 714.
É a partir de Jesus Cristo que é possível à conversão e a santidade de vida,
características indispensáveis para “uma verdadeira promoção humana e cultural cristã” 715. É
a partir de Cristo que se pode falar de “homens e mulheres novos de que a América Latina e o
Caribe necessitam” 716. Sendo a Igreja entendida como Povo de Deus, Ela depende em tudo de
Cristo para sua vivência. É mister afirmar, como o documento, que “a Igreja, como mistério
de unidade, encontra sua fonte em Jesus Cristo” 717.
A eclesiologia de Comunhão está radicada na relação ontológica entre a Igreja e a
Trindade. No Sínodo dos Bispos de 1985, essa eclesiologia, entre as muitas outras possíveis,
foi priorizada como sendo a mais característica do Vaticano II. Santo Domingo retrata, de
forma explícita, essa eclesiologia e, segundo o Pe. Geraldo L. B. Hackmann, “esta é uma
713
Para uma leitura pastoral do trecho bíblico, cf. ANTONIAZZI, A. Jesus Cristo é o mesmo: ontem, hoje e
sempre! Conseqüências para a eclesiologia. In: Atualização, Belo Horizonte, n. 236, p. 153-159, [março/abril]
1992. Também, para uma leitura exegética do trecho bíblico, cf. ORTIZ, P. Jesucristo es el mismo ayer y hoy, y
lo será per siempre (Hb 13,8): Estudo exegético. In: Theologica Xaveriana, n. 104, p. 441-453, [abril] 1992.
714
Discurso de abertura da IV Conferência Geral do CELAM. In: SANTO DOMINGO: Nova Evangelização,
Cultura Cristã e Inculturação. Petrópolis: Vozes, 1992. n. 2.
715
DSD n. 31.
716
DSD n. 32.
717
DSD n. 32.
224
grande novidade da IV Confêrencia do episcopado da América Latina e do Caribe. Significa
uma consonância com a orientação que está sendo traçada por João Paulo II” 718.
A eclesiologia de comunhão une dois aspectos, ou seja, o “teológico e o pastoral, a
comunhão e a missão, ou seja, a essência e a práxis. O ‘em si’ e o ‘para nós’ da Igreja. Nisto
consiste a grande novidade de Santo Domingo, onde a Igreja vem apresentada como
mistério/sacramento de comunhão evangelizadora inculturada e promotora humana” 719.
Em se tratando de América Latina, a primeira tentativa de acolhimento deste binômio
Comunhão-Missão ou da eclesiologia de comunhão, foi em Puebla, mas segundo alguns
autores 720, esta unidade entre estes dois aspectos – teológico – pastoral / comunhão – missão
– não foi totalmente esclarecida e aprofundada. “Por isso, pode-se ver que esta dimensão
mostra que existe uma continuidade entre Puebla e SD, embora esta última tenha tornado
claro e aprofundado um tema já existente implicitamente naquela” 721.
Portanto, o rosto da Igreja latino-americana e, de maneira especial, da Igreja no
Brasil, por meio das suas novas Diretrizes, será entendido como Comunhão, porque está
radicado em Cristo e é a partir dele que vive e respira e procura a sua conversão para que,
dessa relação ontológica, possa exercer sua missionariedade - relação imanente - concretizada
no exercício da evangelização, cujo objetivo primário é tornar-se “comunidade santa formada
por comunidades vivas e dinâmicas, em comunhão pela unidade do Espírito com diversidade
de ministérios e carismas, comprometida com a promoção humana e inculturando o
Evangelho ao proclamar o Reino de Deus a todos” 722.
718
HACKMANN, G.L.B. a Eclesiologia de Comunhão de Santo Domingo. In: Teocomunicação, Porto Alegre, v.
23, n. 100, p. 169, [junho] 1993.
719
Ib. p. 170. Cf. também KLOPPENBURG, B. A Igreja entendida como comunhão. In: Revista do Clero da
Arquidiocese do Rio de Janeiro, ano XXIX, p. 17-19, [agosto] 1992.
720
Cf. HORTAL, J. As eclesiologias de Puebla. In: Teocomunicação. Porto Alegre, Ano 9, v. 2, n. 44, p. 194200, [fevereiro] 1979.
721
HACKMANN, G.L.B. a Eclesiologia de Comunhão de Santo Domingo. In: Teocomunicação, Porto Alegre,
v. 23, n. 100, p. 170, [junho] 1993.
722
Ib. p. 170-171.
225
A partir do documento de Santo Domingo, é possível perceber alguns centros de
comunhão, como a Diocese ou Igreja Particular
principalmente a Família Cristã
uma Igreja toda ela ministerial
726
727
723
, a Paróquia
724
, as CEBs
725
e
. Esses centros de comunhão querem ressaltar a noção de
, em que todos, sem distinção, tenham o seu espaço e seu
serviço em prol da evangelização, começando pelo ministério ordenado, bispos, Padres e
diáconos 728, a vida religiosa 729 até chegar aos fiéis leigos 730.
Uma Igreja Comunhão e ministerial deve estar sempre pronta para o anúncio do
Reino de Deus. Ela deve tornar-se “sacramento de comunhão evangelizadora”
731
. Neste
sentido, a Igreja deverá ser presença sacramental, evangelizadora em todas as realidades
humanas e dirigir-se ao encontro de todas as pessoas, crentes ou não.
1.3.1.3. SANTO DOMINGO E O PROTAGONISMO DOS LEIGOS
Anteriormente ao Concílio Vaticano II, são muitos os esforços práticos e também por
parte de Teólogos no sentido de valorização do papel e do lugar do leigo732 na Igreja.
Contudo, a figura e o papel do leigo na Igreja foram assumidos, de forma objetiva e positiva,
em escala universal, somente a partir do evento Conciliar
733
que se propôs a dialogar com o
mundo. Conseqüentemente, para melhor dialogar com o mundo, resgatou a eclesiologia de
comunhão vivenciada no primeiro milênio, possibilitando, dessa forma, o germe de uma
723
Cf. DSD n. 55-57. CFL n. 20; 32; PB 224.
Cf. DSD n. 58-60. CFL n. 26.
725
Cf. DSD n. 61-63.
726
Cf. DSD n. 64.
727
Cf. ANTONIAZZI, A. Os ministérios na Igreja, hoje. São Paulo: Vozes, 1977.
728
Cf.DSD n. 65-84.
729
Cf. DSD n. 85-93.
730
Cf. DSD n. 94-120.
731
Cf DSD n. 123.
732
Cf. LIBANIO, J.B. Concílio Vaticano II: em busca de uma primeira compreensão. São Paulo: Loyola, 2005.
Col. “Theologka”, p. 113-120.
733
Cf. O primeiro Capítulo no item 2.2.2.2. A IGREJA POVO DE DEUS: SUA ESTRUTURA VISÍVEL.
724
226
teologia do laicato. Alguns documentos conciliares procuraram expressar os germes de uma
possível e fecunda reflexão sobre os leigos.
Primordialmente, tem-se o Capítulo IV da Lumen gentium que, no número 30, diz
enfaticamente que
Os pastores sabem quanto os leigos contribuem para o bem de toda a Igreja. Sabem
que não foram constituídos por Cristo para assumiram sozinhos a missão salvadora
da Igreja em relação ao mundo. É sumamente importante que, no exercício de sua
função, contem com o apoio dos leigos e com os seus carismas, permitindo que
todos colaborem a seu modo na execução do trabalho comum 734.
A Lumen gentium expressa com precisão o locus do cristão leigo na Igreja, quando
afirma que o “apostolado dos leigos é a participação na própria missão salvífica da Igreja. A
esse apostolado, todos são destinados pelo próprio Senhor, através do batismo e da
confirmação” 735. O Decreto Ad gentes diz que a “Igreja só está verdadeiramente fundada, só
alcança a plenitude de sua vida e só constitui um sinal adequado de Cristo no meio dos seres
humanos quando, juntamente com a hierarquia, compõem-se de um laicato verdadeiro e
ativo”
736
. Importante ressaltar aqui é que esse Decreto coloca a atuação dos leigos no
exercício da missionariedade da Igreja, junto ao mundo, como que necessária e como garantia
de sua eficácia. Assim diz: “O Evangelho não penetra em profundidade nas pessoas nem na
vida e na atividade de um povo senão por intermédio da presença ativa dos leigos. Por isso é
preciso pensar em constituir logo um laicato cristão maduro, desde a implantação da
Igreja” 737.
734
LG 30.
LG 33.
736
AG 21.
737
AG 21.
735
227
Importante ainda ressaltar a “índole secular como característica especialmente dos
leigos”
738
, conforme lhe atribui o Concílio como lhe sendo a sua identidade, sinal
característico. Desta forma, o próprio ou especifico do cristão leigo é a secularidade, isto é, o
cristão leigo deve partir de sua situação concreta e existencial, ou seja, de sua situação
intramundana e, a partir dela, realizar, concretizar, exercer a sua ação evangelizadora.
A partir do Concílio Vaticano II, a reflexão sobre os leigos não parou no que tange
aos Teólogos e evidentemente ao Magistério Pontifício, como nos lembra Paulo VI na EN,
quando retoma a doutrina conciliar 739.
Progressivamente, por ocasião do Sínodo dos Bispos em 1987, cujo tema era “a
missão dos leigos na Igreja e no mundo”, João Paulo II publicou como resultado dos trabalhos
sinodais a Exortação Apostólica Christifidelis laici. Nela é afirmada e consolidada a dimensão
secular do leigo, ratificando o “mundo” como sendo o seu ambiente vital para o exercício de
seu batismo 740.
Como bem afirma o Cardeal Lorscheider, é “esta nota de secularidade do cristão
leigo que se fundamenta o seu protagonismo, de que fala com tanta força o documento de
Santo Domingo. Todos os leigos devem ser protagonistas da Nova Evangelização, da
Promoção Humana e da Cultura Cristã”
741
. Santo Domingo, a exemplo das outras
Conferenciais 742, falou também dos leigos, mas falou com maior propriedade, devido, é claro,
a toda evolução Magisterial e teológica sobre o tema.
738
LG 31.
Cf. EN 70.
740
CFL 15.
741
LORSCHEIDER. A. Uma possível Conferência Nacional de Cristãos Leigos. In: REB, Petrópolis, v. 55, n.
219, p. 519, [setembro] 1995.
742
Medellín apresentou o laicato “a partir da sua participação nos movimentos leigos. Um ponto discutido foi à
distinção entre o aspecto funcional e territorial na Igreja. Ela valorizava demais o aspecto territorial, que diz
respeito ao mundo rural, esquecendo-se do funcional, mais presente na realidade urbana daquele contexto”.
