9 de outubro de 2012 Empresas/Serviços UnitedHealth compra Amil em operação de R$ 9,8 bi Por Beth Koike De São Paulo Após três anos de conversas, a Amil fechou na madrugada de segunda-feira a venda de 90% do seu capital para a UnitedHealth Group em uma transação avaliada em R$ 9,8 bilhões. Trata-se da maior operação já fechada na área da saúde no país e marca a entrada da gigante americana no mercado brasileiro. Desse montante, cerca de R$ 6,5 bilhões serão divididos em partes iguais pelo fundador da Amil, Edson Bueno, e sua ex-mulher Dulce Pugliese. Os dois, que tinham 70% da companhia, ficarão com 10% do capital por pelo menos cinco anos. A operação prevê o fechamento do capital da Amil na bolsa (ver nesta página). Com a venda á United, Bueno terá uma participação de 0,9% no capital de uma das maiores empresas de saúde do mundo com uma receita estimada em US$ 110 bilhões neste ano. Apesar de essa fatia parecer pequena, Bueno será o maior acionista individual da UnitedHealth e também o primeiro estrangeiro a compor o conselho da companhia com sede em Minnesota. O médico desembolsará US$ 470 milhões pela participação no grupo americano de saúde. A Amil poderá ser a plataforma de expansão para América Latina, por meio de aquisições ou crescimento orgânico. Um dos fatores que atraíram Bueno é a plataforma tecnológica da empresa americana. "A United foi criada por pessoas de TI e tem os melhores sistemas de gestão e de healthcare. Eles foram fundados só um anos antes da Amil e olha o tamanho deles. Acho que em três anos a Amil será completamente outra", disse Bueno, que fundou a Amil em 1978. Sobre a concorrência que poderá lhe dar a posse de cinco hospitais e a gestão por dez anos de uma unidade hospitalar em Portugal, Bueno disse que "parece que ganhamos, mas não recebemos resposta oficial". Os ativos são da Caixa Geral de Depósitos. A United vislumbra um grande potencial de crescimento no Brasil, onde apenas 25% da população tem convênio médico. Nos EUA, essa fatia é de 80%. "Estamos certo de que encontramos o melhor parceiro possível para ingressar no Brasil. A Amil tem atuação concentrada no Rio e São Paulo, mas possui uma excelente capilaridade no restante do país", disse Stephen J. Hemseley, CEO da UnitedHealth, que está presente em 18 países. Com a chegada da gigante americana no Brasil, o mercado de saúde já espera a vinda de outros grupos internacionais para o país. "Acho que essa é uma tendência que veio para ficar e já é esperada porque hoje o setor brasileiro de saúde é um dos mais atrativos no mundo. Há uma procura forte por parte dos fundos e investidores estratégicos", disse Jorge Pinheiro, fundador da Hapvida, uma das maiores operadoras de saúde. O presidente da Anahp, associação dos 40 maiores hospitais do país, Francisco Balestrin, disse uma operadora de um porte tão relevante pode aumentar a pressão nos hospitais, mas acredita que a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) pode interferir caso os planos de saúde atrasem os pagamentos ou pressionem de tal maneira que a qualidade do atendimento caia. Outro fator que pesou na balança para Bueno se desfazer de sua operadora é o fato de seus dois filhos não trabalharem na companhia. "Vocação não é genético. Eu quero que meus filhos sejam felizes, independente do que façam", disse Bueno, que contou com a presença dos dois filhos durante coletiva de imprensa realizada ontem em São Paulo. Bueno informou ainda que nos próximos cinco formará um executivo de mercado com idade próxima dos 40 anos para sucedêlo. Nesse período, o médico acumulará os cargos de CEO e presidente do conselho. Ao anunciar a transação, um dos maiores questionamentos do mercado foi sobre a legislação que impede a participação de estrangeiros em hospitais. A Amil é dona de 22 hospitais e 50 clínicas médicas que atendem seus clientes e de outras operadoras. É a primeira vez que um grupo de outro país compra uma operadora brasileira com um portfólio tão representativo de hospitais. Bueno informou que desde 2002 tem um parecer favorável da Advocacia Geral da União (AGU) sobre esse tema. A bolsa recebeu bem a notícia. Desde o início de agosto, quando a venda da Amil começou a ser comentada no mercado, sua ação só fez subir - até o fechamento de sexta, a R$ 25,30, a alta acumulada foi de 35,6%. Ontem, após o anúncio da compra, os papéis já abriram com valorização - e fecharam em alta de 15,25% para R$ 29,16. Os investidores estão procurando a cotação sinalizada para a ação pela estrutura do negócio, de R$ 30,75. (Colaborou Ana Paula Ragazzi, do Rio) Um médico paulista com