Valdir Vieira Rezende, 4º Promotor de Justiça das Execuções Criminais
Criando vagas no sistema prisional - Decretos de Indulto/Comutação Perdão total ou parcial de penas – Benefício para condenados Quando será beneficiada e protegida a sociedade?
Indulto e comutação são benefícios concedidos por ato soberano, de
atribuição privativa do Exmo. Sr. Presidente da República (artigo 84, inciso XII, da
Constituição Federal), por meio do qual há o perdão total (indulto) ou parcial
(comutação) da pena imposta a condenados.
E, por tradição e costume, ao final de cada ano é expedido um Decreto
Presidencial concedendo indulto e comutação de penas, com especificação de condições
a serem observadas para tanto, bem como exigências a serem cumpridas.
Os decretos de indulto e comutação rotineiramente estabelecem ser
dever dos responsáveis pela custódia de condenados encaminhar aos Conselhos
Penitenciários dos Estados expedientes para permitir que estes órgãos opinem sobre o
deferimento ou não destes benefícios. Depois de lançado o parecer pelo Conselho
Penitenciário, o procedimento é encaminhado ao Juízo das Execuções, sendo aberta
vista dos autos ao Ministério Público e aos Defensores para manifestação e, finalmente,
os Juízes de Direito decidirão sobre deferimento ou indeferimento do benefício.
E, como mencionado, sendo ato soberano do Exmo. Sr. Presidente da
República cabe a esta Exma. Autoridade estabelecer os requisitos para estes benefícios.
Analisados os últimos decretos constata-se a seguinte evolução:
- até 2005 o indulto era condicional, ou seja, o condenado deveria passar por um
período de prova de 24 meses depois de declarado o indulto; ou seja, o condenado
permanecia por dois anos com a obrigação de não se envolver em novo crime (não
poderia ser indiciado ou processado), sob pena de prorrogação do indulto até
julgamento definitivo e, se condenado, cumprir a pena indultada (Decreto nº
5.620/2005, artigos 10 e 11);
- a partir de 2006 o indulto passou a ser benefício irrevogável (Decreto nº 5.993/2006);
- até 2007 o indulto era reservado às penas privativas de liberdade, devendo o
condenado pagar a multa imposta na condenação após obtido o benefício (Decreto nº
6.294/2007);
- a partir de 2008 passou a ser deferido indulto da multa para condenados que tenham
cumprido penas privativas de liberdade anteriormente a 25 de dezembro sem quitar a
pena pecuniária (Decreto nº 6.706/2008, artigo 1º, inciso VI);
- ainda, a partir de 2008 passou a ser deferido indulto para sentenciados ao cumprimento
de medida de segurança (medida imposta a inimputáveis); tendo como condição o
paciente ter permanecido internado e/ou em tratamento ambulatorial por período de
tempo igual à pena fixada ou ao máximo abstrato previsto na lei para o fato que
motivou a internação ou tratamento (Decreto nº 6.706/2008, artigo 1º, inciso VIII);
A partir de 2009, por meio do Decreto nº 7.409/2009, a situação se
alterou bastante, surgiram várias inovações ampliando consideravelmente os benefícios,
como se verifica a seguir:
a) indulto para condenados a pena superior a oito anos, se cumprido em regime fechado
ou semiaberto 1/3 (se primário) ou 1/2 (se reincidente) do total da pena, se tiver filho
menor de 18 anos ou portador de deficiência mental, física ou auditiva que necessita dos
cuidados do condenado (artigo 1º, inciso IV);
b) indulto para condenados a penas entre seis e doze anos que tenham cumprido 2/5 (se
primário) ou 3/5 (se reincidente), estando em regime aberto ou semiaberto e usufruído
cinco saídas temporárias (artigo 1º, inciso V);
c) indulto passou a ser deferido mesmo para paciente em cumprimento de medida de
segurança ainda considerado portador de periculosidade (artigo 1º, inciso VIII);
d) indulto deferido para condenados cumprindo pena em regime aberto com pena
remanescente em 25/12/2009 não superior a seis anos (se não reincidente) ou quatro
anos (se reincidente), se cumprido 1/3 (se não reincidente) ou 1/2 (se reincidente)
(artigo 1º, inciso X);
e) indulto ou comutação postulados com amparo no Decreto de 2009 na hipótese de
cometimento de falta grave sem apuração ou homologação em juízo (artigo 4º e
parágrafo único);
Em 2010 o Decreto nº 7.420/2010 repetiu as inovações de 2009 e
ampliou situações fáticas de condenados com possibilidade de obtenção dos benefícios
de indulto e comutação:
a) como várias vezes os pedidos eram negados por Juízes que decidiam ser o condenado
não merecedor do benefício, eis que no preâmbulo dos decretos (até 2009) constava a
expressão: “... e considerando a tradição de conceder perdão e comutar penas às
pessoas condenadas ou submetidas à medida de segurança em condições de merecê-lo,
por ocasião das festividades do Natal ...” houve alteração do preâmbulo, passando a ter
a seguinte redação: “... e considerando a tradição, por ocasião das festividades do
Natal, de conceder indulto às pessoas condenadas ou submetidas à medida de
segurança ...”;
b) indulto para condenados a penas entre oito e doze anos, cometidos sem violência ou
grave ameaça, se cumprido até 25/12/2010 1/3 (se não reincidente) ou 1/2 (se
reincidente) (artigo 1º, inciso II);
c) indulto para condenado a pena superior a oito anos que tenha completado 60 anos até
25/12/2010 e cumprido 1/3 (se não reincidente) ou 1/2 (se reincidente) (artigo 1º, inciso
III);
d) indulto para condenado que tenha completado 70 anos até 25/12/2010 e cumprido 1/4
(se não reincidente) ou 1/3 (se reincidente) (artigo 1º, inciso IV);
e) indulto para condenado que tenha cumprido até 25/12/2010, ininterruptamente,
quinze anos da pena (se não reincidente) ou vinte anos (se reincidente) (artigo 1º, inciso
V);
f) como vários benefícios eram indeferidos por cometimento de falta grave ou crime
depois de publicado o decreto, foi estabelecido de forma expressa que o cometimento de
falta grave depois de publicado o decreto não impede o benefício (artigo 4º, § 1º);
g) ademais, estar sendo processado por crime (mesmo hediondo) não impede a
concessão dos benefícios de indulto ou comutação (artigo 5º, inciso IV);
h) na hipótese de cumprimento de penas por crimes hediondo e comum, foi estabelecida
a possibilidade de indulto ou comutação para o crime comum, desde que cumprido ao
menos 2/3 da pena de crime hediondo (artigo 7º, parágrafo único).
