Desenvolvimento de Atributos Visando o Mercado Externo: o Suco de Laranja Orgânico - Estudo de Caso. Ana Claudia Vieira Isabel Cristina Rodrigues Francisco José da Costa alves Universidade Federal de São Carlos - UFSCar E-mail: [email protected] ou [email protected], [email protected], [email protected] Resumo Neste artigo fala-se sobre a recente ascensão dos produtos naturais no mercado mundial. O estudo é feito sob vários enfoques: o do mercado, considerando-se o aumento da demanda global, o da certificação dos produtos e ainda o da produção, sendo que este último é feito com base num estudo de caso. O produto aqui estudado é a laranja orgânica produzida no Estado de São Paulo, que é utilizada para a produção de suco de laranja concentrado, o qual tem destino o mercado externo. Descreve-se como é a produção da laranja orgânica e do suco e também como tem se dado a aceitação deste produto no mercado mundial. Abstract In this article it is talked about the recent ascension of the natural products in the world market. The study is made under some focus: themarket, being considered the increase of the global demand, the certification of the products and the production, and this last one is based in study of case.. The product here studied it is the organic orange produced in the State of São aulo, that is used for the production of concentrated orange juice, which has destiny the external market. It is described how is the production of the organic orange and of the juice and also the acceptance of this product in the world market. Key words: global market; organic product; orange juice. 1. Introdução É visível a preocupação que a sociedade como um todo, a mídia e os organismos fiscalizadores e normativos vêm demostrando com relação aos impactos ambientais das atividades produtivas. As discussões acerca deste tema vêm ganhando destaque, principalmente a partir dos anos 70 e essa “inquietação” tomou forma em foros globais sobre as questões ambientais como a United Nations Conference em 1972, o World Commission on Environment and Development em 1987 e United Nations Conference on the Environmental and Development (ECO-92) em 1992 (HOGAN e VIEIRA, 1995). É crescente a valorização que os produtos com apelos ecológicos vêm recebendo, principalmente no mercado externo, sobretudo nos países desenvolvidos. As mudanças de valores que a sociedade vem sofrendo estão levando a uma reavaliação de alguns preceitos e hoje fica evidente que os consumidores estão repensado o que querem de um produto. Inúmeras pesquisas vêm demonstrando que além de qualidade, preço e conveniência, um quarto atributo passa a ser desejável: a compatibilidade ambiental (OTTMAN,1994). Neste caminho, vem-se observando um aumento do interesse mundial pela procedência dos alimentos. Isto fica evidente pelo destaque que a mídia tem dado aos incidentes ocorridos recentemente no Reino Unido e CEE, como o drama da “vaca louca” (BSE), a contaminação dos alimentos por dioxina na Bélgica, incidentes como a contaminação da Coca-Cola na Europa e complementando o quadro, as recentes discussões sobre a conveniência ou não do consumo de alimentos transgênicos (FARINA, 1999). Os consumidores querem uma garantia de que o produto que eles irão consumir não tenha afetado a integridade ambiental quando foi produzido e, no caso específico dos alimentos, querem também garantias de que eles sejam saudáveis, tendo um atributo subjetivo que está associado ao fato de ser um alimento ser natural. Este atributo pode ser considerado subjetivo uma vez que todo alimento é natural, mas o consumidor associa este atributo à produção sem o uso de agrotóxicos ou adubos químicos e há ainda a idéia associada à sensação de que este produto foi retirado da natureza como se fosse uma atividade extrativista e equilibrada (remetendo à idéia de sustentabilidade) e não como uma atividade programada e agressiva como é o caso da agricultura convencional. Isto se confronta com os sistemas de produção agrícola predominantes hoje no mundo ocidental baseados na chamada “revolução verde” que se caracteriza pelo uso intensivo de agroquímicos, monocultura e mecanização, que devido às suas técnicas agressivas têm sido responsáveis por intensa degradação ambiental e deterioração social (PINTO e PRADA, 1999). Analisando este cenário fica evidente que oportunidades de marketing para fabricantes de produtos que demonstrem desempenho ambiental e o aumento da fatia de mercado é apenas um dos benefícios em potencial da adoção desta estratégia na corporação e no produto. Neste sentido, alguns setores produtivos, sobretudo no ramo agroindustrial, estão percebendo esta oportunidade de ganhar mercado, saindo na dianteira quanto à introdução de novas técnicas de plantio e manejo, procurando obter assim produtos agrícolas e agroindustriais que se destaquem por serem produzidos de forma menos agressiva ao meio ambiente e apresentarem características ditas mais naturais, atendendo então esta demanda de atributos específicos que o mercado, sobretudo o mercado internacional, vêm demonstrando. Estudiosos do comportamento de mercado apontam para oportunidades que podem surgir deste cenário e, neste caso, fica evidente a oportunidade da adoção de estratégias de diferenciação. Apresentar um produto diferenciado permite as empresas aproveitarem-se de uma vantagem concorrencial, saindo na frente na disputa de mercado (PORTER, 1991). Porém, para facilitar a percepção e a valorização da diferenciação, é imprescindível que a empresa utilize um mecanismo de comunicação e divulgação eficiente junto ao consumidor (PORTER, 1991) e neste sentido, os chamados selos ou certificados vêm cumprindo este papel. 2. A certificação do produto Com a crescente segmentação de mercados que o setor agroindustrial vem sofrendo, está crescendo a diversidade de produtos que estão sendo colocados no mercado (NEVES et al, 2000). Alguns dos atributos diferenciadores que estes produtos possuem podem ser facilmente mensurados. Porém, existem outros atributos, principalmente aqueles associados aos chamados bens de crença, que apresentam difícil mensuração, uma vez que uma inspeção direta do produto não é suficiente para permitir a percepção dos atributos desejáveis. Neste caso, é preciso ir mais além, inspecionado o processo de fabricação. Assim sendo é possível dizer que a certificação tem a função de informar com credibilidade o consumidor que aquele produto é realmente o que diz ser, cumprindo assim um papel de agente minimizador da assimetria informacional que existe entre as partes (BARZEL, 1982). Deste modo, atribuídos por organismos idôneos e independentes, a certificação vem se destacando por conferir garantias de que o produto certificado encontra-se de acordo com normas e atributos pré-estabelecidos. Neste contexto, um exemplo de certificação que vem apresentando destaque crescente no mercado mundial é o chamado Produto Orgânico. Segundo as Diretrizes que regem a produção orgânica de alimentos, a concessão de certificados exige dos agricultores e das unidades de beneficiamento, cuidados que vão além do manejo sustentado e da obtenção de produtos isentos de agrotóxicos e adubação química. É exigido também que a relação com os trabalhares envolvidos seja repensada, pois exige-se que estes tenham remuneração e condições de trabalho adequadas. De maneira alguma é tolerada a exploração do trabalhador. Além disto a atividade geradora do produto a ser certificado, em hipótese alguma pode oferecer, em nenhuma etapa do seu processo, qualquer tipo de risco ao meio ambiente (IBD, 1999). No Brasil, o órgão credenciado internacionalmente para emitir certificação para produto orgânico é o Instituto Biodinâmico de Desenvolvimento Rural - IBD - e é este órgão que controla, fiscaliza e certifica produtos orgânicos no país, tanto para o mercado interno quanto para o mercado externo. Diante do que foi exposto, alguns setores agroindustriais brasileiros, vislumbrando o mercado externo, estão investindo na diferenciação, oferecendo produtos certificados. O Brasil já está participando deste mercado exportando principalmente café, açúcar, soja, alguns tipos de óleos comestíveis e suco de laranja. Neste trabalho será analisada, através de um estudo de caso, uma iniciativa bem sucedida na produção e comercialização do suco de laranja orgânico. Através deste estudo de caso ficam evidenciados quais foram os fatores chave do sucesso da iniciativa. 