Puebla, em seu documento conclusivo, “considerou diversas questões: ele fez uma análise da situação do laicato,
apresentou uma reflexão doutrinal a respeito, falou sobre os movimentos apostólicos e os ministérios conferidos
aos leigos, refletiu sobre a pastoral do laicato organizado, entre outros”. Cf. SCOPINHO, S.C.D. A Teologia do
Laicato na América Latina. In: Instituto de Teologia e Ciências Religiosas: Cadernos de Teologia, ano VI, n. 8,
p. 26, [setembro] 2000.
739
228
Sendo a maior parte do Povo de Deus constituído por fiéis leigos, estes devem ser
mais bem acompanhados por seus pastores a fim de melhor descobrirem e executarem sua
missão junto à Igreja. Por isso, os bispos, em Santo Domingo, insistem que a “persistência de
certa mentalidade clerical nos numerosos agentes de pastoral, clérigos e inclusive leigos
(Puebla 784), a dedicação preferencial de muitos leigos a tarefas intra-eclesiais e uma
deficiente formação, privam-nos de dar respostas
eficazes aos desafios atuais da
sociedade” 743.
Neste ínterim, a partir de Santo Domingo, a relação entre Clérigos e leigos não deve
ser de fusão, mas de colaboração, como já ensinara o Magistério, para não prejuízo da função
específica de cada um, assim como da própria ação evangelizadora da Igreja. Como afirma o
documento, é “necessária a constante promoção do laicato, livre de todo clericalismo e sem
redução ao intra-eclesial 744.
Quanto ao papel dos leigos, são todos chamados a serem “protagonistas da Nova
Evangelização” a fim de que os “batizados não evangelizados” 745 voltem, não apenas a serem
católicos, mas a Igreja 746. Essa missão, afirma os Bispos,
só será efetivamente levada a cabo se os leigos, conscientes de seu batismo,
responderem ao chamado de Cristo a que se convertam em protagonistas da Nova
Evangelização. No marco da comunhão eclesial, urge um esforço de favorecer, a
busca de santidade dos leigos e o exercício de sua missão 747.
743
DSD n. 96.
DSD n. 97.
745
DSD n. 97.
746
DSD n. 96.
747
DSD n. 97.
744
229
A Igreja situa-se num mundo que, hoje, prescinde de Deus e está cada vez mais
alicerçando sua confiança na Técnica, fruto desta mentalidade secularista dominante e
estruturadora da realidade social como num todo. É neste mundo, secularizado e
secularizante, que o cristão leigo, por sua própria índole secular, mas não secularista, é
chamado em primeiro plano a ser uma viva presença evangélica 748.
1.3.2. A CARTA ENCÍCLICA TERTIO MILLENNIO ADVENIENT E A
PREPARAÇÃO DO JUBILEU DO ANO 2000
Tendo em vista a aurora do novo milênio, o Papa João Paulo II, por meio de sua
Carta Apostólica Tertio Millennio Adviniente, de 10 de novembro de 1994, convida a todos os
católicos e homens e mulheres de boa vontade a voltarem os seus olhares para a Pessoa de
Jesus Cristo, em vista do Jubileu do ano 2000.
A Carta está dividida em cinco Capítulos, donde os dois Capítulos extremos, ou seja,
o primeiro e o quinto abordam o mesmo tema extraído do texto da Carta aos Hebreus 13,8
“Jesus Cristo é o mesmo ontem, hoje e sempre”.
Cristo é o centro, “é o cumprimento do
anélito de todas as religiões do mundo, constituindo por isso mesmo o seu único e definitivo
ponto de chegada. [...] Em Jesus Cristo, Deus não só fala ao homem, mas procura-o” 749.
No segundo Capítulo, há uma exposição acerca do tempo, realidade esta que deve ser
santificada, visto que, no “cristianismo, o tempo tem uma importância fundamental. [...] Em
Jesus Cristo, Verbo encarnado, o tempo torna-se uma dimensão de Deus [...] Desta relação de
Deus com o tempo, nasce o dever de o santificar” 750. É desta relação que o Papa afirma que
748
Cf. LORSCHEIDER. A Uma possível Conferência Nacional de Cristãos Leigos. In: REB, Petrópolis, n. 219,
p. 520, [setembro] 1995.
749
TMI 6-7.
750
TMI 10.
230
“todos os jubileus se referem a este ‘tempo’ e dizem respeito à missão messiânica de
Cristo” 751. Desta forma,
os dois mil anos do nascimento de Cristo (prescindindo da exatidão do cômputo
cronológico) representam um jubileu extraordinariamente grande não somente para
os cristãos, mas indiretamente para a humanidade inteira, dado o papel de primeiro
plano que o cristianismo exerceu nestes dois milênios 752.
Devido a sua importância mundial, mas principalmente para o cristianismo, o Papa
convida a uma grande preparação, já iniciada, mas ainda envolta em véus, pelo Concílio
Vaticano II, pelos constantes encontros Sinodais, pelas grandes Encíclicas sociais ou de cunho
Evangelizador como a EN de Paulo VI, as suas múltiplas peregrinações 753, além, é claro, de
suas encíclicas, primeiramente a Redemptor Hominis, que convidava a todos a viverem “o
período de espera como ‘um novo advento’” 754 e depois a encíclica Dominum et vivificantem,
de 18 de maio de 1986, que abordou amplamente essa questão.
De forma imediata, o Papa propôs nesta Carta Apostólica, a preparação para o grande
Jubileu, estruturada em duas fases, a saber:
A primeira fase terá, pois, caráter antipeparatório: deverá servir para reavivar no
povo cristãos a consciência do valor e do significado que o Jubileu do ano 2000
reveste na história humana. Trazendo consigo a recordação do nascimento de
Cristo, está intrinsecamente marcado por uma conotação cristológica 755.
751
TMI 11.
TMI 15.
753
Cf. TMI 17-22.
754
TMI 23.
755
TMI 31.
752
231
A primeira fase consiste, sobretudo, na tentativa de sensibilizar a todos acerca dos
grandes e graves males que afligem a fé e o mundo, como a indiferença religiosa, a
intolerância religiosa e, talvez, a grande chaga do cristianismo, a divisão
756
. Diante disso
tudo, a Igreja é convidada a um “exame de consciência e a oportunas iniciativas ecumênicas,
de tal modo que possamos apresentar-nos ao Grande Jubileu, se não totalmente unidos, pelo
menos mais perto de superar as divisões do segundo milênio” 757.
A segunda fase é eminentemente preparatória e “desenvolver-se-á no arco de três
anos, de 1997 a 1999. A estrutura ideal para este triênio, centrado em Cristo, Filho de Deus
feito homem, não pode ser senão teológica, isto é, trinitária” 758.
Para cada ano propôs-se também a meditação de um sacramento e de uma virtude
teologal. Sendo assim, o triênio de preparação ficou assim formulado: o ano de 1997,
totalmente dedicado ao Filho, meditando a virtude teologal da Fé e do sacramento do
Batismo; no de 1998, dedicado ao Espírito Santo, meditando acerca da virtude teologal da
Esperança e do sacramento do Crisma; o ano de 1999, dedicado à reflexão sobre o Pai,
juntamente com a virtude teologal da Caridade e do sacramento da Reconciliação. O ano
2000, ano Jubilar, será todo dedicado a Glorificação da Santíssima Trindade, tendo como
Sacramento próprio a Eucaristia, fonte e Ápice da vida Eclesial, como nos aponta o Concílio
Vaticano II 759.
Por fim, vale a pena lembrar a convocação de toda a juventude para essa realização,
pois, como afirma o Papa, o “futuro do mundo e da Igreja pertence às gerações jovens, que,
nascidas neste século, serão maduras no próximo, o primeiro do novo milênio”
756
Cf. TMI 34-36.
TMI 34.
758
TMI 39.
759
Cf. TMI 39-55.
760
TMI 58.
757
760
. Igual
232
convocatória foi feita em 1992, quando da realização do IV Confêrencia do CELAM, em
Santo Domingo 761.
É a partir desse novo contexto fundante promovido pela IV Confêrencia do
CELAM, em Santo Domingo, e, conseqüentemente, pela influência exercida pelas Cartas
Encíclicas de João Paulo II Redemptoris Missio e Tertio Millennio Adveniente que se pode
falar destas novas Diretrizes formuladas pelos nossos Bispos, na 33º Assembléia Geral.
1.4. AS DIRETRIZES DA AÇÃO EVANGELIZADORA: DOC 54: UMA
ANÁLISE TEOLÓGICA
Estas Diretrizes possuem duas partes, sendo a primeira intitulada como “Horizontes
da Evangelização” em que se tece um comentário ao Objetivo Geral. Este é o mesmo das
Diretrizes anterior, sendo, no entanto, precedido de uma “breve introdução que o situa no
horizonte do terceiro milênio cristão e da celebração do grande jubileu do ano 2000”
762
.O
Objetivo Geral assim se formula:
JESUS CRISTO ONTEM, HOJE E SEMPRE:
Em preparação ao seu Jubileu do ano 2000, na força do Espírito que o Pai nos
enviou, sob a proteção da Mãe de Deus e nossa, queremos: EVANGELIZAR com
renovado ardor missionário, testemunhando Jesus Cristo, em comunhão fraterna, à
luz da evangélica opção preferencial pelos pobres, para formar o povo de Deus e
participar da construção de uma sociedade justa e solidária, a serviço da vida e da
esperança nas diferentes culturas, a caminho do Reino definitivo 763.
761
Cf. DSD 111-120.
CNBB. DGAE 1995-1998. (Documentos da CNBB n. 54). São Paulo: Paulinas, 1995. p. 8.
763
CNBB. DGAE 1995-1998. (Documentos da CNBB n. 54). São Paulo: Paulinas, 1995. p.15. Para a sua
explicitação particularizada, cf CNBB. Op cit n. 1-27.
762
233
A segunda parte é composta de cinco Capítulos assim dispostos: o primeiro Capítulo
é uma exposição histórica acerca da evolução da pastoral da Igreja do Brasil
764
. O Capítulo
segundo contém uma “teologia da evangelização, à luz do Magistério eclesiástico recente,
particularmente as conclusões do Santo Domingo, não disponíveis, quando da elaboração das
Diretrizes para 1991-1994” 765. O terceiro Capítulo é o mesmo das Diretrizes anteriores, tendo
como conteúdo uma análise da sociedade brasileira.
O quarto Capítulo é o mais importante por organizar “as orientações práticas a partir
de um esquema teológico que quer ser uma expressão da própria natureza da evangelização e
de suas exigências” 766.
O quinto Capítulo, segundo Dom Raymundo,
procura explicitar as conseqüências das novas Diretrizes para os agentes da
evangelização e da pastoral. Quer ajudar aos sujeitos da ação evangelizadora leigos
(as), religiosos (as), ministros ordenados – a fazer frutificar a formação recebida, a
tornar as comunidades eclesiais dinâmicas e acolhedoras, a rever as prioridades do
próprio trabalho em função dos desafios da hora presente 767.
No que concerne a nossa exposição, daremos maior importância e aprofundamento
ao Capítulo quarto, tendo em vista ser ele que contém a novidade dessas novas Diretrizes e,
conseqüentemente, a exposição de uma nova forma de entender a Igreja e também de viver a
764
Para uma exposição mais abrangente, cf. o segundo Capítulo desta dissertação.
CNBB. DGAE 1995-1998. (Documentos da CNBB n. 54). São Paulo: Paulinas, 1995. p. 8.
766
CNBB. DGAE 1995-1998. (Documentos da CNBB n. 54). São Paulo: Paulinas, 1995. p. 8-9.
767
CNBB. DGAE 1995-1998. (Documentos da CNBB n. 54). São Paulo: Paulinas, 1995. p. 9.
765
234
sua missionariedade. Os outros Capítulos não serão abordados por uma razão prática, ou seja,
eles já foram explicitados nos itens anteriores de nossa dissertação, mas também, porque a
própria exposição do Capítulo IV, prescinde desses três Capítulos anteriores, como bem
explicita o número 173: “As orientações pastorais deste Capítulo têm como base a experiência
pastoral da Igreja no Brasil (cap. I), a teologia da evangelização desenvolvida no âmbito de
toda a Igreja (cap. II) e as recentes mudanças sócio-culturias (cap. III)” 768.
1.4.1. ORIENTAÇÕES PRÁTICAS PARA A AÇÃO EVANGELIZADORA E
PASTORAL.
As novas Diretrizes apresentam a evangelização a partir de cinco itens: a
inculturação, que representa o “critério geral da ação evangelizadora, como mostra o
documento de Santo Domingo; os outros itens – serviço, diálogo, anúncio e testemunho da
comunhão – são exigências ou aspectos distintos, mas complementares, da própria ação
evangelizadora e pastoral” 769.
Essa noção de evangelização inculturada é desenvolvida a partir destas quatro
exigências irrenunciáveis e denota uma tríplice busca da própria Igreja, ou seja, de uma maior
“compreensão de si mesma, e de sua consciência missionária” 770, uma profunda renovação de
suas estruturas e, conseqüentemente, a busca de uma espiritualidade que possa conjugar essas
duas realidades anteriores.
A compreensão acerca da Evangelização, apresentada nestas Diretrizes, difere das
noções já apresentadas pelas Diretrizes anteriores principalmente no que concerne à
compreensão do seu autor, ou seja, a “evangelização, como obra da Igreja no mundo, só se
compreende no horizonte do mistério da comunhão trinitária. Ela se explica pela missão do
768
CNBB. DGAE 1995-1998. (Documentos da CNBB n. 54). São Paulo: Paulinas, 1995. n. 173.
CNBB. DGAE 1995-1998. (Documentos da CNBB n. 54). São Paulo: Paulinas, 1995. n. 173.
770
CNBB. DGAE 1995-1998. (Documentos da CNBB n. 54). São Paulo: Paulinas, 1995. n. 62.
769
235
Filho e do Espírito como sinal do amor de Deus Pai para conosco” 771. A evangelização é algo
transcendente à realidade humana; ela é uma realidade conatural à própria Igreja. Evangelizar
é necessariamente um ato eclesial, transcendente e espiritual, mesmo que se destine às
realidades humanas, imanentes e concretas.
O Evangelizador deve possuir uma mentalidade diferente daquela muitas vezes
presente nos agentes de pastoral. Ele deve ter a consciência de que ele é
sujeito de um agir divino no mundo, colocando a serviço do plano de Deus suas
potencialidades humanas, seus talentos. Ele não é o centro da ação evangelizadora,
mas simples operário de Cristo e administrador dos mistérios de Deus. Ele é
chamado a realizar essa missão sublime em perfeita obediência e docilidade ao
Espírito 772.
As Diretrizes falam da evangelização a partir do critério fundamental da
Inculturação. Essa é uma exigência aguda e urgente. Oficialmente foi João Paulo II que, pela
primeira vez, utilizou tal termo num documento oficial da Igreja, quando da publicação da
Exortação Apostólica Catechesi Tradendae, em 1979. Nela ele explicita que:
O termo ‘aculturação’ ou ‘inculturação’, apesar de ser um neologismo, exprime
muito bem uma das componentes do grande mistério da encarnação. Podemos dizer
771
772
CNBB. DGAE 1995-1998. (Documentos da CNBB n. 54). São Paulo: Paulinas, 1995. n. 80.
CNBB. DGAE 1995-1998. (Documentos da CNBB n. 54). São Paulo: Paulinas, 1995. n. 81.
236
da catequese, como da evangelização em geral, que ela é chamada a levar a força
do Evangelho ao coração da cultura e das culturas 773.
Contudo, o termo inculturação foi “fixado” no Sínodo Mundial sobre a Catequese,
em 1977. Os resultados do mesmo ajudaram para a consagração do termo. Daí, a diferença
entre adaptação, aculturação e inculturação. Adaptação e aculturação referem-se, apenas, a um
processo externo, como por exemplo, a utilização de instrumentos musicais na liturgia,
enquanto que inculturação é o processo interior e complexo, no qual a mensagem cristã entra
em diálogo com a cultura, que é transformada e enriquecida pelo Evangelho 774.
A verdadeira inculturação leva a uma mudança radical, que consiste em sair do
passado, salvaguardando tudo de positivo, para adaptar uma nova maneira de viver à luz de
Jesus Cristo. A conversão a Cristo recupera os valores humanos e toda a sua honra. Com isso,
torna-se possível a promoção humana no âmbito da inculturação 775.
A inculturação deve ser ainda compreendida dentro de um processo englobante, pois
abrange todos os aspectos da realidade sócio-cultural. Tudo o que está presente numa cultura
tem de ser reconhecido, devendo entrar em diálogo de acordo com os critérios do Evangelho.
Integra tanto a mensagem cristã, como a reflexão e a práxis da Igreja. Mas, é também um
processo difícil, porque não pode comprometer, de modo nenhum, a especificidade e a
integridade da fé cristã. Daí, a legitimidade das atividades concretas, mesmo de origem
773
JOÃO PAULO II. A Catequese Hoje: Exortação Apostólica Catechesi Tradendae, 12 ed. São Paulo:
Paulinas, 2000, n. 53.
774
Cf. ARRUPE, P. Tres tareas urgentes de la catequesis, In: Vida Nueva 1103/4 (1977), 2186-2187, citado por
J. NUNES, Pequenas comunidades cristãs. O Odjango e a inculturação em África/Angola (Porto: UCP 1991),
68 e IDEM, Lettre à tous les Jésuites sur l’inculturation (14.5.1978), In L. BOKA DI MPASI, Théologie
Africaine: Inculturation de la Théologie (Abidjan: INADES 2001), 67-68. Apud PAREDES, T. A dimensão
Transcultural do Evangelho. Disponível em: <http://www.pom.org.br/Notícias/Eventos/promoçao.rtf > acesso
em 22/04/2007.
775
Cf. J. ESQUERDA-BIFET, Teología de la Evangelización. Madrid: BAC [546], 1985, p. 291.
237
profana, no âmbito da evangelização e, conseqüentemente, na linha da inculturação, no
sentido de promover o homem.
Ainda nesse contexto, o Evangelho deve enraizar-se no contexto próprio e partilhar
as lutas, ansiedades e esperanças da sociedade a evangelizar. Deve inserir-se na vida social e
adaptar-se à cultura local. A evangelização deve atingir o homem e a sociedade em todos os
níveis da sua existência, que se exprimem, portanto, em atividades diversas. É neste quadro
que podem ser consideradas as atividades que visam à promoção humana, que projetam, à luz
da fé cristã, a verdade, o bem, a justiça, a liberdade, a dignidade do homem, a família, etc.,
concretizando algo de especial: a vida nova em Cristo. É assim que a cultura humana se abre
ao infinito.
Essa tarefa deve ser executada com discernimento, seriedade, respeito e competência
que a matéria exige, em todos os campos (liturgia, catequese, teologia, pastoral). Porém, é de
reconhecer que o processo é complexo, como o sublinhou Paulo VI: “O problema é sem
dúvida delicado. A evangelização perderia algo da sua força e da sua eficácia se ela
porventura não tomasse em consideração o povo concreto a que ela se dirige [...] Não
responderia também aos problemas que esse povo apresenta, nem atingiria a sua vida real” 776.
Em tudo isso, a essência da mensagem cristã não pode ser esvaziada. Os valores do
mundo moderno, no âmbito da inculturação, devem ser bem assimilados e bem digeridos, de
uma forma crítica, pois o Evangelho deve fecundar o que há de melhor na vida
contemporânea. Aliás, para a sua devida implantação, hoje, o Evangelho deve ter em conta as
características e as estruturas culturais do mundo moderno 777.
Entretanto, seria lógico sublinhar que o sujeito da inculturação é o próprio Jesus
Cristo. Ao encarnar na cultura de um povo, torna-se relevante para a vida daqueles que entram
em contato com Ele. É Ele que, nesse sentido, promove o homem, purificando os seus valores
776
777
EN 63.
Cf. HORTELANO, Nova Evangelização, Porto: Perpétuo Socorro, 1992, p. 105.
238
e oferecendo-lhe condições de viver e reconhecer a sua dignidade, apostando no
desenvolvimento que deve ser integral, considerando também a sua dimensão espiritual, um
elemento muito importante que o Evangelho propõe, surgindo como que o fermento que
favorecerá a promoção humana.
A Igreja deve evangelizar de forma inculturada. As Diretrizes destacam dois locus
donde a Igreja, na América Latina e no Brasil, devem atuar, ou seja, a realidade cultural dos
povos indígenas, afro-americanos e mestiços como nos lembra Santo Domingo
cultural moderno presente nos solos urbanos
779
778
e no meio
. Embora sejam realidades distintas, elas são
simultâneas.780.