tino comercial Por Heloisa Magalhães Do Rio Nascido em Guarantã, a 370 quilômetros de São Paulo, Edson de Godoy Bueno, tem 69 anos. Nasceu em 22 de agosto, mas foram tantas as notícias ruins da Segunda Guerra Mundial naquele dia que o pai, Francisco, registrou o filho em 22 de setembro, na chegada da primavera. Cedo, Bueno precisou trabalhar. Perdeu o pai aos 6 anos. Comprava frutas e ovos em uma fazenda e vendia na cidade. Também era engraxate na estação do trem. Diante da concorrência, passou a buscar os sapatos na casa dos clientes. Aos 11, foi trabalhar na sorveteria do tio. Cursou o ginasial em Cafelândia. Não era bom aluno até que resolveu estudar medicina. O inspirador foi o médico com espírito missionário de sua cidade, Dr. Moacyr Junqueira. Diz que ele se tornou seu guia espiritual Cursou o científico em Araraquara. Dava aulas particulares para poder vir para a Faculdade de medicina do Rio de Janeiro, onde Dr. Moacyr estudou. Chegou ao Rio em 1965. Foi morar na rua Barata Ribeiro, número 200. Moravam onze, Bueno e mais dez, no apartamento. Com moradores de diferentes perfis e fama ruim, o prédio mudou de número, não é mais o 200. Bueno fez vestibular e passou de primeira. Na faculdade conheceu a primeira mulher, Dulce Pugliese. É sua sócia até hoje. Com a venda da Amil, como ele, coloca R$ 3,3 bilhões na conta pessoal. O sonho dos dois era ter o próprio hospital. Dinheiro curto, ambos fizeram concurso para fiscal de renda. Apenas passou. Foi quando Bueno recebeu convite para plantonista, em Duque de Caxias, na baixada Fluminense, a Casa de Saude São José. Trabalhava todas as noites. A casa de saúde ia mal e ele resolveu comprar a dívida dos donos com os salários atrasados. Saldou tudo em três anos. O negócio cresceu. Ele oferecia lanche a pacientes pobres e sorteava enxovais. Ali começou o sonho de montar um plano de saúde. Foi então que convidou o colega Jorge Rocha, para montar um hospital pediátrico e outro geral. Criam, juntos, a Empresa de Serviços Hospitalares, centralizando compras, gestão de pessoal e tesouraria dos hospitais. Foi um período difícil. Quando entrou no azul, Bueno se disse pronto a criar um plano de saúde. Nascia a Amil. Por bom tempo foi o pior negócio do grupo. Até que em 1978, o próprio Bueno começou a negociar o atendimento de usuários do plano com donos de hospitais. Em 1984, foi estudar na Harvard Business School. Mas não falava inglês. Aprendeu com um colega. Ali iniciou o sonho da Amil ter presença internacional. A empresa chegou aos EUA e à Argentina no início dos anos 90, mas o projeto precisou ser revisto. Edson Bueno é um humanista e comerciante nato. Não liga para dinheiro, segundo o livro "Nosso Edson", editado pela Amil em 2001, com texto de Bjarke Rink. Bueno vendeu o controle porque além dos herdeiros não terem perfil para o negócio, perseguia o sonho da Amil tornar-se gigante. Na lista deste ano da Forbes, Edson Bueno aparecia na 20ª colocação entre os brasileiros mais ricos, com US$ 2,2 bilhões. Na operação com a United, a fortuna vai praticamente dobrar. Reaberto o debate sobre capital estrangeiro Por Adriana Meyge De São Paulo A compra da Amil pela americana UnitedHealth Group reabriu o debate sobre a participação de empresas de capital estrangeiro no setor de saúde nacional. Há duas posições no mercado, ambas amparadas por lei. Mas uma fonte da Agência Nacional de Saúde (ANS), que terá que dar o seu aval à venda da Amil, disse ao Valor ontem que não vê problemas na operação. "A Constituição brasileira veda o investimento estrangeiro em serviços de saúde, incluindo hospitais, salvo na existência de lei específica", informou ontem a Amil. "No caso de operadoras de planos de saúde, existe lei específica autorizando a participação de capital estrangeiro", afirma a companhia. Trata-se da Lei 9.656, de 3 de junho de 1998. Segundo a Amil, essa lei "diz que operadoras de planos de saúde podem prestar serviços médicos, que incluem hospitais". Essa lei permitiu que, "desde 2007, investidores estrangeiros" investissem na Amil, via bolsa de valores, informou a operadora. "Hoje, este investimento estrangeiro equivale a quase 30% de nosso capital", diz a operadora. O fundador da Amil Edson Bueno, afirmou em teleconferência ontem que os hospitais não são o principal negócio da empresa: "Nós somos uma operadora, com 4,4 milhões de clientes e 22 hospitais. Além disso, esses hospitais são usados para reduzir custo". Há quem não concorde com essa posição. "A meu parecer, esses hospitais também vendem serviços para terceiros, portanto não é só uma questão interna", disse José Luiz Toro da Silva, advogado da Toro Advogados Associados e presidente do Instituto Brasileiro de Direito da Saúde Suplementar. "A não ser que a rede seja toda própria, eles teriam que tirar os hospitais". Completou: "Se for a venda do controle societário só da operadora de saúde não tem problema, após aprovação da ANS". A Constituição Federal de 1988 veda a participação direta ou indireta de empresas ou capitais estrangeiros na assistência à saúde no país, salvo nos casos previstos em lei. Na visão de alguns advogados, a lei 9656, de 1998, permite a participação de capital estrangeiro nas operadoras, mas a lei não cita hospitais. A norma constitucional, portanto, continua valendo para os hospitais. Felipe Hannickel Souza, advogado sênior do Salusse Marangoni Advogados e coordenador da área de saúde do escritório, "não vê espaço" na Constituição hoje para afirmar que, pelo fato de os hospitais não serem o negócio predominante de uma operadora de saúde, a compra por uma empresa estrangeira seria autorizada. (Colaborou Beth Koike) Minoritário recebe valor igual ao do controlador Ana Paula Ragazzi Do Rio Edson Bueno, criador da Amil, encerrou ontem uma teleconferência sobre a venda da empresa à Uni - ted Health Group dizendo que vai sentir saudades do mercado. E, desde, ontem, o mercado também. A operação de venda de sua companhia foi justa com os acionistas minoritários da empresa — eles vão receber, por ação, o mesmo valor a ser pago pela United a Edson Bueno e sua exmulher Dulce Pugliese. A operação anunciada ontem não trouxe discussões ou arquiteturas sofisticadas para fugir da extensão do pagamento do prêmio aos pequenos acionistas. A Amil foi avaliada a R$ 30,75 por ação — valor 22% superior ao do papel no fechamento do pregão da sexta-feira. E uma oferta pública para todos os acionistas acontecerá assim que a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) aprovar o negócio. “Todos os acionistas da Amil devem estar felizes, pois foram muito respeitados pela compan h i a”, afirmou o empresário. Quando a história da Amil na bolsa começou, ninguém apostaria em um final de harmonia como esse. A estruturação da oferta inicial foi feita simultaneamente ao divórcio do casal Edson e Dulce Bueno. Naquele momento, foram extintos contratos com partes relacionadas, que misturavam a Amil com a vida e os trabalhos de seus familiares. Apesar de essas relações terem sido revistas, o mercado sempre olhou com alguma desconfiança o empresário, do ponto de vista de governança. Tanto que, quando ele tornou-se o maior acionista individual da Dasa, em 2010, investidores logo mostraram preocupação com o fato de a empresa poder voltar a ter influência de um empresário pouco mais de um ano depois de seu fundador, Caio Auriemo ter se afastado da empresa depois que fundos assumiram o conselho da rede de laboratórios. A família Auriemo prestava todo tipo de serviços, de decoração à estacionamentos, para a Dasa, o que sempre foi mal visto pelos investidores. Quando Bueno e Dulce tornaram- se os maiores acionistas individuais da Dasa, a interferência de ambos na empresa foi de certa forma blindada, com a definição de condições e prazos para que ambos indicassem nomes para o conselho e a diretoria da empresa de laboratórios. “Bueno foi muito correto com os minoritários, contrariando a avaliação que muitos no mercado possuíam dele”, resume Bruno Barreto, sócio da Investid o r Profissional (IP). O criador da Amil confessou na teleconferência que não queria listar sua empresa na bolsa, em 2007. “Fui convencido por um amigo empresário. Mas ainda assim só pensava que não ia aguentar um monte de jovens [referindo-se aos analistas] enfiando o dedo no meu nariz.” Em seguida agradeceu aos analistas pelo convívio sempre positivo e respeitoso, mesmo quando a empresa não concordava com os questionamentos ou relatórios de análise. Bueno também disse que olhando tudo o que viveu na Amil como companhia aberta só pode hoje dizer que “adorou ir para a bolsa”. Quando a Amil chegou ao mercado, ao final de 2007, Bueno e Dulce venderam perto de 30% da companhia e receberam R$ 206 milhões cada um. Cinco anos depois, hoje, com a venda de uma participação de cerca de 60% para a UnitedHealth, cada um receberá perto de R$ 3,3 bilhões. Durante esses anos a empresa cresceu de forma orgânica e também via aquisições. A despedida da bolsa, entretanto, não será tão breve — a oferta para os minoritários da empresa, se a ANS aprovar a operação, só deverá ocorrer no primeiro semestre de 2013. E tanto Edson quanto Dulce continuam os principais acionistas da Dasa.