3. Estudo de caso: o suco de laranja orgânico 3.1 O Complexo Agroindustrial Citrícola: processo evolutivo e principais características. A laranja no Brasil, como atividade comercial, data da década de 30, porém os anos 60 foram o marco para que o setor citrícola adquirisse novas características, que definiriam sua expansão e consolidação. Naquela década, fatores internos e externos contribuíram para que o setor citrícola se transformasse. Externamente, uma forte geada na Flórida (EUA), na época a maior região produtora, destruiu grande parte dos laranjais da região, que por vários anos tiveram a produção bastante prejudicada. A morte de cerca de 13 milhões de árvores adultas provocou uma quebra na produção em torno de 50% e assim a geada de 1962 impulsionou intensivamente a citricultura paulista no início dos anos 60, pois como conseqüência dessa quebra na produção houve um aumento nos preços e a abertura de uma lacuna no gigantesco mercado norte-americano de suco de laranja concentrado. A crise na produção norte-americana estimulou o ingresso do Brasil na produção de suco concentrado para exportação e propiciou uma grande transformação no setor citrícola paulista (MARTINELLI, 1987). Um fator interno também viria contribuir em muito para os novos rumos que a citricultura tomaria daí em diante. O processo de modernização da agricultura brasileira foi bastante importante naquele momento, porque as várias transformações ocorridas propiciaram os elementos necessários para a nova fase da citricultura. A modernização agrícola foi analisada por KAGEYAMA e GRAZIANO DA SILVA (1987) como um processo que teve três momentos decisivos: o da constituição dos Complexos Agroindustriais (CAIs), o da industrialização da agricultura e o da integração de capitais intersetoriais sob o comando do capital financeiro. A partir desses novos elementos, a agricultura no Brasil ganhou uma nova dinâmica, embora esta dinâmica mais moderna tenha sido mais forte em alguns setores e não em todos. A citricultura esteve entre as culturas privilegiadas pela modernização, na medida em que adquiriu relações mais próximas com a indústria, passando a utilizar crescentemente máquinas agrícolas, insumos industriais e mão-de-obra assalariada na produção, além de ter sua produção demandada pela agroindústria processadora. O privilégio deste ramo agrícola se deu também no sentido de que estava ligado a uma indústria voltada à exportação, a qual recebeu estímulos governamentais indiretamente, através dos benefícios concedidos aos produtos exportáveis. Os produtores de laranja do Estado de São Paulo passaram a integrar-se ao Complexo Agroindustrial Citrícola que se formava, na condição de fornecedores de matéria-prima para a produção de suco de laranja concentrado, destinado ao mercado externo (VIEIRA, 1998). Formado o complexo agroindustrial citrícola e conquistado o mercado externo, a citricultura no Estado de São Paulo foi se expandindo e adquirindo proporções cada vez maiores. Apesar de momentos críticos, como nos anos 70, quando houve redução nas exportações por causa dos choques do petróleo e a falência da Sanderson, uma empresa de suco de laranja, o CAI citrícola brasileiro cresceu e se destacou, até que o Brasil adquiriu o posto de maior produtor e exportador de suco de laranja concentrado congelado do mundo, em 1982. Os maiores mercados consumidores eram os Estados Unidos e a União Européia. Os anos 70 e 80 foram de expansão. Durante os anos 80, os citricultores reivindicaram e conquistaram um contrato que lhes proporcionava o direito de ter participação nos ganhos do mercado internacional. O contrato padrão, que começou a vigorar em 1986, incluía em suas cláusulas um item que atrelava o preço da caixa de laranja às cotações do suco concentrado na Bolsa de Nova Iorque e naquele período isso foi uma grande vitória, porque as cotações estavam em constante alta. Nos anos 90, perspectivas negativas rondaram o setor, começando pelo fato de que os pomares da Flórida tinham sido deslocados para regiões localizadas mais ao sul, onde as geadas não os atingiam. Desta forma, houve um aumento da produção norte-americana e a previsão de que os Estados Unidos atingiriam a auto-suficiência até o final da década. A grande expansão da plantação de citrus no Brasil, em decorrência dos altos lucros obtidos nos anos anteriores, contribuiu para que a produção mundial de laranja e suco fosse grande, o que fez com que as cotações do suco nas bolsas sofressem quedas. Outros fatores foram de grande importância para que o complexo citrícola entrasse num processo de mudanças e crise para os produtores. Entre eles, o processo de integração vertical, no qual as empresas passaram a produzir laranjas em pomares próprios, e a quebra do contrato padrão em 1995, que alterou a relação de compra e venda da laranja para as indústrias processadoras. Portanto, embora a indústria citrícola brasileira não tenha perdido seu posto de maior exportadora mundial, a dinâmica do complexo citrícola mudou a partir dos novos acontecimentos. Estruturalmente, o complexo agroindustrial citrícola apresenta as seguintes características: é responsável por grande parte da área agrícola ocupada no Estado de São Paulo (840 mil ha), onde atuam cerca de 17 mil citricultores em 330 municípios. A atividade citrícola gera cerca de 400 mil empregos no campo e 8 mil na indústria, sendo esta composta por 11 agroindústrias processadoras de suco concentrado, que movimentam algo em torno de 1 bilhão de dólares anuais em exportações. 1 Enquanto os produtores são em número bastante elevado, a indústria é concentrada, com poucas delas tendo grande participação na quantidade processada e exportada. Desde o início, acentuaram-se características de um oligopólio concentrado, caracterizado por POSSAS (1985) "pela ausência de diferenciação dos produtos, dada sua natureza essencialmente homogênea, pouco passível de diferenciação". Este tipo de oligopólio é marcado também pela alta concentração técnica, em que poucas unidades produtivas detêm parcela substancial da produção. A competição no mercado, segundo o autor, não se dá via preços, mas pelo comportamento do investimento face ao crescimento da demanda. Isto pode ser dado tanto pela introdução de novos processos, visando a redução de custos e melhoria da qualidade do produto, quanto pela iniciativa de ampliar a capacidade, antecipando ou reagindo ao crescimento do mercado. Atualmente, o segmento industrial tem a Cutrale, Citrosuco, Coimbra, Cargill e Citrovita como as grandes produtoras e exportadoras de suco concentrado. As demais possuem uma participação bastante pequena. Uma outra forma de participação no segmento industrial é através dos pools de produtores. Estes pools são grupos formados por citricultores, que se unem para a venda da laranja ou para o processamento de sua produção, alugando capacidade produtiva em unidades de processamento de outras empresas. Este é o caso do grupo Montecitrus, um pool de citricultores com sede em Monte Azul Paulista, que não construiu inicialmente unidade de processamento industrial, mas utilizou outras unidades, através do aluguel dos equipamentos, para produzir suco com a laranja produzida pelo grupo. Há alguns anos a laranja deste pool era processada em sua maior parte na Cargill e outra parcela na Citrosuco e Cutrale. Posteriormente o processamento passou a ser feito na Cambuhy Citrus, empresa com a qual o grupo Montecitrus participou em investimentos para ampliar a capacidade de produção, na unidade da empresa em Matão. Após esta associação com a Cambuhy (empresa pertencente ao grupo Moreira Salles) e a compra de 32% das ações da CTM Citrus, houve um rompimento da Montecitrus com as demais empresas, onde processava