Para que isso se torne cada vez mais possível, a própria evangelização inculturada
exige o que as Diretrizes denominam de exigências irrenunciáveis da evangelização. Estas são
quatro: o serviço, o diálogo, o anúncio e o testemunho da comunhão fraterna. Estas são
“exigências ou aspectos distintos, mas complementares, da própria ação evangelizadora e
pastoral” 781.
Segundo nossos Bispos, a escolha dessas quatro exigências, embora não sejam as
únicas possíveis
782
, obedecem a uma ordem cronológica de inserção numa cultura ou grupo
não evangelizado. Nestes casos, dizem os bispos,
O evangelizador começa pela presença e presta serviços de promoção humana;
gradativamente pode encaminhar o diálogo religioso e, a partir daí, anuncia
778
CNBB. DGAE 1995-1998. (Documentos da CNBB n. 54). São Paulo: Paulinas, 1995. n. 179. Cf. Também
Op. cit. n. 180-185; DSD n. 243-251.
779
DSD n. 252-262.
780
CNBB. DGAE 1995-1998. (Documentos da CNBB n. 54). São Paulo: Paulinas, 1995. n. 179.
781
CNBB. DGAE 1995-1998. (Documentos da CNBB n. 54). São Paulo: Paulinas, 1995. n. 173.
782
CNBB. DGAE 1995-1998. (Documentos da CNBB n. 54). São Paulo: Paulinas, 1995. n. 174.
239
explicitamente o Evangelho, até criar condições plena de vivencia e comunhão
crista 783.
Essas exigências estão em consonância com as seis dimensões ou Linhas da Pastoral
propostas até o quadriênio de 1991-1994. O serviço se concretiza na dimensão sóciotransformadora, ou seja, a Linha 6; o diálogo se concretiza na dimensão ecumênica e do
diálogo religioso, a linha 5; o anúncio na dimensão missionária expressa pela linha 2 e o
testemunho da comunhão concretiza-se na dimensão comunitário-participativa, linha 1 e
nutre-se das fontes da palavra, dimensão catequética – linha 3 – e da liturgia, dimensão
litúrgica, a linha 4784.
Todas essas exigências têm primeiramente uma fundamentação neotestamentária e,
evidentemente, conciliar. O serviço, como sendo a primeira exigência, é entendido
como testemunho de Deus para com cada pessoa humana. Por ele se reconhece a
dignidade fundamental do ser humano [...] pelo serviço ao mundo, ela se solidariza
com as aspirações e esperanças da humanidade, levada pela ‘fome e sede de
justiças’, a colocar-se a serviço da causa dos direitos e da promoção da pessoa
humana, especialmente dos mais pobres, em vista de uma sociedade justa e
solidária 785.
783
CNBB. DGAE 1995-1998. (Documentos da CNBB n. 54). São Paulo: Paulinas, 1995. n. 176.
Cf. CNBB. DGAE 1995-1998. (Documentos da CNBB n. 54). São Paulo: Paulinas, 1995. n. 177.
785
CNBB. DGAE 1995-1998. (Documentos da CNBB n. 54). São Paulo: Paulinas, 1995. n. 87. Cf. Também Op.
cit. n. 191-194.
784
240
O Concílio promoveu, em todos os sentidos, a consciência de que a Igreja está no
mundo para servir
786
. Posteriormente, todo o Magistério pós-conciliar, os Sínodos, as
Conferências de Medellín e de Puebla e a própria Igreja no Brasil, abordaram o tema do
serviço. Vale a pena lembrar a passagem célebre de Paulo VI que mostra os laços de ordem
antropológica, teológica e evangélica que unem evangelização e promoção humana 787.
No que tange ao serviço, vale destacar a “evangélica opção preferencial pelos
pobres”, aludida pelo Vaticano, no número 8 da LG, e explicitada em Medellín, Puebla e
confirmada em Santo Domingo e assumida pela Igreja no Brasil. Ela é exposta aqui sob dupla
motivação. A primeira demonstra que “ela é condição necessária e irrenunciável do caráter
evangélico da ação da Igreja”. A segunda afirma que “ela é condição necessária para discernir
criticamente entre as políticas sociais, que se pretendem ao serviço de todos, mas
freqüentemente beneficiam apenas os mais fortes e descuidam dos últimos e dos excluídos, os
‘preferidos de Deus’”
788
. Pede-se a todos que se empenhem “na luta contra a pobreza e a
exclusão e a contribuição para a criação de um novo sentido de responsabilidade na ética
pública” 789.
O diálogo é o que mais caracteriza o Concílio Vaticano II. A Igreja coloca-se em
diálogo com todos, com o mundo secular e também com o vasto mundo religioso. Esse
diálogo dirige-se a todos, pois a Igreja crê que o “Espírito mesmo prepara o anúncio do
Evangelho e o reconhecimento de Cristo e da Igreja”
790
. Ele está direcionado em dupla
direção para um duplo público. Como diálogo inter-religioso, dirige-se a todas as religiões
que não professam Cristo como Senhor e Salvador. Com o Diálogo Ecumênico, a todos os
que professam a mesma fé em Cristo, muito embora estejam, por questões históricas,
separados da Sé de Pedro.
786
Cf. GS 1.
Cf. EN n. 31.
788
CNBB. DGAE 1995-1998. (Documentos da CNBB n. 54). São Paulo: Paulinas, 1995. n. 194.
789
CNBB. DGAE 1995-1998. (Documentos da CNBB n. 54). São Paulo: Paulinas, 1995. n. 196.
790
CNBB. DGAE 1995-1998. (Documentos da CNBB n. 54). São Paulo: Paulinas, 1995. n. 206.
787
241
As Diretrizes, no seguimento do Concílio, afirmam que a “premissa e o fundamento
do diálogo é o reconhecimento da liberdade religiosa. [...] Ela não é exaltação de um
subjetivismo sem limites, mas a condição mais conveniente à dignidade da pessoa humana na
procura da verdade, procura que faz parte dos direitos e obrigações de todo ser humano” 791.
No que concerne ao anúncio, as Diretrizes são enfáticas ao citar Paulo VI:
A evangelização há de conter sempre – ao mesmo tempo como base, centro e
vértice do seu dinamismo – uma proclamação clara que, em Jesus Cristo, Filho de
Deus feito homem, morto e ressuscitado, a salvação é oferecida a todos os homens,
como dom da graça e da misericórdia do mesmo Deus 792.
Devem-se ressaltar dois aspectos importantes acerca do anúncio ou querigma. O
primeiro é que, muito embora o anúncio seja essencialmente conatural aos Doze Apóstolos,
não se restringe tão somente a eles. A missão de anunciar é também delegada a todos os
discípulos de Cristo 793. O segundo é que o querigma ou o anúncio da salvação em Cristo
não se faz através de fórmulas repetidas, mas em diálogo com a compreensão e as
expectativas dos destinatários da mensagem. Por isso, diálogo e anúncio são
aspectos complementares da evangelização. Muitas vezes o diálogo ajudará a
formular o anúncio da maneira mais adequada às circunstancias e à ação do
Espírito 794.
791
CNBB. DGAE 1995-1998. (Documentos da CNBB n. 54). São Paulo: Paulinas, 1995. n. 210.
EN n. 27. CNBB. DGAE 1995-1998. (Documentos da CNBB n. 54). São Paulo: Paulinas, 1995. n. 222.
793
Cf. CNBB. DGAE 1995-1998. (Documentos da CNBB n. 54). São Paulo: Paulinas, 1995. n. 223. Também
LG 33; AA 2; CIC 204; RMi 71-72.
794
CNBB. DGAE 1995-1998. (Documentos da CNBB n. 54). São Paulo: Paulinas, 1995. n. 226.
792
242
Referentes ao diálogo, as Diretrizes apontam três grandes urgências: a dos católicos
não-praticantes – estes são quase 50% da população adulta -, a dos cidadãos que se declaram
sem religião - 10%, nas grandes cidades, menos de 5% no conjunto da população adulta - têm
sua vida marcada pelo indiferentismo religioso e pelo secularismo. Estes geralmente
“pertencem muitas vezes a setores influentes da sociedade” 795. E a dos não-cristãos residentes
em nosso território eclesial, como certas comunidades indígenas e orientais 796.
A Igreja no Brasil, por sua Ação Evangelizadora, quer ser uma presença entre todos
esses grupos através de algumas indicações práticas que as Diretrizes explanam no decorrer
de seu corpo. A Igreja não quer deixar ninguém de fora do raio de sua missionariedade 797.
Como lembra o Concílio, a Igreja deve ser um “sinal da presença divina no
mundo” 798. Desta forma, a quarta exigência da evangelização, a comunhão eclesial, deve ser
vivida em todos os seus níveis, seja na colegialidade entre os bispos, na colegialidade no
Presbitério, na Paróquia, nas Comunidades eclesiais, entre os múltiplos movimentos, etc.
Todos devem nutrir-se da Comunhão Trinitária pela oração, pelos sacramentos e pela
fraternidade 799.
Destarte, a comunhão interna não pode impedir a busca incessante da comunhão com
as outras Igrejas, como bem nos lembra o Concílio, pelo documento sobre o ecumenismo
Unitatis Redintegratio. Este ensina que “esta unidade consiste na profissão de uma só fé, na
celebração comum do culto divino, na concórdia fraterna da família de Deus”. E mais, que
essa unidade
exige uma plena comunhão visível de todos os cristãos (...) O Concílio afirma que
esta unidade não pretende, de modo algum, sacrificar a rica diversidade de
795
CNBB. DGAE 1995-1998. (Documentos da CNBB n. 54). São Paulo: Paulinas, 1995. n. 229.
CNBB. DGAE 1995-1998. (Documentos da CNBB n. 54). São Paulo: Paulinas, 1995. n. 227. Cf. também Op.
cit. n. 157-172.
797
CNBB. DGAE 1995-1998. (Documentos da CNBB n. 54). São Paulo: Paulinas, 1995. n. 230-249.
798
AG 19,22; RMi 49.
799
Cf. CNBB. DGAE 1995-1998. (Documentos da CNBB n. 54). São Paulo: Paulinas, 1995. n. 94.
796
243
espiritualidade, de disciplina, de ritos litúrgicos e de elaboração da verdade
revelada que se desenvolveram entre os cristãos, na medida em que essa
diversidade se mantenha fiel à tradição apostólica 800.
Chamada importante neste quesito comunhão é a indicação prática que as Diretrizes
fazem em relação as Paróquia a fim de que elas possam constituir “uma referência
fundamental pela sua identidade teológica, pois ela é uma comunidade fundamentalmente
eucarística. [...] reivindica-se a transformação da paróquia em comunidades de dimensões
humanas, possibilitando relações pessoais fraternas”
801
. Todos, indistintamente, que fazem
parte desta comunidade paroquial são responsáveis pela promoção desta rica realidade, que é
simultaneamente transcendente e imanente e que constitui o vértice de todo testemunho
cristão 802.
Diante desta realidade da Nova Evangelização, todos, pela “graça do batismo e da
crisma”
803
sem distinção, se tornam seus protagonistas. O desafio consiste justamente em
“despertar cada batizado e cada comunidade eclesial para essa responsabilidade primeira e
intransferível”
804
. A Igreja Local, ou seja, a Diocese, é entendida como o “principal sujeito
histórico da missão evangelizadora, como Igreja encarnada num espaço humano e concreto,
atenta às ‘sementes do verbo’ presentes na realidade humana, nas culturas e na busca religiosa
do povo no qual ela se insere como fermento evangélico” 805.
Neste ínterim, as Diretrizes convocam a todos para uma nova evangelização, tendo
em mente que a Igreja está “diante de novos contextos, num mundo plural tanto do ponto de
vista cultural quanto religioso”, mas “não deve temer essas novas dificuldades, mas
800
CONSELHO PONTIFÍCIO PARA A PROMOÇÃO DA UNIDADE DOS CRISTÃOS. Diretório para a
Aplicação dos Princípios e Normas sobre o Ecumenismo. São Paulo: Paulinas, 1994, n. 20.
801
CNBB. DGAE 1995-1998. (Documentos da CNBB n. 54). São Paulo: Paulinas, 1995. n. 279-280.
802
Cf. CNBB. DGAE 1995-1998. (Documentos da CNBB n. 54). São Paulo: Paulinas, 1995. n. 281-286.
803
CNBB. DGAE 1995-1998. (Documentos da CNBB n. 54). São Paulo: Paulinas, 1995. n. 105.
804
CNBB. DGAE 1995-1998. (Documentos da CNBB n. 54). São Paulo: Paulinas, 1995. n. 104.
805
CNBB. DGAE 1995-1998. (Documentos da CNBB n. 54). São Paulo: Paulinas, 1995. n. 104.
244
reconhecer nelas novas chances para a obra evangelizadora, renovando o seu ardor, seus
métodos e suas expressões, e empenhando com força particular a ação dos fiéis leigos” 806.
Juntamente com esse dinamismo interior de toda a Igreja, as Diretrizes afirmam que
A evangelização nesses novos contextos exige, além da renovação das atuais
estruturas pastorais e a criação de novas estruturas que correspondam às exigências
de um a nova evangelização, novo ardor, novos métodos, novas expressões e,
sobretudo, uma espiritualidade que torne a Igreja cada vez mais missionária 807.
Sendo assim, a partir dessa exposição, podemos traçar um perfil eclesial que as
próprias Diretrizes nos apontam. Esse novo perfil eclesiológico funda-se nesta dupla
realidade: renovação das estruturas e numa espiritualidade missionária.
No tocante a nossa reflexão, vale a pena recordar que a evangelização sempre foi a
temática de nossas Diretrizes. Contudo, quando no Documento 54, fala-se da necessidade de
renovação das estruturas a fim de uma evangelização renovada, ou seja, uma nova
evangelização sob os moldes que o Papa João Paulo II nos aponta, nova em seu ardor, em
seus métodos e em sua expressão, é importante ressaltar o lugar que a mesma ocupa agora
nessas novas Diretrizes.
Embora as Diretrizes continuem falando de evangelização, elas se rompem, tornamse descontínuas quanto ao lugar que em ambas ela ocupa. Como já foi demonstrado
anteriormente, a evangelização, antes do documento 54, ocupava um lugar entre as seis
dimensões ou linhas; era uma linha dentro de uma realidade pastoral mais ampla. Nas
Diretrizes propostas para o quadriênio de 1995-1998, a evangelização ocupa a centralidade da
806
807
CNBB. DGAE 1995-1998. (Documentos da CNBB n. 54). São Paulo: Paulinas, 1995. n. 99.
CNBB. DGAE 1995-1998. (Documentos da CNBB n. 54). São Paulo: Paulinas, 1995. n. 101.
245
vida da Igreja, assim como se pode falar de uma centralidade da Pessoa de Jesus Cristo, como
já nos pedia Santo Domingo e o Magistério Pontifício, principalmente a RMi.
Quando falamos da centralidade da Evangelização, temos que, naturalmente, falar da
centralidade da pessoa de Jesus, visto que a evangelização é um ato da sua própria Pessoa. É a
partir de Jesus Cristo que se pode falar de evangelização e é a partir de sua postura
evangelizadora que a Igreja deve forjar a sua. Isto é muito evidente nessas Diretrizes. Desde o
enunciado do Objetivo Geral, “Jesus Cristo, ontem, hoje e sempre”, as Diretrizes têm em
Jesus Cristo o seu ponto de partida, o seu centro e sua meta de convergência 808. Desta forma,
a centralidade da evangelização é conseqüência da centralidade transcendente e imanente da
Pessoa de Jesus Cristo na construção do agir evangelizador da Igreja.
A importância dada à evangelização inculturada deve-se necessariamente a um
movimento trinitário, ou seja, da certeza de que o Pai, de antemão por seu Espírito, já soprou
e já está presente em todas as pessoas e culturas de todos os tempos, por meio de suas
sementes do Verbo.
A possibilidade de uma evangelização inculturada parte desse
pressuposto, mas se evidencia como realidade na Encarnação do Filho, que assume a natureza
e a cultura de um povo sem deixar de ser Deus, mas vivendo em profundidade a sua realidade
humana.
As quatro exigências irrenunciáveis da evangelização inculturada têm, na Pessoa de
Jesus Cristo, o seu termo. Embora elas sejam uma continuidade e, ao mesmo tempo, bebem
das seis linhas ou dimensões, vale a pena ressaltar que elas apenas evidenciam e corroboram
para a concretização da evangelização. Elas evidenciam o agir do próprio Cristo, que serve,
dialoga, anuncia e testemunha. Essas quatro exigências, uma vez praticadas pela Igreja, e
conseqüentemente, por todos os batizados, forjarão em cada um e em ambos uma verdadeira
808
Cf. CNBB. DGAE 1995-1998. (Documentos da CNBB n. 54). São Paulo: Paulinas, 1995. n. 71;333;340.
246
identidade não só ontológica, mas imanente, concreta, com o agir e a conduta do próprio
Mestre Jesus.
A evangelização deve mover toda a estrutura eclesial, desde os ministros ordenados
até o último batizado. Todos devem evangelizar, renovando-se interiormente por uma
espiritualidade encarnada, cristológica e eclesial. Não haverá novo ardor sem uma verdadeira
e profunda experiência com a Pessoa de Jesus Cristo. Esse ponto é relevante, pois embora em
todas as outras se falassem de mística, o documento 54 é mais enfático e revela-a como sendo
algo indispensável para todos, algo conatural à vocação cristã e indispensável para o
cumprimento da ação evangelizadora.
Neste ínterim, o perfil eclesiológico que se demonstra é este: de uma Igreja centrada
em Jesus Cristo, por isso evangelizadora. De uma Igreja que reconhece sua fragilidade e que
tem na espiritualidade, centrada no seu Senhor, a força necessária para continuar no mundo a
sua missão.
Poder-se-ia se perguntar: por que a Igreja no Brasil procurou repensar suas estruturas
e seu perfil eclesial? Notoriamente, poderíamos dizer que é por causa de todo o problema da
evasão dos católicos, como demonstra o Capítulo III. Esta afirmação evidencia-se com razão,
visto que já perdemos muitos fiéis e que todas essas mudanças estruturais querem forjar uma
melhor ação evangelizadora a fim de estagnar esse êxodo religioso e o número crescente de
pessoas indiferentes a qualquer tipo de religião, vivendo a mais radical forma de intimismo e
secularização.
Contudo, vale a pena lembrar de todo o movimento da Igreja Universal e Continental
nessa linha de renovação e a importância do legado do Papa João Paulo II nesse incentivo a
uma nova Evangelização. A Igreja do Brasil por meio dessas Diretrizes procurou adequar-se
às exigências propostas por todo este movimento iniciado por Paulo VI com a EN e, hoje,
continuado por João Paulo II. É claro que o problema de fundo para ambas as instâncias é,
247
sem dúvida, o êxodo de fiéis, mas também a preocupação de forjar um rosto eclesial
compatível com as novas mudanças estruturais do mundo hodierno e de respondê-los com
maior eficácia e eficiência, justificando sua mudança.
Por fim, uma questão: Pastoral ou Evangelização? A evangelização suprimiu a
Pastoral? A resposta deve ser objetiva: não. A evangelização não suprimiu ou suprime a
Pastoral. A Ação Evangelizadora está ordenada a um grupo específico de cristãos, conforme a
RMi apresenta. A Ação Pastoral, para um outro grupo de cristãos. Como, na Igreja, esses dois
grupos de pessoas subsistem concomitantemente, tanto a Evangelização é necessária para
acordar os católicos adormecidos pelo comodismo, como a Pastoral para alimentar e formar
os que já estão na comunidade eclesial, assim como para alimentar e formar os que vão
despertando pela ação evangelizadora. Contudo, a novidade desse novo jeito de ser Igreja
consiste nisto: embora os destinatários da ação pastoral já estejam dentro das comunidades,
eles precisam constantemente ser evangelizados. A pastoral que os alimenta não pode
caminhar sozinha: ela tem que ser regada pela evangelização.
Hoje, não se pode falar de pastoral sem prescindir da evangelização. Ela não é um
adendo da pastoral, mas a fonte, o alicerce da mesma. Toda pastoral deve ser evangelizadora e
toda ação evangelizadora deve levar o crente, o fiel, a um comprometimento pastoral com a
comunidade eclesial.
1.4.2. O PROJETO RUMO AO NOVO MILÊNIO: O RESGATE DE UMA
ECLESIOLOGIA COMUNHÃO-MISSÃO
Esse projeto é fruto da iniciativa do Papa em celebrar o grande Jubileu do ano 2000 e
do acolhimento, por parte da Igreja do Brasil por meio de suas Diretrizes Gerais da Ação
248
Evangelizadora, e da realização do COMLA V aqui no Brasil 809.
O seu principal objetivo é “suscitar em todos novo ardor e coragem na missão de
Evangelizar, capazes de criar novas expressões para que a mensagem salvífica de Jesus Cristo
seja mais conhecida e, conseqüentemente, seguida com amor e generosidade, especialmente
pelos jovens” 810.
Esse, por sua vez, resgatou à Igreja do Brasil uma dupla dinâmica: um esforço
conjunto de todas as Igrejas Particulares, uma vez que elas são as primeiras responsáveis pela
evangelização, a se colocarem em marcha para a preparação para o grande Jubileu do ano
2000. Esse projeto também resgatou à Igreja a interação e a comunhão de todas as dioceses
num único objetivo e, conseqüentemente, colocou-as todas em marcha evangelizadora. O
Binômio Comunhão-Missão é novamente resgatado, evidenciado e vivido por toda a Igreja no
Brasil. O projeto tornou-se, segundo o testemunho de nossos bispos,
a primeira experiência de orientações e subsídios comuns para todas as dioceses do
Brasil, visando expressar, numa ação orgânica e continuada, as próprias diretrizes
no campo do serviço, do diálogo, do anúncio missionário e do testemunho da
comunhão eclesial, alimentado pela Palavra de Deus e pela Sagrada Liturgia 811.
809
O Comla V foi celebrado em Belo Horizonte, MG (Brasil), de 18 a 23 de julho de 1995. O 5º Congresso
Missionário Latino-americano – COMLA 5 – teve, em toda a Igreja do Brasil, da América Latina e do Caribe,
uma “apresentação” organizada, intensa e criativa, durante, aproximadamente, cinco anos. Com o Lema: “Vinde,
Vede e Anunciai” e o Tema “O Evangelho nas Culturas – caminho de vida e esperança”, o COMLA 5
MOBILIZOU, A MISSIONARIEDADE DE NOSSAS Igrejas conforme o Objetivo Geral de “aprofundar a
responsabilidade missionária universal das nossas Igrejas particulares, mediante o intercâmbio de experiências e
testemunhos do Evangelho nas diferentes culturas, à luz da opção preferencial pelos pobres, para fortalecer o
caminho de vida e esperança em todos os povos”. Cf. Os Comlas na animação e formação missionária da
América Latina: percurso histórico do Comla 1 ao Comla 4: Comla 5: O Evangelho nas culturas. p. 12. In:
<www.pom.org.br/Notícias/Evantos/Cam/percurso.htm.> Acesso em 24/02/2007. Para uma abordagem histórica
de todos os Comlas, ver O. cit. p. 1-14.
810
CNBB. PRNM 1996. (Documentos da CNBB n. 56). São Paulo: Paulinas, 1996. p. 5.
811
CNBB. DGAE 1999-2002. (Documentos da CNBB n. 61). São Paulo: Paulinas, 1999. n. 59.
249
O projeto visa, em consonância com as Diretrizes, a
tornar a pastoral mais evangelizadora. Isso significa, na prática, que nossas
estruturas devem superar o Esquema pastoral predominante, que dedica o melhor de
seus esforços para responder à demanda religiosa daqueles católicos que têm uma
participação ativa na vida eclesial. É hora de transformar as estruturas de serviço
para ir ao encontro daqueles católicos, muito mais numerosos, que, por vários
motivos, se encontram menos envolvidos na vida eclesial e mais expostos a outras
influências 812.
Tendo como horizonte e meta a evangelização junto à sociedade e aos homens da
mesma, o projeto apresenta um quadro 813 de ambivalências entre o que, desde o Vaticano II,
se elaborou no intuito de melhor expressar um perfil eclesial dinâmico, acessível e
evangelizador.
6 DIMENSÕES
4 EXIGENCIAS
NOVO TESTAMENTO
VATICANO II
1. Comunitário-participativa
1. Testemunho
Martyria
Lúmen Gentium
3. Bíblico-catequética
da comunhão eclesial
Koinonia
Dei Verbum
4. Litúrgica
6. Sócio-transformadora
Sacrosanctum Concilium
2. Serviço e Participação
Diakonia
Gaudium et Spes
Encontro do Evangelho
Unitatis Redintegratio
com a cultura pagã (At 17)
Nostra Aetate
kerygma
Ad Gentes
na sociedade
5. Ecumênica e de diálogo
3. Diálogo
INTER-RELIGIOSO
2. Missionária
812
813
4. Anuncio do Evangelho
CNBB. PRNM 1996. (Documentos da CNBB n. 56). São Paulo: Paulinas, 1996. n. 64.
CNBB. PRNM 1996. (Documentos da CNBB n. 56). São Paulo: Paulinas, 1996. n. 202.
250
No que tange a essa evolução de nomenclatura, é importante ressaltar que todas
continuam sendo válidas. Como bem afirma o doc. 61, a implementação do
Projeto Rumo ao Novo Milênio tem comprovado que, na maioria das Dioceses e
Regionais, a articulação entre as seis dimensões e as quatro exigências não têm
causado problemas de continuidade pastoral. A organização pastoral, segundo as
seis linhas ou dimensões, tem caráter mais prático e deve ser mantida onde continua
funcional 814.
A Igreja no Brasil, por meio desse projeto, alinhou-se ao projeto de Evangelização,
proposto pelo Papa João Paulo II e, obviamente, com o perfil eclesial proposto pela Igreja
Universal para adentrar, de forma renovada, ao terceiro milênio da era cristã.
1.5. AS DIRETRIZES DA AÇÃO EVANGELIZADORA: DOC 61 E O PROJETO
SER IGREJA NO NOVO MILÊNIO
Essas novas Diretrizes foram formuladas para o quadriênio de 1999-2002, dando
prosseguimento a todo trabalho iniciado com as Diretrizes anteriores. De forma mais atual,
expressa, em seu Objetivo Geral, a proximidade do evento jubilar e embora mantendo o
mesmo Objetivo Geral das Diretrizes precedentes, acrescenta as seguintes palavras:
“Celebrando o Jubileu do ano 2000 e os 500 anos da evangelização no Brasil, como encontro
com Jesus Cristo vivo, que o Pai nos enviou na força do Espírito, sob a proteção da Mãe de
Deus e nossa, queremos” 815. Repete aqui o conteúdo das Diretrizes anteriores.
814
815
CNBB. DGAE 1999-2002. (Documentos da CNBB n. 61). São Paulo: Paulinas, 1999. n. 174.
CNBB. DGAE 1999-2002. (Documentos da CNBB n. 61). São Paulo: Paulinas, 1999. n. 6.
251
Nessas Diretrizes, temos o grande contributo da Exortação Pós-sinodal Ecclesia in
816
América
assim como do Documento sobre o Ecumenismo, Ut unum sint
817
e a Carta
Apostólica Fides et Ratio 818 sobre a relação entre fé e razão.
Em relação às Diretrizes anteriores, expressas pelo documento 54, não há mudanças
radicais quanto à compreensão teológica acerca da evangelização. Sua maior diferença e
novidade consistem no Capítulo III no que refere aos dados atualizados acerca da realidade
brasileira.
A primeira parte conserva-se quase que totalmente igual, mudando apenas os dois
primeiros números da introdução do Objetivo Geral. No que refere à segunda parte, o
primeiro Capítulo, que apresenta o “Planejamento pastoral na Igreja do Brasil”, acrescenta
apenas três números 819 sob a forma de comentários acerca das Diretrizes anteriores e sobre o
Projeto Rumo ao Novo Milênio. O segundo Capítulo, que contempla a “Evangelização hoje”,
também acrescenta três parágrafos. O número 71 fala da importância de Jesus Cristo para a
história humana e o número 72 cita a contribuição da Ecclesia in América quanto à
centralidade da Pessoa de Jesus Cristo para a compreensão da evangelização e a necessidade
de uma experiência singular, pessoal com ele. O parágrafo 107, nessa mesma linha de
centralidade e de experiência pessoal com Jesus, acrescenta as ricas contribuições para o
dinamismo evangelizador da Igreja no Brasil promovido pelo PRNM.
O terceiro Capítulo moldura, de forma atual, a realidade brasileira. São 17 números
novos
820
e o 162, com uma apreciação significativa. O aumento da população nacional, a
maior concentração em áreas urbanas e a diminuição significativa dos católicos são dados
alarmantes que colocam a Igreja cada vez mais em estado de missão. Constata que dos 74,9%
816
Cf. JOÃO PAULO II. Exortação pós-sinodal Ecclesia in América. São Paulo: Paulinas, 1999.
Cf. JOÃO PAULO II. Carta Encíclica Ut unum sint. 1995. São Paulo: Paulinas, 1995.
818
Cf. JOÃO PAULO II. Carta Encíclica Fides et Ratio sobre as relações entre fé e razão. 1998. São Paulo,
Loyola, 1998.
819
Cf. CNBB. DGAE 1999-2002. (Documentos da CNBB n. 61). São Paulo: Paulinas, 1999. n. 58-60.
820
Cf. CNBB. DGAE 1999-2002. (Documentos da CNBB n. 61). São Paulo: Paulinas, 1999. 121-129; 132; 136138; 163-166.
817
252
dos católicos (censo de 1994), 61,4%, ou seja, a sua grande maioria, é desligada de qualquer
movimento específico ou associação eclesial
821
. A estes, as Diretrizes acrescentam ao
parágrafo as seguintes considerações: “Muitos conservam a crença na doutrina católica
tradicional, mesmo quando não praticam o culto ou dão à Igreja apenas uma ‘adesão parcial’,
recusando seus ritos, sua disciplina e, sobretudo, suas normas éticas. Quase todos buscam
alguma forma de segurança” 822.
O quarto Capítulo, intitulado “Orientações práticas para a ação evangelizadora e
pastoral”, apresenta apenas nove parágrafos
823
alterados e dois semi-alterados. No que
concerne à compreensão da evangelização inculturada, explicita, no parágrafo 174, que não há
evangelização neutra, desvinculada da cultura. Citando a Ecclesia in América afirma: “é
necessário inculturar a pregação, de forma que o Evangelho seja anunciado na linguagem e na
cultura de quantos o ouvem” 824.
Referente ao serviço acrescenta o parágrafo 192, citando a Ecclesia in América, o
número 18 recordando que o serviço da Igreja deve direcionar principalmente para aqueles
que estão excluídos da sociedade, o pobre. No que tange ao diálogo, afirma a necessidade de
se aprofundar no estudo sobre o ecumenismo, partindo dos subsídios já apresentados pelo
Diretório para o Ecumenismo, pelo CONIC e pelo setor de ecumenismo da CNBB. Destaca
também a importância do estudo e qualifica-o como “sério” da Encíclica de João Paulo II
sobre o tema intitulado Ut Unam Sint. Ademais, apresenta os trabalhos já realizados
apontados pelo Pontifício Conselho para a Promoção da Unidade dos Cristãos. Ainda
acrescenta o apelo do Papa João Paulo II, extraído da Ecclesia in América, para que os
cristãos promovam conjuntamente com outras Igrejas elementos de comunhão 825.