Percebe-se, de forma nítida, indiscutível e cristalina a tendência
progressiva de afrouxamento das exigências, bem como ampliação das hipóteses de
concessão dos benefícios de indulto e comutação, inclusive permitindo o benefício para
quem esteja cumprindo pena ou sendo processado por crime hediondo (Decreto de
2010).
Esta situação nos faz acreditar, sem muita possibilidade de equívoco,
que as hipóteses estabelecidas para concessão de comutação (perdão parcial da pena a
cumprir) ou de indulto (perdão total da pena), bem como a restrição de análise de
merecimento pelo julgador visam criar, mais rapidamente, vagas no sistema prisional,
para permitir encarcerar outros condenados que devem cumprir penas.
Contudo, parece ilógico retirar do sistema prisional alguns presos,
ainda não comprovadamente recuperados e aptos para retornar ao convívio social, para
encarcerar outros.
As normas legais – em sentido amplo para incluir os decretos
presidenciais - para regular a execução de penas devem ter por norte a recuperação do
preso e não evitar o efetivo cumprimento das penas impostas e, muito menos, deveriam
servir para impedir o completo resgate da dívida com a sociedade.
Ademais, a reinserção do condenado na sociedade somente deveria
ocorrer quando for viável sua adequada reintegração sem representar sério e efetivo
risco àquela.
As pessoas se sentem inseguras – e com razão - porque benefícios tão
amplos como estes (perdão total ou parcial das penas) deveriam se restringir a
condenados que demonstram efetivo arrependimento e mudança de rotina de vida e não
para todo e qualquer condenado.
Ora, perdão somente é devido a quem demonstra um mínimo de
arrependimento pelo mal cometido.
Os requisitos envolvendo estes benefícios estão sendo afrouxados, as
situações fáticas para concessão estão sendo ampliadas, finalmente há redução dos fatos
que podem impedir o julgador de indeferir estes benefícios.
A situação é tão drástica que analisado o decreto de 2010 friamente
poderia se chegar à conclusão de que um condenado a cumprir pena de 03 anos de
reclusão por envolvimento em quadrilha visando tráfico (artigo 35, da Lei nº
11.343/2006) e 06 anos por roubo qualificado, mas primário, com 61 anos de idade em
25/12/2010, tendo cumprido 03 anos da pena até esta data, pode obter indulto (perdão
total das penas) !!!
Este benefício não poderia ser negado mesmo que em 20/12/2010 este
condenado tenha sido surpreendido portando telefone celular, com o qual estava
planejando um sequestro, não estando concluída esta apuração até a análise do pedido
de indulto em abril/2011. Mais ainda, ainda que em janeiro de 2011 este mesmo
condenado tenha matado o agente penitenciário que noticiou o ilícito praticado e esteja
sendo processado por homicídio qualificado.
Como entender esta situação?
Ora, benefício tão amplo deveria ser reservado para condenados em
franca recuperação, mas é evidente que a hipótese acima referida revela, com clareza, se
tratar de pessoa que não poderia ser agraciada com o benefício de indulto. Entretanto, a
prática diária tem revelado que a hipótese absurda acima poderá se concretizar e,
lamentavelmente, não haverá instrumento eficaz e eficiente à disposição do Poder
Judiciário para contrariar pedido neste sentido.
É interessante apontar a seguinte planilha indicando a evolução dos
beneficiados por indulto ou comutação desde 2004 nos Estado de São Paulo, conforme
informação obtida no E. Conselho Penitenciário do Estado:
Decreto do ano
número de beneficiados
2003 ....................................... 7.675
2004 ....................................... 11.910
2005 ....................................... 10.171
2006 ....................................... 8.486
2007 ....................................... 9.946
2008 ....................................... 8.984
2009 ....................................... 11.171
2010 ....................................... 7.829 (entre janeiro e julho)
Qual o benefício à sociedade com esta situação?
Deixar de efetuar gastos públicos com pessoas mantidas em presídios?
Nota-se que em momento algum se estabelece como critério para
concessão de perdão parcial ou total da pena a demonstração de arrependimento pelo
crime cometido ou efetiva recuperação do condenado. Apenas são estabelecidos
critérios objetivos (tempo de encarceramento) como se isto representasse de algum
modo ausência de risco à sociedade.
Estabelecer critérios amplos para deferimento dos benefícios faz
surgir uma grande possibilidade de riscos à sociedade; isto, sem dúvida, permite afirmar
que se opta por favorecer quem agiu de forma errada (foi condenado por cometer crime)
em detrimento da coletividade de pessoas que vive de forma digna.
Dante desta situação, como falar em combate à criminalidade?
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Valdir Vieira Rezende, 4º Promotor de Justiça das Execuções