antes. Assim, a Montecitrus passou a processar apenas na unidade da Cambuy, sendo que esta empresa foi vendida no final dos anos 90 para a Citrovita. A Montecitrus é formada por um grupo de produtores. Um desses produtores iniciou a produção de laranja orgânica, tornando-se pioneiro na produção desta laranja não apenas no Brasil como no mundo. Segundo este produtor, a iniciativa de produzir a laranja orgânica ocorreu com o 1 Dados da ABECITRUS e FUNDECITRUS, 1999. intuito de diferenciar o produto em relação ao dos demais produtores, já que o suco concentrado de laranja é comercializado como commodity sendo, portanto, padronizado. Assim, esse produtor teria buscado uma alternativa que não é comum num setor onde não se concorre via diferenciação e via preços, mas basicamente via redução de custos. 3.2 Aspectos técnicos da produção da laranja e do suco O caso da laranja e do suco orgânico foi analisado com base no caso de uma fazenda localizada na região do cinturão citrícola paulista. O pomar analisado conta atualmente com 160 mil pés de laranja de diversas variedades, mas a transformação foi gradual, tendo se iniciado, em 1992, em apenas alguns talhões, mas tendo logo atingido grandes proporções. Para o pomar ser considerado orgânico, houve um período de transformação, que durou três anos, no qual foi eliminada a utilização de qualquer pesticida, fertilizante ou herbicida químico. Somente após este período o pomar passou a ser considerado orgânico. O selo de certificação demorou um pouco mais a chegar; a propriedade foi certificada pelo IBD no ano de 1998. Formar um pomar orgânico é mais arriscado do que convertê-lo, porque nos primeiros anos as plantas ficam muito suscetíveis às doenças, especialmente a Clorose Variegada de Citrus (amarelinho), pedindo um tratamento que utilize insumos químicos. Portanto, é mais seguro formar o pomar normalmente, utilizando insumos químicos, e depois passar para o cultivo orgânico, quando o pomar estiver com aproximadamente cinco anos. A produção da laranja orgânica tem como principal diferenciação técnica em relação ao cultivo tradicional a não utilização de agrotóxicos e fertilizantes químicos. Quando se deixa de utilizar os insumos químicos, o cultivo da laranja se dá basicamente com a utilização de enxofre e as caldas sufocálcica e bordalesa. A adubação do solo é feita basicamente através de um composto de esterco de galinha, mas também se realiza a adubação verde, através da cultura consorciada, com o plantio de soja e labe-labe. O controle de mato é feito com carpa mecânica e manual, já que não é possível utilizar herbicidas. Existe também no pomar um sistema de irrigação. A laranja orgânica tem uma exigência de mão-de-obra maior do que o pomar convencional, porque são necessárias pulverizações mais constantes, além dos cuidados com o controle das pragas, através de inspeções periódicas. Segundo a pesquisa realizada, 40% a mais de mão-de-obra é utilizada em relação ao que se utiliza na citricultura tradicional. A maior necessidade de mão-de-obra a princípio poderia ser um fator de encarecimento da produção, no entanto, o custo dos insumos utilizados neste cultivo é menor e, mesmo que eles sejam utilizados em maior quantidade e mais freqüentemente que os insumos químicos, o custo totalizado com eles ainda é inferior. Desta forma, os gastos adicionais com mão-de-obra parecem ser compensados pelos custos mais baixos dos insumos. Deve-se considerar, contudo, que os custos com manutenção dos equipamentos e os custos com a irrigação podem contribuir para o aumento de custos. O custo total da produção não nos foi fornecido, porém, pode-se estimar que, principalmente pelos insumos apresentarem custos mais baixos, o cultivo da laranja orgânica não se diferencie da laranja tradicional neste aspecto. A propriedade de laranja orgânica recebe visitas periódicas do Instituto Biodinâmico de Desenvolvimento – IBD – o órgão responsável pela certificação do produto. Além das inspeções técnicas do IBD, onde se analisa solo, fruta, folhas e compostos, os compradores do suco fazem visitas para analisar o processo produtivo da laranja, e ainda exigem a análise do suco na fábrica e no local onde ele é recebido. Quanto à parte industrial, o suco produzido com a laranja orgânica não apresenta nenhuma diferença no processo; apenas é necessário que todos os equipamentos passem por uma lavagem, para que não fiquem resíduos do suco convencional nos equipamentos. A necessidade da limpeza requer uma concentração do período de processamento deste suco, pois se deve aproveitar quando os equipamentos estão prontos, para processar o máximo de laranja possível. Devido a isto, em geral a colheita também acaba sendo concentrada em pouco tempo. A venda do suco é feita pela Montecitrus, da qual o produtor da laranja orgânica é integrante. O mercado para este suco orgânico se manifestou a partir de uma apresentação do produto na Feita Internacional de Produtos Alimentares, realizada em Hannover, na Holanda. A partir daí, a demanda tem sido crescente, sendo que toda a produção é dirigida para o exterior, na maior parte para a Europa. O preço deste suco tem um “ágio” de cerca de mil dólares por tonelada, em relação ao suco concentrado comum. Para a safra 99/2000, os produtores esperavam conseguir até 2.500 dólares pela tonelada do suco orgânico. O “baby juice” é um suco orgânico diferenciado, feito com frutas mais doces e orientado para um mercado mais específico: o de bebês. Este suco tem um preço ainda mais elevado, atingindo cerca de 3 mil dólares a tonelada. A laranja “in natura” também tem sido vendida no mercado interno, porém em quantidade muito reduzida. Embora a laranja tenha sido vendida a um preço elevado em relação à laranja tradicional (o preço obtido ficou em torno US$ 4,5 a caixa), este mercado não é o foco da atenção dos produtores, que preferem o mercado externo de suco. As expectativas positivas em torno da expansão deste mercado estão fazendo com que o produtor aumente a plantação de laranjas orgânicas. 4. Considerações Finais. As perspectivas para os produtos orgânicos mostram-se no momento bastante animadoras. Além de existir um mercado consumidor em ascensão, principalmente nos países de primeiro mundo como Canadá, EUA, Japão, Reino Unido e países da CEE, onde este atributo está muito valorizado, ainda existem poucos produtores credenciados e os produtos certificados vêm recebendo um sobre-preço que gira em torno de 20% à 30% quando comparado aos produtos convencionais (FERRAZ, 2000). Além disto, existe um outro aspecto muito importante a ser analisado. Com o surgimento e a consolidação dos mercados globalizados é muito importante que os produtores brasileiros estejam atentos às exigências que os negócios, neste mercado globalizado, poderão trazer. Segundo afirma QUIRINO et al (1999) em um recente estudo, as atividades agroindustriais brasileiras que não se reorganizarem para a sustentabilidade, valorizando os preceitos da produção agrícola e agroindustrial segundo as exigências internacionais quanto a impactos ambientais, uso de mão-de-obra infantil e condições de trabalho inadequadas, irão ter sérias dificuldades em colocar seus produtos no mercado externo. Portanto, o que no curto prazo pode significar uma vantagem competitiva, a médio e longo prazo poderá se tornar uma necessidade. Assim, os produtores que já perceberam estas mudanças e estão conscientes de seus desdobramentos no futuro tenderão a se adaptar melhor às exigências deste mercado globalizado. Analisando especificamente a questão da laranja e suco orgânico, caso apresentado neste trabalho, fica evidente que o produtor em questão soube se beneficiar da diferenciação de seus produtos e vem obtendo sucesso tanto financeiro quanto de mercado. A estratégia utilizada por este produtor foi bastante agressiva, uma vez que não existiam na ocasião em que ele iniciou a conversão de seu pomar de produção convencional para produção orgânica, nenhuma garantia de que ele obteria sucesso na empreitada, pois não havia precedentes de produção de laranja orgânica no