821
CNBB. DGAE 1999-2002. (Documentos da CNBB n. 61). São Paulo: Paulinas, 1999. n. 121-168.
CNBB. DGAE 1999-2002. (Documentos da CNBB n. 61). São Paulo: Paulinas, 1999. n. 162.
823
Cf. Cf. CNBB. DGAE 1999-2002. (Documentos da CNBB n. 61). São Paulo: Paulinas, 1999. n. 174;192;219220;222-223;232;239;261.
824
CNBB. DGAE 1999-2002. (Documentos da CNBB n. 61). São Paulo: Paulinas, 1999. n 174.
825
CNBB. DGAE 1999-2002. (Documentos da CNBB n. 61). São Paulo: Paulinas, 1999. n. 219-221.
822
253
Sobre a exigência do anúncio, acrescenta que a evangelização, para ser autêntica,
precisa partir do encontro pessoal com Jesus Cristo. Esse encontro ou essa mediação tem
como locus privilegiado o “estudo e meditação da Sagrada Escritura, na vivência da dimensão
celebrativa e nas ‘pessoas’, especialmente os pobres com os quais Cristo se identifica’ A
Escritura e a Eucaristia e as pessoas constituem, assim, os lugares, por excelência, do
encontro com Cristo na história” que deve ser regado pela conversão” 826.
Nessa afirmação situa o grande avanço dessas Diretrizes. A pessoa humana é, assim
como a Escritura e a Eucaristia, lugar de encontro com a Pessoa de Jesus Cristo. É a
explicitação do valor teológico da pessoa humana expresso pela Revelação, em detrimento do
descaso com a mesma, proporcionada pela sociedade secularizada. De forma intra-eclesial,
resgata e desperta a todos para uma espiritualidade comprometedora com o outro, em que
valoriza a relação não somente transcendente, mas também a imanente, não só com Deus
numa dimensão vertical, mas, eminentemente, com o próximo, numa dimensão horizontal.
Ainda no que concerne ao anúncio, apresenta a necessidade da evangelização nos
ambientes onde se situam os dirigentes da sociedade, aqueles que, segundo a opção
preferencial pelos pobres, foram de certa forma, excluídos. O Papa lembra que esses são em
grande número e podem ajudar os pastores a “enfrentarem a difícil tarefa da evangelização
desses setores da sociedade com renovado fervor e uma metodologia atualizada”. Esses
devem ser introduzidos no universo da Doutrina Social da Igreja que, segundo o Papa, é “o
melhor antídoto contra inúmeros casos de incoerência e, em certos casos, de corrupção
existente na estrutura política” 827.
Por fim, destaca o grande impulso missionário que, tanto as Diretrizes anteriores
como o PRNM, conseguiram despertar na maioria das dioceses, principalmente sob a forma
826
827
CNBB. DGAE 1999-2002. (Documentos da CNBB n. 61). São Paulo: Paulinas, 1999. n. 222-223.
CNBB. DGAE 1999-2002. (Documentos da CNBB n. 61). São Paulo: Paulinas, 1999. n. 232.
254
das Santas Missões populares e da multiplicação de ações evangelizadoras empreendidas
pelos leigos e leigas 828.
Referente ao quinto Capítulo sobre “os evangelizadores” tem-se apenas cinco
parágrafos novos e um alterado 829. Enfaticamente, afirma que todo esse trabalho preparatório
para o grande Jubileu deverá ser continuado a partir de novos programas, “que levem em
conta as experiências bem sucedidas, particularmente no campo bíblico-catequético e
litúrgico” 830.
Ademais, de forma mais profunda, apresenta a teologia do leigo a partir do Vaticano
II, encerrando a sua participação efetiva na Igreja da América Latina. Diz o Papa: “A
renovação da Igreja na América não será possível sem a presença ativa dos leigos. Por isso,
compete-lhes, em grande parte, a responsabilidade do futuro da Igreja” 831. Realça novamente
o seu estado secular e, por causa disto, deve inserir-se cada vez mais no mundo hodierno
encarnando os valores evangélicos. Realça também o seu dever, por ser batizado, de colaborar
de forma objetiva com a própria Igreja por meios dos variados ministérios leigos. Destaca
ainda, lembrando João Paulo II a rica realidade dos Movimentos Eclesiais, expressão fecunda
das novas formas de vida comunitária. Essas, segundo o Papa
são expressão de uma multiforme variedade de carismas, métodos educativos,
modalidades e finalidades apostólicas. [...] uma realidade eclesial de participação
prevalentemente laical, um itinerário de fé e de testemunho cristão que funda seu
próprio método pedagógico sobre um carisma preciso, dado à pessoa do fundador
em circunstâncias e modos determinados 832.
828
CNBB. DGAE 1999-2002. (Documentos da CNBB n. 61). São Paulo: Paulinas, 1999. n. 239.
Cf. CNBB. DGAE 1999-2002. (Documentos da CNBB n. 61). São Paulo: Paulinas, 1999. n. 309-312; 315.
830
CNBB. DGAE 1999-2002. (Documentos da CNBB n. 61). São Paulo: Paulinas, 1999. n. 300.
831
CNBB. DGAE 1999-2002. (Documentos da CNBB n. 61). São Paulo: Paulinas, 1999. n. 309.
832
CNBB. DGAE 1999-2002. (Documentos da CNBB n. 61). São Paulo: Paulinas, 1999. n. 309-312; 315.
829
255
1.5.1. O PROJETO SER IGREJA NO NOVO MILÊNIO
A Igreja universal passou por um processo de preparação para a chegada do ano
2000, e, com ele, do novo milênio. Desde o início do seu pontificado, o Papa João Paulo II
compreendeu, talvez até profeticamente, que essa data histórica tinha muito significado para a
humanidade, e conseqüentemente, também para a Igreja.
Da mesma forma que João Paulo II quis preparar a chegada desse novo milênio
numa linha cristológica e eclesiológica, quis também iniciá-lo da mesma forma. Ele o fez com
a publicação da Carta Apostólica Novo Millennio Ineunte 833.
Sensível ao apelo dessa Carta de começar o novo milênio a partir de Cristo
834
,
contemplando o seu rosto para lançar-se ao largo, a Igreja no Brasil procurou engajar-se nesse
processo, fazendo, agora, um projeto para os anos 2001 e 2002, visto que o anterior, o projeto
"Rumo ao Novo Milênio", já estava concluído.
Tendo consciência de que não era
“conveniente repetir simplesmente uma pregação ou catequese a partir dos Evangelhos, nos
anos 2001-2002, optou-se pela escolha dos Atos dos Apóstolos” 835.
O título do novo projeto é "Olhando para frente. O Projeto 'Ser Igreja no Novo
Milênio' explicado às comunidades", elaborado pela Conferência Nacional dos Bispos do
Brasil (CNBB). Esse Projeto "Ser Igreja no Novo Milênio" tem por finalidade central renovar
a consciência da identidade e da missão da Igreja no Brasil. E essa se torna mais urgente por
causa da complexidade da realidade brasileira, marcada por um contexto de mudanças rápidas
e repletas de contradições, além de questionar as formas de existir e de agir das comunidades
eclesiais e de cada cristão 836.
833
Cf. JOÃO PAULO II. Carta Encíclica Novo Millennio Ineunte. São Paulo: Loyola, 2001.
Cf. Ib. III Capítulo.
835
SINM.p. 13.
836
SINM p. 11.
834
256
Para concretizar o objetivo central, a CNBB aponta o estudo do livro dos Atos dos
Apóstolos como eixo central, pois ele se constitui em fonte inspiradora para hoje, visto que as
primeiras comunidades cristãs eram, em primeiro lugar, evangelizadoras, e, depois,
mantinham-se vivas e perseverantes ao Evangelho de Jesus Cristo. Assim, haverá
possibilidade de refletir sobre a missão da Igreja e discernir os sinais do Espírito Santo, que a
guia. Desse modo, será avaliada a caminhada pastoral da Igreja no Brasil desde 1996, visando
a acolher elementos de reflexão e planejamento para o futuro.
A partir da reflexão do livro dos Atos dos Apóstolos, procurar-se-á, a exemplo dos
Apóstolos e de tantos leigos e leigas comprometidos com o anúncio de Jesus Cristo morto e
ressuscitado, viver uma evangelização inculturada por meio do serviço, do diálogo, do
anúncio e do testemunho de comunhão eclesial, metas alcançadas pelos primeiros
evangelizadores da Igreja nascente e exemplos para nós, hoje.
Enfim, o projeto é, fundamentalmente, uma proposta de reflexão, em vista da tomada
de consciência da identidade e da missão da Igreja no Brasil, a partir da revisão das atividades
pastorais de cada comunidade, a fim de constatar como a Igreja se vê, para melhor
desempenhar o seu serviço no contexto brasileiro. Por isso, o período de abrangência vai da
Páscoa de 2001 até a de 2003, quando uma nova Assembléia da CNBB definirá as Diretrizes
Gerais da Ação Evangelizadora para os quatro anos seguintes.
257
CONCLUSÃO
Chegamos aqui ao fim desse Capítulo. A renovação da identidade e da missão da
Igreja é um processo longo, árduo, proveniente da profunda riqueza do Magistério Conciliar,
Pontifício, Latino-americano e, conseqüentemente, da própria Igreja local.
O perfil eclesiológico, presente nas Diretrizes, foi, nesse Capítulo, abordado pela via
da evangelização. Como o próprio Papa Paulo VI a denomina, ela é um processo rico,
dinâmico e inesgotável. Na evolução das Diretrizes, ela foi ganhando, em sintonia com a
evolução teológica, seja Pontifícia ou das Conferências Episcopais, realces que, por via de
regra, foram denotando à Igreja um perfil único, concretizado na e pela vida pastoral.
Sendo assim, até as Diretrizes Gerais da Ação Pastoral – doc. 45 –, a evangelização
era abordada como que uma realidade dentre muitas outras, fazendo parte da linha ou
dimensão 2, ou seja, a ação missionária. De acordo com os eventos Teológicos, como o
Sínodo sobre a justiça no mundo, as Conferências de Medellín, de Puebla, das Encíclicas
papais, seja de Paulo VI com a PP e a EN, seja com João Paulo II com a RMi, TMA e TMI, a
evangelização aqui ia ganhando novos destaques e complementações.
