O método de Arquimedes para calcular o volume da esfera e as somas de Riemann Francielle Kuerten Boeing∗ Ivanete Zuchi Siple Luis Gustavo Longen† Elisandra Bar de Figueiredo Depto. de Matemática, CCT, UDESC, 89219-710, Joinville, SC E-mail: [email protected], [email protected] [email protected], elis.b.fi[email protected] RESUMO Nos cursos de Cálculo, tratamos a integral definida como uma extensão da integral indefinida, que por sua vez, é apresentada como antiderivação. Porém, a ideia de integração surgiu antes da derivação devido a necessidade do homem calcular certas áreas, volumes e comprimentos. Mesmo que grande parte da história da integral se situe no século XVII, encontramos discussões sobre partı́culas infinitesimais já no século V a.C. Na Grécia antiga, a afirmativa de que uma partı́cula podia ser subdividida indefinidamente foi estudada por vários filósofos. Um deles era Zenão de Eléia que chamou a atenção para alguns pontos duvidosos dessa afirmativa e acabou criando alguns paradoxos, como por exemplo, o da dicotomia que diz, de acordo com [2], que se um segmento de reta pode ser subdivido indefinidamente, então o movimento não é possı́vel, pois para percorrer o segmento deve-se antes percorrê-lo até a metade, e antes disso até a metade da metade, e assim por diante. Deste modo, o movimento jamais se iniciará. Menos de um século depois Eudoxo de Cnido criou o método de exaustão que versa sobre: Se de uma grandeza qualquer subtrairmos uma parte não menor que sua metade e do resto novamente subtrai-se não menor que a metade e se esse processo de subtração é continuado, finalmente restará uma grandeza menor que qualquer grandeza da mesma espécie. ([2], p.63) Esse método foi muito usado na época pelos gregos para provar teoremas sobre áreas, comprimentos e volumes. Arquimedes de Siracusa, por exemplo, usou o método de exaustão, no século III a.C., para encontrar a área do cı́rculo e também uma aproximação muito boa para o valor de π. Para tal ele inscreveu e circunscreveu polı́gonos na circunferência e provou que 3 1 10 <π<3 . 71 7 Segundo [1], os teoremas de Arquimedes foram deduzidos com rigor lógico e demonstrados de forma precisa, mas em muitos casos não se sabia qual foi o caminho ou a intuição que o levou ao resultado final. Em 1906 foi redescoberto num palimpsesto1 um texto de Arquimedes apresentando a maior parte do trabalho “O método de Arquimedes”, que estava perdido por mais de dois mil anos. Esse texto contém praticamente o único relato apresentando o método que levou um matemático da antiguidade à descoberta de seus teoremas. ∗ bolsista de Iniciação Cientı́fica Voluntária PIVIC/UDESC bolsista de Iniciação Cientı́fica Voluntária PIVIC/UDESC 1 Significa “raspado novamente”. Em geral trata-se de um pergaminho (pele de animal raspada e polida para servir de escrita) usado duas ou três vezes, por meio de raspagem do texto anterior, devido à escassez do material ou ao seu alto preço. (ASSIS, 2008, p. 32) † 461 Uma das aplicações de um dos métodos de Arquimedes, de acordo com [3], é a determinação do volume da esfera que pode ser descrito da seguinte forma: considere a circunferência de raio r e centro em O, o retângulo KLM N também centrado em O com base d = 2r e o triângulo KN P, conforme a Figura 1. Rotacionando essas figuras em torno do eixo OP são gerados a esfera S, o cone C e o cilindro Z. 2r y x 2r-x d=2r -r xi r x Figura 1: Construção Geométrica para o Figura 2: Partição da esfera em cilindros achatados volume da esfera Considere agora esses três sólidos compostos de discos circulares perpendiculares ao eixo OP. Por exemplo, o plano perpendicular ao eixo OP no ponto A intercepta a esfera em um cı́rculo Sx , o cone em um cı́rculo Cx e o cilindro em um cı́rculo Zx . O raio AC de Sx é a média √ proporcional entre EA e AP , logo AC = 2rx − x2 . Por semelhança de triângulos o raio AB de Cx é 2r − x e o raio AD de Zx é 2r. Sendo A(Sx ), A(Cx ) e A(Zx ) as áreas de Sx , Cx e Zx , respectivamente, tem-se 2r[A(Sx ) + A(Cx )] = 2rπ[(2rx − x2 ) + (2r − x)2 ] = π(2r)2 (2r − x) = (2r − x)A(Zx ). (1) A equação (1) implica que se os cı́rculos Sx e Cx forem colocados no ponto Q, a uma distância 2r à direita de P, então eles irão equilibrar o cı́rculo Zx onde ele estiver (a uma distância 2r − x