nosso clima. Além disto, o produtor não tinha ainda certeza que o seu produto, mais especificamente o suco de laranja orgânico, teria a valorização suficiente no mercado para cobrir os custos e riscos associados à introdução de uma nova técnica de produção agrícola e em tão grande escala. Quando se tenta extrapolar esta estratégia de diferenciação para outros produtores da área citrícola, percebe-se que o produtor estudado gozava de algumas especificidades que foram fatores chave para a obtenção de sucesso: o produtor em questão, ao contrário da maioria dos produtores citrícolas, apresentava-se capitalizado no momento da opção pela conversão, podendo “arriscar” um pomar na experiência, e pode-se dizer que foi exatamente esta escala de produção que viria a viabilizar o produto no mercado externo. Além disto, o produtor em questão detém grande conhecimento técnico e boas relações com institutos de pesquisa que auxiliaram-no no desenvolvimento de soluções específicas para o caso. Por ser integrante de um pool de produtores – o Montecitrus - que processa sua própria laranja, contou com esta facilidade para esmagar e transportar sua produção. Outro fator chave de sucesso foi o fato do produtor ter vislumbrado perspectivas de negócios via Feira de Produtos Orgânicos realizada na Holanda, a maior feira do gênero, utilizando-se ainda da infraestrutura oferecida pela Montecitrus, para apresentar seu produto na feira. Analisando-se estes fatores, percebe-se que para pequenos e médios produtores citrícolas descapitalizados, sem vínculo algum com empresas esmagadoras e sem acesso aos mecanismos de distribuição, é quase impossível neste momento decidir-se por produzir laranja orgânica. Isto poderá vir a ser uma alternativa viável para estes produtores somente através de contratos de fornecimento e/ou distribuição que ainda possam ser desenvolvidos com alguma empresa, para garantir a colocação da produção, caso contrário, ficará inviável para esta classe de produtores se inserirem neste mercado. 5. Referências Bibliográficas BARZEL, Y. Measurement Cost and Organization of Markets - Journal of Law and Economics, 25, April/1982. p.488-500. FARINA, E. Regras de Comércio e Segurança do Alimento. Gazeta Mercantil.Jun/1999, p.30 FERRAZ, E. Receita Natural. Exame. ed.713 n.9 ano 34, jun. 2000, p. 70-72. HOGAN, D.J.; VIEIRA P.F. (Orgs.) Dilemas socioambientais e desenvolvimento sustentável . 2ª edição, Campinas, UNICAMP, 1995. INSTITUTO Biodinâmico de Desenvolvimento Rural - Diretrizes para o padrão de qualidade orgânico. 8ª edição,1999. KAGEYAMA, A; GRAZIANO DA SILVA, J. A dinâmica da agricultura brasileira: do complexo rural aos complexos agroindustriais. Campinas: UNICAMP/IE, 1987 LARANJA Orgânica: a citricultura livre dos agrotóxicos. Unesp Rural. Jaboticabal, Unesp, 1999. MARTINELLI Jr., O. O complexo agroindustrial no Brasil: um estudo sobre a agroindústria citrícola no Estado de São Paulo. São Paulo : USP, 1987. Dissertação (Mestrado em Economia) Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade. NEVES, M.F.; CHADDAD, F.R.; LAZZARINI, S.G. : Alimentos - Novos Tempos e Conceitos na Gestão de Negócios. São Paulo. Editora Pioneira , 2000. OTTMAN, J. A . : Marketing Verde. São Paulo, Makron Books do Brasil, 1994. PINTO, L. F. G. ; PRADA, L. S. Certificação Agrícola Socioambiental : iniciativa piloto para a cana-de-açúcar. Informações Econômicas. v. 29, n. 5, maio 1999. p.19-29. PORTER, M. E. Estratégia Competitiva - Técnicas para análise de indústrias e da concorrência. Rio de Janeiro, Campus, 1991. POSSAS, M.L. Estruturas de mercado em oligopólio. 2º ed. São Paulo: Hucitec, 1990. QUIRINO, T. R. ; IRIAS, L.J. M. ; WRIGHT, J.T.C. : Impacto Agroambiental: Perspectivas, problemas, prioridades. São Paulo, Edgard Blücher, 1999. VIEIRA, A.C. Desafios para os pequenos produtores de laranja do Estado de São Paulo diante de novos fatores na relação agricultura/indústria nos anos 90. São Carlos: UFSCar, 1998. Dissertação (Mestrado em Engenharia de Produção), Centro de Ciências Exatas e Tecnologia.