A partir da Encíclica PP e de Medellín, ela foi entendida como evangelização
libertadora; com o Sínodo sobre a Justiça no Mundo, como evangelização integral; mas foi a
partir da EN que foi acolhida e entendida como o conjunto de atividades da missão da Igreja.
Com a Conferência de Puebla, realçou o seu conteúdo, ou seja, ela deve estar alicerçada sobre
258
a tríplice verdade, sobre Jesus Cristo, a Igreja e o Homem. Notoriamente, a partir da RMi foi
possível distinguir algo fundamental para a compreensão eclesial das Diretrizes, ou seja, a
distinção quanto aos destinatários da evangelização e da pastoral. Daqui em diante, pode-se
falar de duas realidades, não separadas, mas ordenadas ontologicamente.
Com a Conferência de Santo Domingo, pediu-se a renovação da evangelização
quanto ao seu ardor, aos seus métodos e expressões. Naturalmente, a Igreja do Brasil, com as
Diretrizes da Ação Evangelizadora – doc. 54 – mudou o seu enfoque: acolheu essas
orientações e mudou sua estrutura para melhor responder à sua missão evangelizadora. Em
vez de situá-la dentre de uma das seis linhas ou dimensões da pastoral, agora a evangelização
é entendida e colocada como o centro, da mesma forma que Cristo é o centro de Tudo, haja
vista que Evangelizar é tornar conhecida a Pessoa, a Doutrina, a salvação de Jesus. Em
analogia com o mistério da Encarnação, a evangelização deve ser inculturada, prescindindo de
quatro exigências irrenunciáveis, a saber, o serviço, o diálogo, o anúncio e o testemunho de
comunhão eclesial.
Na compreensão de continuidade, vemos que o perfil eclesiológico presente no
documento 45, mantém a mesma idéia do documento 54, ou seja, a idéia de uma Igreja
evangelizadora. Contudo, o modo de abordá-la é totalmente descontínuo, ou seja, lá era
apenas uma parte de uma dimensão, aqui é a centralidade de toda a vida da Igreja.
Evangelização e pastoral não se tornaram realidades dicotômicas. Porém, a partir do
documento 54, entende-se que toda pastoral deve ser evangelizadora e que a evangelização
deve nortear toda ação pastoral.
Não podemos determinar qual dos perfis é melhor. Realidade, fato concreto é que,
hoje por meio desta nova forma de entender a evangelização e também a pastoral, a Igreja tem
podido melhor responder aos apelos e aos desafios da modernidade, conjugando novamente o
259
binômio Comunhão-Missão, por muito tempo esquecido, muito embora mencionado em
alguns de seus documentos como, por exemplo, o número 40: Igreja: comunhão e missão.
Esse binômio foi bem mais evidenciado nos dois projetos oriundos das Diretrizes da
Ação Evangelizara, ou seja, o Projeto Rumo ao Novo Milênio e o Ser Igreja no Novo
Milênio. O primeiro destinou-se a preparar o grande jubileu do ano 2000; o segundo, para
colocar a Igreja em marcha diante do novo milênio que se iniciava.
Contudo, espera-se que a Igreja, neste novo milênio, continue renovando-se cada vez
mais para melhor responder aos apelos que o Senhor lhe faz: de ir para águas mais profundas.
260
CONCLUSÃO GERAL
Ao término dessa pesquisa, que procurou evidenciar um entre os muitos perfis
eclesiológicos inerentes as Diretrizes Gerais da CNBB, podemos, com lucidez, evidenciar que
o binômio Comunhão-Missão, proveniente do Concílio, foi de modo singular elucidado e
aprofundado pela Igreja no Brasil sob a forma de uma eclesiologia aberta para o mundo,
exercendo o seu múnus profético, cuja expressão foi, ao longo dos anos, evidenciada a partir
da temática da evangelização. Hoje, partindo da reflexão sobre as Diretrizes Gerais da Igreja
no Brasil, destaca-se um perfil eclesiológico fundado na evangelização, forjando aquilo que o
Concílio procurou evidenciar, ou seja, uma Igreja essencialmente missionária, dialogante e
profética.
Desta forma, urge-nos a necessidade cada vez maior de um aprofundamento da
teologia conciliar sobre a eclesiologia, pois, toda compreensão eclesiológica deriva deste
patrimônio que ainda tem muito para ser evidenciado, intuído e vivido por nossas
comunidades eclesiais. Quando falamos de perfil eclesiológico, falamos, na verdade, de uma
forma de compreensão ou de uma forma de se olhar para esta riqueza insondável que é o
Concílio. Toda a construção eclesiológica da América Latina, assim como da Igreja no Brasil,
bebe dessa fonte. Sendo assim, o perfil aqui evidenciado nada mais é do que um reflexo desta
luz maior proveniente desse evento captus, o mais significativo do século passado.
261
Contudo, a Igreja no Brasil, não apenas reproduziu de forma inativa esse perfil; na
verdade, ele é fruto de um contexto de vicissitudes tanto teológicas quanto sociais que a Igreja
no Brasil estava, e ainda está acometida em seu percurso terrestre. Dessa forma, no que tange
à aplicação dos princípios basilares provenientes do Concílio, ela se torna fonte, visto que
acolhe essa riqueza e a aplica segundo sua realidade conjuntural que é diferente daquela em
que o Concílio estava encerrado. E mais, nesse percurso de quatro décadas, têm, com
sublimidade e iluminação do Espírito Santo, que age por meio de mediações humanas,
aplicado essa riqueza e redescobrindo novos brilhos ainda escondidos nos recônditos do
mesmo. Neste ínterim, conclui-se que o perfil eclesiológico inerente às Diretrizes aqui
apresentadas é de fato, um legado dessa aplicação salutar dos princípios eclesiológicos
oriundos do Concílio.
Destarte, o perfil eclesiológico aqui apresentado é também herdeiro de um
patrimônio latino-americano no que tange às conclusões das Conferências de Medellín,
Puebla e Santo Domingo. Ademais, não poderíamos deixar de citar as contribuições e
influências dos pontificados de Paulo VI e, principalmente, de João Paulo II referentes aos
seus ensinamentos. Este último é de suma importância para o entendimento do
desenvolvimento eclesiológico latino americano e principalmente da Igreja no Brasil. João
Paulo II, de fato, por meio de sua ação pontifícia procurou recentrar a Igreja, de modo
especial a que está na América Latina, a uma postura mais “conservadora”, voltada sim para o
pobre, mas sem perder a sua característica central que é de ser sacramento de salvação e não
meramente um instrumento de reivindicações; a voltar às motivações evangélicas no que se
refere ao seu agir, deixando as motivações ideológicas ou políticas em segundo plano.
Na trajetória eclesiológica traçada nesse trabalho, evidencia-se claramente que a
evangelização, desde o Concílio, perpassando por todos os acontecimentos teológicos
posteriores, foi se tornando o princípio hermenêutico pelo qual se pôde construir e entender
262
toda a postura eclesial da Igreja Universal e também da América Latina. No Brasil, a Igreja
trilhou esses mesmos passos; contudo, a temática da evangelização só ganhou maior
evidência, passando de uma linha pastoral para ser a que de fato deve ser, a razão de toda a
Igreja, somente em 1995, quando da publicação do documento 54. A postura da Igreja no
Brasil tornou-se mais efusiva no que concerne à procura e ao engajamento do cristão leigo. A
partir de então, podemos falar de uma Igreja onde todos são, de fato, convidados e
convocados ao serviço evangelizador.
Notavelmente, conclui-se que a Igreja no Brasil não pode ser somente profética: ela
tem que ser Evangelizadora. É por meio da evangelização que a Igreja se torna profética. É
por meio da Evangelização que ela pode se tornar um sinal escatológico para e em toda
realidade secular. Progressivamente, a Igreja no Brasil deve trilhar com maior profundidade
os caminhos da evangelização, a fim de melhor efetuar sua presença entre os mais pobres sem
se esquecer de que é Mãe e que tem o dever de também falar a todos os demais. Os homens da
Igreja, que trilham os caminhos do novo milênio, devem, na prática e na tomada de
consciência, ser semelhantes àqueles que iniciaram a caminhada dessa mesma Igreja, numa
perspectiva totalmente evangelizadora.
263
BIBLIOGRAFIA
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CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL. Diretrizes Gerais da Ação
Pastoral da Igreja no Brasil 1991 - 1994. (Documentos da CNBB n. 45). São Paulo: Paulinas,
1991.
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Pastoral da Igreja no Brasil 1995 - 1998. (Documentos da CNBB n. 54). São Paulo: São
Paulo, Paulinas, 1995.
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Pastoral da Igreja no Brasil 1999 - 2002. (Documentos da CNBB n. 61). São Paulo: São
Paulo, Paulinas, 1999.
2. DOCUMENTOS DO MAGISTÉRIO UNIVERSAL DA IGREJA
2.1. MAGISTÉRIO CONCILIAR
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1975.
CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL. Diretório para missas com
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CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL. Diretrizes Gerais da Ação
Pastoral da Igreja no Brasil 1979 - 1982. (Documentos da CNBB n. 15). São Paulo: Paulinas,
1979.
CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL. Diretrizes Gerais da Ação
Pastoral da Igreja no Brasil 1983 - 1986. (Documentos da CNBB n. 28). São Paulo: Paulinas,
1983.
CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL. Catequese Renovada:
orientações e conteúdo. (Documentos da CNBB n. 26). São Paulo: Paulinas, 1986.
CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL. Diretrizes Gerais da Ação
Pastoral da Igreja no Brasil 1987 - 1990. (Documentos da CNBB n. 38). São Paulo: Paulinas,
1987.
CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL. Igreja: Comunhão e Missão na
evangelização dos povos, no mundo do trabalho, da política e da cultura. (Documentos da
CNBB n. 40). São Paulo: Paulinas, 1988.
CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL. 11º Plano Bienal dos
Organismos nacionais. (Documentos da CNBB n. 46). São Paulo: Paulinas, 1991-1992.
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cristãos leigos e leigas. (Documentos da CNBB n. 62). São Paulo: Paulinas, 1999.
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(Documentos da CNBB n. 56). São Paulo: Paulinas, 1996.
CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL. Sociedade Brasileira e Desafios
Pastorais. São Paulo: Paulinas, 1990.
CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL. Plano de Emergência de
Conjunto 1963. (Documentos da CNBB n. 76). São Paulo: Paulinas, 2004.
CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL. Plano de Pastoral de Conjunto
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Dissertação completa - Pontifícia Faculdade de Teologia Nossa