à esquerda de P ) tendo o eixo OQ como uma alavanca com ponto de apoio em P. Segue, então que, se a esfera e o cone são colocados com seus centroides em Q, então eles irão equilibrar o cilindro Z onde ele está. Como por simetria o centroide de Z está no ponto O a lei das alavancas garante que 2r[V (S) + V (C)] = rV (Z), (2) sendo V (S), V (C) e V (Z) os volumes da esfera, do cone e do cilindro, respectivamente. Substituindo em (2) os volumes já conhecidos do cone e do cilindro obtém-se que π(2r)2 2r π(2r)2 2r 4πr3 1 − = . (3) V (S) = V (Z) − V (C) = 2 2 3 3 Apesar dessa demonstração ser interessante, ela possui algumas informalidades, dentre elas o fato de que somar várias áreas não resultará em um volume. O método da exaustão é o fundamento de um dos processos essenciais do cálculo infinitesimal. Entretanto, Arquimedes nunca considerou que as somas tivessem uma infinidade de termos. Para poder definir a soma de uma série infinita era necessário desenvolver o conceito de número real que os gregos não possuı́am. No entanto, o seu trabalho foi, provavelmente, o mais forte incentivo 462 para o desenvolvimento posterior das ideias de limite, de infinito e de suas aplicações, como por exemplo a integral definida. No século XIX, Riemann descreveu o método de somas de Riemann, que nos permite chegar às conclusões de Arquimedes de maneira mais formal, sendo esta utilizada nos dias atuais. Pelas somas de Riemann interceptamos a esfera com paralelepı́pedos de largura ∆x e somamos o volume dos cilindros achatados obtendo uma aproximação para o volume da esfera de raio r da seguinte forma: considere uma partição do intervalo [0, r] dada por xi = i∆x, com i = 0, 1, · · · , n, conforme a Figura 2, pela simetria temos que V (S) ≈ 2 n ∑ π(r − 2 x2i )∆x = 2πr 2 i=1 n ∑ 2n3 n ∑ ∆x − 2π i=1 n ∑ i2 (∆x)3 i=1 3n2 + +n r , i2 = e a aproximação melhora conforme ∆x tende para n i=1 6 zero (consequentemente n aumenta arbitrariamente), temos que Como ∆x = ( ) 2n3 + 3n2 + n r 3 4πr3 r r3 = 2πr3 − 2π = . V (S) = 2πr lim n − 2π lim n→+∞ n→+∞ n 6 n 3 3 Além disso, a integral definida nos cursos de cálculo é definida como o limite das somas de Riemann e pode ser calculada pelo Teorema Fundamental do Cálculo resultando no mesmo valor. A formalização da integral historicamente está associada à resolução de situações-problema que envolvem medidas de área. De acordo com [4] a História da Matemática pode oferecer uma importante contribuição ao processo de ensino e aprendizagem da Matemática. Entretanto essa abordagem deve ser entendida como um recurso didático com muitas possibilidades para desenvolver diversos conceitos, sem reduzi-la a fatos, datas e nomes a serem memorizados, amenizando as dificuldades de compreensão do conceito da integral de Riemann. Na prática pedagógica observamos que uma das dificuldades da compreensão da integral de Riemann (que envolve o conceito de limite) está relacionada à falta de conexão com os conhecimentos adquiridos anteriormente pelo aluno. Infelizmente, o aluno muitas vezes acredita que seu primeiro contato com a noção de integral de Riemann acontece no ensino superior. Porém, essa ideia pode ser desenvolvida, com os recursos da história da matemática, desde o ensino fundamental, onde o aluno tem contato com os problemas de medida de área e perı́metros de figuras geométricas. Os conteúdos do ensino fundamental, tais como a área e perı́metro de figuras planas e volumes de sólidos geométricos, são uma fonte riquı́ssima para propiciar o desenvolvimento inicial dos conceitos de divisões infinitamente pequenas, de somas de muitas parcelas, partições etc. elementos essenciais na compreensão de limite - e consequentemente do conceito da integral definida. Palavras-chave: Integral definida, Método de Arquimedes, Somas de Riemann, Volume da esfera, História da matemática 2 Referências [1] A. K. T. Assis, “Arquimedes, o Centro de Gravidade e a Lei da Alavanca”, Apeiron Montreal, Montreal, 2008. [2] C. B. Boyer, “História da Matemática”, Edgard Blücher, 2a ed., São Paulo, 1996. [3] C. H. Edwards Jr., “The Historical Development of the Calculus”, Springer-Verlag, Nova Iorque, 1979. [4] MEC BRASIL, “Parâmetros curriculares nacionais: MEC/Secretaria da Educação Média e Tecnológica, 1998. 463 Matemática”, Brası́lia: